Resumo: Conceitos como Letramento digital, hipertextualidade e multimodalidade já se encontram difundidos nos movimentos educacionais. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo verificar a visão dos docentes sobre abordagens didático-metodológicas que envolvam as tecnologias. Além disso, objetiva-se observar se as práticas desses professores efetivam essas abordagens, além de analisar em que perspectiva a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio orienta o trabalho com as tecnologias no eixo “Códigos, Linguagens e suas tecnologias”. Esta pesquisa desenvolve-se por meio de dois objetos de análise: o documento BNCC do ensino Médio e um questionário aplicado aos professores de Língua Portuguesa das terceiras séries das escolas estaduais de Quirinópolis (Goiás). Consiste, portanto, em uma pesquisa qualitativa, com parte dos dados extraídos de uma investigação documental e outra parte extraída da pesquisa de campo conforme metodologia de observação-participante. Apoiou-se nas postulações teóricas sobre a tecnologia na educação, o letramento digital, os gêneros multimodais e a abordagem sociointeracionista de linguagem, respectivamente, em: Bakhtin (2000), Rojo (2013, 2015), Kramer et al. (2007) e Silveira e Bazzo (2009) e Almeida e Silva (2011). Observou-se que a BNCC apresenta incisivos encaminhamentos que evocam os recursos didáticos digitais. Identificou-se também que os professores têm articulado suas abordagens didático-metodológicas, inserindo, de maneira significativa ou pontual, os eventos tecnológicos, conforme a disponibilidade dos escassos recursos e das condições de trabalho.
Palavras-chave:ensino de Língua Portuguesaensino de Língua Portuguesa,tecnologiastecnologias,letramento discursivoletramento discursivo,multiletramentosmultiletramentos.
Abstract: Concepts such as Digital Literacy, hypertextuality and multimodality have already been diffused in educational movements. In this sense, the present work aims to verify the vision of teachers about didatic-methodological approaches that involve technologies and observe if the practice of these professionals executes such approaches, besides analyzing in what perspective the National Common Curricular Base (BNCC) for high school degree guides the work with technologies on the axis “Codes, Languages and their technologies”. This research has been developed through two analysis goals: the BNCC high school document and a questionnaire applied to Portuguese Language teachers of the senior year in Quirinópolis (Goiás) state schools. This investigation is thus of qualitative nature, consisting of one part of the data being extracted from a documental investigation and another from a field research in accordance with the observation-attendant methodology. Theoretical background on technology in education, digital literacy, multimodal genres and the social-interactionist approach of language has supported this research, by respectively drawing on the following authors: Bakhtin (2000), Rojo (2013, 2015), Kramer et al. (2007) and Silveira e Bazzo (2009) and Almeida e Silva (2011). It has been observed that the BNCC presents incisive orientations that call for digital didactic resources. It has also been identified that the teachers have articulated their didactic-methodological approaches by inserting technological events in significant or punctual ways, depending on the availability of resources and proper conditions.
Keywords: Portuguese language teaching, technologies, discursive literacy, multi-literacy.
Linguística e Tecnologia
As tecnologias como ferramentas na educação linguística: a BNCC e a visão dos professores
TECHNOLOGY AS A TOOL IN LINGUISTIC EDUCATION: THE BNCC AND TEACHERS’ PERSPECTIVES
Recepção: 01 Abril 2019
Aprovação: 29 Abril 2019
O presente trabalho tem como objetivo verificar a visão e a prática dos professores sobre o uso das tecnologias no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, nas práticas didáticas contemporâneas. E, também, identificar no documento norteador do ensino, Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em que medida se apontam propostas de uso das tecnologias nas práticas de ensino-aprendizagem. As ideias explanadas neste trabalho levam a reconhecer as tecnologias como uma das formas que mobilizam a educação a acompanhar a constante evolução da sociedade. Intenta-se, por meio desta pesquisa, destacar questões que envolvam a utilização das ferramentas tecnológicas em sala de aula, refletindo o importante papel do professor nessa dinamização.
Sabe-se que, dentre as reivindicações, advindas dos alunos da educação básica, está a solicitação de aulas mais dinâmicas e atualizadas e extinção das aulas um tanto quanto enfadonhas. Atesta-se, pelo desinteresse desses jovens durante as aulas, que as metodologias adotadas estão em dissonância com o público das escolas em pleno século XXI, dinamizado e eletrizado pela fluência na interação por meio das tecnologias. Assim, empreendeu-se verificar como os professores têm entendido esse movimento social de interação e produção de saberes culturais por meio de ferramentas tecnológicas, e como esse advento das tecnologias pode interferir nos processos educacionais.
Outrossim, propôs-se averiguar em que medida e perspectiva o mais novo documento oficial (Base Nacional Comum Curricular – BNCC) prevê e orienta o trabalho de ensino da linguagem, via ferramentas tecnológicas, permeado pelo conceito de multiletramento. Segundo a autora Roxane Rojo (2013a),
Na perspectiva dos multiletramentos, o ato de ler envolve articular diferentes modalidades de linguagem além da escrita, como a imagem (estática e em movimento), a fala e a música. Nesse sentido, refletindo as mudanças sociais e tecnológicas atuais, ampliam-se e diversificam-se não só as maneiras de disponibilizar e compartilhar informações e conhecimentos, mas também de lê-los e produzi-los. O desenvolvimento de linguagens híbridas envolve, dessa forma, desafios para os leitores e para os agentes que trabalham com a língua escrita, entre eles, a escola e os professores (ROJO, 2013b, p. 85).
Aventa-se, também, propor reflexões que possibilitem tornar as práticas de ensino de Língua Portuguesa atualizadas, mais atraentes e produtivas, pelos recursos das tecnologias, conforme a perspectiva sociointeracionista da linguagem.
No referente à pesquisa documental, buscou-se analisar o documento de orientação da educação nacional, BNCC, na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias no Ensino Médio, no item “Competências específicas e habilidades em Língua Portuguesa”, quanto aos campos de atuação social. Investigou-se se o documento traz encaminhamentos sobre os usos das tecnologias e, caso positivo, em qual perspectiva aborda esses recursos tecnológicos como aparatos didáticos.
Quanto à pesquisa de campo, um dos instrumentos de coleta de dados foi um questionário sobre percepções, relatos e descrição das ações de professores de terceiras séries do Ensino Médio das Escolas Estaduais do município de Quirinópolis – GO, acerca da maneira como esses professores estão interagindo com as novas tecnologias e com essa abordagem de ensino, ou seja, se e como estão desenvolvendo práticas de ensino que utilizam ferramentas digitais. Reconhece-se que os recursos tecnológicos funcionam, atualmente, como suporte da leitura cotidiana dos educandos, recursos esses que possibilitam que eles passem grande parte do tempo do seu dia escrevendo e interagindo, o que promove uma reflexão sobre esse formato de linguagem nos seus diversos aspectos linguísticos e discursivos. Essa visão sobre a importância das tecnologias na formação linguístico-discursiva dos alunos pode ser evidenciada na fala da professora C: “O emprego das tecnologias no ensino traz muitas vantagens para o aprendizado e deve fazer parte do cotidiano do aluno, já que o domínio das novas ferramentas será importante na busca por melhores empregos, e os profissionais mais qualificados certamente são os que demonstram maior manejo e conhecimento, além de tornar as aulas mais atraentes e significativas”[1].
O presente estudo surgiu de questionamentos sobre o porquê de os professores apresentarem resistência quanto à aplicação de ferramentas tecnológicas de comunicação no processo de ensino-aprendizagem, apesar de estarem em constante contato com elas e fazerem uso delas. Ou, ainda, por que, em sala de aula, consta que há pouca conexão desses recursos tecnológicos com as propostas de conteúdo. Eis a questão instigante “Por que não evocar formas mais inovadoras e atualizadas de desenvolver os conteúdos previstos para o ensino?”. Sendo assim, preconiza-se que, junto a essa reflexão, nasçam possibilidades de práticas inovadoras no espaço escolar, amarrando a perspectiva social e interacionista com as novas tecnologias da informação e comunicação. Portanto, a ideia deste trabalho surge da necessidade de investigar com acuro as dificuldades enfrentadas pelos professores, diante desse novo caminho que a educação vem seguindo, podendo, assim, apresentar aos docentes orientações para que haja de fato essa mudança.
A partir do advento do grande desenvolvimento tecnológico e suas interferências nas práticas sociais, surge a necessidade de analisar e discutir sobre o quão útil essas ferramentas podem ser no processo educacional, na edificação do conhecimento de forma geral, e, a partir dessa realidade, desperta-se para a inquietação de investigar se/como/por que esses aparatos tecnológicos têm sido utilizados nas práticas didáticas de Língua Portuguesa, na etapa de Ensino Médio, nas escolas de Quirinópolis.
Conceitos como letramento digital, hipertextualidade e multimodalidade já se encontram difundidos nos movimentos educacionais e nos documentos oficiais que orientam a educação. São, por isso, de conhecimento dos professores e demais profissionais da educação e inquieta-nos averiguar: a) De que forma os encaminhamentos sobre os usos das tecnologias como recurso didático têm sido abordados no documento recentemente elaborado para nortear a educação nacional na BNCC?; b) Qual a visão dos professores de Língua Portuguesa sobre os usos dessas tecnologias para o ensino? c) Nas práticas contemporâneas de ensino, os professores têm utilizado os aparatos tecnológicos como ferramentas didáticas (caso positivo, como e por quê)?
Todo o trabalho foi desenvolvido a partir de três metodologias: a primeira consiste na pesquisa bibliográfica, a qual viabilizou reunir o conhecimento teórico já disponível a respeito da temática. A partir desse processo, construiu-se o alicerce para analisar e explicar o objeto de estudo. A segunda metodologia diz respeito à pesquisa documental, realizada a partir da análise da BNCC e, por último, a pesquisa de campo, feita por meio de questionário formado por seis questões subjetivas, aplicado aos professores das 3as séries do Ensino Médio das escolas estaduais do Munícipio de Quirinópolis - GO, constando de um total de oito professores participantes.
Diante de novos paradigmas tecnológicos e da grande necessidade que a educação tem em se reestruturar constantemente, hoje, é impossível pensar em desenvolvimento sem tecnologia, conforme afirmação de Silveira e Bazzo (2009):
A tecnologia tem se apresentado como o principal fator de progresso e de desenvolvimento. No paradigma econômico vigente, ela é assumida como um bem social e, juntamente com a ciência, é o meio para a agregação de valores aos mais diversos produtos, tornando-se a chave para a competitividade estratégica e para o desenvolvimento social e econômico de uma região (SILVEIRA; BAZZO, 2009, p. 682).
A tecnologia e, consequentemente, a informação são complementares e tornaram-se indispensáveis na vida de um contingente significativo de indivíduos, em especial dos jovens. Arrisca-se afirmar que a tecnologia é imprescindível para a interação eficaz de todos, o que se leva a pensar no grande desafio que se enfrenta hoje: como ter e manter uma educação de qualidade, cultivando cidadãos reflexivos que consigam se beneficiar dessa informação? Como lhes agregar um conhecimento que, de fato, tenha aproveitamento para suas práticas sociais e vivências pessoais e profissionais?
Não há como se pensar nos métodos de ensino-aprendizagem sem o uso desse leque de instrumentos tecnológicos, que já são disponibilizados de forma acessível hoje nas escolas. Além disso, sem dúvida, essas instituições e os profissionais que nela atuam têm percebido a relevância e os possíveis impactos dessas ferramentas em todo o processo de ensino. Vale ressaltar que a escola, como centro de formação e saber, não pode negar o relacionamento entre o conhecimento no campo da informática e os demais campos do saber humano (GRINSPUN, 1999).
Sobre o papel do professor, vale observar que, sendo esse o mediador entre a realidade em sala de aula e a necessidade de inserção dessas novas possibilidades de ensino, é necessário que ele olhe a evolução como um dos fundamentos da humanidade. Existem, hoje, escolas e professores que ainda restringem e limitam suas práticas de ensino às metodologias de ensino tradicionais e conservadoras. Não se aventa aqui um demérito com as práticas de ensino que utilizam a lousa, o giz, a exposição verbal, o papel xerografado, mas as transformações sociais devem gerar mudanças nos espaços educacionais, para que sejam significativas e produtivas no papel formativo do sujeito. Assim, vale observar a importância de uma formação que torne o docente hábil a trabalhar a partir dessa nova realidade, a qual o obriga a acompanhar as diversidades, pois as
[t]ecnologias são os meios, os apoios, as ferramentas que utilizamos para que os alunos aprendam. As formas como os organizamos em grupos, em salas, em outros espaços: isso também é tecnologia. O giz que escreve na lousa é tecnologia de comunicação, e uma boa organização da escrita facilita – e muito – a aprendizagem (VIEIRA; ALMEIDA; ALONSO, 2003, p. 153).
O processo de ensino/aprendizagem com base no sócio-interacionismo defende que o ser humano está em constante desenvolvimento, e, por isso, seus pensamentos e conhecimentos são estabelecidos a partir do ambiente histórico e sociocultural em que está inserido. Essa perspectiva pode abarcar os seguintes questionamentos: por que as aulas deixam de ser atraentes aos jovens alunos? Por que é mais interessante para o aluno continuar nas redes sociais a acompanhar os conteúdos na lousa? Não se pode deixar de observar que as aulas estão sendo dadas a sujeitos totalmente informatizados e tecnológicos, o que conduz à resposta para algumas frustrações e inquietações, acerca da ineficácia das estratégias didáticas na contemporaneidade.
Não se pode olhar para a tecnologia como um passatempo ou “uma pedra no meio do caminho”, ela é o primeiro passo para se obterem resultados eficazes com as ferramentas digitais na educação. Além disso, são pertinentes as queixas advindas de professores em relação ao “mau uso” das tecnologias em sala de aula, quando se é feito, por exemplo, somente para o acesso em redes sociais, sem fundamentos didáticos. Quando indagado “em que sentido as tecnologias podem prejudicar o ensino de Língua Portuguesa”, o professor D adverte: No sentido de os alunos usarem as tecnologias para acessar as redes sociais e outros aplicativos durante a sala sem a permissão do professor.
Nesse contexto, deve ser reforçado que quando bem direcionadas, elas podem contribuir sobremaneira no processo ensino-aprendizagem. Para Almeida e Silva (2011):
A disseminação e uso de tecnologias digitais, marcadamente dos computadores e da internet, favoreceu o desenvolvimento de uma cultura de uso das mídias e, por conseguinte, de uma configuração social pautada num modelo digital de pensar, criar, produzir, comunicar, aprender – viver. E as tecnologias móveis e a web 2.0, principalmente, são responsáveis por grande parte dessa nova configuração social do mundo que se entrelaça com o espaço digital (ALMEIDA; SILVA, 2011, p. 4).
Existe uma enorme necessidade de fazer com o que o aluno veja o sentido do conteúdo e consiga desenvolver formas de aplicar aquilo em sua realidade e em qualquer área de ensino.
Kramer et al. (2007) observam que a globalização atinge de forma direta a educação escolar e o desenvolvimento do trabalho docente. Não se pode mais pensar na escola desvinculada das relações e formas de viver que são estabelecidas no meio social. A escola tem que levar em consideração o cotidiano de seus alunos e o perfil destes, bem como as práticas sociais que emergem pela comunicação e pelo uso da linguagem. Por isso, a BNCC apresenta essa perspectiva renovadora.
Há, sem dúvida, uma necessidade premente de se trabalhar o ensino de Língua Portuguesa sob uma concepção de linguagem enquanto processo de interação comunicativa. Assim, a BNCC (BRASIL, 2018) traz a seguinte reflexão na área de Linguagens, códigos e suas tecnologias[2]:
Para orientar uma abordagem integrada dessas linguagens e de suas práticas, a área define que os campos de atuação social são um dos seus principais eixos organizadores. Segundo essa opção, a área propõe que os estudantes possam vivenciar experiências significativas com práticas de linguagem em diferentes mídias (impressa, digital, analógica), situadas em campos de atuação social diversos, vinculados com o enriquecimento cultural próprio, as práticas cidadãs, o trabalho e a continuação dos estudos (BRASIL, 2018, p. 477, grifos nossos).
A BNCC aborda o trabalho com textos digitais e dá ênfase ao uso da linguagem em vários campos, incluindo literatura, ciência e jornalismo. Chama-se a atenção para a inserção dessa abordagem digital e tecnológica no ensino como primeiro passo, tendo em vista o próprio título atribuído à área de ensino proposta pelo documento: Linguagens, códigos e suas tecnologias.
Essa proposta traz uma ampliação do conceito de letramento, abarcando não somente a linguagem escrita, mas todos os textos relacionados às novas tecnologias, como vídeos, áudios e podcasts. A nova base curricular pontua uma preocupação com o ensino baseado no texto, para desenvolver a leitura crítica, como requisito importante para que o estudante consiga analisar as diferentes informações que recebe por meio da internet e das redes sociais. Além disso, visa promover a aprendizagem dos diversos gêneros do discurso, perfazendo também os gêneros digitais. O documento curricular encaminha o trabalho de ensino das linguagens, dos gêneros e discursos em uma perspectiva crítica e reflexiva e incita a repensar a confiabilidade dos valores de verdades disseminadas pelas mídias, e pelas Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC). Essa problemática atual merece enfoque específico na formação humana, social e ética do sujeito.
Vale esclarecer que a palavra em destaque nessa nova versão da BNCC é “semiose”, resultado da produção de significados que procuram relacionar a linguagem com outros sistemas de signos de natureza humana ou não: sendo o processo de criação, um processo de semiose ilimitada, como está definido na BNCC (BRASIL, 2018). Acredita-se que essa produção de significados por meio da leitura e escrita recebe interferências dos meios de comunicação e interação dessa era digital em que se vive.
Nesse sentido, entende-se que essa semiose seja potencializada por condições de produção típicas das atividades de linguagem e, assim, os meios digitais e midiáticos recebem um papel fundamental no processo educativo. Torna-se, portanto, um tanto quanto obsoleto conservar as práticas de linguagem e as práticas de ensino em um formato engessado. Atualizar e repensar estratégias que estabeleçam uma produção de sentido profícua justifica a inserção de estratégias digitais e de objetos de ensino dentro de contextos tecnológicos e, assim, digitais.
As postulações da BNCC, de um trabalho com a linguagem como um sistema de signos, por meio do qual os jovens devem explorar os âmbitos discursivo e composicional, nas diferentes formas de representação, dialogam com a ideia de língua de Almeida (2013, p. 11). O autor declara que a língua “é um processo interativo de cruzamento de diversas e variadas vozes que interagem para construir o sentido”, e essa abordagem metodológica continuamente está na ordem da multiplicidade de significados.
Parte-se, então, para a Análise Dialógica do Discurso, entendendo-se que se trata de uma perspectiva sobre o domínio interdisciplinar que toma o discurso como seu objeto próprio, buscando compreender a língua em movimento, como uma entidade na qual a ideologia se manifesta. De acordo com a perspectiva interacionista do Círculo de Bakhtin, a linguagem deve ser entendida como o lugar do código-ideológico, do signo ideológico por excelência, sendo impossível desvincular a unicidade do meio social e a do contexto social imediato de sua constituição (BAKHTIN, 2000; BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 2006).
Ao entender as concepções que sustentam a Análise Dialógica do Discurso, compreende-se o quanto colaborou, sem dúvida, para uma perspectiva mais inovadora referente a essa elaboração da BNCC, que se propõe a observar a linguagem humana e a forma textual pela qual ela é estudada. Por isso, o documento traz, nessa atualização, a ideia de inclusão do estudante nesse mundo digital, como um advento social e cultural. Nesse sentido, o texto indica que os estudantes tenham acesso aos saberes digitais para seu desempenho social ativo, e que a escola inclua essa prática em seu currículo. A intenção de sair da condição única de textos impressos é uma das propostas inovadoras da BNCC.
O documento sinaliza que o ensino necessita ser ajustado por condições didático-pedagógicas que possam oferecer uma formação humana absoluta e de qualidade igualitária. Assim, essa visão voltada às novas ferramentas tecnológicas traz o indivíduo para a realidade universal, a realidade de um mundo contemporâneo, em que novos gêneros textuais se fazem presentes no cotidiano, vista da seguinte forma pela BNCC:
Não são somente novos gêneros que surgem ou se transformam (como post, tweet, meme, mashup, playlist comentada, reportagem multimidiática, relato multimidiático, vlog, videominuto, political remix, tutoriais em vídeo, entre outros), mas novas ações, procedimentos e atividades (curtir, comentar, redistribuir, compartilhar, taguear, seguir/ ser seguido, remidiar, remixar, curar, colecionar/descolecionar, colaborar etc.) que supõem o desenvolvimento de outras habilidades. Não se trata de substituição ou de simples convivência de mídias, mas de levar em conta como a coexistência e a convergência das mídias transforma as próprias mídias e seus usos e potencializa novas possibilidades de construção de sentidos (BRASIL, 2018, p. 478).
A Base Curricular atenta para os gêneros midiáticos e multimodais em circulação e destaca as ações das práticas de interação que surgem com eles. São essas atualizações que visam mobilizar o desenvolvimento de novas habilidades linguageiras e possibilitam a produção de novos sentidos e relações com os saberes. Então, o conceito da BNCC parte da necessidade de situar o ensino de Língua Portuguesa sob uma concepção de educação, advinda de uma realidade contemporânea, adequando ao que se tem esperado dos processos formativos no cenário da Educação Básica.
A BNCC da área de Linguagens e suas Tecnologias priorizou cinco campos: campo de atuação social, campo da vida pessoal, campo de atuação na vida pública, campo das práticas de estudo e pesquisa, campo jornalístico-midiático e campo artístico-literário. A base elenca as competências específicas de linguagens e suas tecnologias para o Ensino Médio, das quais a sétima competência é voltada totalmente à inclusão digital, visando à formação que deve ter o alunado, em relação, até mesmo, ao mercado de trabalho.
Os princípios fundamentados pela BNCC e essas facetas metodológicas, com foco nas práticas de linguagem textual, acompanham o princípio de que o processo todo segue o caminho do refletir-aplicar e que noções de língua tão somente têm valor se inseridas nessa reflexão. Nessa perspectiva, cogita-se, pelo documento norteador do ensino, que aconteça um salto nas possibilidades de mobilizar recursos significativos, no intento de gerar o avanço esperado na área dos estudos da linguagem e na formação integrada e holística desse sujeito social. Desse modo, ao analisar esse processo de letramento discursivo nessa abordagem, fica clara a intenção de colocar as práticas de linguagem em ambientes digitais, como reflexo das práticas de linguagem em diferentes campos de atuação social.
A partir de um olhar crítico e relevante à realidade do indivíduo, há a necessidade da introdução de gêneros discursivos comuns à realidade do estudante e que merecem adoção por parte da escola, porque escola é um espaço de trabalho e, como tal, de ampliação dos horizontes de todos os estudantes. Assim, a fórmula uso-reflexão-uso, expressa de maneira latente nos discursos educacionais, não supõe que somente os gêneros discursivos impressos já conhecidos (usados) poderiam ser objeto de reflexão. Uma vez que se amplia e se altera o suporte sociocomunicativo, transpondo-se do material impresso na sala de aula para o material digital via equipamentos tecnológicos, por exemplo, reconfigura-se o sentido e a enunciação do dizer e assim tem-se uma nova configuração, um novo processo enunciativo.
Acredita-se que ler uma notícia impressa no livro didático e ler uma notícia diretamente da web, via computadores ou celulares na sala de aula, transforma a enunciação. Mas, para além disso, reconhece-se a presença de gêneros tipicamente digitais ou os também chamados multimodais em materiais impressos, os quais potencializam esse letramento discursivo, com vistas a essa atuação do sujeito aluno nos variados contextos sociais em que ele está inserido. Nesse cenário, conforme o próprio documento prevê, os jovens precisam ter uma visão crítica, ética e estética, e não somente técnica das TDIC[3] e de seus usos, para selecionar, filtrar, compreender e produzir criticamente sentidos em quaisquer campos da vida social.
Numa avaliação geral da BNCC na área de Língua Portuguesa e do uso de novas tecnologias, em contraponto com a realidade que se vivencia da educação linguística, pode-se dizer que se vive uma manutenção das concepções de linguagem e de subjetividade, em relação ao espaço e tempo no qual se está. O documento propõe um avanço nos suportes e nas formas de dizer (gêneros) das diferentes práticas de linguagem, em diferentes campos de atuação, no sentido de se atualizarem também os instrumentos pedagógicos no trabalho com o letramento. Para tanto, é necessário não somente possibilitar aos estudantes explorar interfaces técnicas (como a das linguagens de programação ou de uso de ferramentas e apps variados de edição de áudio, vídeo, imagens, de realidade aumentada, de criação de games, gifs, memes, infográficos etc.), mas também interfaces éticas que lhes permitam tanto triar e curar informações como produzir o novo com base no existente (BRASIL, 2018).
A necessidade de estimular os estudantes a terem um raciocínio estruturado, computacional, e prepará-los para uma interpretação global e lúcida do mundo digital é um dos pontos alarmantes, já que, ao assumir uma perspectiva enunciativo-discursiva, entende-se que pensar, comunicar-se, partilhar e construir visões de mundo são atividades sociais que estão intrinsecamente ligadas à língua(gem) e, por sua vez, ao texto e ao discurso. Portanto, essas ações tornam-se essenciais para diminuir as diferenças educacionais brasileiras, o que fica explícito nos direcionamentos da BNCC.
A BNCC prevê que no Ensino Médio a cultura digital e os multiletramentos façam parte das práticas de linguagem no processo ensino-aprendizagem, uma vez que a interação por meio desses novos letramentos já se encontra avançada. Assim, elenca o uso de ferramentas tecnológicas, como software de edição de texto, playlist, games e slides. É orientado um trabalho com os gêneros da linha do hipertexto/gêneros midiáticos, previstos na BNCC, alguns vistos como novidades como o E-zine, que trata de uma publicação periódica, distribuída por e-mail ou postada num site, e que foca uma área específica (como informática, literatura, música experimental etc.), outros que já são conhecidos pela maior parte dos estudantes, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2018):
Diversificar gêneros, suportes e mídias definidos para a socialização dos estudos e pesquisas: orais (seminário, apresentação, debate etc.), escritos (monografia, ensaio, artigo de divulgação científica, relatório, artigo de opinião, reportagem científica etc.) e multissemióticos (videominuto, documentário, vlog científico, podcast, relato multimidiático de campo, verbete de enciclopédia digital colaborativa, revista digital, fotorreportagem, foto-denúncia etc.) (BRASIL, 2018, p. 44).
Na análise de toda a proposta, entende-se que a prerrogativa principal da Base, enquanto norteadora do ensino na área de Linguagens, códigos e suas tecnologias para Ensino Médio, é ir além das práticas de linguagem tradicionais. Para tanto, o documento preconiza a promoção de uma formação linguística, discursiva e humana, inserida em um processo dinamizado pelas transformações sociais e culturais. O documento pondera que, nesse sentido, as práticas de ensino vigentes carecem de uma atualização quanto aos objetos de ensino e à abordagem didático-metodológica. De forma mais pontual, propõe agregar os Multiletramentos e envolver Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC) no sentido de mobilizar a produção de sentidos de maneira sociointeracionista e dialógica, pressupostos esses que validam toda a proposta do documento BNCC e sobre o qual delineiam-se algumas considerações.
No sentido de compreender se esse movimento de transformação na educação encontra repercussão nas concepções de professores de Língua Portuguesa em exercício, e se esses delatam o desenvolvimento de suas práticas de ensino na perspectiva tecnológica, investiu-se em uma investigação de campo, a qual será explorada a seguir.
Pressupondo que os agentes desse processo ensino-aprendizagem, os professores, estão também inseridos nas transformações e atualizações que se tornam constantes na sociedade, buscamos identificar os impactos que esse movimento tecnológico tem ressoado nas práticas de ensino, sob o prisma do professor. Para tanto, foram aplicados questionários, em abril de 2016, a todos os professores de Língua Portuguesa de 3as séries do Ensino Médio, dos Colégios Estaduais da cidade de Quirinópolis, totalizando-se três colégios estaduais e oito professores , sendo que destes profissionais, cinco tiveram a prontidão em contribuir com o presente trabalho de pesquisa, os quais foram denominados, para preservação de identidade, nesta pesquisa, como Professor A, Professor B, Professor C, Professor D e Professor E.
Optamos por uma metodologia de análise dos dados qualitativa e discursiva, uma vez que acreditamos que as singularidades das respostas são mais reveladoras que a sistematização, categorização ou quantificação. Portanto, não investimos em gráficos, quadros ou agrupamentos das respostas, uma vez que nos interessam os discursos em suas nuances e peculiaridades.
Diante das respostas dos questionários, percebeu-se que há uma considerável sintonia na forma de pensar da maioria dos professores participantes, o que conflui para dados reveladores sobre a concepção que norteia o ensino nessa etapa da Educação Básica e na perspectiva que se interessa saber: das tecnologias como aparato didático-metodológico. Essa visão positiva das tecnologias como ferramenta em potencial para o ensino pode ser reconhecida pela resposta do professor B, quando interrogado acerca dos benefícios que as tecnologias podem oferecer ao ensino da Língua Portuguesa: “Elas são excelentes justamente por oferecerem novas e inovadoras, encantadoras maneiras de lidar com a língua. O discente não mais só vê ou ouve, ele faz, produz... Sabe muito bem lidar com a tecnologia. Na verdade, muito ajudam os professores”.
Dentre os dados revelados sobre os usos que os professores fazem de recursos tecnológicos e a apreciação destes a respeito das tecnologias nas atividades sociais e educacionais, constatou-se que todos fazem uso de, pelo menos, duas ferramentas tecnológicas diariamente e acreditam que essas ferramentas, como telefones celulares, computadores, data-show, lousa digital, etc sem dúvida, podem colaborar e dinamizar as aulas de Língua Portuguesa, o que traz as aulas para um cenário mais real e atrativo. Relatam o uso, por exemplo, do hipertexto[4] como suporte de gênero, atualizado e em ação, uma vez que este faz parte do cotidiano desses alunos. Consideramos hipertextos as conversas de WhatsApp, postagens de Instagram, de Facebook, de blog, que comportam gêneros de discursos diversos, como memes, figurinhas, bate-papo escrito, manifestos, mensagens de reflexão, etc.
O professor C declara o uso das seguintes ferramentas, quando indagado sobre os equipamentos ou instrumentos tecnológicos que utiliza em seu cotidiano e com qual objetivo: “Computador, datashow, celular. Para pesquisas vídeos, imagens, programas educacionais para atrair a atenção do aluno e tornar a aula dinâmica e atrativa”.
Nesse ínterim, Barra (2005) afirma que
[o] desenvolvimento dos recursos técnicos permitiu que o computador passasse a ser utilizado como ferramenta excepcionalmente eficiente para estocar e recuperar diferentes tipos de informação. [...] a rede de conexão do hipertexto ativar a nossa expectativa de que haverá links atrelados a diferentes segmentos textuais e, em segundo lugar, a interação entre estes segmentos não ser orientada por uma sequência padrão pré-estabelecida, que pode ser observada ou não pelo leitor. (BRAGA, 2005, p. 146-147)
Entretanto, observou-se que as expectativas no que se referem às possibilidades de atualização das práticas pedagógicas de muitos dos participantes diante da nova proposta da BNCC não são tão contemplativas, devido à falta de organização e infraestrutura das escolas em relação a essas novas formas de aprendizagem, como bem declara o professor E: “A amplitude (tamanho da escola), sistema de energia elétrica fraco, inviável, assim há quedas constantes; oferta de apenas uma sala com datashow; computadores (laboratório) desativo, obsoleto”.
Essa insuficiência nas transformações das práticas e metodologias de ensino ocorre devido à necessidade de investimentos múltiplos nos recursos e espaços que as constituem. Para Brito e Purificação (2012), o grupo escolar se depara com três caminhos possíveis: afastar as tecnologias, se excluir do processo ou tomar posse dessas ferramentas e fazer do novo sua busca diária, apropriar-se dos processos, desenvolvendo habilidades que permitam o controle das tecnologias e de seus efeitos.
O questionário consta de seis questões discursivas, sendo uma, a questão de número seis, subdivida em dois itens. A primeira questão consiste em uma pergunta reflexiva, na qual o professor deveria expor a sua visão em relação ao trabalho que considera ideal para o professor no ensino da Língua Portuguesa, no século XXI.
O Professor A ressaltou a importância de aulas mais interativas em termos tecnológicos: “Deve ser interativo, em termos tecnológicos e holográfico, em termos pedagógicos, além de bem contextualizado com as várias áreas do conhecimento”. Já o Professor C declarou a importância do uso de ferramentas tecnológicas e a necessidade de adaptar a educação a essa nova realidade, deixando para trás o ensino do século XX, ao afirmar: “Deve-se aliar a tecnologia ao ensino sempre, portanto, o uso das tecnologias em sala de aula precisa, com certeza, de um ensino diferente daquele do final do século XX. Precisa ser mais divertido, com mais diálogo entre professor e aluno, aulas mais dinâmicas, mais criativas. Leitura, tecnologia e visão crítica são as palavras-chave para o ensino de Língua Portuguesa nos dias de hoje”.
Essas respostas condizem com o pensamento do Professor B, que aborda a necessidade de aulas mais dinamizadas, com uma visão funcional e que possam trazer o aluno a pensar e a desenvolver uma visão crítica. Todos esses docentes fizeram referência ao uso da tecnologia no processo ensino/aprendizagem. Essas foram as respostas consideradas mais significativas e que mais dialogaram com a proposta da BNCC em relação ao ensino da Língua Portuguesa para o Ensino Médio.
Ainda sobre a questão de número 1, observa-se a preocupação dos professores em relação à abordagem de conteúdo e enfoque dado na disciplina, se mais gramatical ou textual. Essas informações foram transmitidas pelo Professor E, que ressalvou a importância de se trabalhar a gramática contextualizada, a leitura, a interpretação de texto, entretanto, não mencionou o uso de ferramentas tecnológicas: “deve voltado para leitura, interpretação e produção de texto. O estudo de gramática deve ser contextualizado; o estudo de texto deve ser dirigido”.
Outros pontos, como a necessidade de usar métodos interativos em relação ao uso de tecnologias de forma contextualizada para ajudar o estudante a desenvolver a habilidade de leitura/interpretação, diante dos problemas reais, como política, foram observados pelos professores D e E. Sobre isso, Leite afirma que
[o]s alunos devem ser educados para o domínio do manuseio, da criação e interpretação de novas linguagens e formas de expressão e comunicação, para irem se constituindo em sujeitos responsáveis pela produção. Podemos pensar ainda que a própria tecnologia pode ser um meio de concretizar os discursos que propõem que a escola deve fazer o aluno aprender a aprender, a criar, a inventar soluções próprias diante dos desafios, enfim, formar-se com e para a autonomia, não para repetir, copiar, imitar (LEITE, 2003, p. 15).
A segunda questão investigou em que sentido as tecnologias podem prejudicar o ensino de Língua Portuguesa (caso considerassem que pudessem prejudicar). O Professor B afirmou que as tecnologias apenas somam, enquanto que o Professor E não se prontificou a responder à questão. Obtiveram-se duas respostas ponderadas dos Professores A e C, que levantaram um ponto de defasagem em relação ao uso dessas ferramentas, isto é, um mau uso das ferramentas: alegaram que, conforme a metodologia do professor, o conhecimento funciona apenas como um recurso de plágio de informação (a prática do copia/cola – control C+control V), ao invés de o aluno desenvolver o poder do discurso. Nas palavras do professor C, pode-se identificar essa percepção: “Em si, as tecnologias, penso eu, que não atrapalham o ensino, mas, a maneira como os estudantes as usam, por exemplo, só consulta internet, na hora de fazer trabalhos e estudar para provas, então vejo que uma dessas tecnologias, como a internet, pode prejudicar”.
Essa prática coopera, assim, com a alienação desses sujeitos, observando também que a ferramenta tecnológica contribui para o crescimento intelectual do aluno, mas também para uma automatização na aquisição do conhecimento. Além disso, o Professor D apresentou uma resposta um tanto quanto descontextualizada e citou contribuições das tecnologias em relação ao planejamento e preparo das aulas com ferramentas digitais.
Quando indagados em que sentido as tecnologias podem beneficiar o ensino de Língua Portuguesa, os Professores A, B, C e D lembraram que os suportes virtuais podem, por exemplo, ajudar com a exposição de vídeos e textos atuais que chamam a atenção do aluno para as diversas formas de linguagem. Trataram também da questão dos multiletramentos na escola, uma vez que a partir do uso de ferramentas tecnológicas, o estudante não mais só ouve ou lê, tudo pode acontecer de forma interativa, com imagens iconográficas, em movimento, vídeos etc., trazendo possibilidades inovadoras. Rojo destaca que os multiletramentos têm como características importantes:
(a) eles são interativos; mais que isso, colaborativos; (b) eles fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos [verbais ou não]); (c) eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos mídias e culturas) (ROJO, 2013a, p. 23).
Trabalhar com ferramentas tecnológicas, além de beneficiar a aprendizagem, ainda traz o momento para a realidade do educando, e assim colabora de forma direta na qualificação profissional, já que as tecnologias estão presentes em quase, senão, em todas as áreas de trabalho. Essa foi outra questão abordada pelo Professor C. Além de evitar a monotonia das aulas, o aparato tecnológico traz possibilidades e recursos que colaboram com o professor e o desenvolvimento da sua aula, de maneira ilustrativa e dinâmica, assim estabelece o Professor E: “As tecnologias beneficiam, evitando que as aulas sejam monótonas e enfadonhas”.
Acerca dos equipamentos e instrumentos tecnológicos usados no cotidiano dos professores entrevistados, todos declararam usufruir os mesmos instrumentos e com objetivos similares: computador, celular, datashow e pendrive foram citados, com a função de interagir, pesquisar, reproduzir textos, filmes e vídeos. O Professor B declarou que são limitadas as condições e motivações oferecidas pela instituição de ensino, para se trabalhar com essas ferramentas tecnológicas. Para além disso, os professores são privados desses recursos. Vale registrar as palavras do professor B: “Praticamente impossível, pois o acesso à internet é problemático. Até os professores são inibidos quanto à senha do Wi-Fi”.
Ressaltou também que, para se aplicar o que a nova BNCC propõe, é necessário que haja ambiente, estrutura física e material, como, por exemplo, um espaço de mídia que suporte as necessidades da comunidade escolar: “Valho-me do citado na questão 5: para facilita/ampliar/dar sabor ao conteúdo trabalhado em sala. Para piorar, é obrigatório trabalhar o Livro Aprender + (fraco e muitooooo distante da realidade, inclusive do ENEM e vestibular”. Entende-se que o docente faz uma avaliação de um outro mecanismo proposto pelo Estado para se trabalhar o ensino da Língua (o material impresso), mas o qual reprova e considera comprometer ainda mais o processo ensino-aprendizagem da língua, somada à falta de recursos para se otimizar os usos das tecnologias.
Já sobre o uso das ferramentas desses instrumentos tecnológicos, as mais citadas foram o e-mail, Whatsapp, Instagram, Facebook, Google e programas de Windows – como Power Point, Word e Excel. Dos cinco professores que responderam ao questionário, três, sendo eles A, B e C, afirmaram utilizar todas essas ferramentas. Enquanto os Professores D e E afirmaram fazer uso somente do Google, Windows ee-mail.
A respeito da possibilidade da utilização dessas mesmas ferramentas tecnológicas no espaço educacional onde atuam, a maioria das respostas foi positiva, visto que eles acreditam que podem sim utilizar esses aparatos tecnológicos, mas atentamos para o fato de que isso não significa que efetivamente usam. Reitera-se que essas perguntas/respostas dizem respeito à viabilidade do uso e não à declaração de que os professores efetivamente usam. Assim, não significa que por ser possível e viável a utilização desses recursos, eles os tenha usado. Houve somente uma resposta contrária, do Professor E, negando a possibilidade do uso de recursos tecnológicos. O referido professor trabalha em uma extensão rural, situação que merece análise sobre a peculiaridade pedagógica, nessa perspectiva.
A utilização das ferramentas e os objetivos do uso dessas são elencados em diversas categorias. Dentre esses objetivos, a intenção de otimizar as aulas, trazendo-as para a realidade dos alunos, foi a resposta do Professor A. O Professor B informa que tem o objetivo de promover leituras mais fluentes e em um tempo mais hábil, e o Professor C diz que o faz com o propósito de potencializar a produção textual por meio da ferramenta Google Classroom, quando os alunos trocam o papel e a caneta pelo teclado.
Outra observação exposta pelo Professor D é acerca do constante uso do Google, em especial para pesquisa de conteúdo proposto como atividade, pois, segundo ele, o livro didático não traz todo o conteúdo. Também foram apontadas inúmeras ferramentas do Windows, inclusive para elaboração das avaliações. Para o Professor B, trabalhar com todas as ferramentas citadas pode ampliar e dar sabor às aulas de Língua Portuguesa, entretanto, há uma dificuldade, segundo o docente, pois os conteúdos que o governo do estado impõe devem ser ministrados no tempo referendado no cronograma oficial.
Para Marcuschi e Xavier (2005, p. 14),
[...] parte do sucesso da nova tecnologia deve-se ao fato de reunir num só meio várias formas de expressão, tais como, texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade para a incorporação simultânea de múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos linguísticos utilizados. A par disso, a rapidez da veiculação e sua flexibilidade linguística aceleram a penetração entre as demais práticas sociais.
Embora esteja evidente a fluência dos meios tecnológicos nas práticas de interação atuais e em todos os adventos sociais, de modo geral, percebe-se que existem motivos factuais que impedem os professores atuantes na educação básica de fazerem mais usos das ferramentas tecnológicas em suas práticas de ensino de forma abrangente. Apesar de apoiarem, considerarem necessário o uso dessas tecnologias e disporem de alguns recursos digitais mais triviais em seu cotidiano escolar, enfatizaram alguns motivos que justificam as limitações em usarem esses aparatos digitais no ambiente educacional em que trabalham. Dentre as alegações, destacam-se: a proibição da utilização do celular imposta pelo colégio e determinada nos regimentos das instituições, instalações elétricas insuficientes, pouco espaço midiático, máquinas que não funcionam. Também ressaltaram problemas como infraestrutura deficitária, apontando para a necessidade de investimento nesse setor.
Sob a ótica de Coscarelli (2016), convidamos as entidades gestoras de escalas superiores ou mais próximas à realidade vivenciada pelo aluno a pensar sobre o papel da escola nestes novos tempos de letramento em que vivemos, quando “as tecnologias se renovam continuamente, exigindo leitores e produtores de texto experientes em várias mídias.” (COSCARELLI, 2016, p. 17). Afirma, ainda, que as escolas têm responsabilidade de desenvolver no aluno o letramento digital:
com competências e formas de pensar adicionais ao que antes era previsto para o impresso. Sendo assim, o desafio que devemos enfrentar é o de incorporar ao ensino da leitura tanto os textos de diferentes mídias (jornais impressos e digitais, formulários online, vídeos, músicas, sites, blogs e tantos outros) quanto formas de lidar com eles (COSCARELLI, 2016, p. 17).
A conclusão a que se chega, após a análise que se empenhou realizar, tanto no âmbito documental, quanto na investigação em campo, é que as novas tecnologias digitais de informação e comunicação podem, sem dúvida, trazer possibilidades de mudanças nas práticas de ensino. Além disso, há perspectivas promissoras para o desenvolvimento de competências na área da linguagem, acompanhando, assim, a realidade do público-alvo do processo: os alunos e cidadãos já envolvidos em contextos de interação e comunicação, potencializados pelos recursos digitais.
No referente à análise desenvolvida sobre a BNCC, entende-se que a abordagem e orientações didático-metodológicas que o documento norteador da educação nacional propõe é extremamente relevante e condiz com o cenário atual da educação, pressupõe uma aproximação conceptiva de língua compreendida enquanto prática social intimamente cultural.
Entretanto, a pesquisa revelou que não bastam as orientações advindas da gestão educacional do país como a BNCC, visto que integrar as novas tecnologias digitais no processo ensino/aprendizagem dentro da sala de aula vai muito além disso. Problemas como infraestrutura, regras impostas pela instituição e falta de conscientização dos alunos fazem parte de um entrave que impossibilita esses mecanismos de estarem a serviço de um trabalho educacional produtivo e eficaz, instaurado em uma perspectiva sociointeracionista que vislumbra o sujeito como um agente de um processo em transformação. Vale destacar que nenhum dos participantes da pesquisa (professores atuantes) se opôs à utilização de ferramentas tecnológicas, muito pelo contrário, eles se mostram atualizados sobre a necessidade da implementação dessas, mas cada um trouxe algumas questões que impõem limites ao trabalho com esse novo formato de ensino.
Chegou-se à reflexão de que pouco ou nada resolve apresentar diversas propostas de mudanças, se não existir uma adequação em todo o contexto para a prática acontecer. Salienta-se aqui que o professor não precisa ser um “expert” na área da tecnologia. Cada um deve buscar saber como são utilizados os recursos, apropriando-se de formações e informações a respeito dos recursos digitais, além de pensar em como integrar tudo isso no cotidiano escolar, em um processo que já se desenvolve nessa perspectiva digital, pois a apropriação de saberes e a interação social já têm acontecido em grande escala nesse formato digitalizado. Dessa forma, cabe ao professor construir uma ponte entre as tecnologias e o processo ensino-aprendizagem em foco no sistema.
Então, fica clara outra questão: muito vale a utilização de métodos tecnológicos, mas é importante a análise sobre o aspecto social, cultural do grupo de sujeitos, e assim, de cada indivíduo como um elemento do conjunto. Considerar sua vivência, experiência, suas práticas comunicativas e interativas na sociedade, seu acesso e exercício (ou não) às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), bem como utilizar as tecnologias em favor da metodologia de ensino resultará em promover a “contextualização” dos conhecimentos envolvidos e transportá-los para uma efetiva apropriação de saberes inseridos em contextos reais de uso.
Antes de finalizar esta reflexão, pretende-se deixar claro que a presente pesquisa, ainda tímida perante a dimensão e complexidade desse evento tecnológico que perpassa todas as áreas de atuação humana, ousou empreender uma reflexão que advém desse contexto de interação e comunicação humana, gerador, também, desse novo perfil de aluno e ser social. Destaca-se, para tanto, uma premente necessidade de reestruturar os meios educacionais, partindo-se de uma consciência da gestão para investir e implantar condições favoráveis para esse redimensionamento nas práticas de ensino. Além disso, cabem aos sujeitos mediadores do processo – professores – reconhecerem as potencialidades dessa ressignificação didático-pedagógica e investirem em conhecimentos e aperfeiçoamento das suas habilidades digitais, inserirem em suas práticas de sala de aula esses mecanismos potencializadores da formação e transformação do discente da Educação Básica.
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