Resumo: O texto faz parte de uma investigação qualitativa biográfico-narrativa que temos em curso, e que se processa mediante a obtenção de testemunhos de professores e investigadores que formam professores com o auxílio das TIC de modo a promover as competências de criatividade, colaboração, cooperação e comunicação, entendidas como essenciais para o desenvolvimento de uma educação integral, promotora da sustentabilidade curricular e da cidadania participativa. Neste artigo, damos conta da experiência de uma professora e investigadora, Cristina Arriaga Sanz, que se dedica à formação de professores no âmbito da Educação Musical no ensino superior espanhol, de que salientaremos a relação estreita com as aportações teóricas que apresentamos e com resultados anteriores obtidos por meio da nossa investigação.
Palavras-chave:CompetênciasCompetências,CriatividadeCriatividade,Educação MusicalEducação Musical,Investigação biográfico-narrativaInvestigação biográfico-narrativa,ProfessoresProfessores,TICTIC.
Abstract: The text is part of a qualitative biographical-narrative investigation in process, which proceeds by obtaining testimonies from teachers and researchers who train teachers with the help of ICT to promote the skills of creativity, collaboration, cooperation, and communication, understood as essential for the development of comprehensive education, promoting curricular sustainability and participatory citizenship. In this article, we report on the experience of a teacher and researcher, Cristina Arriaga Sanz, who dedicates her labor to teacher training in the field of Musical education in Spanish Higher Education, of which we will emphasize the close relationship of its contents with the theoretical contributions we present and with previous results obtained through our investigation.
Keywords: Biographical-narrative investigation, Competencies, Creativity, ICT, Musical education, Teacher.
Educação e Tecnologia
Desenvolvimento de competências por meio das TIC e formação de professores de Música: uma experiência biográfica
Developing creativity through ICT and Music Teachers’ Training: a biographical experience
Recepción: 22 Septiembre 2020
Aprobación: 29 Diciembre 2020
Publicación: 25 Febrero 2021
A situação que vivemos, em virtude da crise sanitária mundial provocada pelo vírus SARS-CoV-2, trouxe à luz do dia uma crua realidade educacional: as dificuldades no uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC, de aqui adiante) por parte da generalidade dos professores. É certo que poderíamos falar de muitos outros problemas derivados desta situação, não somente de natureza educativa, mas também de integração da diversidade (RODRÍGUEZ DEL RINCÓN, 2020), por exemplo, tema que se estenderia todavia para lá dos interesses visados neste documento; não obstante, alguns investigadores já estão a alertar para o que poderá implicar o prolongamento desta digitalização da educação: brechas sociais pelo acesso desigual aos recursos tecnológicos (ALMAZÁN GÓMEZ, 2020; JIMÉNEZ, 2020; ROGERO-GARCÍA, 2020) e, inclusivamente, o fim da escola tal como a conhecemos face ao sistema em-linha (ALONSO, 2020).
Os problemas da gestão não-presencial do processo formativo do futuro graduado universitário e os problemas no controle virtual do processo de ensino-aprendizagem dos alunos das etapas educativas obrigatórias derivam dos apuros em que se veem os professores ao terem que passar para um ensino virtual como única possibilidade de garantir a continuidade da educação dos seus alunos (ÁNGELES GÓMEZ GERDEL, 2020) e, portanto, fazê-lo mediante a utilização de diversas ferramentas tecnológicas. Os professores veem como um desafio a adaptação da sua prática docente (COLÁS-BRAVO; HERNÁNDEZ PORTERO, 2017; SÁNCHEZ MENDIOLA et al., 2020), pois têm que aprender a utilizar materiais digitais que supõem a adoção de diferentes tipos de apropriação dos conteúdos disciplinares (BELTRÁN, 2019). Como consequência, os professores tornaram-se mais conscientes da sua melhor ou pior competência digital, a qual se tornou fundamental para o desenvolvimento do seu trabalho docente (TRUJILLO SÁEZ et al., 2020; GOBIERNO DE ESPAÑA, 2020) no que é visto como um processo forçado (VILLAFUERTE et al., 2020), mas necessário.
Desde o surgimento e a ampla difusão das TIC, têm sido muitas as investigações relacionadas com a sua aplicação nas distintas etapas e matérias educativas (GALLEGO; CACHEIRO; DULAC IBERGALLARTU, 2009; CAROLINA ESPAÑA CHAVARRÍA, 2013; ROMERO-MARTÍN et al., 2017; GARRIDO-MIRANDA, 2018; CASAL OTERO; FERNÁNDEZ MORANTE; CEBREIRO LÓPEZ, 2018; RODRÍGUEZ JIMÉNEZ; ROMERO RODRÍGUEZ; CAMPOS SOTO, 2019; PADILLA-HERNÁNDEZ; GÁMIZ-SÁNCHEZ; ROMERO-LÓPEZ, 2020). As mesmas têm patenteado a falta de coerência entre o que o Espaço Europeu de Educação Superior exige e o que sucede na Espanha: o “saber fazer” e o “aprender a aprender”. Os alunos deveriam desenvolver essas competências, o que exigiria que os próprios professores adquirissem uma série de competências prévias que lhes possibilitassem que eles próprios “saibam fazer” e sejam capazes de “aprender a aprender”, mediante o uso das TIC como novas formas de proporcionar uma valiosa mudança do processo de ensino-aprendizagem (LOPES; GOMES, 2018). E é de referir que o uso dessas ferramentas tecnológicas não deveria ser marcado ou determinado pela situação de saúde originada pela COVID-19; a presença ativa das TIC na vida dos alunos (e dos próprios professores) tornou necessário o seu domínio e controle por parte dos professores (ROLDÁN HERENCIA, 2016) antes da pandemia. Falaríamos do desenvolvimento de competências básicas (MAR GALERA NÚÑEZ; MENDOZA PONCE, 2011) relacionadas com o Espaço Europeu de Educação Superior: a comunicação oral, o trabalho em equipe (ALONSO LEYVA; MUÑOZ PÉREZ; QUIÑONES PANTOJA, 2018), a criatividade e as competências digitais para introduzir as tecnologias na prática diária (COLÁS-BRAVO; HERNÁNDEZ PORTERO, 2017). Isto é, torna-se necessário que a formação dos futuros professores nas TIC, compreendidas como motoras de muitos setores sociais (CORREA; LÓPEZ, 2017), os leve a transformar a prática educativa e integrar as TIC mais além do mero nível básico (CASAL OTERO; FERNÁNDEZ MORANTE; CEBREIRO LÓPEZ, 2018). Colás-Bravo, Conde-Jiménez e Reyes-de-Cózar (2019) consideram que, se os professores são competentes digitalmente, podem desenvolver a competência digital nos seus estudantes.
Autores como Alonso Leyva, Muñoz Pérez e Quiñones Pantoja (2018) insistiram na importância das novas formas que as TIC trouxeram ao processo de ensino-aprendizagem, ao possibilitarem o desenvolvimento de uma perspectiva construtivista do mesmo (CASANOVA LÓPEZ; SERRANO PASTOR, 2016), vista como fundamental para o “aprender a aprender”, mas também para o “saber fazer”. A competência digital não deveria ser, todavia, conformada unicamente pela aquisição das destrezas tecnológicas (MARTÍN; USART; CARNICERO, 2019), mas teria de se relacionar com as restantes competências curriculares (ESCUDERO; MARTÍNEZ-DOMÍNGUEZ; NIETO, 2018). Poder-se-ia dizer, então, que as tecnologias mudaram a forma de entender o processo educativo (COLÁS-BRAVO; HERNÁNDEZ PORTERO, 2017), provocando uma crise do paradigma tradicional (CASANOVA LÓPEZ; SERRANO PASTOR, 2016) e dando lugar a um câmbio de paradigma educativo (RODRÍGUEZ JIMÉNEZ; ROMERO RODRÍGUEZ; CAMPOS SOTO, 2019). Neste, as TIC converteram-se num eixo transversal para a formação nos distintos níveis educativos (MARQUÉS GRAELLS, 2004), gerando oportunidades de recriação e solução de problemas para os alunos atuais (RODRÍGUEZ; GUZMÁN DE CASTRO, 2012), de quem se chegou a considerar as TIC como um signo de identidade (CÓZAR GUTIÉRREZ et al., 2015).
Tudo isso leva à necessidade de promover o uso educativo das TIC nas/ a partir das matérias curriculares universitárias (CASTAÑEDA, 2019). Essa promoção assume uma grande relevância pois as TIC podem considerar-se como imprescindíveis no âmbito educativo ao plasmarem as mudanças sociais atuais (DÍEZ LATORRE, 2018), sobretudo na actual situação pandémica em que as TIC são um recurso fundamental para manter o funcionamento da sociedade (BELTRÁN LLAVADOR et al., 2020). Chegamos, assim, à concretização da área de estudo desta investigação: que utilização das TIC se faz na formação inicial de professores de Música e como isso se pode repercutir no desenvolvimento de competências dos seus futuros alunos.
Trabalhar com as TIC nas aulas de Música da Educação Básica e Secundária é uma realidade amplamente demonstrada (MARTÍN LUIS, 1992; TEJADA GIMÉNEZ, 2004; ROSARIO CASTAÑÓN RODRÍGUEZ; VIVARACHO, 2012; VARGAS GIL; GÉRTRUDIX BARRIO; GÉRTRUDIX BARRIO, 2015; PADULA PERKINS, 2016; ESPIGARES PINAZO; BAUTISTA VALLEJO, 2018; PÉREZ DÍAZ, 2019); no entanto, a pandemia veio revelar importantes carências tecnológicas dos professores universitários, que se defrontaram inclusive, com dificuldades na adaptação às exigências derivadas da não presencialidade nas aulas. Realmente, se se tiverem em conta investigações prévias, já é possível encontrar demonstrada a falta de adaptação à exigência tecnológica derivada da deficitária formação inicial nas TIC (VAQUER ARACIL; VERA MUÑOZ, 2012; DÍEZ LATORRE, 2018); todavia, ainda eram muitos os especialistas que vinham insistindo na possibilidade de as integrar na docência musical (TOURIÑÁN MORANDEIRA, 2018) tendo em consideração o seu enorme potencial para o ensino musical (COLÁS-BRAVO; HERNÁNDEZ PORTERO, 2014). De fato, já havia sido demonstrado como a difusão e o consumo musical estão fortemente relacionados com o desenvolvimento das TIC (CÓZAR GUTIÉRREZ et al., 2015), o que tornaria recomendável a sua incorporação nas aulas.
Nas salas de aula universitárias em que se formam os futuros professores de Educação Básica já haviam sido realizadas diversas experiências, de que se destacam as de: Mar Galera Núñez e Mendoza Ponce (2011), que mostraram como a inclusão das TIC facilita a aprendizagem musical e a criatividade; Díez Latorre (2018), que mostrou como as carências formativas iniciais dos professores de Música os podem levar a uma utilização das TIC desigual e escassa nesse nível educativo; Cózar Gutiérrez et al. (2015), que mostraram como se torna necessária uma competência musical relativa ao uso das TIC; Palazón-Herrera (2016), que considerou que, na educação musical, as TIC deveriam ser um recurso de apoio; e Lores Gómez, Sánchez Thevenet e García Bellido (2019), que mostraram um défice na competência digital dos professores de Música originado numa formação inicial afastada das necessidades reais dos professores.
Hepp (2002) assinalou que o aumento do interesse pela formação tecnológica dos professores de Música está determinado pela facilidade de acesso às partituras e aos programas de composição em conjunto com a motivação que isto supõe para os alunos. Devem, também, ter-se em conta as considerações de Touriñán Morandeira (2018), que mostrou como com a inclusão das TIC na aula de Música se poderá desenvolver o pensamento crítico, por exemplo.
A mudança em direção a uma maior predisposição e utilização das TIC em Música (DÍEZ LATORRE, 2018) seria determinada pelas crenças e autopercepções sobre as próprias capacidades dos professores (COLÁS-BRAVO; HERNÁNDEZ PORTERO, 2014). Os professores mostram-se cada vez mais interessados na sua formação contínua para trabalharem com os seus alunos com este tipo de ferramentas (VAQUER ARACIL; VERA MUÑOZ, 2012), sobretudo naqueles casos em que não tenham podido aceder inicialmente a essa formação, pelo que uma formação permanente poderia terminar com a problemática da resistência às TIC (COLÁS-BRAVO; HERNÁNDEZ PORTERO, 2017). Seria necessário que as TIC começassem a ser vistas como ferramentas que dão resposta às exigências culturais dos alunos (ROMERO CARMONA, 2004), que permitem gerar conhecimentos, enriquecer a aprendizagem e a criação (CABERO ALMENARA; MARTÍNEZ GIMENO, 2019).
A criatividade é uma capacidade inata (LAGO CASTRO; DE LEÓN BARRANCO, 2012), uma qualidade ou característica que todos devem possuir (TORRES SOLER, 2017) e que pode desenvolver-se em todos os alunos se, desde os primórdios da sua formação, se facilitam ferramentas para o seu treino (VECINA JIMÉNEZ, 2006). Se se tiverem em conta estas considerações, a formação inicial dos professores deverá levá-los a desenvolver as suas próprias capacidades criativas para oferecer aos alunos um processo de ensino-aprendizagem através do qual eles possam, por sua vez, chegar a ser criativos. Em tudo isto, as TIC podem ter muito que dizer, podendo chegar a falar-se numa mediatização do vínculo criativo graças ao desenvolvimento tecnológico (PADULA PERKINS, 2016); a motivação dos alunos será sempre, não obstante, um fator determinante para a aparição da criatividade (GÓMEZ CANTERO, 2005), acima de qualquer outro.
A criatividade deve desenvolver-se mediante a motivação e a estimulação (TORRES SOLER, 2017), pontos fundamentais sobre os quais os professores têm muito que dizer. Mar Galera Núñez e Mendoza Ponce (2011) mostraram como a orientação do processo formativo do futuro docente de Música a partir das TIC pode levar ao fomento de atitudes criativas para com os seus futuros estudantes do Ensino Básico. Estes autores partiram de propostas colaborativas, numa linha similar à de Vargas, Vargas Gil, Gértrudix Barrio e Gértrudix Barrio (2015), que utilizaram experiências compositivas colaborativas com as TIC para mostrar a retroalimentação que se produziria entre os alunos, em claro contraste com a composição tradicional. Nessa mesma direção, Acosta Corporan, Martín-García e Hernández Martín (2019) mostraram como as TIC possibilitam aprendizagens colaborativas e, por isso, é necessário estimular a utilização das TIC durante a formação inicial de professores.
Essa formação inicial dos professores de Música carece das TIC para mostrar a importância da articulação de matérias artísticas com competências comuns (MARTÍN-PIÑOL; CALDERÓN-GARRIDO; GUSTEMS-CARNICER, 2016). Assim, se poderá chegar a tomar consciência de como se podem definir novos recursos didáticos para as aulas, a partir da consideração de que a formação digital e a criatividade estão ligadas.
A investigação, que temos em curso e da qual damos conta neste artigo de mais um dos seus produtos, é de natureza qualitativa e recorre a entrevistas em profundidade como procedimentos metodológicos e instrumentos biográfico-narrativos (GOODSON et al., 2016; HÜHN et al., 2009; ROSARIO LANDÍN MIRANDA; SÁNCHEZ TREJO, 2019; EDWARDS; HOLLAND, 2013).
O principal objetivo é o recolhimento e análise de experiências de formação partilhadas por professores e investigadores do ensino superior que utilizem as TIC como um instrumento importante na formação que desenvolvem, tendo em vista o desenvolvimento nos seus alunos das competências de criatividade, colaboração, cooperação e comunicação, consideradas como essenciais para a realização de uma educação integral (SADIO RAMOS, 2018; COMENIUS, 1966; FABRE, 2006; REBOUL, 1982; FREIRE, 1998) fundamentada na sustentabilidade curricular e dirigida para o desenvolvimento de uma cidadania responsável e participativa (CRUE, 2005; CER, 1994; COPERNICUS ALLIANCE, 2011; COPERNICUS CAMPUS, 2020; FERNANDES, 2018). A noção de educação integral que funciona como referencial teórico mais amplo assenta-se numa concepção personalista do ser humano e do professor, visto como ser prático, dialógico e histórico, bem como em uma visão relacional e dialógica da educação (SADIO RAMOS, 2018). Essa concepção personalista do ser humano e seu caráter prático estão na base na nossa opção pelo uso de metodologias qualitativas, pois estas permitem a busca e apreensão do sentido que os agentes sociais dão às suas ações (SADIO RAMOS, 2018). De acordo com o caráter descritivo e interpretativo da pesquisa qualitativa, não pretendemos desenvolver perspectivas e procedimentos de ensino suscetíveis de serem generalizados ou universalizados, mas sim sublinhar o estatuto pessoal, individual e exemplar dos professores/investigadores entrevistados, e logo a possibilidade de analisar e entender outras experiências biográficas.
O problema da investigação é o de determinar que importância e estatuto assume o uso das TIC na compreensão e prática profissional dos participantes do estudo, tal como é visível nas suas narrativas biográficas. Com base nas opiniões e percepções recolhidas, reconstruímos as biografias profissionais dos professores e procuramos responder ao problema colocado.
O objeto de estudo da investigação é o corpus constituído pelos discursos que as entrevistas permitem obter e reconstituídos posteriormente. No caso deste artigo, podemos aceder aos resultados possibilitados pela entrevista em profundidade realizada com a professora e investigadora Cristina Arriaga Sanz, da Universidade do País Basco, que partilha a sua experiência de formação e investigação no campo da formação de professores.
Como ocorre com outros participantes desta investigação, a entrevistada autorizou a divulgação da sua identidade. O carácter público do seu trabalho poderia permitir a sua identificação.
A entrevista foi realizada com recurso ao software Skype, no dia 8 de maio de 2020. Da gravação efetuada, procedeu-se à transcrição da entrevista, cujo texto foi validado por Cristina.
O protocolo do instrumento utilizado coloca em pauta a questão ética do anonimato e da confidencialidade das informações e possibilita a obtenção de considerações biográficas e curriculares da entrevistada. Assentou-se, por sua vontade, na divulgação do nome, reservando a confidencialidade da gravação em bruto (garantida finalmente através da sua destruição) e do texto transcrito, extraindo deste as informações necessárias à reconstituição da sua experiência biográfica. A assinatura da declaração de consentimento informado encerrou o capítulo do cuidado ético da investigação. No que concerne às perguntas, é importante referir que são colocadas de forma temática e aberta, abrangendo as áreas pertinentes para o tratamento dos aspectos biográficos relevantes para a temática geral da investigação.
Finalmente, o tratamento do discurso faz-se por meio da análise textual e indutiva do discurso da entrevista, pondo em relevo as percepções e opiniões presentes no mesmo.
A primeira seção de resultados que passamos a apresentar diz respeito à visão sinóptica biográfica e curricular de Cristina. A título introdutório, destaque-se a sua disponibilidade para participar deste projeto e partilhar sua experiência pessoal, contribuindo para que se conheçam as histórias de professores e, através delas, se aceda aos sentidos da profissão.
De nacionalidade espanhola, com 56 anos de idade, é Doutora em Filosofia e Letras com o doutoramento sobre Educação Musical. Possui o Diploma Superior de Pedagogia Musical de Conservatório Superior, assim como de outras habilitações conexas, a saber, o Curso de Solfejo, o Curso Profissional de Piano e o Curso de Jornalista no ramo de Publicidade.
Trabalha atualmente na Universidade do País Basco, na Faculdade de Educação de Bilbau. Tem 36 anos de tempo de serviço, com os últimos 22 dedicados ao Ensino Superior. No seu percurso anterior a este nível de ensino, foi professora de Conservatório e de Música no Ensino Básico Obrigatório, com um amplo currículo.
Cristina começa por falar da sua atividade docente. Na Universidade, têm-lhe sido atribuídas inúmeras disciplinas, “tantas que nem me recordo”, no curso de Bacharelado em Educação Musical, dirigido a alunos “que vão trabalhar como Professores de Educação Básica e Educadores de Infância”, assim como em diversos cursos de Máster, de que destaca o de Máster em Psicodidática, curso que “não é específico de música”; neste, leciona disciplinas relacionadas com a música e a criatividade. Assinala, também, a disciplina da Menção de Música da formação de professores e educadores sobre A influência dos meios audiovisuais na perspectiva de género.
Destaque especial merece-lhe o seu trabalho em Formação Instrumental “que é a disciplina com que mais tenho trabalhado” de forma contínua até à atualidade; “…as outras – como disse – dei uns anos uma, outros anos outra…”. Essas mudanças frequentes devem-se sobretudo a “situações da universidade”. A par da docência na Universidade, leciona também em cursos de formação de professores e educadores organizados pelo Governo Basco.
Quanto ao seu trabalho como investigadora, indica que o seu “primeiro trabalho importante de investigação foi a tese (Tese Doutoral), que comecei a fazer quando entrei na universidade” e após terminar os cursos de doutoramento, tese intitulada “La motivación para estudiar música en Educación Primaria”, cuja linha de trabalho sempre a interessou.
Tem integrado equipas de investigação, de que destaca a ligação passada a “um grupo com companheiros de outras universidades, UniTICArte”, e a ligação a outro grupo da Faculdade de Belas Artes da sua Universidade, dedicado à “investigação sonora”.
No âmbito do grupo UniTICArte, integrador de quatro docentes – “Alberto Cabedo (Universidade de Castellón), Noemy Berbel (Universidade das Ilhas Baleares), María Elena Riaño (Universidade da Cantábria) – realizaram-se “bastantes coisas” (CABEDO MAS; RIAÑO GALÁN; BERBEL GÓMEZ, 2017). Destaca “o Projecto I+D que tivemos sobre Património”, assim como o seu trabalho conjunto interuniversitário com a utilização das TIC numa perspectiva multidisciplinar. Dessa colaboração, resultou um amplo conjunto de produtos, apresentado em eventos científicos, e que originou “alguns artigos interessantes” (uns, já publicados, outros aguardando a sua publicação), assim como a criação de “alguns materiais muito enriquecedores que eu utilizo muito e que deram lugar a algumas publicações” bem como um prêmio SIMO.
Atualmente, integra um grupo da sua Faculdade, o “KideOn, centrado na inclusão” e colabora com outro grupo da Universidade Jaime I de Castellón, o “EDARSO, Comunicação, Arte e Sociedade”, com os quais “estou atualmente a trabalhar num projeto que estuda ‘A influência do conjunto instrumental na convivência positiva e na resolução de conflitos’”. Trata-se de um projeto I+D financiado pelo MINECO – Ministério da Economia, Indústria e Competitividade, do Governo do Reino de Espanha, promovido pela Universidade Jaime I de Castellón, e que “se intitula ¡Musiquemos! Fazendo música comunitária nas escolas”. A ideia fundamental do projeto é a de trabalhar “com a música e a participação em conjuntos instrumentais para a melhoria da convivência positiva e das relações, pois pensamos que a música e, sobretudo, o conjunto instrumental têm muitos benefícios” para tal.
Termina esta seção declarando “continuo a trabalhar sobre a motivação, e também tenho alguns artigos aceitos para publicação, a maioria relacionados com o projeto da Universidade Jaime I de Castellón” e conclui: “Bom, bastante trabalho!”
Cristina põe em relevo, para começar, que considera as TIC como “uma das pedras angulares das aulas” de qualquer disciplina no que concerne aos produtos e explorações que os alunos fazem e ao desenvolvimento da criatividade e de competências, em geral. A formação para o ensino da educação musical beneficia particularmente do contributo das TIC a aprendizagem individual e grupal; propicia a exploração pois “permite-te gravar coisas, permite-te escutá-las, permite-te trabalhar logo com elas, moldá-las, modificá-las, intercambiá-las, criar efeitos, arranjos, criar obras originais, reúne um montão de possibilidades”; é também um poderoso instrumento no que diz respeito à “comunicação com outros grupos de trabalho”.
Um segundo aspecto abordado relaciona-se com a sua investigação sobre a sua atividade e experiência docente.
Cristina refere-se inicialmente aos trabalhos desenvolvidos com o grupo UniTICArte, para os quais “as TIC foram fundamentais” e a “pedra angular”, já que o seu “eixo era a criatividade e as TIC (as duas coisas) e o trabalho colaborativo”. Esta associação permitiu investigar de “forma multidisciplinar” assuntos relacionados à música e à cultura, ao mesmo tempo que se entabulava relação com a comunidade e se intercambiavam culturas e experiências entre diferentes universidades e os próprios alunos.
Atualmente, desenvolve trabalhos de ordem autoscópica para o desenvolvimento das competências docentes dos futuros professores, para os quais considera essencial o contributo das TIC. A troca de informação e o registro de atividades que permitem depois o “observar-te, observar o que se passou na aula é muito importante nos cursos que realizamos e no trabalho que fazemos com o grupo de Castellón”; que “os alunos possam gravar-se, ver-se, observar-se, registar as suas opiniões, que eles mesmos possam manipular se necessitam de espremer alguma informação recolhida”, tal deve muito à presença das TIC.
A participação e o envolvimento dos alunos no trabalho é destacada em seguida. Assinala que os alunos se sentem muito motivados e implicados, crescendo com estas atividades. “A aceitação das TIC é tremenda, creio que é um elemento motivador importante”. A abertura à sua utilização leva Cristina a considerar que, “em geral, o processo e o produto são muito variados, mas há alguns trabalhos que são muito bons. No projeto UniTICArte há alguns trabalhos muito interessantes”.
Há, todavia, que referir que as aulas apresentam diversos ritmos; os alunos são jovens muito diferentes, apesar da proximidade das suas idades (“20, 21 e 22 anos”). Relativamente aos programas musicais, para a maioria, são realidades novas e “aprendem connosco; eu creio que aprenderam nas minhas aulas muitos dos programas que temos utilizado ligados com a música, não ligados com fazer uma montagem ou com outras coisas; então, pois, é logicamente diferente o nível de progresso”.
Os bons resultados obtidos não ficam “só no projeto UniTICArte, por exemplo, nessa disciplina de música que estamos a fazer agora, (…) sobre a perspectiva de gênero nos meios audiovisuais, pois estão a fazer também uns trabalhos com instalações, com gravações que recolhem coisas muito inovadoras além das TIC, através das TIC fazem o produto final, mas com ideias muito inovadoras; mediante as TIC as montagens que fazem são muito interessantes”.
Outro aspecto poderoso da utilização das TIC diz respeito à disseminação dos trabalhos realizados. Cristina considera que “o trabalho é muito positivo, normalmente em quase todas as disciplinas há que elaborar o produto final e logo temos a oportunidade na aula de vê-lo e comentá-lo”. Isso é alvo de um grato acolhimento por parte dos alunos, muitas vezes surpreendidos com os seus trabalhos, o que “é um elemento que faz com que os grupos se envolvam e a aceitação é elevada”.
Os programas com que trabalha são gratuitos, “mas [os alunos] continuam a procurar” e, embora alguns programas que encontram não sejam gratuitos, adquirem-nos “porque querem ir mais além…”. Incluem esses programas nos concertos “– porque nas minhas aulas costumamos fazer sempre um concerto – (vamos a uma escola ou vêm eles e fazemos um concerto)”.
As experiências que teve são de diversa ordem, mas revelam competências de resolução de problemas de assinalar e de produção de trabalhos muito atrativos. Já “me aconteceu em alguns anos – nem sempre porque isto já é muito avançado – que no próprio [concerto em] direto os alunos utilizam as TIC, claro, logo noutras vezes temos que chegar à escola e adaptar-nos ao que há porque em muitas escolas há carências e no melhor podemos demorar uma hora a preparar-nos e fazer a montagem, mas, muitas vezes, é um aspecto que me surpreende gratamente [sic]”.
Abordando o tema das TIC que utiliza, Cristina tece uma consideração prévia para situar a sua resposta. “Bom, na universidade estamos a adaptar-nos, porque a verdade é que não temos demasiados meios já que temos muitos alunos e chegar a todos eles com as tecnologias não é simples; há aulas de 50 pessoas que ainda por cima trabalham num espaço reduzido embora normalmente da minha aula sempre saem, procuramos outros espaços no próprio edifício ou às vezes também fora [do edifício]”.
Uma vez terminada esta consideração, refere que “normalmente, propomos programas que são gratuitos, sejam de edição de som como de edição de vídeo e áudio”. A aprendizagem da utilização deles faz-se sobretudo com tutoriais, que se dão aos alunos; “tão pouco explicamos muito na aula, entendemos que hoje em dia com um tutorial e com a aprendizagem entre iguais – que é algo que praticamos muito – se pode entrar em ação mais rapidamente do que estar a explicar os detalhes de programas, é mais dar umas noções que eles ponham em prática”.
Enumerando os produtos utilizados, indica em primeiro lugar que recomendam programas gratuitos como Audacity e Movie Maker, “porque me parece que não temos que propor-lhes um programa pago, aí tenho as minhas dúvidas (…) porque sempre sai alguém…ou gente que tem a tecnologia, logo os Apple que também servem e produzem o iMovie, depende, mas são eles que costumam obter o Adobe Premiere Pro, o Filmora, que também usam muito”. Utilizam também o Makey Makey.
No âmbito dos dispositivos tecnológicos, refere também o uso de uma ampla gama de artefctos, “de microfones de contacto, de multi-conectores, para que aquilo que gravam possam eles escutá-lo na aula sem incomodar o colega do lado; temos gravadores, temos alguns microfones, temos pedais…”. Refere a falta de computadores, que leva a que se solicite normalmente aos alunos “que tragam eles os computadores para a aula, que se revezem, etc. Para não mudarmos de sala para sala por causa da tecnologia…, por isso lhes dizemos que tragam eles os computadores e normalmente trazem-nos”, assim como outros equipamentos que sejam necessários caso a caso. “Damos, também, muita liberdade” para que proponham alternativas tecnológicas para potenciar os seus trabalhos.
As competências desenvolvidas/mobilizadas por estas práticas revelaram-se de particular utilidade na situação de confinamento geral provocado pela COVID-19. Cristina refere a situação vivida na sua Universidade. Nos meses de março a julho de 2020, a sua experiência formou-se a partir dos alunos que estavam em processo de estágio nas escolas e que ela orientava no seu trabalho final de licenciatura. A sua intervenção consistiu em animá-los a que continuassem o seu trabalho com a utilização das TIC para superar as grandes dificuldades que se apresentaram às famílias e escolas. A falta de acesso das famílias às escolas tornou o processo de ensino-aprendizagem bastante complicado; havia “que preparar – para qualquer eventualidade – as coisas também em papel e deixá-las na escola para que os país as fossem buscar…ou em gravações”. A brecha socioeconômica fez-se sentir: “Nas escolas em que o poder aquisitivo das famílias é mais elevado, pois bem, mas nas outras escolas, tiveram que fazer rendas de bilros, dar às crianças alguns desses computadores pequenos que se distribuem…bom, problemas. Vamos andando para a frente com desafios, as respostas não são uniformes, os pais – entendo – que tão-pouco podem estar todos em cima…. tenho um que se ligou a um programa de televisão!!!, e então à quinta-feira, às 11:30h, vêm ali dois professores dar uma aula para quem quiser, de música e não sei quê!”.
Constata, assim, que as pessoas, que sempre tiveram muita imaginação, revelam “agora ainda mais. Porque eu creio que aos professores de música nos pedem muita imaginação e agora temos que ter ainda mais…Imaginação!!!”
Cristina considera em seguida se os resultados obtidos com estas tecnologias têm valor acrescido relativamente ao que se obtinha antes da sua disponibilidade mais geral, com instrumentos tecnológicos mais rudimentares e primitivos.
A primeira referência surge de forma admirativa: “Homem, eu, a mim parece-me, por exemplo, que agora se me tornaria muito estranho dar uma aula em que não se usassem as TIC, para o que quer que seja, porque o uso das TIC é muito amplo”. Dando exemplos da sua prática conta que “nas minhas aulas, por exemplo, utilizo muito a linguagem Soundpainting, que é uma linguagem de signos com que tu comunicas com os alunos através de signos, de gestos, e se cria música no momento; é uma linguagem de tu a tu e não utiliza as TIC, mas eu a utilizo em projetos que temos feito noutros anos para que os meus alunos os vejam, peço-lhes que vão às escolas a pô-los em prática e que se gravem e na aula vemos o resultado, logo passamos as coisas que fizemos, ou estamos a fazer, aos alunos das escolas, nisto utilizamos as TIC”.
Deste modo, as TIC constituem-se “um complemento que enriquece as aulas”, mas devemos referir que “a mim, parece-me que o contacto face-a-face e a afetividade, o diálogo, o poder estar com a pessoa e vê-los e senti-los (sic) é muito importante”. As TIC podem até auxiliar “no ensino tradicional, que tem sido mais baseado na repetição, a qual pode estar bem para determinados momentos da aprendizagem musical”; Cristina refere que através das TIC “podes pegar num programa que te ajude a aprender…, bom até tens tutoriais para aprender a tocar um instrumento…”. Conclui esta seção sublinhando que “as TIC bem utilizadas, sempre que – bom, no meu ponto de vista – a autonomia dos alunos exista, o diálogo entre alunos e professores exista, são enriquecedoras para o ensino”.
Cristina passa a referir em que medida se mantém o contato com os alunos, uma vez formados, para obter deles informações acerca das suas experiências laborais e a importância da formação recebida para essas atividades. A reflexão acerca da sua aprendizagem ocorre logo quando se formam, ao elaborarem “em portfólio individual de reflexão (…), no qual têm que que explicar um pouco o que aprenderam”. Mas há que falar no contato que mantém, “ou porque fez algum curso, (…) ou porque muitas vezes fui às suas aulas falar das coisas que faço e também os convidei a vir às minhas aulas para contarem o que estão a fazer. Sim, sim tenho contacto; homem, claro, são tantos, tantos anos…” Não é fácil e, se pudesse, “faria mais, mas creio que a vida do professor de música é muito dura nas escolas porque tem tantos alunos e tantos anos que muitas vezes marcar algo com eles é complicado; mas sim, sim, eu creio que costumo acercar-me na medida em que posso, procuro contar-lhes coisas que descobri, e como te disse convido-os a vir às minhas aulas a contar coisas”.
Tema obrigatório, para encerrar a narração, foi a situação covídica. Cristina confessa o efeito de surpresa que constituíram as classes em-linha, destacando os “problemas de conexão, a falta de recursos entre os alunos, a ‘frescura’1…”, a que se aliou algum oportunismo em falsas queixas públicas acerca de algumas instituições. No que concerne à falta de recursos, sublinha o fato de “alguns estudantes não terem computador a toda a hora já que há momentos em que precisa ser partilhado com toda a família”.
Na sua experiência, não se deparou com questões de falta de dinheiro, pelo que supõe que o fato de esses alunos não terem um computador pessoal se deverá a “prioridades nas suas famílias”. Mas, aqui, as TIC constituem o meio que possibilitou superar as severas limitações trazidas pelo confinamento geral imposto à população. Considera, nas suas palavras, “que eu agora tenho sorte porque os grupos que tenho não são muito numerosos, então arranjamo-nos de tu a tu e a docência faço-a através de uma plataforma que se chama Blackboard Collaborate, mas eventualmente para as aulas vimo-nos pela Zoom, por Skype o por outra que se chama Jitsy Meet, com que crias a reunião num momento”.
Recorre a diversas plataformas porque com a Blackboard Collaborate, que “é a que recomenda a Universidade”, não nos vemos todos a cara e, bom, para mim em algumas atividades – porque temos tentado ver como interpretar juntos – costuma haver muitos problemas de atraso…Creio que para a música é uma perda; claro, é que não vi aqueles a quem estou a dar a aula!”
Desenvolve este ponto, frisando que “Os do ‘um a um’, esses não me importam porque com eles, bem, maravilhoso, não há praticamente nenhuma mudança, o único é que não os tive na Universidade, no gabinete, (…) mas claro, para as aulas…”. A falta de conhecimento pessoal, por exemplo, nas “aulas do mestrado que estou agora a dar…, a essas pessoas é que não as conheço fisicamente, e para mim isso é um handicap; e não lhes ver a cara na minha aula, isso para mim é outro handicap”.
O último aspecto que partilha da sua experiência diz respeito ao fato de estar, atualmente, “a tentar fazer música em direto”, experiência que não está sendo muito positiva dadas as dificuldades técnicas e logísticas que surgem: “Temos problemas; temos problemas de atraso, a qualidade do som que não é boa, alguns dias ligam-se todos perfeitamente, logo de repente há dias em que um não se pode ligar, que outro não sei quê…, a uma não lhe funciona o auto-falante, outra comunica por chat, eu, no outro dia a uma tive que lhe ligar por telefone e comunicava então pelo auto-falante do telefone”.
Chegados a este ponto, para concluir a apresentação das perspectivas educativas de Cristina, é de assinalar a convergência verificada entre o conteúdo da sua percepção, dos fundamentos pedagógicos e os dados aportados na fundamentação teórica e empírica do estudo aqui apresentado, assim como em outros trabalhos a que procedemos, publicados e/ou em via de publicação.
Assim, assinale-se o reconhecimento e assumpção da notável capacidade das TIC para o desenvolvimento de competências dos alunos em formação superior em educação musical (criatividade, colaboração, cooperação, participação e comunicação). Essa capacidade é posta em relevo de forma afirmativa e substancial, realizando, assim, o desejado aquando da criação e desenvolvimento do EEES.
No entanto, apesar desse reconhecimento e assumpção, não se assiste à fetichização da tecnologia, seus produtos e derivados, pois o valor do professor e da relação pedagógica, assim como da reflexão dos alunos, numa perspectiva integral da educação, são insistentemente destacados. Alguns instrumentos e atividades pedagógicos utilizados por Cristina são particularmente adaptados a este último tema, como sejam a prática da autoscopia e a elaboração de portfólios reflexivos; não basta a utilização das TIC, importa questionar o sentido das atividades educativas, de forma consciente e reflexiva. Por outro lado, põe-se em relevo por diversas vezes a necessária referência relacional que a educação, por muito apoiada que esteja na pedra angular das TIC, deve comportar e mediante a qual cobra o seu pleno sentido. Sublinhe-se, assim, o valor relativo das TIC pois, se são importantíssimas e poderosas para o desenvolvimento da formação, têm que assentar e exercitar-se na relação dialógica entre os intervenientes no processo educativo, alunos e professores, em primeiro lugar.
As competências adquiridas e mobilizadas pelos alunos são também assinaladas de forma notável por Cristina. A participação e envolvimento profundo dos alunos na aprendizagem e formação, a sua autonomia, criatividade e imaginação têm um amplo reconhecimento no testemunho biográfico que nos proporciona a nossa biografada. O potencial das TIC para apoiar a formação e disseminar os seus produtos é destacado, tornando-as um complemento/ suporte relevantíssimo para o processo de ensino-aprendizagem. A ampla panóplia de recursos tecnológicos mobilizados é de assinalar. Mas estes aspectos, de que Cristina dá amplo testemunho, não deixam de sofrer o efeito de dificuldades de diferentes ordens técnicas e/ou financeiras, além da situação gerada pela pandemia covídica. Dificuldades essas que são, todavia, superadas exatamente pelas competências adquiridas/ mobilizadas pelos alunos e em interação com a docente. Merece especial referência a constatação da vontade de superar as dificuldades que se apresentam e o sério e profundo envolvimento nesse processo. Mais uma vez, é de assinalar a importância da autonomia, criatividade e relação dos alunos para a resposta aos desafios levantados em situações pedagógicas habituais e/ou extraordinárias e sua boa resposta.
A dimensão relacional que Cristina foi pondo em relevo traduz-se, também, no retorno do ensino-aprendizagem efetuado pelos seus alunos mediante o contato que ela mantém com eles uma vez terminada a formação e estando a desenvolver a sua atividade profissional. Isso ocorre, não obstante severas e múltiplas limitações e dificuldades práticas que o exercício concreto da profissão lhes levanta.
O último ponto desta seção final visa acentuar a estreita e forte imbricação da atividade docente e investigadora de Cristina, que conduz a produtos de assinalável importância de que o seu relato dá testemunho e que são verificáveis nos seus produtos.
Este artigo constitui a segunda publicação que efetuamos no âmbito deste projeto. Foi antecedido por outro, cuja referência se nos perdoará (SADIO RAMOS; ORTIZ MOLINA; BERNABÉ-VILLODRE, 2020), mas que consideramos ser imprescindível para cruzamento de perspectivas expressas por ambas as docentes e investigadoras entrevistadas. De aí, também, que para finalizar este trabalho se assinale a convergência verificada entre ambos os testemunhos biográficos recolhidos na investigação. Um ponto merece um destaque final, que consiste na referência de que, em ambos, se procede ao reconhecimento essencial da relação pedagógica e do papel dialógico dos seus intervenientes, associado ao contributo fortíssimo que as TIC dão à formação de professores. Nestes dois trabalhos, falamos no âmbito da Educação Musical. Em próximos trabalhos, traremos testemunhos biográficos já obtidos, oriundos da Educação Matemática (Ensino Superior) e da Educação Básica e Secundária.