Produção Textual e Tecnologia

PRODUÇÃO TEXTUAL E AUTORIA EM AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM: UMA ESCRITA DIALÓGICA

TEXTUAL PRODUCTION AND AUTHORSHIP IN VIRTUAL LEARNING ENVIRONMENT: A DIALOGICAL WRITING

Claudemir Sousa
Universidade Estadual do Maranhão/Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brasil

PRODUÇÃO TEXTUAL E AUTORIA EM AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM: UMA ESCRITA DIALÓGICA

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 10, núm. 2, pp. 308-323, 2017

Universidade Federal de Minas Gerais

Recepção: 26 Julho 2017

Aprovação: 09 Novembro 2017

Resumo: As possibilidades oferecidas pelas ferramentas tecnológicas para a produção de texto afetam sobremaneira a concepção que temos de escrita e de autoria. Neste artigo, objetivamos discutir uma concepção dialógica de escrita e de autoria, tendo como objeto de análise uma interação virtual escrita realizada por estudantes de uma universidade pública do estado de São Paulo. Essa discussão está ancorada nos pressupostos teóricos de Mikhail Bakhtin e seus interlocutores contemporâneos acerca das categorias teóricas autor e dialogismo, bem como em estudos sobre os impactos do uso de ferramentas tecnológicas na produção textual para a relação com a escrita e a autoria, sobretudo em Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Concluímos que a escrita no Ambiente Virtual de Aprendizagem ocorre em um processo dialógico entre alunos, professor(es) e textos outros, havendo convergências ou divergências quando os alunos assumem o lugar de autor que organiza vozes.

Palavras-chave: escrita, autoria, dialogismo, ambiente virtual de aprendizagem.

Abstract: The possibilities offered by the technological tools for the production of text greatly affect the conception we have of writing and authorship. In this article, we aim at discussing a dialogical conception of writing and authorship, by analyzing a virtual written interaction made by students of a public university in the state of São Paulo. This discussion is anchored in the theoretical assumptions of Mikhail Bakhtin and his contemporary interlocutors about the theoretical categories of author and dialogism, as well as on studies about the impact of the use of technological tools in textual production on the relationship with writing and the authorship, especially in virtual learning environments. We conclude that writing in the Virtual Learning Environment occurs in a dialogical process between students, teacher(s) and other texts, occurring convergences or divergences when students take the place of author who organizes voices.

Keywords: writing, authorship, dialogism, virtual learning environment.

1 Introdução

As práticas de escrita possuem uma historicidade longínqua, que diz respeito às variações históricas na materialidade dos livros, nas suas técnicas de produção e nas modalidades de publicação e transmissão dos textos. O texto já foi transmitido por meio da leitura em voz alta, de forma manuscrita, impressa, digital e, de modo mais contemporâneo, em múltiplas modalidades combinadas. Essas formas de composição do texto alteram consideravelmente a sua leitura, a relação que estabelecemos com ele em sua circulação e a própria concepção que temos de autor.

Chartier (2012) analisa a historicidade da prática de escrita, de leitura e da função autor partindo de uma ordem dos livros. De acordo com esse autor, antes da Alta Idade Média, a única forma de transmissão de textos era por meio da modalidade oral, seja para os textos literários ou científicos. Os ateliês de copistas possibilitaram a difusão dos textos em sua forma manuscrita de modo exclusivo até o século XIV.

De acordo com Chartier (2012), entre o século XIV e início do século XV houve transformações no manuscrito, fazendo-o deixar de ser a forma exclusiva de reprodução de livros. Com a invenção da prensa, nesse período, o objeto livro muda, passando a ser mais difundido em função dessa nova forma de reprodução. Com a invenção de dispositivos tecnológicos capazes de reproduzir o texto na tela, surge a forma eletrônica do texto, também chamada hipertexto.

Para o autor, a forma de transmissão do texto em distintos suportes e por meio de diferentes técnicas rege a relação que estabelecemos ou podemos estabelecer com eles e é essencial para compreender a atribuição de sentido feita ao longo do tempo. Nesse sentido, a materialidade do texto eletrônico oferece múltiplas possibilidades para a leitura e a escrita na contemporaneidade e muda a concepção de autor que temos.

Diante do exposto, neste artigo, discutiremos as concepções de escrita e autoria, tendo como objeto de análise uma interação virtual escrita em Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) feita por estudantes de uma universidade pública do estado de São Paulo. O suporte teórico aqui mobilizado são as discussões de Bakhtin e seus interlocutores contemporâneos, tais como Arán (2014), Faraco (2005), Francelino (2013), Marchezan (2015), Sobral (2012) e Vasconcelos (2013), acerca das categorias teóricas de autor e dialogismo, bem como os estudos sobre os efeitos do uso de ferramentas tecnológicas na produção textual para a relação com a escrita (vejam-se Grigoletto (2009) e Vasconcelos (2013)).

Tais estudos inserem-se no campo da Análise Dialógica do Discurso, que tem Bakhtin como autor basilar, e se relacionam com as discussões sobre o uso interativo e dialógico da linguagem, oferecendo relevantes subsídios para as práticas de letramento, bem como para o ensino de escrita (e leitura) de diferentes modalidades textuais.

Assim, organizamos este artigo da seguinte forma: no tópico que segue, trataremos das novas práticas de escrita eletrônica e da produção de texto em ambientes virtuais de aprendizagem. Em seguida, trataremos da teoria dialógica do discurso de Bakhtin, corroborando autores que com ele dialogam, com ênfase na sua concepção de dialogismo e autoria. Depois, analisaremos uma atividade de interação de estudantes na plataforma virtual Moodle. Por fim, traremos as principais conclusões do nosso artigo.

2 Novas tecnologias de informação e comunicação e produção textual em AVA

As Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) trouxeram mudanças significativas para as formas de escrita, agora mediadas por uma variedade de instrumentos que influenciam diretamente no modo de escrever e se materializam em uma diversidade de suportes. Uma das consequências disso, no campo da educação, foi a emergência da modalidade de educação a distância (EAD), a qual ocorre em AVA, a exemplo do Moodle, plataforma que possibilita a interação virtual professor (tutor)-aluno-aluno.

A Educação a distância foi instituída no Brasil pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 9.394/96, no seu artigo 80, e oficializada pelo decreto nº 2.494/98, que a reconheceu como modalidade de ensino propiciadora de aprendizagem em um contexto marcado pelas necessidades e demandas de um mercado de trabalho flexibilizado pelo fator tempo. Posteriormente, o decreto nº 5. 622/05 a regulamentou.

Para Vasconcelos (2013), essa modalidade educacional democratiza o ensino, oportunizando acesso aos diversos níveis de educação, sem a necessidade de abandono de outras atividades, e favorece o desenvolvimento humano, pois o uso das TICs em EAD ajuda a mediar as experiências humanas e a superar barreiras. Ainda conforme o autor, a EAD tem a vantagem de promover uma interação que se assemelha a uma situação real de sala de aula presencial, mas que pode ocorrer a qualquer hora e em qualquer local, de acordo com o prazo já previamente fixado pelo professor.

A interação professor (tutor)-aluno-aluno nos AVA ocorre pela utilização da linguagem, mediada por plataformas virtuais, websites, chats, dentre outras práticas linguageiras que se moldam em produções textuais empíricas observáveis. Nesses espaços, os dispositivos tecnológicos ganham o papel de ferramentas didático-pedagógicas e os alunos estudam e realizam atividades, dentre as quais destacamos, aqui, os fóruns de discussão, nos quais ocorre a aprendizagem colaborativa com trocas argumentativas sobre determinados tópicos.

A concepção adotada pelos autores aqui mencionados é que as comunicações realizadas nos fóruns de discussão do ensino a distância possuem tonalidades dialógicas. Nosso trabalho corrobora tal pressuposto, uma vez que a atividade de escrita no Moodle envolve um ato de compreensão responsiva ativa que se relaciona com experiências prévias de leitura, com a compreensão das ideias expostas no material didático e com as mensagens já publicadas por outros estudantes na interação, as quais se dirigem ao professor que elaborou a atividade e aos demais alunos participantes da interação, promovendo um diálogo que contribui para a aprendizagem mútua.

Grigoletto (2009) considera que, no ambiente virtual, os papéis da leitura e da escrita são interpenetráveis. Essa autora afirma que, no ciberespaço, a escrita é o elemento estruturante e as pessoas podem escrever de forma fluida, tendo a escrita como instrumento de interação, assim como ocorre nos demais uso da escrita. No caso específico dos AVA, essa escrita tem função acadêmica e objetiva promover uma aprendizagem interativa e dialógica.

Na concepção de Grigoletto (2009, p. 2), no ambiente virtual, temos “um processo de (re)invenção da escrita”, com novos códigos, novas regras e novas palavras produzindo sentidos também novos, mas pertencentes à instituição “internet”, fazendo com que não sejam quaisquer regras, códigos, palavras e sentidos. Ao considerar que a internet é uma instituição, a autora defende que “a internet constitui-se num lugar de dizer, que legitima uma escrita que não é nem tão formal e normatizada como a produzida na escola, tampouco livre de qualquer determinação” (GRIGOLETTO, 2009, p. 3). Nela, mesmo com a aparente liberdade, o sujeito está submetido a leis, normas.

A autora esclarece que a ideia de “(re)invenção da escrita” ratifica uma noção defendida por Chartier de que, no mundo eletrônico, há uma tríplice ruptura: na técnica de inscrição e de divulgação do escrito, na relação com os textos e na forma de organização, implicando novas formas de leitura e de escrita. Grigoletto (2009) corrobora a ideia de Chartier de que o texto eletrônico é aberto, produzindo um efeito de incompletude. O leitor pode sempre intervir em sua forma material e no seu sentido. O hipertexto possui uma textualidade coletiva, dispersa e aberta a (re)escritas, apropriações e modificações. Para a autora, o texto produzido no hipertexto é um efeito-texto, um efeito de unidade, de completude.

No AVA, os papéis de leitura e escrita são interpenetráveis, posto que o produtor do texto também é um leitor. Do mesmo modo, o leitor também contribui para a redação do hipertexto. Tem-se, assim, uma escrita coletiva e um intercâmbio entre os papéis de leitor e escritor. Grigoletto (2009, p. 8) considera que, “no processo da escrita virtual, a responsabilidade pelo dizer é de todos e de ninguém ao mesmo tempo, ficando, muitas vezes, difícil de identificar marcas próprias de autoria”. Aqueles que participam do processo de escrita virtual têm a ilusão de estarem na origem do seu dizer, de serem a fonte do que dizem, de serem autores, mas a palavra é sempre dialógica, sendo a um só tempo de todos e de ninguém.

3 Dialogismo e autoria no pensamento bakhtiniano

O conceito de dialogismo norteia o pensamento de Bakhtin, sendo, segundo Fiorin (2006, p. 18), um princípio unificador da obra daquele autor, que “funda não só a concepção bakhtiniana de linguagem como é constitutiva de sua antropologia filosófica”. Essa noção emerge no conjunto das discussões de Bakhtin/Voloshinov (1981) sobre o “subjetivismo idealista” (interessado no ato de fala como uma criação individual e na língua como um processo ininterrupto de criação individual e um sistema estável) e o “objetivismo abstrato” (que concebe a língua como um sistema de formas gramaticais normativas, na qual ele inclui Saussure como o seu maior representante).

Para Bakhtin/Voloshinov (1981, p. 92), a utilização da língua não é feita “como um sistema de formas normativas” e sim na interação verbal, sob a forma de enunciados concretos. O modelo típico da interação verbal, para esse autor, é o diálogo, compreendido não apenas como a interação mais imediata, face a face, mas qualquer tipo de comunicação verbal que possui um vínculo com a realidade concreta, englobando atos sociais não verbais.

Bakhtin pensou as relações dialógicas na linguagem partindo do princípio de que a língua é uma manifestação concreta e viva cuja propriedade é ser dialógica. As relações dialógicas são inerentes a todas as comunicações, pois as palavras de um sujeito são sempre perpassadas por palavras do outro e sempre também as palavras do outro. Bakhtin/Voloshinov (1981) acredita que todo discurso existente sobre um dado objeto está perpassado pelo discurso de outrem sobre esse mesmo objeto, ou tema, já que os objetos existentes no mundo se manifestam pela linguagem e já foram alvo das apreciações discursivas de outros sujeitos com os quais os nossos discursos dialogam. Isso implica que o discurso alheio estabelece diálogos com o nosso discurso, ao mesmo tempo em que será um prolongamento seu, e abrirá possibilidades para novos discursos. Novos sentidos, novas entonações e valorações se agregam ao objeto à medida que penetram os discursos dos sujeitos. Por isso, Bakhtin (2002, p. 88) afirma que “a orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o discurso. (...) O discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa”.

Bakhtin/Voloshinov (1930, p. 5) considera que mesmo os diálogos íntimos são dialógicos, porque “são atravessados pelas avaliações de um ouvinte virtual, de um auditório potencial, mesmo se a representação de tal auditório não aparece de forma clara no espírito do locutor”. Para o autor, somente um Adão mítico poderia esquivar-se a essa orientação dialógica do discurso, pois “todo discurso é orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se à influência profunda do discurso da resposta antecipada” (BAKHTIN, 2002, p. 89).

Bakhtin (2011) critica os esquemas de comunicação simplistas que retratam os parceiros da comunicação como o falante e o ouvinte, nos quais o primeiro aparece com um papel ativo, enquanto o segundo assume posição passiva, e acredita que o ouvinte, ao perceber e compreender o significado do discurso exerce uma posição ativa e responsiva em relação a ele, e que a compreensão passiva é apenas um momento abstrato da compreensão responsiva. Devido a esse papel ativamente responsivo, todo sujeito constrói seu enunciado a partir de enunciados antecedentes, com os quais estabelece relações múltiplas.

Para Fiorin (2006, p. 55), “o indivíduo constitui-se em relação ao outro. Isso significa que o dialogismo é o princípio de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação”. São as relações das quais o sujeito participa que o constituem enquanto tal. Seu agir ocorre em relação aos outros. Essas relações dialógicas não são, necessariamente, de consenso, podendo ser também de polêmica, de divergência, de convergência, de aceitação ou de recusa, o que faz do enunciado um espaço polêmico de lutas, de tensões entre vozes sociais. Assim, “o dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados” (idem, p. 19).

Portanto, todo enunciado é dialógico, sendo o dialogismo um modo de funcionamento da linguagem e princípio constitutivo do enunciado, já que este se constitui a partir de outros enunciados como sua réplica. Há, assim, sempre duas vozes presentes no enunciado, o que atesta a sua heterogeneidade.

Para Sobral (2012, p. 126), “as relações dialógicas como princípio estruturador do sentido são constitutivas em termos arquitetônicos”. Bakhtin (2011, p. 269, grifos do autor) evidencia que as relações dialógicas são propriedades do enunciado, o qual ele considera ser a “unidade real da comunicação discursiva”. Para esse autor, o uso da linguagem é inerente às atividades humanas e se realiza por meio de “enunciados concretos e únicos” (idem, p. 261), para os quais cada campo da atividade humana elabora seus tipos com características próprias, às quais ele chama de conteúdo temático, estilo e construção composicional. Nas palavras do autor, “cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso” (idem, p. 262, grifos do autor). Há uma diversidade muito grande de gêneros discursivos, que se deve à diversidade de campos de atividades humanas. Na era digital, os chats são formas de comunicação típicas da esfera de utilização da língua(gem) chamada internet.

Os enunciados possuem limites definidos pela “alternância dos sujeitos do discurso” (BAKHTIN, 2011, p. 275, grifos do autor), uma vez que os enunciados de um sujeito se iniciam após os enunciados de outros sujeitos e precedem os enunciados responsivos de outros sujeitos. Um dos elementos fundamentais do enunciado é a sua conclusibilidade, aspecto responsável pela alternância dos sujeitos. Ocorre quando o sujeito disse tudo aquilo que quis em dado momento e o outro sujeito pode responder a ele, ocupando uma posição responsiva. A inteireza do enunciado é assegurada, segundo Bakhtin (2011), por três elementos: a exauribilidade de um objeto quando se torna tema do enunciado, a intenção ou vontade discursiva do falante (aquilo que ele quer dizer e que determina a extensão de seu discurso) e a escolha do gênero no qual será construído o enunciado.

Além disso, Bakhtin (2011) aponta para o fato de que o enunciado possui uma relação com o falante, que é seu autor, e os demais participantes da comunicação discursiva. O enunciado sempre procede de alguém e se endereça a alguém. Assim, a alternância dos sujeitos falantes, a conclusibilidade e o autor são características que permitem aos enunciados estarem imersos em relações dialógicas.

Bakhtin/Voloshinov (1976, p. 4, grifos do autor) também afirma que as nossas avaliações levam em conta “a situação extraverbal do enunciado”, na qual estão contidos: “1) o horizonte espacial comum dos interlocutores, 2) o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores, e 3) sua avaliação comum dessa situação” (idem, p. 5, grifos do autor). A esse horizonte espacial, Bakhtin (1976) denomina de “presumido”, ou seja, aquilo que os sujeitos compartilham sobre a situação e que assegura a compreensão entoacional do enunciado.

Por ser um evento social, o enunciado possui uma orientação sempre direcionada a outro sujeito, ainda que este se encontre ausente. Esses atores que fazem parte da situação concreta do enunciado são denominados por Bakhtin/Voloshinov (1930, p. 2) de auditório do enunciado. Auditório e situação formam a parte extraverbal do enunciado.

Quanto aos temas do autor e da autoria em Bakhtin, Faraco (2005) afirma que estão presentes em quase todos os escritos daquele autor. Em Bakhtin (2011), eles são levantados nas investigações sobre a relação do autor com a personagem na obra literária. Tais questões estão envoltas em uma discussão mais ampla acerca da análise biográfica das obras literárias, que tentam explicá-la por meio das coincidências entre fatos da vida do autor e da personagem.

Em suas discussões, Bakhtin (2011) desenvolve as categorias de autor-criador e autor-pessoa. O autor-criador é dotado de atitude criadora e produtiva. É aquele que produz a personagem e dela vê apenas o produto, não o processo de criação, pois vivencia a personagem no processo de criação. O autor-criador é um participante ativo do acontecimento da obra, juntamente com a personagem, responsável pela unidade do acontecimento. Já o autor-pessoa é o artista, que pode ser compreendido por intermédio do autor-criador.

Com essa distinção, Bakhtin (2011) não nega que possa haver coincidências entre o pensamento do autor e da personagem. Ele reconhece que o autor pode por suas ideias nos lábios das personagens, mas alerta para a confusão entre “o autor-criador, elemento da obra, com o autor-pessoa, elemento do acontecimento ético e social da vida” (idem, p. 9).

Segundo Faraco (2005, p. 37), essa distinção entre autor-pessoa e autor-criador, feita por Bakhtin no texto O autor e o herói na atividade estética, escrito entre 1920 e 1922, concebe o autor-pessoa como o escritor, o artista, e o autor-criador como uma “função estético-formal engendradora da obra”. O autor-criador é um elemento do objeto estético que lhe dá forma e unidade.

Na concepção de Faraco (2005), o autor-criador materializa uma relação axiológica com o herói e seu mundo. É esse seu posicionamento valorativo que cria o todo do herói e lhe dá acabamento estético, visto ser ele quem dá forma ao conteúdo, quem recorta e reorganiza esteticamente os eventos da vida a partir de uma dada posição axiológica.

Essa concepção de autor-criador, de acordo com Faraco (2005), foi reformulada por Bakhtin no texto O problema do texto em Linguística, Filologia e nas Ciências Humanas: um experimento em análise filosófica, de 1960, e a partir da filosofia da linguagem desenvolvida no texto O discurso no romance, no qual Bakhtin concebe a linguagem como uma heteroglossia, uma multiplicidade heterogênea de vozes sociais.

No primeiro caso, segundo Arán (2014), Bakhtin amplia o conceito de autor, expandindo-o a todo texto no qual se materializa um enunciado e concebe todo falante como autor. No último caso, ele incorpora as categorias de polifonia e cronotopo “para mostrar o trabalho criador da consciência autoral do romancista, que lhe permite escutar e ler o presente projetando-o em todos os momentos compositivos da arquitetônica romanesca” (ARÁN, 2014, p. 18).

Outra reformulação na teoria sobre a relação entre o autor e o personagem na atividade estética ocorreu quando Bakhtin analisou a obra de Dostoiévski, afirmando que esse último mudou a posição do autor-criador ao converter a incompletude humana no plano da vida em inacabamento do herói na atividade estética, dando relativa autonomia ao herói. O escritor tem o dom da fala refratada e entrega a construção do todo para uma segunda voz, que é o autor-criador, concebido agora como voz criativa que se apropria “de uma voz social qualquer de modo a poder ordenar um todo estético” (FARACO, 2005, p. 40).

No âmbito do discurso literário, o autor, para Bakhtin (2011, p. 10) é “o agente da unidade tensamente ativa do todo acabado, do todo da personagem e do todo da obra, e este é transgrediente a cada elemento particular desta”. O autor enxerga e conhece tudo o que as personagens enxergam e conhecem e até mais do que elas, porque tem um excedente de visão e de conhecimento.

Tendo em vista que as formulações de Bakhtin sobre o autor abrangem o texto literário e outras modalidades textuais, Sobral (2012) explora a diferença entre o autor na obra estética e o autor em outros discursos. Tal distinção fica clara quando Bakhtin (2011) separa os acontecimentos entre o estético (aquele próprio ao mundo da arte, no qual se tem um autor e uma personagem distintas), o acontecimento ético (no qual o autor e a personagem coincidem, a exemplo do panfleto, do manifesto, do discurso acusatório, do discurso laudatório e do discurso de agradecimento, do insulto, da confissão-relatório etc.), o acontecimento cognitivo (no qual não há nenhum personagem, a exemplo do tratado, do artigo, da conferência) e o acontecimento religioso (no qual a outra consciência é a de Deus, a exemplo da oração, do culto, do ritual).

Sobral (2012, p. 131) afirma concordar com Brait que o autor não é um indivíduo e acrescenta que “o autor bakhtiniano é um autor de linguagem e não um sujeito empírico”. Ser autor, para Sobral, é assumir posições que implicam diferentes modalidades de organização dos textos, a partir da relação com o herói e com o ouvinte.

Já na concepção de Marchezan (2015, p. 199), “não há um rompimento radical entre autor-pessoa e autor-criador, nem uma completa alienação entre o autor-pessoa e sua obra”. O autor-criador existe na medida em que ele não coincide com o autor-pessoa. Essa autora identifica o autor-pessoa com o leitor e o autor-criador com um cocriador e também com o herói, sendo o primeiro pertencente ao “mundo da vida” e o segundo ao “mundo da cultura”, ao domínio literário.

Para essa autora, os conceitos bakhtinianos de mundo da vida e mundo da cultura ainda não receberam a relevância necessária para entender as noções de autor e sujeito pertencentes ao mundo da vida e da cultura. Os domínios da ética, da estética e do cognitivo são as três esferas que formam a vida do homem na cultura. Arán (2014) considera que na vida os fatos se dão de forma isolada, e que somos um pouco como personagens na consideração dos outros, com a diferença de que na vida somos sujeitos sempre inacabados.

Para finalizar essa parte de nosso trabalho, destacamos um estudo sobre autoria em uma perspectiva enunciativa feito por Francelino (2013), o qual parte do processo de constituição e de representação do sujeito do discurso e das diferentes formas de representação do discurso de outrem no plano enunciativo. Para tanto, ele mobiliza alguns conceitos de Bakhtin e do Círculo, dentre os quais as noções de dialogismo, enunciado e discurso de outrem.

Francelino (2013) propõe pensar a autoria a partir de três domínios nos quais o sujeito se relaciona com a linguagem e que possibilitam observar a manifestação do autor: o domínio da enunciação, correspondente às situações sócio-interativas nas quais o sujeito se revela; o domínio da discursividade, que diz respeito à situação discursiva da qual o sujeito faz parte, caracterizando-se pela dispersão; e o domínio do linguístico, que revela as pistas materiais deixadas pelo sujeito, permitindo ao analista observar seus gestos autorais.

A noção de autoria é fundamentada por Francelino (2013) no conceito de dialogismo. Tendo isso em vista, ele postula dois princípios segundo os quais o sujeito se configura como autor no processo enunciativo-discursivo: o primeiro princípio é a compreensão de que o autor é uma instância individual que se constitui na alteridade. Ela é um lugar constitutivamente dialógico e sócio-axiológico. O segundo princípio resulta do caráter heterogêneo e dialógico da linguagem e postula que o autor instaura um leitor/interlocutor no processo enunciativo. Para Francelino (2013), o sujeito se constitui como autor porque instaura um outro na produção de seu enunciado.

Ele também discute três características através das quais o sujeito autor se configura como tal no exercício da linguagem. A primeira é que o autor atribui um fim provisório ao enunciado, um acabamento relativo. A segunda é que o autor se manifesta nas variações do gênero no decorrer da enunciação. A estruturação do enunciado pelo autor vai ser feita de modo a adequá-lo à situação, à posição social e ao relacionamento entre os parceiros da interação. Já a terceira é que o autor seleciona e combina palavras no plano linguístico da enunciação em função das condições da enunciação.

Por fim, esse autor apresenta duas categorias analíticas que permitem apreender o funcionamento da autoria na enunciação, quais sejam: a meta enunciação, que diz respeito à negociação do sujeito autor com as heterogeneidades constitutivas do seu dizer, e o discurso de outrem, que nos leva a afirma que o autor é um orquestrador das vozes que se manifestam na sua produção de linguagem. Nesse sentido, a autoria é concebida como a organização das vozes no processo enunciativo. O sujeito se constitui como autor na medida em que organiza linguística, enunciativa e discursivamente as vozes outras que compõem e integram seu discurso. A autoria, compreendida como função enunciativa e discursiva do sujeito, pode ser apreendida na materialidade linguística do enunciado a partir de pistas deixadas pelo enunciador.

Concordamos com essa concepção de Francelino (2013) acerca da autoria e também com a posição de Arán (2014, p. 22, grifos da autora), que assevera que “se todo homem é criador potencial de texto, a noção de autor se amplia a todos os sujeitos como arquitetos da discursividade social. É a autoria, então, que dá ao enunciado seu caráter de acontecimento histórico decisivo”.

4 Escrita dialógica e autoria em ambientes virtuais de aprendizagem

Nessa seção, analisaremos alguns recortes de uma interação feita na plataforma Moodle por alunos de um curso de pós-graduação de uma universidade pública do estado de São Paulo, alguns dos quais atuam ou já atuaram como professores da educação básica. A interação no Ambiente Virtual de Aprendizagem utilizado no estabelecimento de ensino foi parte complementar das aulas presenciais e ocorreu com base em três perguntas elaboradas pela professora da disciplina a respeito do texto Intercultural communicative competence through telecollaboration, de Robert O'Dwod (2014).

O texto de O'Dwod (2014) trata do uso de aplicativos de telecolaboração online para aproximar estudantes de línguas estrangeiras de diferentes regiões geográficas, de modo a desenvolverem suas habilidades linguísticas e a competência intercultural. O texto faz um retrospecto histórico dessas trocas interculturais, depois apresenta os principais assuntos trabalhados em interações virtuais, de acordo com os níveis dos alunos e faz algumas recomendações para o uso prático desse tipo de interação.

As perguntas da professora acerca do texto foram as seguintes: 1) Quais são os projetos colaborativos (interculturais) citados por O’Dowd? Você conhece algum? Caso não, pesquise sobre eles e discuta com os colegas aqui neste fórum; 2) Você já realizou algum tipo de telecolaboração no(s) contexto(s) no(s) qual(is) atua? Caso sim, conte sobre sua experiência. Caso não, como imagina esse tipo de trabalho em sua prática pedagógica?; 3) Como vocês veem o papel do professor nos projetos de telecolaboração (intercultural)?

Participaram da interação 12 (doze) alunos matriculados na disciplina, alguns respondendo a todas as perguntas e outros a apenas algumas ou uma só. Selecionamos as respostas de quatro alunos para as perguntas, tendo como critério para isso o maior número de respostas dadas por eles às perguntas da professora. Aqui, os alunos serão identificados com os códigos A1, A2, A3 e A4. As ocorrências dos seus nomes nas respostas serão substituídas pelos códigos supracitados. Já o nome da professora será substituído por Professora X.

Em relação à primeira pergunta, especificamente sobre o texto lido, as respostas dos alunos, que reproduziremos tal como eles escreveram, foram as seguintes:

A1: Hi,

O’Dowd cita vários projetos e atividades que são desenvolvidos em diferentes partes do mundo, como por exemplo: epals.com, e-twinning culture in a box, tandem learning, ‘Cultura’ model, online communities (email messages, discussion forums, online games, etc).

Já conhecia o epals.com e o tandem que são ótimos para a prática das habilidades estudadas em sala de aula e também para mostrar para o aluno sua própria capacidade de comunicação e interação em outro idioma.

Não conhecia a atividade e-twinning culture in a box, mas achei bastante interessante. Pretendo praticar com meus alunos, uma vez que eles costumam ter contatos com intercambistas de várias partes do mundo em um projeto entre a AIESEC e a Etec onde trabalho.

A2: Olá, pessoal!

Ao longo do capítulo, O’Dowd (2014) apresenta-nos diversos projetos colaborativos (interculturais), dentre deles, como a A1 já citou alguns: epals.com, e-tandem, e-mail classroom connections, e-twinning culture in a box, "Culture" model, AT & T learning circles, Orillas Network etc.

Um fato que eu achei bem interessante, é que, por meio da leitura deste capítulo, ampliamos o nosso olhar acerca das possibilidades de uso de diferentes ferramentas na aprendizagem colaborativa, tendo em vista que o autor apresenta-nos meios desta aprendizagem ser realizada via fóruns, comunidades, e-mails etc.

Destes projetos, eu já ouvi falar do epals.com, embora, eu nunca tenha tido participado efetivamente. Além dele, acredito que posso incluir o Tandem, já que ele é a base, a premissa do "Teletandem", tendo em vista que tandem significa uma aprendizagem em conjunto, um trabalho em conjunto para se chegar a um objetivo, e a adição do “prefixo” tele apenas informatizou, modernizou essa prática!

A3: Olá!

Apenas complementando, um aspecto que achei interessante foi o autor citar que a telecolaboração vem sofrendo mudanças e acordo com a evolução dos meios de comunicação. O que achei mais interessante foi a “Telecolaboração 2.0”, baseada no contexto das redes sociais. É um modelo mais independente da sala de aula e, por isso, as turmas de interação podem ser organizanizadas, por exemplo, em comunidades de interesse, como música, jogos ou outro hobbie específico.

Achei bastante interessante essa ideia. Penso que, quando não se tem uma turma de interação específica, buscar grupos de interação nas redes sociais pode ser uma adaptação possível para fazer com que os aprendentes de uma língua interajam com outros falantes de forma real e significativa para ambos.Abraços.

Cabe ressaltar que há outras respostas dadas pelos alunos que foram omitidas pelo critério já mencionado. Além disse, estamos considerando as respostas dos alunos, o texto de O’Dwod e a pergunta da professora como enunciados concretos, conforme Bakhtin (2011). Nesse uso interativo da linguagem, os alunos elaboram enunciados responsivos à pergunta da professora, devendo, para isso, dialogar com o texto base e com os enunciados dos colegas com quem interagem no fórum.

Existe uma estrutura comum entre esses enunciados, que é a saudação ao auditório potencial (BAKHTIN, 1930) da interação, constituído, em primeira instância, pela professora e pelos alunos, visto que se trata de um fórum de discussão fechado. Em seguida, vem a mensagem com a resposta ao questionamento inicial da professora acerca do texto lido e das experiências pessoais dos alunos. Também é possível perceber, em relação ao estilo de linguagem, que há uma maior flexibilidade no emprego normativo da língua, corroborando a afirmação de Grigoleto (2009) a esse respeito.

Nessas primeiras respostas há um diálogo explícito com o texto lido para a disciplina, mais do que com outras leituras prévias que os alunos possam ter, porque a pergunta da professora direciona os estudantes a encontrarem uma determinada resposta no interior do texto, retirando dele partes que estejam de acordo com o que é solicitado. Assim, A1 descreve um conjunto de projetos de aprendizagem colaborativa presentes no texto e destaca como isso pode ajudá-la em sua profissão. A2 além de dialogar com o texto, trazendo excertos dele, amplia o enunciado de A1 e convoca leituras outras para formular seu enunciado. Já A3 fez a opção por um diálogo com as respostas de ambos os seus colegas, omitindo respostas que poderiam ser repetitivas. Esse aluno também amplia a discussão ao trazer sua opinião acerca do uso de tecnologias na aprendizagem de línguas.

Temos, assim, uma escrita dialógica, que vai sendo tecida a partir das compreensões responsivas dos estudantes aos enunciados do texto, da professora e também de seus colegas. Nesse mecanismo, são convocadas diversas vozes e experiências de leituras para serem combinadas no novo enunciado. Os alunos comportam-se como autores que organizam um conjunto de vozes, entre as quais aquelas que com eles interagem virtualmente.

Avançando para a segunda pergunta, sobre a experiência dos alunos com telecolaboração, as respostas são as seguintes:

A1: Olá pessoal,

Já atuei como professora (tutora, mediadora) em um projeto de telecolaboração oferecido durante um semestre em um curso online do Centro Paula Souza. Nesta ocasião utilizávamos uma sala de aula virtual para interagir com os alunos em inglês e monitorar a interação entre eles. Neste caso específico o alvo era a prática de listening e speaking sobre algum tema previamente abordado durante as aulas da semana.

Já como aluna, participei de alguns fóruns e cursos online onde utilizávamos o skype para comunicação e interação oral. Também fiz um curso online da Casa Thomas Jefferson de Brasília com a profª. Carla Arena e nos comunicávamos via Skype e Google Groups. Atualmente participo de um grupo do whatsapp com os participantes do PDPI da Philadelphia de 2014 e com uma professora da Temple University.Recomendo as interações telecolaborativas para meus alunos e procuro praticar com eles sempre que possível através do skype ou whatsapp.

A4: Nunca participei de nenhuma colaboração, nem como aluno e nem como professor, mas penso que esse trabalho seria uma forma de suprir certas necessidades de discussões de aspectos culturais que o livro não dá conta. Seria uma forma de ajudar os alunos a enriquecerem sua visão crítica da língua e cultura alvo, refletindo sobre valores da sua cultura e da cultura do outro, sobres as questões de semelhanças, diferenças e estereótipos em uma sociedade em que os contatos entre culturas são cada vez mais intensos.

A3: Olá!

Concordo com o A4 sobre como a telecolaboração pode contribuir para reflexão intercultural na aprendizagem de uma língua. Além de ser uma forma de suprir possíveis conteúdos culturais não abordados pelo material didático, a telecolaboração também permite o contato em tempo real com outros falantes da língua estudada, sem necessidade de gastos exorbitantes ou locomoção, como é o caso de viagens de imersão (intercâmbios).

Abraços

A2: Olá, A4!

Concordo com você a respeito de que a telecolaboração pode suprir aspectos culturais que apenas o livro didático não dá conta (O’Dowd comenta em seu texto acerca disto), afinal, acredito que quanto maior o contato que tivermos com a cultura da língua alvo, melhor, não é mesmo? O interagente de uma telecolaboração é o melhor "material" que temos ao nosso alcance, ele poderá suprir nossas dúvidas, curiosidades sobre a cultura, os valores de um país! Além disso, por meio desta atividade, teremos um contato "mais real" e ainda periodicamente com estas questões!

Posso te fazer um convite? Participe do Teletandem no próximo semestre, na língua que se sentir mais confortável! Acho que vai gostar e se identificar com o projeto!

Ao interagirem virtualmente respondendo a segunda pergunta da professora, os alunos utilizam a plataforma para escrever e interagir com seu auditório (BAKHTIN, 1930), mostrando um maior diálogo com as respostas anteriores dos colegas e com leituras outras. A1 traz em sua resposta um conjunto de experiências acerca da matéria, sem fazer referências ao texto indicado para leitura, ao passo que A4 expõe não ter experiência com a telecolaboração e fala sobre sua crença em relação a essa atividade, convocando, para isso, suas leituras acerca do ensino de língua e de cultura.

Em sua resposta, A2 convoca a voz de A4 ao afirmar que a telecolaboração é “uma forma de suprir possíveis conteúdos culturais não abordados pelo material didático”, afirmação defendida por A4 em sua resposta, e também aponta que esse é um ponto de vista defendido pelo autor do texto base para as discussões, revelando de onde provém o discurso com o qual A4 dialoga.

Já A3 formula seu enunciado responsivamente ao enunciado de A4, concordando também que a telecolaboração é “uma forma de suprir possíveis conteúdos culturais não abordados pelo material didático”. Os alunos intercambiam os papéis da leitura e escrita para produzir seus enunciados responsivos de forma dialógica, sempre organizando diversas vozes.

Quanto à terceira questão, sobre o papel do professor nos projetos colaborativos, os alunos responderam como segue:

A1: Olá Professora X e colegas,

Acredito que o papel do professor nos projetos de telecolaboração intercultural é de fundamental importância. Cabe a ele o primeiro contato com os alunos participantes do projeto, não apenas para tentar pareá-los da melhor maneira possível, mas também auxiliá-los durante o processo de interação. Em alguns projetos, o professor ainda é responsável por elaborar atividades que consigam suprir as expectativas dos dois alunos, considerando suas nacionalidades, aspectos culturais e background. Além de ajudar no treinamento de mediadores para auxiliarem nas interações e manter contato com os professores e/ ou coordenadores do projeto no exterior.

De acordo com O’Dowd (2014, p. 353) a interação intercultural acontece não apenas no ambiente virtual, mas também na sala de aula antes e depois das interações online, quando o professor auxilia o aluno na compreensão de uma interação já realizada ou na preparação de uma próxima telecolaboração.

A2: Oi, A1!

Concordo com tudo o que você disse! Ao ler seu comentário, logo me lembrei do Teletandem! Desde já, peço até desculpas à turma, por focar tanto nele em meus comentários, mas como eu trabalho no projeto, eu tenho mais familiaridade e consigo fazer mais conexões entre as perguntas, o texto do O’Dowd e com ele (risos).

Pensando na realidade do Teletandem, aqui na FCLAr, a Professora X, como coordenadora do projeto, faz o contato inicial com os professores das universidades do exterior, que são nossas parceiras na interação. Além disso, ela orienta e ajuda nós, mediadores, quanto a possíveis dúvidas e às formas que devemos proceder com os nossos alunos participantes. Ademais, sempre discutimos entre nós acerca de nossas dificuldades e acertos nas mediações. Portanto, caso não haja alguém que "tome as rédeas" de um projeto como esse, o processo seria ainda mais complexo e difícil como é, não é mesmo?

Sobre o que O’Dowd afirma acerca da interação intercultural ultrapassar o ambiente virtual, dentro do contexto Teletandem, a mediação seria o caminho para o professor auxiliar os alunos a compreender, a refletir e a se preparem para a próxima interação. Neste semestre, estamos tentando ajudar ao máximo nossos interagentes, sempre nos mantendo o mais próximos e acessíveis a eles!

Enfim, acredito que O’Dowd vai muito ao encontro do que são os projetos telecolaborativos (interculturais), já que muito do que ele falou encontro no próprio Teletandem!

A4: Olá, gente.

Em minha opinião, o papel do professor na telecolaboração é possibilitar ao aluno um contexto de comunicação intercultural rico, o mais próximo possível do uso real da língua alvo e da cultura dessa língua. O professor deve ajudar o aprendiz a perceber os aspectos da cultura do outro que são diferentes ou semelhantes à sua, para que posso compreendê-la, refletindo sobre as questões culturais que emergem no contato com sujeitos de diferentes culturas.

A2: Olá, A4!

Também concordo com seus comentários! Cabe a nós, professores, mediarmos a aprendizagem intercultural! Foco bastante no termo “mediação”, pois acredito que este conceito consegue suprir muito bem essa necessidade! Entendo que, por meio da mediação, conduzimos nossos alunos a refletirem acerca das questões culturais, identitárias presentes na telecolaboração. Entendo também que uma vez que conscientizamos nossos alunos acerca da existência das "diferenças" e semelhanças existentes entre os parceiros de uma telecolaboração, eles poderão se colocar no lugar do outro e aprenderão muito além de questões “estritamente” linguísticas!

A3: Olá!

Concordo com os colegas de que o professor deve atuar como colaborador da interação online, seja na organização e viabilização das parcerias para interação ou também como “mediador intercultural”, responsável por conduzir eventuais discussões interculturais entre seus alunos antes e depois das sessões de interação.

Ao formular sua resposta a essa terceira pergunta, A1 traz, mais uma vez, a voz do autor do texto base para as discussões e outras leituras acerca do ensino de línguas, referenciando a citação que utiliza para construir seu enunciado. A2 faz um prolongamento ao enunciado de A1, remetendo-se à sua experiência com telecolaboração e às discussões do texto base para responder ao questionamento da professora.

O enunciado de A4 mostra suas crenças e leituras prévias sobre a matéria e é complementado com a resposta de A2, que traz direcionamentos teóricos ao mostrar o termo “mediação” como o mais apropriado para se definir o papel do professor no processo de telecolaboração, o que evidencia um diálogo também com leituras prévias sobre a matéria. Esse é o mesmo ponto de vista defendido por A3, que ratifica as posições dos colegas que com ela interagem.

Desse modo, a interação dos alunos no fórum de discussão possui tonalidades dialógicas, dada a forma como cada um parte de enunciados anteriores (sobretudo as perguntas da professora) para construir o seu. Trata-se de uma escrita que envolve a compreensão responsiva ativa do texto base para a leitura, nos limites colocados pela pergunta da professora, e que se relaciona com experiências prévias e leituras dos alunos. Cada aluno dirige sua resposta à professora e aos demais alunos participantes da interação, promovendo um diálogo tenso e vivo em que cada enunciado é uma réplica e também abre possibilidades para novos enunciados. Cada enunciado é um prolongamento daquilo que já foi dito.

Assim, os alunos assumem o papel de autores de um acontecimento cognitivo (BAKHTIN, 2011), em que o autor é um ser de linguagem que não vivencia um personagem no ato de criação. Ao contrário, a autoria, aqui, é feita por meio da organização de um conjunto de vozes que compõem e integram os discursos dos alunos. Autoria, aqui, ocorre, portanto, nessa orquestração de vozes, nesse processo de escrita interativa virtual com tonalidades dialógicas.

5 Considerações finais

Diante das discussões aqui trazidas, podemos dizer que a escrita no ambiente virtual de aprendizagem Moodle ocorre em um processo dialógico em que os alunos interagem entre si e com a professora que formulou as perguntas orientadoras da interação. Nesse processo, os alunos dialogam com o texto base da discussão, com a professora e com as respostas dos colegas já postadas, concordando ou divergindo do ponto de vista um do outro.

Também emergem um conjunto de vozes, nem sempre explicitadas nos enunciados, que proveem das experiências de leituras e das vivências dos alunos. Ao formular seus enunciados, os alunos assumem o lugar de autor que não estão na origem do seu dizer, mas que retira a matéria do seu discurso de lugares diversos. A posição autor não é a de um sujeito fonte do sentido e nem de alguém que empresta sua voz a outro sujeito, mas de alguém que toma palavras emprestadas de outro sujeito para se construir como um organizador de vozes.

Referências

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