Dossiê

Manuais de Iniciação aos Estudos Históricos e a questão da utilidade do conhecimento

Historical Studies Introductory Handbooks and the matter of the usefulness of knowledge

João Ernani Furtado Filho
Universidade Federal do Ceará, Brasil

Manuais de Iniciação aos Estudos Históricos e a questão da utilidade do conhecimento

História Unisinos, vol. 21, núm. 2, pp. 179-190, 2017

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

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Recepção: 15 Fevereiro 2017

Aprovação: 08 Abril 2017

Resumo: Qual a finalidade da História? A questão pode ser lida como dizendo respeito ao sentido (do processo histórico) ou à utilidade (dos estudos históricos), porque os próprios termos são ambíguos. Na Europa, desde meados do século XIX, existe um tipo de livro destinado à formação do historiador profissional. Em alguns desses títulos, a questão acerca dos usos da História era destacada. O objeto deste artigo é saber como a tópica da finalidade da História foi desenvolvida em alguns manuais de introdução aos estudos históricos usados no Brasil ao longo de cerca de cinquenta anos, das décadas de 1940 a 1990. As fontes da pesquisa são tais livros, escritos por autores como Bernheim, Bauer, Langlois e Seignobos, Bloch, Halphen, Hours, Marrou, Commager, Borges e Cardoso, apenas para citar alguns dos mais influentes. A análise dos discursos indica a historicidade mesma dos estudos históricos, ao mesmo tempo que mostra que os manuais podiam se tornar palco para a diversidade de ideias e ideais sobre essa área do conhecimento e a ação humana no tempo.

Palavras-chave: historiografia, manuais, universidades.

Abstract: What is the purpose of History? The question can be read as one about the meaning (of the historical process) or usefulness (of the historical studies), because the terms themselves are ambiguous. In Europe, since the middle of the 19th century there has been a kind of book aimed at the education of professional historians. In some of these titles the question about the uses of History was a highlighted one. The matter of this paper is how the main point of the historical purpose was developed in some historical studies introductory handbooks used in Brazil throughout almost fifty years, from the 1940’s to the 1990’s. The sources of this research are those books, wrote by authors such as Bernheim, Bauer, Langlois and Seignobos, Bloch, Halphen, Hours, Marrou, Commager, Borges, and Cardoso, only to mention some of the most influent ones. The analysis of the speeches indicates the historical sense itself of the historical studies as well as shows that those books could become the place for the diversity of ideas and ideals concerning this branch of knowledge and the human action in time.

Keywords: historiography, handbooks, universities.

La Historia es el producto más peligroso que la química del intelecto haya elaborado. Sus propiedades son bien conocidas. Hace soñar, adormece a los pueblos, les engendra falsos recuerdos, exagera sus reflejos, mantiene sus viejos rancores, los atormenta en su reposo, los conduce al delirio de grandezas o al de la persecución, y vuelve a las naciones amargadas, orgullosas, insoportables y vanas. La Historia justifica lo que uno desea. No enseña rigurosamente nada, pues contiene de todo y da ejemplos de todo (Valéry, 1936, p. 73).

A história é um dos produtos mais inofensivos que a química do intelecto jamais produziu (Veyne, 1983, p. 109).

Em julho de 1968, em Nova Friburgo (RJ), ocorreu o 1º Encontro Brasileiro sobre Introdução ao Estudo da História. Promovido pelo núcleo estadual da Associação dos Professores Universitários de História, o simpósio pretendia favorecer a troca de experiências e o debate de problemas verificados no começo dessa formação acadêmica. José Honório Rodrigues, no texto “Método, Teoria, Historiografia e Pesquisa, Disciplinas Universitárias”, lembrava que naquele Maio de 1968, ao subir as escadarias da Universidade de São Paulo, vira dois cartazes estudantis que despertaram sua atenção: “Qual a finalidade da História?” e “Futuro historiador, o que você procura aqui?” (Rodrigues, 1970, p. 225).

Inquietações dos idos da “tomada da palavra” e do “recado pelo muro” permanecem atuais, embora ou porque as percepções e ideais sejam diversos e amiúde divergentes. O objetivo aqui é rastrear desenvolvimentos à questão sobre as finalidades da História, a partir de alguns títulos usados para iniciação nos cursos superiores. As principais fontes da investigação são livros do tipo “Introdução aos Estudos Históricos” que tiveram repercussão na formação brasileira de historiadores profissionais, escritos por autores como Ernst Bernheim (1850-1942), Wilhelm Bauer (1887-1953), Charles Langlois (1863-1929) e Charles Seignobos (1854-1942), Marc Bloch (1886-1944), Louis Halphen (1886-1950), Joseph Hours (1896-1963), Henri-Irénée Marrou (1904-1977), Henri Steele Commager (1902-1998), Vavy Pacheco Borges e Ciro Flamarion Cardoso (1942-2013). Os recortes temporais compreendem uns cinquenta anos a partir da institucionalização dos cursos superiores de História, que remontam a fins da década de 1930 e inícios dos anos 1940. A análise desses discursos permite inferir problemas que atinem à própria historicidade dessa área do conhecimento, o quanto as inquietações, impasses, respostas e encaminhamentos variavam com os grupos, circunstâncias, doutrinas filosóficas e posicionamentos políticos.

Manuais de Introdução aos Estudos Históricos

A institucionalização dos cursos universitários de História favoreceu a escrita de livros em feitio introdutório, com a enunciação de problemas e procedimentos supostamente mais gerais. A intenção era apresentar algo do vocabulário e esclarecer códigos e praxes do trabalho de historiador. Tentava-se tratar tal ofício como disciplina, daí o afã de enumerar etapas e normas da pesquisa e exposição dos resultados. Pouco se evoca a musa Clio nesses manuais. As questões sublinhadas eram as de método e termos como “oficina” amplificam aspectos técnicos, passíveis de aprendizado. Contudo, se algumas demandas soavam comuns, as argumentações persistiam plurais e por vezes contrastantes. As brochuras do tipo “Iniciação ao Estudo da História” evidenciam debates e conflitos atinentes ao estabelecimento de certas regras pretendidas como regras certas por movimentos, tendências filosóficas ou correntes políticas. Daí, que os manuais podiam assumir a feição de manifestos, cartas de princípios. Aparatos de edição (notas de rodapé, epígrafes, dedicatórias, citações, bibliografias, índices onomásticos, imagens) serviam à crítica ou para firmar afinidades interpretativas. Referência usual, em tons acerbos ou simpáticos, faz-se à Introduction aux Études Historiques, de Langlois e Seignobos, publicada em 1898; mas, nesse livro, os autores já ajuizavam outros manuais, estabelecendo contrariedades (em relação a Pierre C.F. Danou e seus Cours d’études historiques, iniciados em 1842, bem como a Edward Augustus Freeman, que publicara em 1887 na Revue critique seu Methods of historical study) e concordâncias ou mesmo admirações (caso de Ernst Bernheim e seu Lehrbuch der Historichen Methode und der Geschichtsphilosophie, de 1889).

A História foi instituída em escolas e universidades – e principalmente, na esfera pública, com a criação de museus, arquivos, bibliotecas, edição de documentos, realização de expedições – tendo como contrapartida a incumbência de fornecer uma “genealogia da nação”, o sentido geral da evolução das sociedades e dos desenvolvimentos científicos e materiais, além de uma “pedagogia do cidadão” (Furet, s.d., p. 109-135). Isso, no contexto de parte da Europa, a partir de meados do século XIX. Se o ambiente dos antiquários era o de gabinetes e coleções particulares, se mestres da erudição provinham de mosteiros e abadias, o historiador de fins do Oitocentos reclamava apoios e responsabilidades oficiais. O lema da antologia de textos medievais que se tornou padrão (Monumenta Germaniae Historica) rogava o ânimo do “santo amor pátrio”. A linhagem da nação, as linhas do progresso e o catecismo cívico eram ordenadores das ideias de nação e povo; ou seja, da defesa de valores como identidade (frente aos outros) e unidade (entre nós). Um dos principais historiadores franceses de então, Ernest Lavisse, autor de influentes compêndios escolares, predicava que seus alunos deveriam cuidar, em prol da pátria, tanto dos livros, quanto dos rifles (inGay, 1999, p. 242). Grundrisse, handbook, manuel, vê-se a preocupação em formar historiadores espalhada pelos principais estados europeus e esses profissionais poderiam vir a ser professores de escolas e liceus, nos quais o ensino da matéria já correspondia ao ideal de despertar ou incutir preceitos de amor (disposto, inclusive, ao sacrifício) à pátria e respeito cívico.

Manuais de “Introdução aos Estudos Históricos” são testemunhos da historicidade da disciplina (e das táticas e tentativas de legitimação de sua cientificidade). Mencionar Heródoto como “pai da História” é instituir uma estirpe, prosseguida por Tucídides, Xenofonte, Luciano de Salmósata, Políbio, Tito Lívio, Agostinho, Mabillon, Bolland, Vico, Voltaire, Gibbon, Marx, Michelet, Fustel de Coulanges, Ranke, Burckhardt, Mommsen... Os capítulos sobre historiografia constantes em alguns manuais favorecem a compreensão dos processos de institucionalização acadêmica desse saber. A exposição dos primórdios e desenvolvimentos dos estudos históricos servia como pleito em benefício de sua legitimidade. De acordo com François Furet, a chamada “história científica” fora constituída como saldo das culturas do antiquariado, erudição, filologia e filosofia da história (Furet, s.d., p. 109-135). A estrutura dos breviários destinados à formação inicial dos historiadores profissionais contempla, com enfoques variados, um quadro geral das contribuições da tradição de crítica documental e das competências no exame de artefatos da cultura material. De alguns volumes constavam capítulos de historiografia, no modelo autores e obras, seguindo os recortes “antiguidade”, “idade média”, “renascimento”, etc. Mais raras eram as partes dedicadas à Teoria (Filosofia) da história, com divagações atinentes à ação dos homens no tempo e ação do tempo nos homens. Isso constituía seara mais detalhada de outros manuais, como os de Gervinus, Droysen, Xenopol que enfocavam a história como conjunto das eras e eventos.

Os compêndios de Introdução à História não se dirigiam somente aos amantes desses estudos, mas também aos seus detratores, buscando legitimar essa área do conhecimento. Primeiramente, havia os esforços de definição: O que é História? O que é fato histórico? Seguiam-se as tentativas de situar o métier: É uma Arte? Uma Ciência? Uma Moral? Depois, vinham as seções dedicadas às interfaces com as ditas “disciplinas auxiliares” e aos procedimentos de crítica de autenticidade e autoridade dos documentos. Pleitos em prol de fazer figurar a História no rol das ciências foram articulados a partir da lembrança e ênfase de que aquele saber também tinha a sua história, uma antiguidade e um desenvolvimento. Frequentemente, o padrão de cientificidade ao qual tais manuais desejavam responder (ou se adequar) era o das chamadas ciências naturais; cujas críticas incidiam sobre o que seria a pouca clareza na delimitação dos fenômenos estudados pela História, lembravam os limites na aplicação de métodos indutivos e dedutivos e sublinhavam os excessos de subjetividade e expressionismo. O pirronismo da História troçava ainda dos vários casos de falsificação ou destruição de vestígios, bem como daqueles em que o fabuloso era tomado como verídico. Um ponto sensível era o da explicação das causas; ou seja, na fronteira entre a História científica e seu entendimento como ação humana no tempo, encruzilhada entre a ambição de descobrir leis determinantes e os apelos por nesgas de liberdade. A tópica que se insinua aí ainda é a da finalidade da História.

Finalidades da História

A eloquência do cartaz que chamou a atenção de José Honório Rodrigues radica na ambiguidade dos termos. Finalidade pode sugerir propósito ou destinação. História pode querer indicar a disciplina ou o “coletivo singular”[2] moderno. A pergunta sobre a finalidade da História diz respeito aos objetivos desse saber e ao significado e direção do transcurso dos acontecimentos, aceitando ademais as variantes que interrogariam sobre os motivos da existência ou acerca dos sentidos dos estudos históricos.

Tratando especificamente da área do conhecimento, a pergunta acerca da finalidade da História diz mais comumente de sua utilidade: Para que serve a História? Se a questão é presente ou mesmo central em alguns breviários de iniciação, houve circunstâncias em que tal tema era abordado de maneira indireta. Em Ernst Bernheim e Wilhelm Bauer essa discussão tangencia a caracterização da chamada abordagem “pragmática”. Ressoa aí algo do modelo que Hegel usara em sua Filosofia da História (1999), classificando a História em “original”, “refletida” e “filosófica”. Uma variante da história refletida seria a “pragmática”, que observaria o passado a partir dos interesses do presente. O pensador de Stuttgart vislumbrava boas intenções no afã de instruir pela experiência e moralizar pelo exemplo, retrucava, porém, aduzindo que a principal “lição da história” era a de que povos e governos pareciam nada aprender daí... Ernst Berheim (1937) – que pode ser percebido como um dos definidores dos modelos de livro de “estudos históricos”, nas feições de introdução (Einleitung) e compêndio (Lehrbuch) – citava Tucídides (455-404 a.C., aproximadamente) e Políbio (210-130 a.C., aproximadamente) como representantes da concepção pragmática de história, também chamada “didática”, dedicada a deduzir do conhecimento do passado ditames práticos para situações políticas ou públicas análogas. Bernheim (1937) situava o apogeu dessa perspectiva na qual a utilidade da História estaria em ensinar coisas úteis em correspondência com a formação das identidades nacionais europeias; entretanto, apontava uma série de problemas: unilateralidades, exclusivismos, o peso das paixões dos protagonistas ou das convicções do autor. A exposição de Wilhelm (Guillermo, na edição espanhola) Bauer sobre a história pragmática evocava novamente o ateniense Tucídides como pioneiro dessa história também dita instrutiva ou prática, posteriormente desenvolvida por Políbio. De fato, o autor da História da Guerra do Peloponeso argumentava que o intento principal de sua narrativa não seria como nas composições fabulosas agradar ao ouvido, mas sim tornar-se um “patrimônio sempre útil” para quem quisesse uma ideia clara dos eventos ocorridos que, julgava ele, um dia voltariam a ocorrer em circunstâncias idênticas ou semelhantes (Tucídides, 2001, p. 14-15). Políbio esclarecia que os fins da história e da tragédia seriam diferentes: ao invés de fascinar e iludir os espectadores, o discurso verdadeiro serviria para instruir e convencer, em proveito de quem gostava de aprender. Considerava, ademais, “não haver nenhuma oportunidade de melhoramento mais acessível aos homens que a ciência das ações do passado” (inHartog, 2001, p. 111). Bauer, embora ressaltasse a ênfase nos desenlaces internos e nas conexões causais promovidos nas exposições de tipo magistra vitae, criticava a pressão da atualidade e do político, além do aspecto ilustrativo. No início de seu livro, Bauer era mais enfático em suas avaliações:

El político, el teólogo o el filósofo pueden, sin duda, obtener conclusiones, cualesquiera que sean, de los resultados de nuestra investigación. Pero el historiador debe en primer lugar considerar la Historia solamente en sí misma. Precisamente la Historia puede ser, ante todo, un fin en sí misma. Sondear la verdad y sólo la verdad constituye la finalidad que el historiador ha de poner ante su vista, aunque debe comprender que la verdad puede ser distinta según los tiempos y los pueblos. Tenemos perfecta conciencia de que el conocimiento de la Historia tiene un grande valor para la vida práctica; sin embargo, este hecho se sitúa en segundo lugar para el investigador. La cuestión principal es, y seguirá siendo, el conocimiento y la comprensión por si mismos (Bauer, 1944, p. 18-19).

No prólogo à 1ª edição de sua Introdução ao Estudo da História, escrito em Viena e datado de novembro de 1927, Bauer aludia, entretanto, ao direito de sua época e de seu povo de exigir da ciência histórica os alicerces de reconstrução da unidade e grandeza nacionais. A História seria, então, cada vez menos, um assunto somente de especialistas; na medida em que o trabalho de cada um deveria estar ao serviço do coletivo e da nacionalidade. Mesmo os que defendiam a dignidade essencial do passado e o valor da verdade desinteressada não ficaram imunes a chamados e compromissos de seu tempo presente. Para os vencedores da Guerra Franco-Prussiana, a geração de Bernheim, a visão dominante de História passara a ser a “genética”, orientada para a investigação das causas e influências dos fatos históricos. Evolução era a ideia básica dessa concepção, que predicava a conexão ativa dos elementos externos e interiores das coisas, a unidade da cultura humana e a conexão e continuidade das transformações nas relações. Para os que sentiram os dramas da desintegração do liberalismo austríaco e para os derrotados na I Guerra Mundial, a geração de Bauer, a possibilidade de se aplicar a ideia de evolução à História era tida como duvidosa. O ideal orgânico que acentuava semelhanças entre o histórico e o biológico e sustentava que as formações sociais estariam sujeitas a leis teria fracassado em encontrar seu Darwin. À liberdade dos homens correspondia a indeterminação de seus atos. Considerações filosóficas sobre a História se esgueiravam pelos meandros entre o rebaixamento do espiritual nos preceitos naturalistas e a dissolução dos valores que se creditava ao historicismo. Mas, isso não impediu que Bauer apreciasse a História e a Política como ciências reciprocamente auxiliares, recorrendo à citação de aforismo de G. Winter, segundo o qual: “La Historia es la Política del passado; la Política, la Historia del presente” (Bauer, 1944, p. 62). Posta porta afora, a questão da serventia e sentido da História retornava pela janela...

Langlois e Seignobos (1946) definiam que, na Antiguidade, a História fora concebida como narrativa de acontecimentos memoráveis aptos a instruir e agradar. Não havia, segundo os autores, escrúpulos demasiados em relação às provas. A História teria sido um gênero literário e compartilharia com as outras artes o desejo da “eterna juventude”. A partir de 1850, aproximadamente, o modo de História científica viria considerar como sua finalidade simplesmente saber, renunciando a querer estabelecer normas de conduta, comover ou agradar. A concepção do magistério da História passava a ser encarada como ilusão, face às particularidades e diferenças nas condições em que se dariam os atos humanos. Se os artistas visavam à imortalidade pessoal, aos “sábios” bastaria que os resultados de suas pesquisas (mesmo que revisados e corrigidos) fossem ajuntados à fortuna dos conhecimentos. Langlois e Seignobos (1946) discordavam, todavia, dos que apregoavam que a História, então, não teria qualquer serventia. Existiriam utilidades e méritos indiretos: a compreensão do presente, o refinamento das ciências políticas e sociais (a partir do estudo de seus desenvolvimentos) e sua força como “instrumento de cultura intelectual”. Em “Apêndice” intitulado “O Ensino Secundário da História na França”, redigido por Seignobos, a tópica ciceroniana da historia magistra vitae era retomada:

Ninguém pede mais à história lições de moral ou belos exemplos de conduta nem cenas dramáticas ou pitorescas. Todos concordam em que, para estes fins, a lenda é preferível à história, porque apresenta um encadeamento de causas e efeitos mais conforme ao nosso sentimento de justiça, personagens mais perfeitos e mais heroicos, cenas mais belas e emocionantes. Desapareceu a tendência de nos utilizarmos da história para exaltação do patriotismo, como ocorre na Alemanha; todos compreendem o que há de ilógico em tirar, de uma só ciência, aplicações opostas, em função dos países e dos partidos; um tal conceito equivale a convidar cada povo a mutilar a história, quando não a alterá-la, no sentido de suas preferências. É evidente que o valor da ciência reside na verdade, e nada mais que a verdade é possível pedir à História (Langlois e Seignobos, 1946, p. 230).

Utilidades e utilizações da História podiam se converter em prejuízos. A visão de mundo que entendia a história como um todo em que cada parte seria digna e única condenava teoricamente que a disciplina incorresse em deturpações deliberadas e escolhas caprichosas. A importância da História iria bem além de servir de meio a fins políticos ou patrióticos. A questão dos “passados úteis” às vezes era confrontada pelos ideais de objetividade e neutralidade. O combate aí é o de credenciar a História como algo lógico e racional, senão ainda uma ciência, ao menos um método rigoroso. A questão da serventia da História podia ser item menor ou que se supunha vindo a reboque diante dos empenhos em favor de afirmações no mundo científico e conquista de posições no campo acadêmico. Tentava-se contornar a cobrança pelos ensinamentos práticos da História afirmando-a como saber autorizado, diferente da arte e da oratória; bem como rechaçando a visão radical que dizia que a História não servia para nada.

Não raro o livro de Langlois e Seignobos (1946) é tido como breviário da escola positivista. Em Prospecto dos trabalhos científicos para reorganizar a sociedade (s.d. [1822]) e no Discurso sobre o Espírito Positivo (1990 [1844]), Auguste Comte estabelecia alguns entendimentos esclarecedores. Primeiramente, quanto ao termo “positivo”, o filósofo de Montpellier assentava sua definição a partir de contrastes: real x quimérico, útil x desnecessário, preciso x vago, certo x indeciso e positivo x negativo. História e Geografia não figuram no diagrama das ciências, escalonadas em complexidade crescente e grau de generalidade decrescente, a saber, matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia; como se a objetividade das leis independesse de variações de tempo ou meio. Acepções do termo “positivo” ressaltavam préstimos e benefícios do conhecimento. Fala-se, às vezes, em “ciências auxiliares” da História, mas, no caso do comtismo, é a História que parece ser auxiliar da Física Social, ordenando os fatos pela sua semelhança e em sua sucessão. Não obstante, Comte cogitava que a doutrina que oferecesse uma explicação suficiente do passado conquistaria a supremacia intelectual do futuro. Em algumas de suas páginas de estreia, Comte asseverava que:

A ordem cronológica das épocas não é a ordem filosófica. Em vez de dizer o passado, o presente e o futuro, deve-se dizer o passado, o futuro e o presente. Com efeito, só quando, pelo passado, se conceber o futuro, é que se pode retornar utilmente ao presente, que não passa de um ponto, de maneira a captar seu verdadeiro caráter (Comte, s.d., p. 70).

Seguindo a lei dos três estágios, se o sentimento religioso tinha sido apanágio de um mundo militar, o raciocínio metafísico característico de âmbitos legalistas, a inteligência positiva era figurada como própria da era industrial e tecnológica. Decorre daí, muito da ênfase de Comte em aquilatar o pensamento na proporção na qual fosse útil ou positivo. À época das grandes cidades, máquinas e fábricas se intensificam apelos ou reclamos para que coisas e ideias sejam boas, práticas e rentáveis. Sob égide sociológica, Comte alargava os raios de ação do magistério da História: o conhecimento do passado deveria servir ao aconselhamento do presente, mas também ao planejamento do futuro. Caracterização talvez justa de uma “história positivista” passa pelo objetivo de decifrar leis, pela defesa de que os conhecimentos devem ser proveitosos e pela justificativa de que se estuda o passado para entender o hoje e preparar o amanhã. Na Introdução aos Estudos Históricos, de Langlois e Seignobos (1946), havia uma “Advertência” sobre a intenção dos autores, que era elaborar um manual de metodologia da ciência histórica, e não um resumo da história universal, menos ainda uma Filosofia da História. Não se propunham encontrar as leis dos desenvolvimentos da Humanidade. Sobre quais os deveres ou para que serve a História, Langlois e Seignobos despachavam como questions oiseuses, “questões de nonada”, conforme tradução de Laerte de Almeida Morais. Menções reiteradas são feitas a Bernheim; ou seja, ao contrário de um positivismo, o ponto talvez seja o do fascínio pelos preceitos e práticas de além Reno, naquilo que Claude Digeon definiu, para o período de fins da guerra de 1870 e inícios da guerra de 1914, como “crise alemã do pensamento francês”.

Em 1953, Joseph Hours publicou O Valor da História. Desde o início e ao longo de todo volume, o autor estabelece um diálogo com Langlois e Seignobos, sem evitar tons de rivalidade. Os autores da Introduction aux études historiques haviam posto o “para que serve a História?” na lista das perguntas inúteis, ociosas. Hours compreendia que isso envolvia a defesa do conhecimento, independentemente de motivos; mas, adjetivava tal posição, influente na vida intelectual e na tradição universitária francesas de fins do século XIX, como estoica e um pouco medrosa, quando confrontada com os riscos da ação (Hours, 1979, p. 15). Hours admitia a prédica do conhecimento desinteressado e do simples desejo de conhecer circunscrita a estágios muito desenvolvidos. Na vida cotidiana, importariam os fins práticos da História. Quanto maior o desconhecimento do passado, maiores as proporções em que tal passado comandaria os comportamentos presentes. A intenção da História seria a de preparar seus contemporâneos para a ação, orientada para a “construção do futuro”. Joseph Hours afirmava que:

Se com efeito o historiador situa os acontecimentos no curso contínuo das coisas, se procura seguir-lhes o desenrolar e faz aparecer para cada um deles as causas e consequências, é que ele pretende fazer obra útil e só se interessa pelo passado para melhor compreender o presente e preparar o futuro (Hours, 1979, p. 47).

Para Joseph Hours a História e a ciência seriam diferentes e até opostas. A ciência operaria a partir de analogias, formulação de hipóteses, técnicas de demonstração e experimentação, procurando atingir considerações gerais. A História trabalharia com o único, esforçando-se por explicar causas, mas recusando-se a estipular leis. Ao tratar das singularidades, a História poderia valer como contrapeso da ciência, fornecendo um senso de contingência e acaso. A concepção de “História, mestra da vida” para sobreviver se transformava. Em Hours tal valor se definiria não pelo conteúdo, mas como instrumento de investigação. Sua classificação da História é como um “método original de conhecimento do homem” (Hours, 1979, p. 105). Ao invés de funcionar como “armazém de precedentes” ou “tesouro”, importaria que a História ajudasse a melhor conhecer a Humanidade (entendida como coletivo de gentes e como o que os distingue da bestialidade).

Em 1954, Henri-Irénée Marrou publicou Do Conhecimento Histórico. Em apêndice de 1975, intitulado “História, verdade e valores”, o trecho de conclusão expressava:

Uma palavra para finalizar: se todo conhecimento possui um valor pelo próprio facto de ser um conhecimento verdadeiro, a redução da história ao mero prazer de conhecer parece uma justificação demasiado insuficiente para uma sociedade como a nossa, tão utilitária, tão preocupada com o rendimento: o enriquecimento da cultura presente através da recuperação dos valores do passado é, em definitivo, o único argumento que pode justificar, em última análise, o esforço do historiador aos olhos daqueles que, como vimos, se sentem tão tentados a pôr em causa o saber (Marrou, 1975, p. 284).

Marrou, conforme dizia, não hesitava em retornar à concepção de “História, mestra da vida”, desde que renovada. A aplicação pretendida não era a dos antigos retóricos que reduziam a História a um repertório de anedotas, exemplos, precedentes e estratagemas, ao dispor de moralistas, magistrados e políticos. A História teria um valor existencial (que caberia cuidar para que não se tornasse uma obsessão). O conhecimento do passado consistia em esforço e aventura do espírito, nem puramente objetivo, nem radicalmente subjetivo. Para Marrou, a História seria efetivamente um conhecimento científico, especificado por seu objeto (o passado humano) e pelas técnicas da heurística, crítica e hermenêutica. Ainda que as verdades fossem parciais, existiam. Uma das funções da História radicaria no enriquecimento do universo interior. O encontro com o “outro” seria revelador de inúmeras coisas sobre o ser e a vida humana. A diversidade de experiências e virtualidades (que o autor alertava poderem ser esplêndidas ou terríveis) ajudaria a conhecer melhor os homens. Os valores do passado decerto eram diferentes, mas, por serem humanos, poderiam ser compreendidos e representar um desafio ou uma inspiração. A descoberta de valores do passado em prol da atualidade não ocorreria à maneira de imitação, pois Marrou destacava os atos da imaginação criadora. Antes de reproduzir formas de vida ou visões de mundo de outros povos, de outros tempos, importaria ser afetado por esse encontro e tentar se conhecer melhor. O autor julgava infeliz a fórmula de Collingwood (1981) que via a História como “reencenação” da experiência do passado e esclarecia achar estranho ao trabalho do historiador a tarefa de querer reanimar, reviver ou ressuscitar o que passou. Ao referir-se a uma “cultura viva” é plausível supor que Marrou não predicava qualquer retorno a uma idade de ouro de outrora; a imagem eloquente em sua argumentação, nesse sentido, é a do fermento. A História, pensada como consciência do desenvolvimento humano e sentido agudo da complexidade do ser, operaria, segundo o autor, uma catharsis, uma libertação do homem do peso de seu passado (Marrou, 1975, p. 243-244). Se as filosofias da história – que a partir de quadros esquemáticos do passado pretendiam ter a última palavra acerca do devir e dos mistérios do tempo – podiam ser convertidas em renúncias e grilhões, o trabalho do historiador poderia valer como pedagogia e instrumento da liberdade, ao lembrar que o futuro não estava traçado, que existiam possibilidades e que as escolhas envolviam responsabilidades.

Em 1965 veio a lume para o público de língua inglesa The Nature and Study of History, de Henry Steele Commager. No que concerne à tópica da finalidade, o professor de Amherst ponderava a existência de outros critérios que não os de utilidade e definições do termo que iam além do espírito prático. As riquezas da História seriam para a vida interior. Primeiramente, o “senso do passado”, a compreensão de que os dias de outrora foram uma realidade para quem os viveu, que os desfechos eram ignorados e que essa existência era justificada por si, e não para (ou pela) edificação de distantes gerações futuras. Longo o tempo, breve a vida: a História proporcionaria perspectiva. Afora isso, o autor mencionava aforismo de Bolingbroke (que já parafraseava Dionísio de Halicarnasso) que definia a História como “a filosofia ensinando pelos exemplos” (Commager, 1967, p. 125). Uma vez mais, o aspecto magistral da História parece deslocado do raio prático e factual para o núcleo sensível e espiritual. As lições da História seriam de paciência, tolerância e ajudariam a moderar provincianismos. Lembrariam que o homem não estava agrilhoado por leis férreas, nem era vítima do acaso. Forneceriam elementos de densidade, variedade, complexidade e variedade nos padrões de pensamento e ação. Commager observava, contudo, que, através dos séculos, a História teria sido escrita pelos vencedores, e não pelos vencidos (Commager, 1967, p. 15). Com isso, a questão se transforma: não apenas “para que serve a História?”, mas, “para quem ela serve?”. Se os manuais da história metódica teciam digressões sobre o escrutínio dos documentos, Commager é um dos autores que desenvolvem críticas às documentações. Em sua avaliação, o registro do passado seria “monstruosamente parcial”. Os acervos e anais sobre os pobres seriam poucos e simples, quando não inexistentes. Muitos vestígios chegavam aos dias de então por acaso, mas, muitos eram preservados ou destruídos por gestos deliberados, escolhas e princípios. Além da crítica de procedência – a identificação da referência a partir de seu arquivo – cabia rastrear o percurso dos documentos até as instituições, com interrogações sobre a lógica de sua preservação e foco no funcionamento dessas instituições, social e politicamente.

Alguns breviários brasileiros

Um dos organizadores do 1º Encontro Brasileiro sobre Introdução ao Estudo da História (UFF, 1970), José Pedro Esposel, Professor da Universidade Federal Fluminense, é autor de uma Iniciação ao Estudo de História, lançada em 1970 para nível elementar de ensino, com destaque para o aparato de imagens. Em iniciativa curiosa, era material para escolas, não para universidades. O autor diagnosticava a decepção dos alunos com o ensino de História, encarado como obrigação fastidiosa. De março a dezembro os escolares seriam agredidos pela maior aliança já existente: assírios, babilônicos, hebreus, egípcios, fenícios, persas, gregos, romanos... A brochura de Esposel procurava indicar algumas linhas (Homem e Sociedade, Homem e Economia, Homem e Política, Homem e Religião, Homem e Cultura) que servissem à sistematização dos conteúdos. Como os(as) estudantes, a História seria uma ciência em plena juventude, dedicada à sabedoria dos séculos. No item “A importância da História”, o autor afirmava tratar-se de matéria das mais valiosas, na medida de suas contribuições ao enriquecimento cultural das pessoas. O estudo da História também seria fascinante e absorvente, proporcionando instantes de distração e entretenimento. Esposel recorria a uma citação de Bossuet, segundo a qual, o estudo adequado da História seria como segurar o fio de todas as questões do universo. Destacava-se que a disciplina estimularia o patriotismo e realçaria as responsabilidades individuais com os rumos do país. Afirmava-se, ademais, que só através da prática consciente do civismo teríamos bons cidadãos e que o senso de moral seria depurado pela confrontação de bons e maus exemplos (Esposel, 1973). Ainda que o autor enumerasse a significância da História na depuração do senso crítico, a tônica assentava nos predicados morais, religiosos, cívicos e patrióticos.

A editora Brasiliense, de São Paulo, imprimia coleções que, pelos títulos, “primeiros passos” e “primeiros voos”, elucidam o público ao qual se destinavam (aquele em formação universitária) e os objetivos acalentados, fornecer subsídios para as etapas iniciais e para os níveis mais avançados da carreira. Dois títulos dizem respeito mais diretamente aos recortes aqui propostos: O que é História, de 1980, da autoria de Vavy Pacheco Borges e Uma introdução à História, de 1981, escrita por Ciro Flamarion S. Cardoso. A brochura de Vavy Pacheco partia da caracterização do Brasil como país “novo”, no qual um passado de poucos séculos, não bastava para criar uma consciência histórica. Ademais, definida como ciência do passado, corria o risco de soar desinteressante para os jovens. Daí, a ressalva de que a História poderia ajudar a explicar a realidade e a transformá-la. Não estudaria um passado distante e morto, mas, estaria ocupada, seguindo perspectiva genética, em explicar as origens e desenvolvimentos de problemas contemporâneos ao historiador. Outro ponto era o de que a História procuraria examinar principalmente as mudanças vivenciadas pelas sociedades humanas. A autora afirma, a esse respeito, que “a transformação é a essência da história” (Borges, 1980, p. 47). Para os que ignoravam a força criativa e transformadora da ação humana, então, a realidade, o presente, se afigurariam como obedecendo a uma ordem eterna e imutável ou seguindo um progresso necessário e linear. Ajudar que as pessoas tomassem maior consciência dos potenciais de ação e das forças transformadoras da história, tal a súmula do que a autora apreciava como finalidades do conhecimento histórico. Um alerta se insinua, relativo aos usos desse saber pelos detentores de qualquer forma de poder e aos riscos de manipulação de conteúdos e técnicas científicas. Para Cardoso, as respostas para a questão sobre “para que serve a História?” variariam conforme as definições do termo. Se o objeto dessa ciência, disciplina ou arte fosse o passado, o discurso de imparcialidade permitia justificar a gratuidade de seus esforços, a reconstrução do passado por si. Contudo, a História, definida como “estudo da dinâmica das sociedades humanas no tempo” (Cardoso, 1981, p. 83), poderia contribuir para a compreensão das estruturas do presente e planejamento daquelas pretendidas para o futuro, como também nas discussões sobre a duração, transformações e permanências. Um dos ensinamentos da História radicava na detecção de posturas anacrônicas. Entretanto, isso não dizia respeito apenas ao âmbito da prática historiográfica. Não se tratava somente de cuidar para não ajuizar culturas passadas a partir de moldes atuais ou de evitar generalizações pouco sensíveis às variações de tempos e espaços. Além dos anacronismos nos estudos históricos preocupavam Ciro Cardoso aqueles reproduzidos na vida cotidiana: visões de mundo e condutas passadas que continuavam presentes, gestos e ideias corriqueiros que já deveriam ter sido ultrapassados. O compromisso e a função social dos historiadores deveriam convergir, sobretudo, para a crítica e superação do que antes havia sido a utilidade da História, qual seja, a de preservadora de estruturas, através da difusão de narrativas patrióticas, criação de mitos, enaltecimento de “falsos heróis” (Cardoso, 1981, p. 109); ou seja, o principal benefício a se esperar da História seria combater os prejuízos que ela própria ajudara a propagar.

Passado, presente

Dois franceses, nascidos em 1886, próximos ao círculo de Henri Berr, rivais em candidaturas ao Colégio de França, professores da Sorbonne, especialistas em História Medieval, durante os anos da II Guerra e da ocupação nazista, na condição de combatentes, resistentes, clandestinos ou prisioneiros, dedicaram energias e esforços para redigir páginas de introdução à História.

O primeiro capítulo da Introdução à História, de Louis Halphen, intitulado “Necessidade da História”, tem início com a seguinte sentença: “É mais fácil dizer mal da história do que passar sem ela” (Halphen, 1961, p. 15). A História, para Halphen, era uma disciplina sensível a nuances, mas, isso não a tornava estranha à ciência e sua validade derivaria de aguçar os sensos do relativo (necessário quanto mais acendradas as paixões pelo absoluto) e do condicionado (os fatos se comandam e reagem uns em relação aos outros). Ainda que apresentando um rigor científico diferente do rigor formal das matemáticas, a História estaria plenamente justificada se ajudasse a raciocinar em bases concretas, comunicasse a complexidade da vida e ponderasse a importância do fator humano. Ademais, a História valeria como antídoto contra as incompreensões mútuas entre os povos, às vezes degeneradas em intolerância; isso por permitir a contemplação da diversidade e perpétua renovação dos juízos, costumes e condições de existência. No que se refere à História como narrativa dos acontecimentos, Halphen a qualificava como repertório inesgotável cuja consulta jamais seria em vão, valendo-se da imagem do homem de guerra que acharia aí a manobra a empreender ou o erro a evitar. O autor condenava, todavia, que a História fosse convertida em uma escola de moral e de civismo, sustentada na mentira e nos disfarces do passado. Outro dos objetivos da História seria salvar do esquecimento os fatos do passado e restabelecê-los no fluxo temporal pois Halphen acreditava que: “Desta continuidade a história tira todo o seu valor, pois que, na medida em que consegue restituir o passado, nos dá a chave do presente e nos permite assim prevenir o futuro com conhecimento de causa” (Halphen, 1961, p. 16). Mas, esse ponto exigiu a sofisticação dos argumentos no interior da própria obra. No capítulo “A coordenação dos fatos”, Halphen considerava que a História nunca se repetiria, dada a renovação constante das condições materiais e morais. Enfatizava, contudo, a existência de analogias entre fatos de um mesmo período, que permitiam a inferência de uns a partir de outros. Se a História estaria sujeita à lei da perpétua mutação, o autor contrabalançava citando a constância de certos dados. No capítulo “Lições da História”, a tônica é de que um fato não se repete do mesmo modo e que mesmo entre duas situações concomitantes a semelhança (que não é o mesmo que identidade) não garantia um desfecho comum. Uma noção, porém, é muito cara a Halphen, que vai buscá-la a Jules Michelet, a da História como ressurreição, o que exigia que o historiador, face ao passado se esquecesse de seu próprio tempo, de seu meio e de si próprio, se despojasse de suas predileções e preconceitos, de sua personalidade e de suas maneiras de sentir (Halphen, 1961, p. 22).

Marc Bloch parece ter pensado a Apologia à História como algo díspar ou além de um manual de iniciação. Se teve, porém, de esclarecer-se a esse respeito em carta a Lucien Febvre é porque a empreitada podia suscitar ambivalências. Os estudos de Carole Fink (1995), Massimo Mastrogregori (1998) e Olivier Dumoulin (2003) permitem sumariar algumas informações: em setembro de 1939, já mobilizado em Molsheim – pela idade, esse ex-combatente da 1º Guerra podia ter solicitado dispensa, ao invés, apresentou-se como voluntário – Bloch cogitou uma Histoire de la société française dans le cadre de la civilisation européenne da qual deveria constar a introdução “Reflexions pour le lecteur curieux de méthode”; no outono de 1940, Bloch ministrou em Clermond-Ferrand o curso “Como e porque trabalha o historiador”; a redação de Ofício de historiador (título da predileção de Bloch) deve ter-se concentrado entre fins de 1940 e inícios de 1943, quando Bloch passa a atuar na clandestinidade antifascista. Apologia da História e A estranha derrota, os livros que Bloch concebeu na guerra, são meditações sobre a História, indissoluvelmente, a que se estuda, a que se escreve, a que se vive. O intuito de Marc Bloch parecia ser o de responder, antes de tudo para si, as (des)razões da História. Por mais que possam soar como fórmulas retóricas para abordar um assunto, a pergunta da criança a respeito das serventias do saber histórico ou do jovem oficial sobre se a história poderia tê-los traído comunicam inquietações alastradas para muito além do âmbito de formação de professores/pesquisadores dessa área do conhecimento. Dizem da História nas acepções de didática e processo, bem como das variadas interações daí decorrentes. Bloch que reiteradamente definira a história como “ciência da mudança”, ponderava na palestra “Que demander a L’Histoire”, de 1937, que a lição mais importante da história quiçá pudesse se deslindar na sugestão de um futuro bastante diferente do passado: “En sorte que peut-être la leçon la plus importante du passé se trouvera être ici de nous suggérer um avenir très différent de ce passé” (Bloch, 1983, p. 6).

A História poderia ser legítima mesmo sem ser útil. O moço que interpelara Bloch querendo saber se a história os teria enganado estava pensando no imprevisto ou indesejado dos insucessos militares, como se a vitória francesa na I Guerra Mundial bastasse para garantir seu triunfo naquela outra vez. Mas, por mais que existissem condições gerais semelhantes ou duradouras, as coisas não ocorreriam de maneira idêntica em ocasiões diversas. Além disso, não estava claro que os acontecimentos seguiriam destino inalterável. A expectativa acalentada por muitos em relação aos estudos históricos é que operassem como filosofias da história, como decifração da essência, funcionamento e finalidade do conjunto das ações humanas. Mesmo sem corresponder exatamente ao que outros esperavam, para Bloch, o ofício de historiador não perderia sua justificação. Frente ao imperativo da utilidade e do rendimento, o autor falava ainda de prazer, divertimento e do quinhão de poesia da ciência histórica.

Duas leituras de Apologia da História destacam uma mesma vantagem desse ofício. Lucien Febvre dedicou atenção aos livros de Halphen e Bloch, o que vale como indicativo do quanto manuais e resenhas serviam para demarcar posições. Em “Sobre uma forma de História que não é nossa. A História historicizante”, Febvre examinava a Introdução à História, de Louis Halphen, lançada em 1946 pela Presses Universitaires de Paris (indício de influência nos circuitos acadêmicos e editoriais). Em “Caminhando para uma outra História”, datado do Rio de Janeiro de 1949, noticiava a publicação de Apologia da História, de Marc Bloch. Acerca da utilidade dos estudos históricos, Febvre criticava a apreciação de Halphen, que achava ser essa uma causa que se defenderia por si. Se assim fosse, Febvre retorquia, os ataques teriam cessado há bastante tempo. Haveria, portanto, uma “função social da história”, qual fosse, interrogar a morte em razão da vida, organizar o passado em prol do presente. O autor de Combates pela História acautelava para os riscos de se deixar absorver pelos aspectos hipnóticos do passado e de ser esmagado pela avalanche de fatos. Os mortos exerceriam demasiada pressão sobre os vivos, sobrecarregando-lhes os ombros. A fina camada do presente perigava romper-se com o peso da tradição. Algum grau de esquecimento seria necessário e favorável para as sociedades que desejassem viver (Febvre, 1989).

Em página de crítica literária originalmente saída no jornal paulistano Folha da Manhã, em 18 de julho de 1950, Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) aludia à publicação de Apologie pour L’Histoire. O artigo esclarecia os leitores acerca do destino trágico do historiador francês de ascendência judia, engajado na Resistência e fuzilado por nazistas. Frisava daí as circunstâncias pouco favoráveis da escrita do livro, o qual quedara inacabado e que Sérgio aquilatava como uma “pequena obra-prima” (Buarque de Holanda, 2011, p. 19). Apologie pour L’Histoire veio a lume no verão de 1949. Sérgio já discutia aspectos do livro em meados de 1950. A notícia de Sérgio acerca do aparecimento de Apologia da História se inscreve na sequência da apreciação da História da Literatura Brasileira, de Lúcia Miguel Pereira. Encerrando a coluna de 7 de junho de 1950, Sérgio afirmava que os estudos históricos serviriam ao presente e ao futuro, emancipando-os do passado, de acordo com o que ele predicava como a “sábia concepção goetheana”. Pode-se sugerir aí alguma afinidade com a exposição de Friedrich Meinecke (1862-1954) em Die Entstehung des Historismus, publicado em 1936. Em sua estada alemã, de meados de 1929 a fins de 1930, Sérgio assistira a algumas aulas de Meinecke na Universidade de Berlim e conhecia bem a bibliografia de um dos últimos “mandarins” (o termo é de Fritz K. Ringer) da vida acadêmica germânica. Para Meinecke, o gênio de Goethe havia sido decisivo para a gênese do historicismo, ao tematizar uma sensibilidade mais cálida a respeito do passado, ao rechaçar interpretações mera ou marcadamente utilitárias, ao sondar a partir do movimento pietista o íntimo das almas e os dramas universais, enfim, ao atualizar a discussão platônica da relação das partes com o todo e de cada parte como um todo. Do “manuscrito interrompido” de Marc Bloch, a questão das temporalidades foi o que principalmente captou as atenções de Sérgio, que iniciou seu comentário especificando a concepção de Johann Wolfgang Goethe (1749-1832) segundo a qual “escrever História é um modo de desembaraçar-se do passado” (Buarque de Holanda, 2011, p. 18). Esse aforismo das Máximas e Reflexões acha-se citado também por Meinecke, com o acréscimo de que tal qual a lança de Telefos, a historiografia deveria servir para curar as feridas infligidas pelo passado. À época do Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto) a concepção romântica da unidade entre passado e presente não evitava algo de fantasmagórico, o pressentimento de uma ausência. Para o autor de Dichtung und Wahrheit (Poesia e Verdade) a literatura era também um meio de liberação e considerava que os estudos históricos poderiam culminar na função análoga de impedir a pressão demasiada de um passado conjurado (Meinecke, 1982, p. 445). Enquanto Louis Halphen invocava o estro de Michelet para caracterizar o trabalho da História como exumação, ressurreição, comunidade entre vivos e defuntos; Marc Bloch lembrava que os milagres da Nekuia (nutrir as sombras de sangue para melhor interrogá-las) descansavam nos idos de Ulisses. Leituras de Apologia da História frisavam que, ao invés de taumaturgo, o historiador operaria como um exorcista, esconjurando a carga do passado sobre o presente.

Considerações finais

A pergunta “para que serve a História?” é daquelas que não querem calar. Autores tentam desembaraçar-se do tema justificando a profissão a partir de sua própria História e de suas relações com a sociedade. As linhas de argumentação, todavia, são bastante plurais. Autores como Halphen e Hours insistiam na caracterização da História como fonte de proveito para a intervenção na realidade. Os conteúdos da História Universal serviriam de manancial de exemplos e precedentes.

Contribuições de Arnaldo Momigliano à historiografia clássica auxiliam aqui o esboço de traços e limites da perspectiva chamada “pragmática”. Primeiramente, o que se afigura como a “revolução intelectual” do século V a.C., quando foram criados ou redefinidos os campos da Tragédia, Comédia, Eloquência, Filosofia, Medicina e História. Mas, o estatuto da História não era bem demarcado entre os gregos. Historiadores não formavam grupo distinto, nem dispunham de postos reconhecidos na sociedade (à diferença de filósofos, oradores e poetas). A História não estava incluída na instrução ordinária, servindo como fonte de exemplos retóricos. Das narrativas esperava-se que provocassem deleites em leitores e ouvintes. Mais importante, contudo, era que manuscritos ou encenações públicas servissem para instruir. Os escritores tratavam de um passado próximo e miravam tanto seus contemporâneos, quanto as gerações vindouras. Vários de seus temas derivavam de interesses da vida política. Os gregos não possuíam uma única concepção de tempo, isso até pelo contato com outros povos e culturas. Mesmo concepções cíclicas não lhes eram indiferentes. Entretanto, a visão prevalente informava sobre uma unidade; sem que, contudo, isso se chocasse com a ideia de mudança, sentida mais diretamente nas guerras e reviravoltas no poder. Diferentemente de Heródoto, a intenção de Tucídides não era a de garantir a fama dos feitos notáveis (o que poderia denotar apreço pelo passado em si). O presente era a base de compreensão do passado, na proporção em que o passado era lastro de situações políticas presentes. Para o autor de História da Guerra do Peloponeso a descrição de câmbios no passado serviria para o reconhecimento das causas (matizadas em imediatas e remotas) e para prevenção de consequências semelhantes no futuro. Embora o êxito de Políbio possa ser visto como triunfo da “escola” tucidideana já no contexto romano conviria marcar a diferença de que para o investigador do século V a.C. a História seria um patrimônio sempre útil pelo que seria seu “conteúdo humano”, ao passo que para o autor que chegaria a Roma em 167 a.C., o benefício maior desse conhecimento estava em funcionar como uma pedagogia para lidar com as forças da Týkhe, fortuna, acaso, que poderiam favorecer ou decidir transformações sociais e políticas. No século XVI europeu, Políbio foi prezado por pensadores como Maquiavel, Bodin e Leonardo Bruni como mestre da concepção pragmática, instrutivo nos assuntos públicos e militares (Momigliano, 1984).

Em Ecce Homo, redigido em 1888 e publicado postumamente, Friedrich Nietzsche (1844-1900) situava retrospectivamente as “considerações extemporâneas” como obras guerreiras, ataques precisos na meta maior de transvaloração de todos os valores. A segunda dessas Unzeitgemässe Betrachtungen, escrita em 1874 quando Nietzsche mal inteirava os 30 anos, tratava do que o autor qualificava como uma “febre” de história, a indicar um excesso de sentimentalismo em relação ao passado, a busca sôfrega por desvendar os sentidos da passagem dos tempos e a enfermidade daí decorrente, que afetaria os homens, o povo e a cultura alemãs de então. O filósofo encarregado da cátedra de filologia clássica na Universidade de Basiléia repertoriava então três concepções principais de história: a “monumental”, a “antiquária” e a “crítica”, respectivamente respeitantes aos imperativos de previsão (do futuro), preservação (do passado) e ação (no presente). Nietzsche entrevia problemas nas tentativas de usar o conhecimento do passado para modelar o devir; nas apreciações dos tempos idos em sua própria dignidade ou na predileção caprichosa por determinadas épocas ou recortes. O que Nietzsche criticava, porém, não era a história, mas aquilo que ele considerava como um exagero, uma exacerbação das preocupações com os mortos, interpretada como sintoma de definhamento, sombra para os vivos e entrave para o movimento e a criação. A história, contudo, podia exercer benefícios. Ditirambos de Nietzsche invertiam o lema de Cícero e a súmula de Descartes: ao invés de a história ser mestra da vida, deveria a vida ser mestra da história. Cogito, ergo sum soaria como palavras ocas... Alguma plenitude ou verdade só poderiam ser cogitadas a partir e através da vivência. O apelo de Zaratustra era de que ao menos a juventude pudesse bradar com sinceridade vivo, ergo cogito. Reconfigurada nessa direção, em uma escola também revista, a história em muito poderia servir à vida (Nietzsche, 2003a, 2003b).

As meditações de Reinhart Koselleck ponderam o quanto a invenção da “modernidade” deu-se pelo contraste com fórmulas que passam a ser definidas como “antigas”. A sensação de um tempo agalopado aprofundaria dissociações entre vivências e quimeras. A noção de Historia magistra vitae[3] foi reavaliada nas circunstâncias em que o termo adquiria suas conotações modernas, como um “coletivo singular” que incorporava, dentre outras, as noções de percurso da Humanidade e área do conhecimento. Se a marcha dos acontecimentos poderia ser planejada, mais e mais se foi acentuando a sensação de que os modelos de tempos idos não bastavam para responder demandas de então ou para preparar circunstâncias futuras. Outra ideia que também adquirira forma singular, progresso, vinha tornar mais complexa ainda a relação entre a herança dos antigos e os investimentos dos modernos. O chavão do magistério da História durante muito tempo orientou o entendimento e a produção dos estudos sobre o passado, acalentando objetivos de atuação na realidade. Além da instrução, cabia ao historiador proferir sentenças e juízos. Tal concepção foi decididamente abalada, porém, quando o contínuo temporal se afigurava coalhado de rupturas. O próprio Reinhart Koselleck viria a se perguntar – sob o espectro da II Consideração Intempestiva. Acerca dos benefícios e prejuízos da História para a Vida, de Friedrich Niezstche – sobre o (sem) sentido da Geschichte e se ainda haveria alguma utilidade para a Historie. Alguns pontos destacados pelo autor atinem à importância do método histórico para as ciências sociais e ao valor das meditações sobre as temporalidades (Koselleck, 2013).

Manuais como os de Marrou e Commager valoram os assuntos da História de uma maneira mais espiritual. Dois aspectos configuram o ideal da História, mestra da vida. A unidade temporal (ou, de tempos em tempos, os mitos de eterno retorno) e aquilo que Tucídides chamou “conteúdo humano”. De fato, a modernidade esfacelou diagramas de um tempo contínuo. Mas, seria concessão demasiada ao naturalismo pensar em conteúdos humanos, em cernes que nos diferenciassem das feras e permitissem a identificação entre as gentes? A ênfase desloca-se, assim, da vida prática para o mundo interior. Uma dignidade da História seria informar sobre a diversidade das formas de vida, ampliando uma mundividência, estimulando tolerâncias e compreensões. A História teria a ensinar, não um conjunto de regras e procedimentos a ser acionado em situações análogas, mas, uma dimensão da grandeza e potencial da ação e criatividade dos povos.

A História poderia ser útil, não só através de seus temas, mas, a partir de seu método. Os capítulos sobre crítica documental muitas vezes tinham seu zênite no desvendamento de forjicações. Muitos preceitos do crivo da autenticidade, veracidade e verosimilitude dos rastros e registros foram esclarecidos por falsários e interpoladores. Pode-se questionar a mitologia do “fato”, afirmando que as informações de uma pesquisa não são dados, senão construtos. Todavia, o legado dos metódicos, no que tange ao ideal de busca de certezas através da exegese das fontes, não deve ser menoscabado. Ditames herdados da filologia, diplomática e erudição calham à inquirição dos testemunhos. A crítica pode, ao menos, tentar dificultar a vida dos embusteiros. Pois, como afirma Elias Saliba, existe um perigo sutil e corrosivo no abandono da distinção entre verdadeiro e falso, quando “os mentirosos não terão nada a provar e os defensores da verdade não terão sequer uma causa para questioná-los” (Saliba, 2009, p. 324). Todos os manuais apresentam capítulo de “crítica do documento”; Bloch, Marrou, Commager e Cardoso discutem, de maneiras particulares, o que seria uma “crítica das documentações”, problematizando a constituição de acervos, as comemorações e mesmo visões ou produtos da prática historiadora.

Utilidade intransferível é a que informa sobre as temporalidades e a dialética da duração. Bloch e Marrou contrapõem a figura do historiador à do antiquário. O desejo não era viver no passado ou fazer o passado reviver. A nostalgia é um avatar do anacronismo. O historiador não é possuído pelos mortos. Ao invés, tenta desvencilhar-se deles, como forma de afirmação do presente. A vida não precisaria ser levada em estrita coerência com padrões pretéritos. Os tempos mudam os homens? Os homens mudam os tempos? A História serve à vida. Talvez, os que inquirem sobre sua utilidade a julguem demasiado ameaçadora, por discutir e estimular as forças criativas e transformadoras de indivíduos e grupos.

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Notas

[2] Reinhart Koselleck observa nos inícios do século XVIII a emergência de uma noção “moderna” de história. Aos sentidos antigos de acontecimento (res factae) e narrativa (res fictaie) vinham se ajuntar uma série de novos entendimentos, (rerum gestarum) algo que gesta a si próprio, a história como um Ente, sujeito, empuxo, última instância, teatro do mundo, percurso do tempo, tribunal da justiça, estrutura e, enfim, um método e uma área do conhecimento. O termo Geschichte (história) passava a incorporar a semântica e a pragmática, sentidos e aplicações, da noção latina Historie (História), que designaria também a disciplina (Koselleck, 2004).
[3] Valdei Lopes de Araújo analisa sentidos e usos da expressão historia magistra vitae no século XIX brasileiro. Dialogando com as pesquisas de Sérgio Alcides, Rodrigo Turin e Maria da Glória de Oliveira, dentre outros, propõe que, talvez, e ao invés de uma “dissolução”, se pudesse falar em um “estreitamento” da centralidade e raio de influência da ciência sobre a moral. Aportes da Begriffsgeschichte (história conceitual/história dos conceitos) são acionados para matizar uma definição estrita da expressão “história, mestra da vida”, dizendo da intenção de ensinar pelo exemplo e estimular a imitação; e outra acepção mais larga, em que o magistério da História indicava qualquer intento instrutivo. Mesmo passando de um topos a um lugar-comum; ou seja, de algo relevante na interpretação a uma frase de efeito, a expressão parecia ter ressonância no caso brasileiro, até pelas ambiguidades do termo. Mestre da vida é o livro de História? O processo histórico? A disciplina histórica? Aliás, a consolidação dos estados nacionais (de resto, comunidades imaginadas, conforme Benedict Anderson) pode ter contribuído para a permanência, ou mesmo proliferação, de certos aspectos da ideia do magistério da História. Afora isso, a expressão pode ser transferida do mundo de fora para o mundo de dentro, indicando uma educação sentimental, mais que um manancial de práticas (Nicolazzi et al., 2011, p. 131-147).

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