Educação e Tecnologia

ENSINAR FRANCÊS POR DISPOSITIVOS MÓVEIS: UMA EXPERIÊNCIA COM DUOLINGO E WHATSAPP

TEACHING FRENCH BY MOBILE DEVICES: AN EXPERIENCE WITH DUOLINGO AND WHATSAPP

Tiago Barbosa Souza
Universidade Federal do Piauí, Brasil
Maria Iara Zilda Návea da Silva Mourão
Universidade Federal do Piauí, Brasil

ENSINAR FRANCÊS POR DISPOSITIVOS MÓVEIS: UMA EXPERIÊNCIA COM DUOLINGO E WHATSAPP

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 10, núm. 2, pp. 206-219, 2017

Universidade Federal de Minas Gerais

Recepção: 31 Agosto 2017

Aprovação: 13 Novembro 2017

Resumo: O presente trabalho objetiva apresentar o relato de uma prática pedagógica que enfatizou o uso de ferramentas tecnológicas no ensino de língua francesa. Essa prática foi pensada dentro do projeto de monitoria da UFPI, nos dois períodos de 2015, nas disciplinas de Língua Francesa I e II, nas quais se experimentou o uso de ferramentas virtuais pelos alunos, com fins pedagógicos. Dentre essas ferramentas, enfatizou-se o manuseio dos aplicativos gratuitos Duolingo e WhatsApp, com a intenção de que o aprendizado fosse levado para além das fronteiras da sala de aula, a partir de um contato frequente com a língua estudada e pelo estímulo à comunicação nessa língua. A escolha desses dois meios se deu com base na ideia de que muitos aplicativos e sítios dedicados ao aprendizado de línguas adicionais, como o Duolingo, oferecem um suporte gramatical da língua estrangeira, mas não conseguem suprir a necessidade de comunicação e interação que tornam o aprendizado da segunda língua mais eficaz. Dessa forma, pensou-se que o WhatsApp, aplicativo de conversas instantâneas, pudesse suprir tais necessidades. Os resultados dessa experiência demonstraram que é possível intensificar o aprendizado de língua francesa através dessas ferramentas acessórias, considerando suas limitações. Como referencial teórico, foram usados, entre outros, os estudos de Cuq e Gruca (2003), sobre uma visão geral da didática de línguas estrangeiras e do ensino de francês e Gomes (2015), Leffa (2016), Araújo e Bonttentuit (2015) sobre uso de ferramentas tecnológicas para propósitos educacionais.

Palavras-chave: didática do ensino de línguas estrangeiras, francês língua estrangeira, Duolingo, WhatsApp.

Abstract: This work aims at presenting the report of a pedagogical practice that emphasized the use of technology-based tools in the teaching of French language. This practice was conceived within the mentoring project in UFPI along 2015, in the disciplines French I and II, in which the use of virtual tools by the students was experimented for pedagogical purposes. Among these tools, it was emphasized the handling of the free applications Duolingo and WhatsApp, aiming at carrying the learning beyond the borders of the classroom, by a frequent contact with the target-language and by the stimulus to the communication in that language. The choice of these two media was based on the idea that many apps and sites dedicated to additional languages learning, such as Duolingo, offer a grammatical support of the foreign language, but they cannot supply the need for communication and interaction that makes the target-language learning more effective. Then, WhatsApp could meet such needs, since it’s an instant messaging app. The results of this experiment demonstrated that it is possible to intensify the French language learning through these technology-based tools, considering their limitations. As a theoretical reference, the studies of Cuq and Gruca (2003) about an overview of foreign language teaching, also Gomes (2015), Leffa (2016), Araújo and Bonttentuit (2015) about the use of technology-based tools in teaching French as a foreign language.

Keywords: didactics of foreign language teaching, French as a foreign language, Duolingo, WhatsApp.

1 Introdução

Os avanços tecnológicos permitiram muitas mudanças e vantagens para vários aspectos da vida moderna. Entre esses aspectos, pode-se destacar o uso de ferramentas virtuais no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, como alguns aplicativos específicos para esse fim, que mesmo fora de contextos formais de ensino já são uma realidade, como pode-se observar pelos altos números[1] de utilização e downloads desse tipo de software para smartphones, tablets e outros dispositivos móveis. O uso desses aplicativos por vezes ocorre de forma não muito proveitosa, visto que comumente não é orientado por um profissional. Embora essas ferramentas tentem fomentar ao máximo uma autonomia do aprendiz, por sua própria essência virtual e solitária, observa-se que a falta de interação com outros falantes e aprendizes da língua-alvo é um dos principais problemas nesses meios, além da ausência de mediação por um professor. Sobre o papel do professor nessa era de grande difusão do conhecimento e da informação, Demo (2009, p. 70) considera que o professor deve assumir o papel de coach, membro mais experiente que “orquestra habilidades, compõe interesses, lidera processos, ativa dinâmicas”.

Acredita-se que esse acompanhamento no manejo de aplicativos destinados ao ensino de língua estrangeira (doravante LE) possa tanto potencializar o uso desses aplicativos, no sentido de melhorar o aproveitamento dos usuários, quanto, na situação oposta – em sala de aula –, é possível utilizá-los a fim de enriquecer as experiências com a língua dentro e fora da aula, já que eles podem auxiliar alunos de cursos regulares presenciais a aumentarem seu tempo de contato com a língua-alvo. É importante sublinhar a rapidez e acessibilidade desses equipamentos, se se levar em conta que eles podem ser adicionados a aparelhos de telefonia celular “inteligentes”, que, nos últimos anos, tornaram-se muito comuns para os brasileiros de todas as classes sociais. No Brasil, segundo a pesquisa Mobile Report, da Nielsen IBOPE[2], estima-se que o total de pessoas que utilizam a internet por meio de um smartphone chegou a 68,4 milhões no primeiro trimestre de 2015 – ano de realização da nossa experiência pedagógica. Essa pesquisa destaca um aumento de dois pontos percentuais nessa utilização por parte das classes sociais de menor renda (C, D e E) em relação ao trimestre anterior, passando de 36% para 38%. No caso das duas turmas em que o experimento foi realizado, a totalidade dos alunos possuía aparelhos de celular com capacidade de instalação dos dois aplicativos propostos, o que garantiu a inclusão de todos no processo.

O uso de aplicativos de celular no ensino pode representar um recurso tecnológico muito prático, na medida em que os aparelhos já são utilizados pelos alunos diariamente, bastando o seu aproveitamento para os objetivos pedagógicos do professor, diminuindo a necessidade de investimentos financeiros por parte das instituições, do professor e mesmo dos alunos. Dessa forma, para que se possa aproveitar da melhor maneira as possibilidades para o ensino de língua oferecidas por essa ampliação do acesso à tecnologia, observou-se a necessidade de realizar pesquisas e propor práticas inovadoras sobre situações de ensino e aprendizagem mediadas por essas ferramentas que podem ampliar e qualificar, de uma forma mais simples, a experiência com a LE.

De acordo com Gomes (2015, p. 17),

Artefatos tecnológicos tais como vídeos e filmes podem permitir aos aprendizes assumir o controle sobre seu próprio aprendizado, ajudando a romper com a visão tradicional da escola como única depositária do saber ou único espaço de transmissão de conhecimento, incompatível com as atuais demandas sociais por informação e saber.

Com base nisso, observa-se a possibilidade de mudanças nas práticas educativas de modo a abranger e tirar proveito dessas novas relações das pessoas com as tecnologias da informação. Os novos hábitos sociais em relação ao uso de dispositivos móveis e da internet sinalizam a possibilidade de (re)pensar abordagens de ensino.

Este trabalho tem por objetivo relatar uma experiência pedagógica realizada por seus autores, enquanto professor e monitora, com duas ferramentas tecnológicas para uso em dispositivos móveis, os aplicativos Duolingo e WhatsApp[3], no ensino de francês língua estrangeira. O uso desses aplicativos foi pensado com a intenção de levar o aprendizado para além da sala de aula, a partir de um contato frequente por parte do aluno com a língua-alvo e pelo estímulo à comunicação nessa língua, o que se estimou ser facilitado por esses meios tecnológicos já tão comuns na vida dos alunos. Para embasar nossa prática, tomou-se por método a perspective actionnelle – em português, perspectiva acional ou funcional –, segundo a qual o aprendizado de uma língua estrangeira se realiza na ação do aluno socialmente contextualizada e no desenvolvimento da sua autonomia (CUQ; GRUCA, 2005, p. 269-270).

2 As metas pedagógicas da proposta

Este trabalho pretende contribuir para a reflexão sobre a utilização de recursos tecnológicos no ensino de língua francesa, em específico em dispositivos móveis, apresentando e analisando a prática pedagógica de uma experiência de monitoria em duas turmas da disciplina de Língua Francesa II da graduação em Letras Português-Francês da UFPI, que consistiu no incentivo e orientação dos alunos, por parte do professor orientador e da monitora, no uso dos aplicativos Duolingo[4] e WhatsApp[5] no aprendizado de língua francesa. Os resultados dessa prática foram observados no decorrer da experiência, seja pelas interações no WhatsApp, seja pelos relatórios de pontuação que o Duolingo oferece ao professor, mas também procurou-se fazer uma entrevista com alguns[6] alunos envolvidos, a fim de saber qual a sua percepção sobre essa experiência. O questionário dessa entrevista visou à elucidação de dúvidas sobre a participação dos alunos e à observação dos resultados do experimento do ponto de vista dos aprendizes, que poderiam sugerir melhorias para intervenções posteriores do mesmo tipo.

Conforme o professor da disciplina reiterou frequentemente com as duas turmas, é preciso aumentar ao máximo a frequência e o tempo de exposição à língua adicional que se está aprendendo. Essa lógica é defendida pelos próprios idealizadores do Duolingo, cujas mensagens e lembretes que são enviados diariamente aos usuários reiteram esse fator. Contudo, a distribuição da carga horária das disciplinas de Língua Francesa da graduação na UFPI concentra as aulas em apenas dois dias por semana, somando quatro horas semanais e 60 horas por semestre, o que representa uma distribuição do tempo pouco favorável. Além disso, os alunos não contam com muitas oportunidades de interação em francês fora da sala de aula, seja pela questão cultural brasileira de pouco estímulo a diversidade linguística, seja pelo frequente posicionamento passivo dos alunos, que não buscam meios de comunicar e de se expor à língua-alvo.

Imaginou-se que, através do uso desses aplicativos, os alunos pudessem levar seu aprendizado além dos limites da sala de aula, a partir de um contato frequente com a língua estudada, o que é imprescindível para o aprendizado de uma língua, e pelo estímulo à comunicação nessa língua, outra questão bastante enfatizada no ensino de línguas estrangeiras a partir da abordagem comunicativa desenvolvida nos anos 80 e 90. Segundo Cuq e Gruca (2005), essa abordagem, apesar de se referir a uma variedade de procedimentos que evoluíram durante esse tempo, continuando até hoje, em geral, coloca o desenvolvimento de uma competência comunicativa na língua-alvo como ponto principal do aprendizado de LE, através de um ensino que privilegie a dimensão social da língua. Dessa forma, a concepção de aprendizagem em LE se dinamiza ao colocar o aluno no centro desse processo e o professor como aquele que propõe situações que estimulem a comunicação.

De acordo com Tondeli et al. (apud GOMES, 2015, p. 12),

O ensino de línguas estrangeiras foi, por muito tempo, dominado por um tipo de tecnologia bastante rudimentar: quadro de giz e livros. Com o surgimento de novas teorias sobre aprendizagem e o desenvolvimento de equipamentos modernos, esse ensino passou a utilizar-se de um número crescente de diferentes aparelhos que dão suporte às teorias vigentes.

Com isso, considerou-se que a abordagem através de tarefas comunicativas pode ser bem explorada com o uso das ferramentas tecnológicas propostas na experiência. Nesse sentido, a escolha do aplicativo WhatsApp foi pensada para suprir a necessidade de atividades que fossem além da dimensão linguística, passando pelos componentes sociolinguísticos, discursivos, multimodais e estratégicos propostos pela abordagem comunicativa (CUQ; GRUCA, 2005, p. 265-266). Observou-se que esses componentes não eram contemplados pelo Duolingo, que enfatizava a dimensão linguística e propunha uma abordagem estruturalista. Segundo a análise de Leffa (2016, p. 152) desse aplicativo, ao optar pelo ensino do sistema da língua, ou seja, pela ênfase no entendimento do funcionamento da língua, e descartar totalmente a prática funcional, o Duolingo perde a oportunidade de ao menos tentar ensinar o sistema e capitalizar sobre a prática funcional. Esse aplicativo poderia aproveitar mais sua condição virtual, que facilita a criação de comunidades de falantes, e transformá-la em uma oportunidade para o uso da língua como instrumento de comunicação e de ação, e não apenas como objeto de análise.

Apesar do aproveitamento recente do WhatsApp para fins pedagógicos, já existem alguns estudos sobre o uso desse aplicativo de diversas formas em situações de ensino. Araújo e Bottentuit Junior (2015) apresentam mesmo uma revisão de literatura sobre o assunto.

A prática analisada neste estudo aconteceu na Universidade Federal do Piauí, nos dois períodos do ano de 2015, com alunos das turmas de Língua francesa I e II da graduação em Letras Português-Francês, ou seja, os alunos ingressantes no curso. É preciso destacar que a maior parte dos alunos que ingressa no curso de Português-Francês nessa Instituição de Ensino Superior tem pouco ou nenhum conhecimento prévio da língua francesa, visto que no Estado do Piauí o ensino de francês é pouco incentivado tanto pelo poder público quanto pela esfera privada, posto que não se tem essa língua nos currículos escolares do ensino básico e são poucos os cursos de idiomas que a contemplam, assim como poucas escolas particulares que oferecem a língua como opção para seus alunos. Sendo assim, as duas primeiras disciplinas de francês cumprem um importante papel para a permanência dos alunos no curso, já que, muitas vezes, serão os primeiros contatos desses alunos com língua. Trata-se de um momento crucial de introdução que costuma definir as posturas de cada aluno no decorrer da formação de cinco anos.

Esses alunos ingressantes frequentemente nunca aprenderam qualquer língua adicional – salvo o precário inglês ou espanhol na escola – e raros deles tem o hábito do estudo necessário para a aquisição de língua, restando quase exclusivamente a sala de aula como ambiente de exposição à língua-alvo e de interação nesta. Nesse contexto, o uso de ferramentas tecnológicas virtuais de fácil acesso[7] poderia diminuir os efeitos desses impasses (como o desestímulo e até mesmo dificuldades de aprendizado) vindos da realidade da língua francesa no Piauí, levando o contato com a língua e a cultura para além dos limites da sala de aula.

3 Os dispositivos móveis no ensino de francês

Tendo isso em vista, procurou-se (professor e monitora) desenvolver uma prática pedagógica que envolvesse ferramentas virtuais acessíveis que pudessem aumentar o contato com a LE. Pensou-se em um primeiro momento em enfatizar apenas o uso do aplicativo Duolingo, mas, devido ao fato de sua abordagem ser muito ligada a gramática e tradução, através de reprodução e repetição, excluindo as possibilidades de comunicação e interação na LE, resolveu-se buscar uma ferramenta complementar também virtual que suprisse essa necessidade, sendo o WhatsApp o aplicativo que mais se adequou às nossas necessidades, pois, além de ser voltado exatamente para a comunicação virtual, permite a exploração de diversos meios de comunicação, através do uso de diversas mídias, o que vislumbrou-se ser uma excelente oportunidade para o aprendizado do francês.

Apostou-se que nesse aplicativo os alunos poderiam exercitar sua competência comunicativa, através da interação com os colegas, com o professor e com a monitora, do compartilhamento de materiais (vídeos, áudios, músicas, imagens) relacionados ao aprendizado da língua e ao conhecimento da cultura de expressão em língua francesa, e também da realização de tarefas vinculadas com a realidade do aluno, conforme a perspectiva acional e a ideia de tarefas comunicativas, cunhadas pelo Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas – QECRL (CONSELHO DA EUROPA, 2001, p. 85-89).

Após um período de observação da turma, decidiu-se iniciar com os alunos o uso do Duolingo e solicitou-se a sua entrada em uma única sala virtual para as duas turmas, intitulada “Français UFPI 2015”, na página desse aplicativo, em que o progresso dos alunos poderia ser acompanhado pelo professor. Essa possibilidade de acompanhamento do desempenho de usuários por parte do professor foi incrementada após o fim das interações que resultaram nesta pesquisa. Até então, o professor apenas tinha acesso à pontuação obtida por cada aluno e não podia lhe propor atividades especificadas por temas, nem saber em que assuntos o aluno estava com dificuldade apenas pela ferramenta de controle do sistema.

Concomitantemente, passou-se a incentivar na turma uma nova maneira de utilizar o grupo já existente no aplicativo WhatsApp, que havia sido composto por todos os alunos que demonstraram interesse em participar, o professor e a monitora. Nesse grupo, que antes se destinava a avisos e questões técnicas relativas à monitoria, passou-se a trabalhar para que se pudesse interagir o máximo possível em língua francesa, compartilhar arquivos de diferentes mídias, tirar dúvidas, propor atividades, ou seja, para que se criasse um espaço virtual para falar em francês e sobre francês. É preciso destacar que o uso desses aplicativos não era obrigatório e o professor não se baseou neles como ferramentas indispensáveis para o aprendizado dos assuntos propostos no plano de curso e nem tampouco para fins de avaliação no sentido de atribuição de notas, dado o teor experimental da pesquisa-ação.

A ideia era fazer com que os alunos – que já se ocupavam constantemente com seus dispositivos móveis – passassem a se ocupar diariamente com qualquer experiência, por mínima que fosse na língua-alvo ou relacionada a ela. O Duolingo envia e-mails diários convidando para realizar novas atividades e/ou para voltar a treinar, assim como seu aplicativo relembra o usuário por pop-up, com uma frequência razoável, que é preciso dispensar alguns minutos de cada dia para aprender uma nova língua. E, por outro lado, no WhatsApp, o professor e a monitora selecionavam materiais diversos, tais como notícias, vídeos, imagens, piadas e charadas, para manter uma interação constante no grupo, demandando o posicionamento dos alunos em relação às mídias postadas.

3.1 O desenvolvimento das atividades em cada aplicativo

Para o trabalho com o Duolingo, primeiramente solicitou-se que os alunos fizessem um teste de nivelamento disponibilizado pelo próprio aplicativo, caso desejassem, e que se vinculassem à sala virtual da turma, para que o professor pudesse acompanhá-los. Esse acompanhamento é possível quando os alunos se filiam à turma virtual do programa. A partir desse momento, o professor passa a acompanhar quando e quantas atividades cada aluno realizou através de uma pontuação individual, o que permite que o educador contate cada usuário caso pretenda estimulá-los a participar mais.

O grupo do WhatsApp existia desde o primeiro período (Língua Francesa I), mas só se começou a trabalhar nele como um espaço de aprendizagem através da realização de tarefas e comunicação específicas na língua-alvo a partir do segundo período (Língua Francesa II), quando os alunos já estavam mais integrados uns com os outros e já tinham algum conhecimento sobre o francês. No entanto, ainda no primeiro período, esse aplicativo se mostrou uma ferramenta de diálogo, permitindo que os alunos pudessem tirar dúvidas entre si, inclusive com a possibilidade de gravar áudios (Figuras 1.1, 1.2 e 2), que foi muito explorada pelos alunos, sem que, até então, isso fosse estimulado. Isso pode ser observado na figura a seguir. Para os fins desta pesquisa, os nomes que aparecem nas imagens do grupo neste trabalho são fictícios.

Conversa no WhatsApp antes de realizar a experiência.
Figuras 1.1 e 1.2
Conversa no WhatsApp antes de realizar a experiência.
Elaboração própria.

Conversa no WhatsApp com áudio (01/05/2015).
Figura 2
Conversa no WhatsApp com áudio (01/05/2015).
Elaboração própria.

No segundo período, professor e monitora tentaram explorar mais as possibilidades do aplicativo. Uma das primeiras atividades pensadas e das mais exploradas foi o envio de imagens divertidas que costumam circular pela internet em francês. Através delas, os alunos estariam exercitando não só a língua francesa em documentos autênticos, mas, a partir da construção do sentido da imagem, poderiam conhecer um pouco de seus contextos culturais. Dessa forma, por meio do envio de alguma imagem desse tipo pelo professor ou pela monitora, tentava-se incitar os alunos a desenvolver alguma resposta.

Exemplo de atividade com imagem.
Figura 3
Exemplo de atividade com imagem.
Elaboração própria.

Na maioria das vezes em que se compartilhava essas imagens e se propunham atividades a partir delas, grande parte dos alunos do grupo não participava como esperado, não respondendo com tanta rapidez ou frequentemente mudando de assunto, sendo preciso que o professor ou a monitora cobrassem alguma resposta ou retomassem o ponto, por exemplo, dando mais dicas sobre as atividades (Figuras 4.1 a 4.7). No entanto, observou-se que após esses estímulos os alunos comumente se envolviam nas atividades.

 Exemplos de atividade em que a participação da maioria dos alunos não foi tão efetiva.
Figuras 4.1, 4.2, 4.3
Exemplos de atividade em que a participação da maioria dos alunos não foi tão efetiva.
Elaboração própria.

Exemplos de atividade em que a participação da maioria dos alunos não foi tão efetiva.
Figuras 4.4, 4.5, 4.6 e 4.7
Exemplos de atividade em que a participação da maioria dos alunos não foi tão efetiva.
Elaboração própria.

Uma atividade que envolveu bastante os alunos e cujos resultados ultrapassaram as expectativas foi o compartilhamento de músicas em francês. Como se sabe, a música de expressão em língua francesa atual não é tão conhecida no Brasil, como outrora foram os clássicos de meados do século XX. Porém, é preciso observar que a música é um ótimo instrumento para a aprendizagem de uma língua e está muito aliada à vida dos jovens, faixa etária de boa parte das turmas em questão. Tendo isso em vista, começou-se a incentivar o compartilhamento de músicas por parte de todos os membros do grupo. Essa prática acabou resultando no conhecimento, por parte de todos, de um conjunto de músicas mais ou menos atuais que, por vezes, levavam ao interesse por outras mídias, como filmes e livros, além de impulsionar os alunos a pesquisas e ao estudo ou a tradução de tais músicas.

Além dessas vantagens, essa experiência trouxe uma surpresa muito relevante: um dos melhores resultados dessa atividade foi o compartilhamento de áudios em que os próprios alunos cantaram sua música preferida e o professor pôde dar orientações para melhorar a pronúncia no canto. Poucos alunos gravaram seus cantos, mas os que os fizeram enviaram no grupo para toda a turma ouvir, e todos ouviram ou leram as recomendações posteriores do professor. O interessante dessa intervenção é que ela partiu dos próprios alunos.

Alunos cantam no WhatsApp (17/09/2015 e 18/09/2015).
Figuras 5.1, 5.2, 5. 3, 5.4 e 5.5
Alunos cantam no WhatsApp (17/09/2015 e 18/09/2015).
Elaboração própria.

Essas intervenções virtuais permitiram uma interação que seria difícil de realizar em sala de aula – os próprios alunos relataram que não teriam cantado presencialmente. Pluskwa e Willis afirmam que:

Graças a seus temores de inexatidão, vários aprendizes têm receio de se exprimir em sala de aula ou fora dela, com medo de errar. Eles são incapazes de ficar à vontade em uma elocução que, apesar de acompanhada por alguns erros, seria perfeitamente aceitável na vida cotidiana (PLUSKWA; WILLIS, 2003, p. 207, tradução nossa).

Do ponto de vista da motivação dos alunos, foi interessante observar que eles costumam ter medo de se expressar na língua-alvo em sala de aula. A relação virtualizada que se praticou nessa experiência favoreceu uma diminuição desses medos, como pôde ser observado nessa atividade. Essa espécie de anonimato relativo, que parece motivar tal auto-exposição exclusivamente no ambiente virtual, pode ser resultado do modo como os usuários de redes sociais costumam interagir, em parte mantendo contato frequente e mais ou menos desinibido com pessoas desconhecidas.

Já do ponto de vista pedagógico, ou seja, os resultados dessa experiência, observou-se que os alunos tiveram facilidade em interagir no WhatsApp e a maioria deles participou das intervenções, respondendo ou comentando – e uma parte deles postando informações novas provenientes de suas pesquisas em francês. Uma avaliação mais pontual da experiência também foi realizada: após a utilização de um “meme de internet” (Figura 6 – Stromaïs), que continha uma montagem com o cantor Stromae, e de sua exploração no WhatsApp pelo professor, foi utilizado o termo “maïs” (milho, em francês) em um texto da prova escrita, sem que nada fosse comentado com os alunos.

Stromaïs (12/09/2015).
Figura 6
Stromaïs (12/09/2015).
Elaboração própria.

A meta dessa analogia criada entre a imagem do grupo e a realidade da sala de aula era observar se os alunos fariam a ligação do termo na prova com o “meme” anteriormente utilizado no aplicativo, ou seja, se a experiência do grupo teria resultado em um aprendizado lexical pontual, ou se eles precisariam questionar o significado do termo. Concluiu-se, pela reação dos alunos, que boa parte deles não se lembrava da palavra, ou da imagem ou ainda não haviam lido essa passagem da conversa no grupo, e que, portanto, o resultado não havia sido a efetiva memorização ou observação da informação. Infelizmente esse experimento só pôde ser realizado uma vez e carece de exploração para uma sondagem mais exaustiva dos resultados pontuais dessa interação virtual no que concerne à apreensão de conteúdos definidos.

Alguns limites foram encontrados durante a experiência, comumente ligados à própria característica da relação dos alunos com seus dispositivos móveis e à sua forma de interação nas redes sociais. Inicialmente, observou-se que alguns alunos não acessavam o grupo com frequência, ou visualizavam as informações, as conversas, as mídias e os estímulos do professor e da monitora e não reagiam, deixando o tópico sem resposta, ou aguardando que o mesmo grupo que sempre respondia interagisse. Isso se observou fortemente quando se tratava de links externos: com muita frequência foram enviados ao grupo links de páginas e vídeos na internet, sendo que os próprios alunos relataram não acessar esses links, por estes requererem a saída para outro aplicativo. Nesse sentido, é interessante que o WhatsApp permita o envio das mídias elas mesmas, que, a depender da configuração de cada dispositivo pessoal, são automaticamente transferidas para o dispositivo. Desse modo, mesmo um usuário que não costuma acessar o aplicativo ou o grupo poderá encontrar em seu dispositivo fotos, vídeos e músicas ligadas aos temas tratados no grupo da disciplina.

O segundo ponto de dificuldade que foi observado está ligado à forma como cada usuário se relaciona nas redes sociais. Enquanto alguns viram na virtualidade uma possibilidade de exposição para a qual eles próprios afirmaram não estar dispostos em uma situação atual, presencial, outros entendem as redes sociais como um ambiente a observar sem interagir. Assim sendo, alguns alunos apenas leem e nada dizem por não ter o hábito de fazê-lo naquela rede social, não sendo necessariamente um problema ligado ao domínio da língua ou dos conteúdos da disciplina. Além disso, observou-se que guetos se formaram dentro das turmas e essa relação problemática resultou numa redução das interações no grupo do WhatsApp, embora isso não tenha alterado a forma como eles interagiam na relação atual, em sala de aula.

4 Conclusão

A proposta deste breve estudo é, além de expor os resultados de uma experiência de monitoria de dois semestres seguidos, relatar algumas práticas que foram pensadas com a finalidade ora de intensificar e qualificar o aprendizado de íngua francesa do aluno ingressante do Curso de Letras, ora refletir sobre os resultados dessas práticas e suas implicações teóricas.

Considerou-se que o uso dos dois aplicativos propostos para o experimento foi satisfatório para as metas estabelecidas, ressalvados os problemas ora relatados, inerentes aos próprios programas ou ligados às interações dos alunos com eles e entre si. A prática constante de competências comunicativas em língua francesa foi um fator determinante para a melhoria no aprendizado dos alunos, conforme seus próprios relatos, representando para eles também uma possibilidade de conhecer elementos lexicais e culturais que não podem ser tratados no escasso tempo da aula. Nesse sentido, o aprendiz tem uma ajuda inicial sobre o que, como e onde pesquisar assuntos de seu interesse, tornando-se cada vez mais autônomo em seu aprendizado.

Ainda, pensa-se contribuir de algum modo para a reflexão pedagógica do ensino de línguas adicionais e para a observação de fenômenos socio-interacionais ligados à utilização das redes sociais e de suas potencialidades para o aprendizado de línguas. Nesse aspecto, ressalta-se que somente na experiência relatada neste artigo já se percebem muitos outros questionamentos que poderiam ser feitos e que não cabem nesta ocasião. Sendo assim, a experiência carece de mais exploração, não tendo ela atingido todas as possibilidades inicialmente imaginadas, mas deixando claras suas potencialidades e vantagens.

Referências

ARAÚJO, Patrício Câmara; JUNIOR, João Batista Bottentuit. O aplicativo de comunicação Whatsapp como estratégia no ensino de Filosofia. In: Revista Temática, v. 11, n. 2, p. 11-23, 2015.

CONSELHO DA EUROPA. Quadro europeu comum de referência para as línguas: aprendizagem, ensino, avaliação. Lisboa: Edições Asa, 2001.

CUQ, J-P. GRUCA, I. Cours de didactique du français langue étrangère et seconde. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble, 2005.

DEMO, P. Aprendizagens e novas tecnologias. In. Revista Brasileira de Docência, Ensino e Pesquisa em Educação Física. Vol. 1, n. 1, p. 53-75, Agosto/2009.

GOMES, F. W. B. O professor e a adoção de tecnologias audiovisuais no ensino de línguas estrangeiras. Teresina: Edufpi, 2015.

LEFFA, V. Redes sociais: ensinando língua como antigamente. In: ARAÚJO, J; LEFFA, V (Orgs.). Redes sociais e ensino de línguas: o que temos de aprender? São Paulo: Parábola Editorial, 2016. p. 155-170.

NIELSEN. 68 milhões usam a internet pelo smartphone no Brasil. Nielsen, São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.nielsen.com/br/pt/press-room/2015/68-milhoes-usam-a-internet-pelo-smartphone-no-Brasil.html. Acesso em: 30 ago. 2017.

PLUSKWA, D. WILLIS, J. L’approche actionnelle em pratique: la tâche d’abord, la grammaire ensuite!. In: L’approche actionnelle dans l’enseignement des langues. Paris: Editions Maison des langues, 2003, p. 205-232.

Notas

[1] Por exemplo, o WhatsApp tem mais de 1 bilhão de downloads pela Google Store (Android) e o Duolingo mais de 100 milhões de downloads. Acesso em 30 nov. 2017.
[3] Escolhemos esses dois aplicativos por sua popularidade entre os usuários da pesquisa, embora possamos sugerir aqui outros aplicativos com código aberto com funções semelhantes, como o Web Opac e o Telegram. Ver lista de softwares livres disponíveis para dispositivos móveis aqui: https://www.ufrgs.br/soft-livre-edu/wiki/Software_Educacional_Livre_para_Dispositivos_M%C3%B3veis_-_Tabela_Din%C3%A2mica
[4] O Duolingo é um aplicativo para IOS, Android e Windows de ensino de idiomas gratuitamente através de exercícios gramaticais que abordam geralmente questões de vocabulário, sintaxe e ortografia. As questões podem ser respondidas através de digitação, clicar ou arrastar a resposta correta, gravação de áudios ou completar espaços em brancos. O aplicativo também possibilita que os professores possam acompanhar o aprendizado de seus alunos por meio de uma sala virtual.
[5] WhatsApp é um aplicativo de mensagens que permite trocar mensagens, imagens, vídeos e áudios, pelo celular sem pagar por SMS, usando o mesmo plano de dados de internet que é usado para e-mails e navegação, por isso não há custo por mensagens. Está disponível para, Android, iPhone, BlackBerry, Windows Phone, Nokia e pode ser utilizado em computadores. Os usuários podem criar grupos e compartilhar de uma só vez vários conteúdos com todos os participantes do grupo.
[6] Nem todos os alunos continuaram no curso ou na turma.
[7] Mesmo métodos, livros e dicionários de francês são difíceis de serem encontrados na região, sendo preciso comprar pela internet, em que o prazo de envio nem sempre é rápido.

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