Educação e Tecnologia
Projeto Novos Rumos 4.0: pedagogia crítica, metodologias ativas e desenvolvimento humano no ensino de programação básica
NOVOS 4.0 PROJECT: CRITICAL PEDAGOGY, ACTIVE METHODOLOGIES AND HUMAN DEVELOPMENT IN BASIC PROGRAMMING TEACHING
Projeto Novos Rumos 4.0: pedagogia crítica, metodologias ativas e desenvolvimento humano no ensino de programação básica
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 13, núm. 1, pp. 120-136, 2020
Universidade Federal de Minas Gerais
Recepção: 24 Janeiro 2020
Aprovação: 13 Março 2020
Resumo: Este artigo traz um estudo de caso sobre o Projeto Novos Rumos 4.0, executado em Foz do Iguaçu/PR, pelo Parque Tecnológico Itaipu – PTI-BR, no ano de 2018. A iniciativa capacitou jovens em situação de vulnerabilidade social para a elaboração de softwares utilizando a linguagem de programação Python, por meio de uma formação voltada ao desenvolvimento humano, crítico e técnico. A análise faz uso de um levantamento bibliográfico e documental para referenciar todas as etapas de criação e aplicação da proposta, que formou 30 alunos e buscou desenvolver soluções tecnológicas para problemas enfrentados por entidades do terceiro setor do município. O sucesso alcançado pela ação permite concluir que a elaboração de cursos na área da tecnologia deve passar, necessariamente, pela construção de Projetos Político-Pedagógicos mais aderentes às necessidades reais e práticas de uma sociedade contemporânea que, cada vez mais, faz uso de recursos tecnológicos para superar dificuldades de seu cotidiano. Nesse sentido, o Projeto Novos Rumos 4.0 pode ser uma referência inspiradora e embasadora de políticas públicas educacionais e iniciativas similares em outras localidades.
Palavras-chave: ensino, pedagogia crítica, programação, Python, desenvolvimento humano.
Abstract: This article brings a case study about the Novos Rumos 4.0 Project, carried out in Foz do Iguaçu/PR by the Itaipu Technological Park – PTI-BR, in 2018. The initiative trained young people in a situation of social vulnerability to develop software using the Python programming language, through training focused on human, critical and technical development. The analysis makes use of a bibliographic and documentary survey to reference all stages of creation and application of the proposal, which trained 30 students and sought to develop technological solutions to problems faced by entities of the third sector in the city. The success achieved by the action allows us to conclude that the development of courses in the area of technology must necessarily involve the construction of Political-Pedagogical Projects that are more adherent to the real and practical needs of a contemporary society that increasingly uses technological resources to overcome difficulties of its daily life. In this sense, the Novos Rumos 4.0 Project can be an inspiring and grounding reference for educational public policies and similar initiatives in other locations.
Keywords: teaching, critical pedagogy, programming, Python, human development.
1 Introdução
As Revoluções Industriais têm catalisado mudanças significativas nos paradigmas de produção de riqueza ao longo da história do sistema econômico vigente. Além de promoverem o desenvolvimento tecnológico, elas têm alterado as relações de trabalho e ditado quais competências individuais são mais ou menos relevantes em cada momento histórico. Contemporaneamente, a quarta Revolução Industrial, conhecida como Indústria 4.0, propõe uma nova fase à indústria. Seu foco é o uso de Tecnologias da Informação (TI) para melhorar processos de produção e comercialização de bens e serviços (AZEVEDO, 2017, p. 49).
Por conta desse novo momento tecnológico da indústria, o mercado de TI é hoje um dos que mais cresce anualmente em faturamento, promovendo inovação e transformação digital em todos os setores da economia mundial (SUKARIE NETO, 2019, p. 2). Em levantamento realizado por Sukarie Neto (2019, p. 1) para a Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES), observa-se que, em 2018, o mercado mundial de Software, Hardware e Serviços movimentou mais de 2,23 trilhões de dólares. De todo esse montante, o Brasil foi responsável por US$47 bilhões, que representam um crescimento de 9,8% em relação ao ano de 2017 e que colocam o país em 9º lugar no ranking mundial de investimentos no setor (SUKARIE NETO, 2019, p. 5-9).
No entanto, esse cenário contemporâneo de desenvolvimento traz consigo dois problemas. O primeiro deles refere-se ao aumento na demanda nacional por mão de obra qualificada. Segundo dados publicados em 2019 pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), o mercado brasileiro de TI precisará de 350 mil profissionais no período entre 2020 e 2024. Isso representa uma demanda média de 70 mil profissionais por ano que não será atendida, pois anualmente o país só tem conseguido formar cerca de 46 mil especialistas. Essa situação cria um deficit de 24 mil trabalhadores, que gerará 120 mil postos de trabalho ociosos até 2024 (BRASSCOM, 2019, p. 26).
De acordo com Nager e Atkinson (2016, p. 3), uma das implicações da falta de profissionais qualificados no mercado é a não adoção de novas tecnologias por parte das empresas, devido ao receio dessas instituições de não conseguirem sustentar sua aplicação ao longo do tempo. Isso talvez explique o fato de as indústrias brasileiras ainda não participarem ativamente do cenário 4.0. Segundo estudo publicado em 2018 pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), apenas 1,6% das empresas nacionais podiam ser consideradas como inseridas na geração tecnológica 4.0 (IEDI, 2018, p. 11).
O segundo problema corresponde à necessidade imposta pela Indústria 4.0 aos indivíduos no sentido de precisarem desenvolver novas competências, que vão muito além do simples domínio técnico sobre um assunto. Nesse contexto, Gondim et al. (2014, p. 394) destacam que tem começado a haver, no mercado, um crescente entendimento de que a inteligência emocional é um fator crucial para a melhoria de habilidades técnicas para o trabalho, corroborando trabalhos como o de Seligman (2011, p. 92), por exemplo, que defende o ensino de competências socioemocionais em processos formativos. Prova disso são as Competências Gerais, que devem começar a ser trabalhadas nas escolas a partir de 2020, após a homologação, em dezembro de 2017, da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Em linhas gerais, elas buscam desenvolver nos alunos tanto conhecimentos técnicos quanto socioemocionais (BRASIL, 2017, p. 9-10).
Tradicionalmente, no entanto, a formação dos jovens vem ocorrendo por meio de processos pedagógicos que têm como único objetivo habilitar pessoas para atuarem no mercado de trabalho quando adultas, replicando um modelo Fordista de educação que atende, em última instância, somente aos interesses do capital (SGORLA; LINDINO, 2015, p. 49). Esse padrão segue um paradigma de ensino voltado quase que exclusivamente apenas ao desenvolvimento cognitivo dos indivíduos (ADLER, 2016, p. 1).
Tal pragmatismo é característica comum em instituições de ensino que adotam tendências educacionais liberais e que acabam submetendo seus alunos a diretrizes que enxergam a educação como ferramenta reprodutora do status quo (SANTOS, 2007, p. 78). “Segundo esta tendência, a sociedade cria os organismos que a perpetuam. [...] O Estado e seus aparelhos ideológicos se constituem no fator fundamental de manutenção e reprodução da sociedade” (SANTOS, 2007, p. 78).
Essa visão educacional tecnicista é complementada pelo conceito de uma educação redentora, supostamente capaz de redimir a sociedade a partir do esforço para formar novas gerações livres de valores sociais tidos como impróprios (SANTOS, 2007, p. 77). Tal tendência é classificada pela autora como parte integrante de uma teoria não crítica da educação, pelo fato de ela não levar em conta o contexto social no qual o ato de educar acontece.
Entretanto, uma terceira concepção – de viés progressista – pode ser vista como uma alternativa às duas linhas anteriormente citadas. Ela encara a educação como elemento de transformação da sociedade, funcionando como uma espécie de mediadora de um projeto social mais amplo (SANTOS, 2007, p. 78), conforme reforçado na citação a seguir:
Nesta a educação nem redime e nem mesmo reproduz a sociedade, mas serve de meio, ao lado de outros meios, para realizar um projeto de sociedade. Seus defensores sabem que um projeto pode ser conservador ou transformador. No entanto, pretendem colocar a educação a serviço da transformação social. Escolhem a crença de que é possível compreender a educação dentro da sociedade, com os seus determinantes e condicionantes, empenhando esforços na possibilidade de trabalhar pela sua democratização (SANTOS, 2007, p. 78).
Essa educação transformadora dialoga diretamente com aquilo que defende a pedagogia histórico-crítica, uma vez que, dentro de uma perspectiva histórica, tal tendência educacional busca interferir na sociedade, contribuindo para sua transformação, mas tendo a consciência crítica de que é uma ação determinada pela própria sociedade. É uma teoria relevante, pois coloca em evidência uma nova maneira de ensinar baseada em um processo cíclico que sugere novos papéis epistemológicos a alunos e professores e que começa e termina na prática social, promovendo mudanças nos indivíduos e no local onde estão inseridos (GASPARIN; PETENUCCI, 2009, p. 9-10). Segundo Gasparin e Petenucci (2009, p. 4), esse método de ensino
visa estimular a atividade e a iniciativa do professor; favorecer o diálogo dos alunos entre si e com o professor, sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levar em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos (GASPARIN; PETENUCCI, 2009, p. 4).
A adoção dessa visão transformadora de educação não é um processo simples. Ela demanda o entendimento de que, para despertar e desenvolver nos alunos habilidades como autonomia, criticidade, criatividade, resolução de problemas e autoconhecimento, juntamente com aspectos mais técnicos e cognitivos, é preciso repensar práticas pedagógicas.
As metodologias precisam acompanhar os objetivos pretendidos. Se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de mostrar sua iniciativa (MORÁN, 2015, p. 17).
O enfrentamento dessa realidade educacional e sua decorrente transformação podem estar em uma proposta de formação tecnológica que utilize uma pedagogia mais crítica e que englobe a promoção do autoconhecimento e da inteligência socioemocional dos alunos, conforme proposto por Seligman (2011, p. 92), em conjunto com o fomento do que Nager e Atkinson (2016, p. 2) chamam de alfabetização computacional. Seu objetivo seria desenvolver nos alunos habilidades socioemocionais que lhes propiciem uma melhor qualidade de vida, de forma conjunta às competências técnicas necessárias para sua atuação eficiente e eficaz, em um mercado que caminha a passos largos para uma implantação total dos pressupostos tecnológicos da Indústria 4.0.
É preciso despertar e desenvolver nos alunos habilidades como criatividade, capacidade de raciocínio lógico, resolução de problemas e conhecimento próprio, aprofundando o ensino de conceitos da Computação de uma forma mais holística, antes mesmo de o indivíduo iniciar um curso superior nessa área. Além de permitirem ao jovem construir um projeto de vida que o auxilie a fazer uma escolha de carreira mais consciente, essas habilidades podem lhe garantir uma maior competitividade e adaptabilidade no mercado de trabalho.
Para motivar o desenvolvimento das competências supracitadas, faz-se necessário pensar metodologias de ensino inovadoras que consigam proporcionar ao aluno a construção desses conhecimentos. Tais métodos poderiam embasar melhor a escolha dos jovens por cursos que envolvam tecnologia, conscientizando-os a respeito dos desafios inerentes a uma formação superior nessa área. Ademais, esses métodos teriam o potencial de diminuir os índices de evasão dos cursos, contribuindo, em última instância, para o atendimento da demanda crescente por profissionais qualificados para atuarem no mercado de TI. Para se ter uma ideia, até o ano de 2015, a desistência de alunos matriculados em cursos públicos de Computação foi de 22%, chegando a 31% em formações semelhantes promovidas pelo setor privado (LOBO, 2017, p. 1).
Além disso, uma experiência bem-sucedida nesse âmbito serviria como referência para iniciativas similares na educação formal pública e privada, uma vez que haveria diálogo direto com as Competências Gerais da Educação Básica, números 01, 02, 04, 05, 06, 07, 08, 09 e 10, presentes na nova BNCC, respectivamente: Conhecimento, Pensamento Científico, Crítico e Criativo, Comunicação; Cultura Digital; Trabalho e Projeto de Vida; Argumentação; Autoconhecimento e Autocuidado; Empatia e Cooperação e Responsabilidade e Cidadania. Essas habilidades devem começar a ser desenvolvidas nos alunos de todo o país a partir de 2020 (BRASIL, 2017, p. 9-10).
Todo esse novo contexto mercadológico e educacional foi o que deu origem à proposta do projeto Novos Rumos 4.0 – Tecnologia, Programação e Liderança para a Sustentabilidade: promover a capacitação de jovens na área da programação, bem como possibilitar seu desenvolvimento socioemocional. A principal intenção do projeto, executado como piloto em 2018 pelo Parque Tecnológico Itaipu (PTI-BR) – instituição localizada no município de Foz do Iguaçu/PR – foi apresentar, a jovens entre 15 e 24 anos de idade e que se encontravam em situação de vulnerabilidade social no município de Foz do Iguaçu, noções básicas de programação e de desenvolvimento pessoal, de modo a supri-los com conhecimentos úteis que pudessem embasar sua futura escolha profissional e permitir sua possível inserção no mercado local de tecnologia e programação. Além disso, o projeto buscou demonstrar a importância de se construir uma proposta pedagógica, em qualquer modalidade de educação não formal, que enxergue aspectos técnicos e de desenvolvimento humano como complementares dentro da grade curricular de uma formação técnica e tecnológica.
A partir desse viés, a intenção do presente artigo é trazer à tona o debate sobre a necessidade de se pensar metodologias de ensino inovadoras que rejeitem os pontos de vista liberais e as noções de cultura do marxismo ortodoxo, em prol de uma pedagogia mais crítica (SCHULTZ, 2001), viabilizando assim a construção de práticas pedagógicas que proporcionem aos alunos uma formação técnica, socioemocional e crítica, que atenda tanto às expectativas de desenvolvimento pessoal dos discentes, quanto às demandas do mercado por recursos humanos qualificados.
2 Objetivos do Projeto
De maneira geral, o projeto Novos Rumos 4.0 teve como principal objetivo capacitar em desenvolvimento de software, utilizando a linguagem de programação Python, jovens em situação de vulnerabilidade e risco social, na faixa etária entre 15 e 24 anos, residentes no município de Foz do Iguaçu. Essa qualificação se deu por meio de uma formação presencial também voltada ao desenvolvimento humano, do empreendedorismo, da liderança, da sustentabilidade e da criticidade dos alunos.
Mais especificamente, a proposta visava a atender três objetivos. O primeiro seria desenvolver nos jovens capacidades técnicas na área da programação que permitissem a eles buscar soluções tecnológicas inovadoras para problemas diagnosticados no seu entorno. O segundo era promover o autoconhecimento e o pensamento crítico dos jovens por meio do ensino de habilidades socioemocionais, de liderança e de empreendedorismo, auxiliando-os no entendimento da realidade social onde estão inseridos e no planejamento de seu projeto de vida e carreira. Finalmente, a terceira meta seria contribuir com o mercado local de TI, por meio da formação inicial de mão de obra qualificada. Evidencia-se, a partir dessa descrição, o caráter social e mercadológico dessa proposição pedagógica, embasado na reflexão de Schultz (2001, p. 121), que defende a superação da dicotomia entre pontos de vista liberais e noções de cultura do marxismo ortodoxo em processos educativos.
3 Metodologia e fundamentação teórica
A descrição dos pressupostos metodológicos e das práticas pedagógicas do Projeto Novos Rumos 4.0 passa, necessariamente, pela análise de dois momentos distintos dentro da execução da proposta: a escolha dos critérios de seleção dos alunos e a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso.
A primeira fase do Novos Rumos 4.0 consistiu na criação de um processo de seleção de alunos interessados em participar do projeto, o que demandou o delineamento de algumas características específicas de público-alvo. Por também se tratar de um projeto de cunho social, esse desenho foi norteado pela concepção de vulnerabilidade social de Carmo e Guizardi (2018, p. 2), definida pela “ausência ou precariedade no acesso à renda, mas atrelada também à fragilidade de vínculos afetivos-relacionais e desigualdade de acesso a bens e serviços públicos” (CARMO; GUIZARDI, 2018, p. 2).
Dessa forma, os primeiros critérios elencados para seleção dos candidatos foram que estes tivessem entre 15 e 24 anos, fossem estudantes ou egressos do Ensino Médio de Colégios da Rede Pública Estadual de Ensino do município de Foz do Iguaçu – nesse último caso com, no máximo, dois anos de conclusão –, e pertencessem a famílias com renda de, no máximo, três salários mínimos, valor que, em 2018, correspondia à R$2.811,00 e que deveria ser comprovado mediante apresentação de comprovante de renda dos familiares que residiam com o candidato. O fator econômico foi determinante para o ingresso do aluno no projeto, pois um dos objetivos da proposta era oportunizar o desenvolvimento da autonomia pessoal técnica, intelectual e socioemocional de indivíduos em situação de vulnerabilidade. Esse conceito pode ser empregado em diferentes situações sociais e é relevante, pois, devido à precariedade financeira, “os sujeitos ficam privados ou acessam com mais dificuldade os meios de superação das vulnerabilidades vivenciadas, sejam tais meios materiais ou capacidades impalpáveis, como a autonomia, a liberdade, o autorrespeito” (CARMO; GUIZARDI, 2018, p. 7).
Com o perfil inicial do aluno já desenhado, foi possível planejar a execução do processo seletivo, dividido em quatro etapas: divulgação do projeto ao público-alvo, palestra de esclarecimento e preenchimento da ficha de inscrição pelos interessados, aplicação de avaliações psicológicas e entrevistas individuais.
A divulgação do projeto foi realizada por meio de visitas a todos os colégios estaduais do município de Foz do Iguaçu. Também foram utilizados outros meios de comunicação, como entrevistas em rádios e televisões locais e publicações em mídias sociais. A ação consistiu, basicamente, de um convite aos jovens para uma palestra de esclarecimento sobre o projeto, ocorrida em 03 de março de 2018, na qual todos os interessados em participar do processo seletivo foram orientados a preencher uma ficha de inscrição para o curso.
Entre 05 e 09 de março de 2018, essas fichas foram avaliadas pela equipe pedagógica multidisciplinar do projeto, composta por um pedagogo, uma psicóloga, uma assistente social e três analistas educacionais. A partir dessa análise, os jovens que se encaixaram nos critérios econômicos e sociais previamente definidos foram convidados a participar da fase de avaliações psicológicas. Coradini e Murini (2009, p. 67) relatam que a função das avaliações psicológicas é investigar e avaliar aspectos comportamentais, habilidades e conhecimentos específicos dos indivíduos por meio de várias estratégias. No caso do Projeto Novos Rumos 4.0, um teste escrito psicológico foi o método escolhido para definir quais candidatos possuíam características mais compatíveis com aquilo que o projeto propunha.
Esse processo, realizado entre 12 e 16 de março de 2018, teve como elemento norteador a descrição das inteligências lógico-matemática, intrapessoal e interpessoal, feita por Gavioli (2009, p. 32), para a definição do perfil de um profissional de TI, tomando o cuidado de levar em consideração o fato de que os jovens a serem selecionados não teriam formação anterior na área. Com base nessas especificações, foi estipulado um conjunto mínimo de habilidades técnicas e comportamentais como requisito para o ingresso dos candidatos no projeto, conforme mostra o Quadro 1 abaixo:
Habilidades Técnicas | Habilidades Comportamentais |
Raciocínio Lógico | Serenidade Aparente (Postura), Assertividade e Autodesenvolvimento |
Capacidade de Raciocínio e Criatividade | |
Capacidade de Trabalhar em Grupo | |
Conhecimento Básico na Área de Informática | Comprometimento e Motivação |
Objetividade e Fluência Verbal | |
Proatividade, Dinamismo e Liderança |
A análise dos dados coletados pelas avaliações psicológicas dos candidatos foi feita pela psicóloga da equipe multidisciplinar do projeto no período entre 19 e 30 de março de 2018 e permitiu identificar os candidatos que apresentavam algumas ou todas as habilidades descritas no Quadro 1. Dessa forma, foi possível iniciar a etapa das entrevistas individuais, ocorridas entre 04 e 06 de abril de 2018. Essa atividade buscou aprofundar questões levantadas pelas avaliações psicológicas (CORADINI; MURINI, 2009, p. 67) e, especificamente no processo seletivo do Projeto Novos Rumos 4.0, serviu para confirmar informações fornecidas pelos postulantes às vagas nas fichas de inscrição, como sua real intenção e disponibilidade de tempo para participação no projeto.
Paralelamente à construção do processo seletivo ocorreu a elaboração do PPP do Novos Rumos 4.0. Considerando a natureza do curso e as características de seu público-alvo, buscou-se um PPP alicerçado na concepção de ensino de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e na filosofia pedagógica progressista e temática de Paulo Freire.
Nascimento e Von Linsingen (2006, p. 101) definem CTS como uma abordagem educacional que visa a um ensino de Ciência e Tecnologia (C&T) que vá além da aprendizagem conceitual e teórica tradicional, substituindo a validade apenas científica do conhecimento por sua validade cultural. Seu objetivo é ensinar aos cidadãos comuns o essencial em termos científicos e tecnológicos para que eles possam se beneficiar desses saberes para exercerem sua cidadania de fato.
A caracterização desse novo enfoque das relações entre ciência, tecnologia e sociedade é fundamentalmente contrária à imagem tradicional da C&T [...] na medida em que transfere o centro de responsabilidade da mudança científico-tecnológica para os fatores sociais (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006, p. 100).
As autoras afirmam que, em termos de ensino de C&T, tal mudança de paradigma significa transformar radicalmente processos cognitivos dos alunos, pois devolve a responsabilidade pelas transformações sociais para os indivíduos, colocando a atividade tecnológica como um meio, e não mais como um fim em si mesma (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006, p. 100-101).
Entre os diversos programas educacionais existentes dentro dessa vertente de atuação e apresentados por Nascimento e Von Linsingen (2006, p. 102), decidiu-se pela adoção da linha denominada por elas como Ciência e Tecnologia vistas através de CTS. Segundo as autoras, nesse método específico, o principal foco está na relação entre ciência, tecnologia e sociedade. Nessa perspectiva, o fator preponderante para a escolha dos temas científicos a serem estudados é o tema social selecionado, que pode ser apresentado em disciplinas isoladas, cursos multidisciplinares ou projetos pedagógicos interdisciplinares.
É nesse sentido que a abordagem CTS dialoga com a pedagogia de Paulo Freire. Ao defender uma maior autonomia do aluno nos processos de ensino e aprendizagem, essa concepção pedagógica trabalha dois princípios fundamentais da educação freireana: a problematização e a dialogicidade (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006, p. 104).
A problematização trata da confrontação do aluno com situações conflituosas da vida real, cuja solução depende da aplicação de conhecimentos que ele ainda não possui. Esse processo, apesar de desestabilizar a compreensão que o discente já tem, faz com que ele perceba suas lacunas epistemológicas e busque preenchê-las com novos saberes, motivado pela possibilidade de solucionar o problema que lhe foi apresentado (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006, p. 104). “Nesse sentido, a experiência de vida do educando é o ponto de partida de uma educação que considera que seu contexto de vida pode ser apreendido e modificado” (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006, p. 104).
No que se refere à dialogicidade, Freire defende que o diálogo em um projeto progressista de educação deve permitir a fala do outro, em um movimento de interação contínua entre professor e aluno. Essa comunicação possibilita ao discente fazer uma reflexão crítica sobre seu conhecimento prévio. Para que isso aconteça, “é preciso que o educador seja concebido como ‘educador-educando’ e o educando como ‘educando-educador’” (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006, p. 105).
Para operacionalizar a dinâmica problematizadora e dialógica de sua proposta educacional, Paulo Freire propôs uma metodologia de investigação temática. Ela implica em um processo de análise e síntese dos temas da realidade, sob o ponto de vista dos jovens com relação aos problemas e projetos a desenvolverem em seu entorno social. Nessa perspectiva, a aprendizagem se torna significativa, uma vez que os participantes associam as adversidades abordadas à sua própria experiência de vida e sentem-se pessoalmente envolvidos e mobilizados para a transposição desses obstáculos e para a disseminação de ações e ideias que possam mitigar essas contrariedades (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006, p. 105).
Percebe-se aqui uma relação teórica entre o programa Ciência e Tecnologia vistas através de CTS e a visão freireana de educação. Ao todo, é possível observar três pontos fundamentais de convergência entre os dois métodos: “(i) a abordagem temática e a seleção de conteúdos e materiais didáticos; (ii) a perspectiva interdisciplinar do trabalho pedagógico e o papel da formação de professores; (iii) o papel do educador no processo de ensino e aprendizagem e na formação para o exercício da cidadania” (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006, p. 97). Considerando o público-alvo da proposta, esses pontos justificam a escolha dessas duas linhas como balizadoras do processo de construção do PPP do projeto Novos Rumos 4.0.
Uma vez definida a linha teórica do PPP, era preciso pensar na grade curricular do curso, na operacionalização das aulas e na avaliação dos alunos. As disciplinas de desenvolvimento humano foram pensadas com um caráter transdisciplinar e escolhidas com base na BNCC a partir das competências 06 – Trabalho e Projeto de Vida; 07 – Argumentação; 08 – Autoconhecimento e Autocuidado; 09 – Empatia e Cooperação; e 10 – Responsabilidade e Cidadania. Ao todo, nove cadeiras foram criadas para abordar esses temas, a saber: Educação para a Comunicação e Educação Emocional; Educação para o Bem-estar; Direitos Humanos, Ética, Coletividade, Cidadania e Participação Social; Liderança para a Sustentabilidade; Educação para Recursos e Patrimonial; Empreendedorismo; Captação de Recursos e Parcerias; Redes Sociais e Mídias Sociais; e Plano de Vida e Carreira. A definição das disciplinas do currículo técnico foi atrelada à escolha de uma linguagem específica de programação a ser ensinada.
Após revisão de literatura específica, vários fatores levaram à adoção da linguagem de programação Python como objeto de ensino do projeto. O primeiro é o fato de ela se tratar de um código de programação multipropósito amplamente difundido no meio acadêmico como sendo o mais apropriado para o ensino inicial de programação no que diz respeito ao desenvolvimento de sistemas de informação e ciência de dados. Além disso, ela apresenta aspectos que facilitam a introdução de jovens no universo da computação por ser simples e intuitiva, uma vez que demanda a aprendizagem de apenas algumas de suas noções para proporcionar certa autonomia cognitiva aos alunos, ao contrário de outras linguagens existentes, como a Pascal, por exemplo (MÉSZÁROSOVÁ, 2015, p. 6-7).
Mészárosová (2015, p. 6) aponta mais algumas vantagens dessa linguagem. Ela afirma que, no requisito simplicidade, a Python ganha destaque por requerer menos linhas de código para a implementação de algumas tarefas. Em algumas situações, esse número de linhas chega a ser cinco vezes menor se comparado, por exemplo, à linguagem Java, amplamente conhecida e utilizada no mundo da programação.
A autora também cita como benefício o fato de a linguagem Python possuir grande acervo de materiais didáticos compartilhados gratuitamente por meios digitais, bem como uma ampla biblioteca de softwares disponíveis em código aberto. Isso permite que aprendizes possam emergir em diversos contextos de aplicação dessa tecnologia. Todos esses atributos, além do fato de a documentação oficial da linguagem se encontrar disponível na rede em Língua Portuguesa, influenciaram a escolha dessa linguagem como norteadora tecnológica do projeto.
Assim, as disciplinas de caráter técnico abordaram os seguintes temas: Cadeia de Valor da Computação; Algoritmo e Lógica de Programação; Arquitetura e Organização de Computadores; Engenharia e Organização de Computadores; Engenharia de Software e Projeto; Paradigmas e Linguagens de Programação; Sistemas Operacionais – Conceitos Básicos; Python; Gerenciamento de Projetos; Ambientes Colaborativos 4.0 – TICs; Banco de Dados; e Inglês Instrumental.
Enquanto prática pedagógica em sala de aula, e tendo como referencial teórico a metodologia de investigação temática freireana, considerou-se pertinente trabalhar os conteúdos por meio da combinação de metodologias ativas de aprendizagem – em especial as técnicas de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABProb), Aprendizagem Baseada em Projetos (ABProj) e Aprendizagem Baseada em Equipes (ABE) – com a Metodologia de Gerenciamento de Projetos Ágeis Scrum adaptada para fins educacionais. “Nas metodologias ativas de aprendizagem, o aprendizado se dá a partir de problemas e situações reais; os mesmos que os alunos vivenciarão depois na vida profissional, de forma antecipada, durante o curso” (MORÁN, 2015, p. 19).
Em linhas gerais, segundo Barbosa e Moura (2013, p. 58), a ABProb foca no uso contextualizado de uma situação-problema, de modo que ela dirija o aprendizado dos alunos em direção a sua possível solução. Nela, o aprendizado é focado no aluno, que passa a ser um ente ativo no processo de construção do conhecimento. O professor, por sua vez, atua como um orientador ou facilitador dos grupos de trabalho, interagindo com os estudantes toda vez que for solicitado ou julgar necessário.
A ABPRoj, por sua vez, considera situações reais relativas ao contexto social. Ela é muito similar à ABProb, pois dá aos docentes e discentes os mesmos papéis, e também parte de um problema que deve ser resolvido. Contudo, tem o compromisso de construir um produto final, nesse caso um projeto, que possa atender às demandas identificadas pelos alunos na vida real. “A adoção desse pressuposto significa uma contribuição para a superação do modelo tradicional de educação centrada na abstração, no poder do verbo” (BARBOSA; MOURA, 2013, p. 61, grifos do autor).
Já a Aprendizagem Baseada em Equipes (ABE) – traduzida literalmente da expressão em inglês Team Based Learning – “tem como foco melhorar a aprendizagem de conteúdos e desenvolver habilidades de trabalho colaborativo através de uma estrutura que envolve, entre outras atividades, resolução de problemas” (OLIVEIRA et al., 2016, p. 965). Basicamente, é utilizada de forma conjunta com a ABProb e a ABPRoj. Para que essa colaboração seja eficiente e eficaz, é preciso que ela seja coordenada. Nesse ponto, ganha destaque o Método de Gerenciamento de Projetos Ágeis Scrum. Essa metodologia consiste em um conjunto de ações que podem ser combinadas para possibilitar que grupos de trabalho consigam entregar resultados em um período curto de tempo (BORGES et al., 2014, p. 3).
No caso do Projeto Novos Rumos 4.0, foram escolhidas três práticas de Scrum específicas: o Sprint, atividades a serem executadas em determinado período de tempo, que nessa proposta foi de uma semana; o Daily Scrum, reuniões diárias, de no máximo 15 minutos para averiguação dos problemas identificados e do andamento das atividades de cada membro do grupo; e o Product Backlog, lista de tarefas do projeto (BORGES et al., 2014, p. 3-4).
Além dos indivíduos presentes no grupo de trabalho, o método Scrum apresenta mais duas figuras que também foram adotadas pelo Novos Rumos 4.0: “(i) o Product Owner, que é a pessoa que tem contato com o cliente e sabe exatamente o que precisa ser feito; e (ii) o Scrum Master, que é o responsável por ajudar o Product Owner a garantir os princípios do Scrum, a manter o Time concentrado e a remover eventuais impedimentos” (BORGES et al. 2014, p. 4, grifos dos autores). No caso do projeto, o papel do Product Owner era representado pelo professor em sala de aula, enquanto o do Scrum Master adquiriu um aspecto rotativo para permitir que a cada Sprint um membro diferente do grupo de trabalho assumisse essa função.
Com base nesses pressupostos metodológicos, a sequência didática do Projeto Novos Rumos 4.0 foi construída como um ciclo que tinha seu ponto de partida e chegada na sala de aula. Nesse lócus, foram formados os grupos de trabalho e apresentados os conceitos teóricos básicos de programação e desenvolvimento humano.
Após essa etapa, os grupos de trabalho realizaram visitas técnicas a entidades do terceiro setor do município de Foz do Iguaçu/PR para identificar problemas reais enfrentados por elas em seu dia a dia. Uma vez identificadas, essas dificuldades eram trazidas de volta para a sala de aula para que o grupo de trabalho pudesse então desenvolver soluções à luz dos conceitos técnicos apresentados no início do processo, conforme poderá ser visto nos resultados deste trabalho.
Essa sequência didática foi avaliada a partir do conceito de avaliação formativa, que, em linhas gerais, difere da avaliação tradicional por ser uma prática que objetiva desenvolver a aprendizagem e as competências dos alunos, considerando os erros como normais e parte integrante do processo de construção do conhecimento (CARDINET, 1986, p. 14 apud CASEIRO; GEBRAN, 2008, p. 3).
Finalmente, por se tratar de uma metodologia onde o aluno tem voz e é protagonista, conflitos internos se tornam inevitáveis. Silva (2011, p. 255-256) afirma que, apesar de culturalmente haver uma percepção negativa quanto às divergências no grupo social – que podem levar a comportamentos desajustados e experiências de caráter destrutivo –, é cada vez mais reconhecido o seu papel relevante enquanto catalisador de processos de desenvolvimento das relações interpessoais, intra e intergrupais e intra e interinstitucionais. Assim, a autora defende a não negação do conflito, mas sim sua transformação em algo construtivo que possa transformar os indivíduos e construir uma cultura de paz. Portanto, essa foi a visão adotada pelo Projeto Novos Rumos 4.0 para resolução de divergências.
Diante do exposto, a revisão teórica e metodológica ora apresentada foi o que alicerçou a construção de uma grade curricular, capaz de atender aos objetivos apresentados pelo Projeto Novos Rumos 4.0. Devido a sua carga horária elevada, a proposta foi executada em período integral, de segunda a sexta-feira, das 8h00 às 16h00. As aulas tiveram início em 26 de abril de 2018 e término em 22 de outubro do mesmo ano, e foram ministradas em uma sala de aula equipada com microcomputadores básicos conectados à Internet, cedida pelo PTI-BR dentro de suas próprias instalações.
O conteúdo programático foi trabalhado em aulas no formato de oficinas, com duração de quatro horas, realizadas no período matutino. A parte da tarde foi reservada para a realização de monitorias, atividades extraclasse e elaboração do projeto final do curso. Ao todo, 11 instrutores fizeram parte da equipe multidisciplinar do projeto. Desses, quatro eram responsáveis pelas disciplinas técnicas de programação e sete pelas disciplinas voltadas às questões de desenvolvimento humano.
4 Resultados
Embora tenha se tratado de um projeto-piloto, o Novos Rumos 4.0 produziu uma série de resultados positivos que podem ser analisados tanto a partir de um ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Quantitativamente, foram selecionados 35 alunos, que formaram um corpo discente composto por sete meninas (20% do total) e 28 meninos (80% do total), com idade média de 17,4 anos. Apesar da tentativa do projeto de promover um equilíbrio maior de gênero entre os participantes, essa diferença refletiu os números nacionais de participação feminina em cursos superiores de Ciência da Computação, que giram em torno de 20,1% (MOREIRA et al., 2014, p. 3533). Segundo Moreira et al. (2014, p. 3532), tal dissemelhança ocorre por fatores históricos e culturais brasileiros, que mostram uma preferência do público feminino por cursos nas áreas humanas e da saúde.
O índice de evasão do curso também foi considerado baixo, uma vez que apenas cinco estudantes desistiram ao longo do processo, por motivos de incompatibilidade de horários (um aluno) ou falta de apoio e suporte familiar (quatro alunos). Esse número representa 14,28% do total de discentes e é bem menor do que a média brasileira de 22% nos cursos públicos de computação, conforme apresentado no início deste trabalho. Ao final, o curso conseguiu formar 30 estudantes.
Desses 30 alunos formados, 15 conseguiram se inserir no mercado de trabalho. Esse resultado equivale a 50% dos egressos, um número muito similar à média de empregabilidade de recém-formados em cursos superiores no Brasil, que foi de 54,4% em 2018, segundo pesquisa realizada pelo Núcleo Brasileiro de Estágios (NUBE) publicada em 2019 (KURITA, 2019, p. 1). Esse número é positivo se considerado o fato de o projeto Novos Rumos 4.0 não ter se tratado de um curso superior na área de tecnologia e nem ter tido como um de seus objetivos a inserção dos egressos no mercado de trabalho. Contudo, vale ressaltar que desses 15 jovens, apenas um foi contratado para atuar em uma empresa cuja produção tecnológica era uma atividade-fim.
No total, o projeto teve uma duração de oito meses. Desses, dois meses foram utilizados para divulgação e recrutamento dos alunos. Os seis meses restantes corresponderam à execução das oficinas, monitorias, visitas técnicas e atividades extraclasse. Ao todo, 570 horas foram dedicadas às oficinas e 170 às atividades extraclasse de monitoria, visitas técnicas e elaboração de projetos.
Do ponto de vista qualitativo, os resultados também foram relevantes. Durante as visitas técnicas às entidades do terceiro setor do município de Foz do Iguaçu/PR, os grupos de trabalho identificaram necessidades pontuais em cada uma delas. A partir disso, passaram a atuar no sentido de desenvolver soluções tecnológicas para esses problemas. Ao todo, quatro instituições foram visitadas, sendo elas o Lar dos Velhinhos, a Associação Fraternidade Aliança (AFA), o Centro de Nutrição Infantil de Foz do Iguaçu e a Associação dos Produtores Rurais Familiares de Foz do Iguaçu.
No Lar dos Velhinhos, Instituição beneficente de Longa Permanência para Idosos, os participantes do projeto diagnosticaram e atuaram em uma demanda voltada ao controle dos horários de trabalho dos estagiários. Na AFA, entidade civil sem fins lucrativos com projetos sociais voltados para a comunidade, os alunos se depararam com a solicitação de uma solução tecnológica que pudesse gerenciar todos os indivíduos atendidos pela instituição, bem como as atividades das quais eles participavam.
No Centro de Nutrição Infantil de Foz do Iguaçu, entidade não-governamental sem fins econômicos, fundada com a finalidade de atender crianças e adolescentes de 0 a 14 anos com distúrbios nutricionais e doenças associadas, os participantes do projeto atuaram em uma demanda para criação de um sistema para gestão de estoque simples, onde fosse permitido catalogar os produtos, informando seu lote e data de validade, possibilitando assim que os itens doados não perecessem no estoque.
Finalmente, na Associação dos Produtores Rurais Familiares de Foz do Iguaçu, os participantes do projeto se depararam com a oportunidade de iniciar o desenvolvimento de uma ferramenta de Planejamento de Recursos Empresariais (do inglês Enterprise Resource Planning – ERP), voltada para a gestão da agricultura familiar do Estado do Paraná junto às famílias associadas.
Em todos os casos supracitados, os alunos elaboraram aplicações utilizando a tecnologia PyQt para o desenvolvimento das interfaces gráficas e a linguagem Python para integrar as interfaces de usuário com o banco de dados PostgreSQL. O resultado foi a entrega das aplicações quase em sua totalidade, faltando somente a validação dos campos de seus formulários e dos relatórios solicitados, processos que demandariam carga horária maior àquela oferecida inicialmente pelo curso.
Todas essas soluções foram apresentadas pelos próprios alunos na 15ª edição do Congresso Latino-americano de Software Livre e Tecnologias Abertas – Latinoware. O evento, considerado o maior da América Latina na área de tecnologias abertas, ocorreu em Foz do Iguaçu/PR, entre os dias 17 e 19 de outubro de 2018.
5 Conclusões
Os resultados alcançados pelo projeto Novos Rumos 4.0 mostram que ele, enquanto proposta político-pedagógica, foi capaz de disseminar conceitos contemporâneos de programação básica ao mesmo tempo em que se apresentou como ferramenta de inclusão social e promoção de autoconhecimento. Seu processo de ensino e aprendizagem revelou seu alinhamento com os pressupostos de uma educação transformadora, menos pragmática e mais humana, que fomenta a formação de indivíduos mais críticos e conscientes de seus papéis enquanto agentes de transformação social, ao mesmo tempo em que atende às demandas por qualificação profissional impostas pela Indústria 4.0.
Essa afirmação é corroborada por fatores que vão desde o grande número de alunos formados pelo curso até as soluções concretas desenvolvidas pelos estudantes ao longo da formação. O investimento na promoção da criatividade e competências pessoais dos discentes e em uma formação técnica de qualidade foi capaz de produzir, em apenas seis meses, resultados surpreendentes materializados em protótipos de soluções tecnológicas apresentados pelos próprios estudantes às entidades de terceiro setor que participaram da iniciativa.
De certa forma, até mesmo a não realização da entrega de um produto final às instituições parceiras trouxe consigo lições valiosas. Apesar de jamais ter sido um dos objetivos finais da proposta, essa situação se mostrou viável e até mesmo desejável para fins de promoção e continuidade do projeto. No entanto, para que ela se concretize, depreendeu-se ser necessário que o conteúdo programático proposto e executado pelo piloto seja trabalhado ao longo de uma carga horária de estudos maior do que os seis meses de aulas inicialmente planejados e ofertados pela formação.
Essa ampliação no tempo de contato dos estudantes com assuntos complexos da área da tecnologia poderia desenvolver nos discentes uma maior maturidade cognitiva, cultural e epistemológica, que talvez pudesse lhes permitir entregar um produto final exclusivo, funcional e personalizado para cada estabelecimento participante. Tal experiência e constatação poderiam servir como base para cursos de extensão técnicos e tecnológicos que, assim como o Projeto Novos Rumos 4.0, teriam a possibilidade de fomentar a aproximação da academia com os problemas reais da sociedade. Isso permitiria que a proposição de soluções pudesse partir de discentes e das instituições de ensino técnico e superior, reforçando o papel de protagonismo social que esses indivíduos e entidades devem exercer.
Torna-se perceptível, portanto, que a utilização de metodologias ativas de aprendizagem, a aplicação de uma grade curricular atualizada e a atenção especial dada tanto às disciplinas técnicas, quanto às de desenvolvimento humano, devem ser pautas constantes nas discussões acerca da melhoria dos conteúdos e das práticas pedagógicas dos cursos técnicos e superiores na área tecnológica, pois são aspectos que têm impacto direto na qualidade do ensino, na motivação dos alunos e, consequentemente, na redução dos índices de evasão escolar. Nesse sentido, iniciativas como o Projeto Novos Rumos 4.0 podem servir de referência para elaboração de PPPs mais aderentes às necessidades de uma sociedade contemporânea que, cada vez mais, faz uso de recursos tecnológicos para superar as dificuldades de seu cotidiano.
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Ligação alternative
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