Entrevista
Corpo, acontecimento e diferença: Deleuze e Guattari e a historiografia. Uma entrevista com Durval Muniz de Albuquerque Júnior [1]
Body, event and difference: Deleuze and Guattari and historiography. An interview with Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Corpo, acontecimento e diferença: Deleuze e Guattari e a historiografia. Uma entrevista com Durval Muniz de Albuquerque Júnior [1]
História Unisinos, vol. 24, núm. 1, pp. 149-156, 2020
Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Recepção: 17 Novembro 2018
Aprovação: 11 Maio 2019
Durval Muniz de Albuquerque Júnior é doutor em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor permanente dos Programas de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atuou como presidente da Associação Nacional de História (ANPUH) no biênio 2009-2011. Em 2018, após completar 40 anos de magistério e 15 anos como professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Durval aposentou-se de suas atividades no curso de graduação em História desta universidade, passando a atuar como professor-visitante da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Autor de livros como A invenção do Nordeste e outras artes (1999) e História: a arte de inventar o passado (2007), entre outras obras, Durval Muniz é Bolsista de Produtividade em Pesquisa Nível 1A do CNPq. Reconhecido por suas investigações no campo da Teoria e Filosofia da História, Durval Muniz participou desta entrevista para falar sobre a historiografia contemporânea e suas relações com o pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Gabriel José Pochapski e Fábio Leonardo Castelo Branco Brito (GJP e FLCBB): Prezado Prof. Dr. Durval Muniz, primeiramente agradecemos pela sua disponibilidade em realizar esta entrevista. Nossas questões iniciais buscam compreender, em linhas gerais, no que consiste o pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Durval Muniz de Albuquerque Júnior (DMAJ): Bem, o pensamento de Deleuze e Guattari é conhecido como a filosofia da diferença, porque ambos partem do pressuposto filosófico de que o ser se diz na diferença e não na identidade. Ou seja, não é a identidade e nem o idêntico que define o ser, não é a semelhança ou a continuidade, mas é justamente a diferença. Para Deleuze e Guattari, o ser está sempre se definindo na diferença com relação ao outro; o que se repete não é o que se assemelha, mas sim o que difere. É por isso que o par diferença e repetição forma o título da tese de Deleuze, que fundamenta o pensamento deles. O livro Diferença e repetição (2006) quer mostrar que, cada vez que algo se repete, ele se repete diferencialmente. A diferença é uma condição da própria existência, e daí, para mim, a importância desses dois pensadores para a historiografia. Apesar de muita gente virar a cara, Deleuze e Guattari são importantes por entenderem que tudo está em movimento e em devir; isso é fundamental para o historiador pensar todas as coisas em fluxo. A noção de devir é um conceito central da filosofia de Deleuze e Guattari por afirmar o movimento incessante de tudo, desde a natureza e os objetos, o tempo e os espaços, de maneira que todas as categorias por eles utilizadas são pensadas a partir do movimento, da diferença e da repetição.
GJP e FLCBB: Diferentemente de um olhar linear para a temporalidade, Deleuze e Guattari privilegiaram o acontecimento, a multiplicidade e a diferença como categorias fundamentais de seus textos. A partir de suas percepções, existia uma preocupação específica com a história nos escritos desses intelectuais?
DMAJ: Lembro que o filósofo Roberto Machado enfatiza muito mais a dimensão espacial quando tratou do pensamento de Deleuze, tanto que ele usou o termo “geografia do pensamento” para descrevê-lo, mas nós também precisamos pensar que um dos filósofos referenciais de Deleuze foi Henri Bergson, e a questão da duração, do tempo é central em Bergson. O livro Bergsionismo (1999) trata de pensar o tempo ou de como pensar o tempo. Deleuze e Guattari entendiam o tempo como múltiplas linhas, também nomeadas como platôs, onde o tempo aparece como diferentes camadas que estão sempre em movimento. Não há uma visão propriamente geológica em Deleuze e Guattari, mas o tempo e o espaço são pensados como um aglomerado de linhas que são os acontecimentos. O tempo pode ser considerado como um novelo de linhas de tempo que estão sempre se relacionando e se conectando em um permanente devir. A história foi referida por diversas vezes nos escritos de Deleuze e Guattari. Em O Anti-Édipo (2011) existem capítulos que são históricos porque fazem uma espécie de releitura da história. Ou seja, eles aplicam o próprio pensamento para produzir uma leitura original da história universal, notadamente a partir de noções como a de sedentário, nômade, máquina de guerra, aparelho de estado e uma série de categorias que permitem outro modo de ver a história, além da já destacada centralidade da duração. Também podemos pensar em todas as reflexões que Deleuze fez em torno da memória como duração e, ao mesmo tempo, como acontecimento e descontinuidade. Para Deleuze, a memória não é pensada como a retenção das coisas, mas como a colocação dos diferentes tempos em contato. A memória foi percebida por ele como algo que conecta as temporalidades em linhas temporais que podem ser longuíssimas ou imediatas. Essas linhas imediatas se relacionam com o acontecimento, são linhas importantes por serem iniciadoras do tempo. Para esses pensadores, o tempo se inicia no acontecimento, pois é a partir do acontecimento que uma nova temporalidade é instaurada.
GJP e FLCBB: Além de Foucault, Dumézil e Starobinski, autores que se relacionaram com a História, não podemos negar que historiadores como Braudel, Chaunu ou Besançon foram mencionados em muitas das publicações de Deleuze e Guattari. No seu entendimento, como pensar o papel do historiador nas perspectivas desses intelectuais?
DMAJ: Bem, o historiador pode ser pensado não como aquele que vai restabelecer uma continuidade entre os tempos, mas como aquele que vai apontar as diferenças e as descontinuidades dos tempos. O historiador é aquele que marca as diferenças temporais, mas que também percebe as movimentações dos tempos. O historiador inspirado por Deleuze e Guattari é alguém que segue na contracorrente dessa história sedimentada para fazer o conhecimento sobre o passado nomadizar. Nós podemos pensar na contraposição que esses intelectuais fazem entre a ciência régia e a ciência nômade. Uma historiografia nômade é aquela que não se conforma com as versões oficiais, com as versões consagradas, com as memórias coaguladas ou mesmo com um único modelo de saber que é sacramentado pela academia. Deleuze e Guattari se tornam um grande incentivo para que os historiadores possam fugir dessas coisas congeladas, porque o saber acadêmico, como todas as instâncias de poder, tenta cristalizar e parar o movimento para sedentarizar e institucionalizar. É interessante pensar que Guattari foi alguém que criou instituições e que, ao mesmo tempo, pensava as instituições como algo que deveria estar aberto, em um movimento permanente que seria atravessado pela ideia de criatividade. Daí nós podemos ver a aproximação deles com o campo das artes para pensar a invenção e a criação como categorias próprias do humano. Existe muito do pensamento de Nietzsche quando eles entendem que o homem se define pela sua capacidade de criação. A arte seria a dimensão onde o humano se supera e vai para além de si mesmo. O livro Kafka: por uma literatura menor (1977) mostra que Kafka sempre colocava a sua escrita em questão e se colocava à prova na medida em que escrevia. A literatura menor é justamente esta literatura que sai do cânone literário e que tem coragem de romper com esse modelo. Uma historiografia nômade é aquela que procura não se ater aos cânones impostos pela disciplina, que tenta problematizar e questionar as regras impostas pelos historiadores. O que eu mais gosto de Deleuze e Guattari é o incentivo que eles dão para a liberdade de pensar e de agir. Muitas vezes, as pessoas que leem os textos deles ficam preocupadas em entender e aplicar as categorias, mas eu acho que Deleuze e Guattari nos passam muito mais uma necessidade de construir novas maneiras de fazer e de pensar a história. Por exemplo, o próprio encontro deles foi muito interessante por eles terem produzido juntos, e isso nos incentiva a produzir com, a produzir no meio, a produzir entre ou a produzir com o outro. Uma categoria fundamental da filosofia deles é a ideia do entre ou do terceiro excluído, que normalmente é afastado do pensamento binário e maniqueísta ocidental. A história da terceira margem é a de um elemento que passa e flui entre dois pontos fixos e que carrega esses pontos para outra direção. O pensamento que eles produziram é muito geométrico; as categorias utilizadas eram muito imagéticas e estavam sempre em movimento; não eram imagens da fotografia, tanto que eles não trabalhavam com a fotografia, mas sim o cinema e a pintura contemporâneas. É possível que Roberto Machado tenha falado de uma geografia porque esses pensadores criavam uma espécie de paisagem filosófica, uma construção paisagística que o tempo todo apresenta esse terceiro elemento que atravessa e embaralha as dicotomias, transgredindo-as.
GJP e FLCBB: As décadas de 1980 e de 1990 assinalaram um contato com o pensamento de Michel Foucault na historiografia brasileira. Mas, neste mesmo período, Alcir Lenharo se utilizou das obras de Deleuze e Guattari no desenvolvimento de suas pesquisas, e podemos mencionar historiadores como Margareth Rago e Hélio Rebello Cardoso Júnior, nomes também marcados pelo contato com estes pensadores. A sua tese de doutorado O Engenho anti-moderno: a invenção do Nordeste e outras artes, defendida na Unicamp em 1994, também fez uso da filosofia da diferença. Neste sentido, como podemos pensar a recepção das ideias de Deleuze e Guattari na historiografia brasileira?
DMAJ: Primeiramente, eu acho que é preciso fazer jus ao nome de Alcir Lenharo, que foi quem primeiro fez uso desses pensadores na historiografia brasileira. É evidente que Deleuze e Guattari chegaram até nós a partir de Foucault, tanto que muitas das pessoas que começaram lendo Foucault acabaram terminando em Deleuze e Guattari. Os nomes citados aqui, como a Margareth Rago ou o Hélio Rebello, foram pessoas que tiveram inicialmente um contato maior com Foucault e somente depois foram para Deleuze e Guattari. É preciso considerar que a presença desses dois pensadores na historiografia ainda é muito pequena. Talvez seus textos estejam presentes em alguns campos como a história da arte, a história da música ou nos estudos sobre gênero, mas são poucos os historiadores que enfrentam essas leituras. Eu acho que a Unicamp foi muito importante para trazer esses autores, seja por causa do Alcir Lenharo ou depois através da Margareth Rago, que era muito amiga do Alcir, mas também por diversas pessoas que fizeram a pós-graduação lá, como eu, que incluí Deleuze e Guattari como uma das minhas referências para escrever ou pensar a história. Creio que a relevância desses autores ainda não seja maior pelo fato de serem considerados pensadores difíceis, abstratos ou pouco instrumentalizáveis. Mas isso se dá, justamente, pela dificuldade que nós temos de lidar com os conceitos na historiografia.
GJP e FLCBB: O senhor é reconhecido por produções no campo da Teoria da História e nos estudos historiográficos sobre o Nordeste, o gênero, as sensibilidades e outros temas. Percebemos que grande parte destas publicações apresenta Foucault como a sua principal influência intelectual, mas queremos saber qual a importância que Deleuze e Guattari ocupam nas suas inquietações e pesquisas.
DMAJ: Como eu disse anteriormente, Deleuze e Guattari são importantes porque me possibilitam uma liberdade de pensamento; eles são libertadores, assim como Foucault, por serem intelectuais que incentivam a criação. Ao contrário de uma produção acadêmica que está muito preocupada com a fôrma, com o molde, seja com a fôrma da metodologia ou com a fôrma que modela certo uso das fontes na História, Deleuze e Guattari nos dão uma grande liberdade por nos levarem a pensar no ato de criar e de inventar. A própria ideia de invenção, que é muito importante nos meus trabalhos, não deixa de ter conexão com eles. Existe um livro deles intitulado O que é filosofia? (1992), e lá eles definem o filósofo como alguém que cria conceitos, não é aquele que copia, apreende e extrai conceitos de algum lugar. Os conceitos podem ser criados com todas as coisas, não necessariamente apenas com a matéria filosófica, mas com o cinema, a pintura, a física ou a botânica. Deleuze e Guattari mostram que os conceitos podem ser produzidos de qualquer material. Aí eu me pergunto: por que os conceitos não podem nascer do contato com o arquivo? Por que os conceitos não podem nascer a partir do passado? Por que os conceitos não podem nascer das fontes ditas históricas? Ou por que os conceitos são coisas que devemos sempre beber de outros autores para serem trazidos para a historiografia? Eu sempre penso e me questiono: por que a historiografia também não pode ser criadora de conceitos? O historiador não pode criar conceitos? Deleuze e Guattari diziam que a filosofia criava conceitos e que as artes criavam perceptos, mas como eu acho que a historiografia está entre a arte e a filosofia, os historiadores também precisam criar seus conceitos e seus perceptos. Os historiadores devem criar materiais e desenvolver cenas que afetem as pessoas, porque os perceptos estão ligados com as percepções, eles buscam afetar e produzir impactos. Além da criação de conceitos, a historiografia deve criar perceptos para afetar as sensibilidades e as subjetividades das pessoas. É interessante que a própria forma como Deleuze e Guattari pensam o sujeito é muito rica para o historiador, ou seja, o sujeito não é entendido como uma realidade fechada, mas sim como alguém que está em um processo constante de construção e mudança. Foi nesse sentido que esses pensadores partiram da herança freudiana e buscaram ir para muito além dela, tanto que Guattari possui uma grande importância por suas aproximações e distanciamentos com a Psicanálise. Guattari foi muito relevante para pensar que os sujeitos estão em um contato com os outros e com o mundo, com os animais, as plantas e tudo que compõe a natureza. Por exemplo, o devir-animal é a ideia de que nós estamos abertos aos contatos com os animais e de que há um animal em nós. Eu acho essa ideia do “em nós” fantástica, porque existe um animal em nós e que pode surgir a qualquer momento. Mas podemos pensar também que há um coronel em nós, um fascista em nós ou uma bicha em nós, inclusive nos machões (risos). Há muitos devires possíveis que dependem de conexões que se estabelecem a partir dos acontecimentos e do acaso. Assim como o acontecimento, o acaso também possui uma grande importância para Deleuze e Guattari, e os historiadores têm uma enorme dificuldade em pensar o acaso, até porque o historiador quer causar tudo. Se as coisas só ocorressem por causalidade, o acaso não existiria. A História é uma disciplina que possui perceptos e conceitos, e que tem a sua dimensão de cientificidade, mas podemos pensar que a História é muito rica por ser esse lugar de intermediação entre a ciência, a filosofia e a arte. As pessoas querem fazer dela uma coisa só, uma ciência onde o modelo positivista ainda está na cabeça dos integrantes do campo, por mais que eles neguem. É esse mesmo tipo de pensamento que acha que os conceitos precisam ser sempre trazidos de outro lugar e que a dimensão artística deva ser negada.
GJP e FLCBB: Suas conferências e textos recentes chamam a atenção para a negligência dos historiadores com relação aos corpos, os desejos e as sensibilidades como componentes indissociáveis dos acontecimentos, da economia, da cultura e da política. Em que medida Gilles Deleuze e Félix Guattari são relevantes para estas percepções?
DMAJ: Deleuze e Guattari criaram conceitos como corpo sem órgãos, mas toda a filosofia que eles produziram apresenta o corpo como o elemento central. Eles entendem que todos nós somos corpos e que o corpo é a nossa matéria-base de trabalho. O corpo sem órgãos é um conceito muito rico porque nos ajuda a fugir da compreensão biológica e organicista para mostrar que os corpos estão em uma constante interação com outros corpos, com os objetos, com a natureza e com todas as outras coisas que possuem historicidade. Por exemplo, Kafka interessou Deleuze e Guattari por ser um escritor capaz de pensar em alguém que um dia virou um besouro, ou seja, um sujeito muito diferente daqueles que normalmente são os personagens da escrita da história. Os personagens descritos pelos historiadores são sempre pessoas sem desejos, sem corpo, fechadas, cheias de prioridades e racionalidades, como se o lado racional fosse sempre o começo dos eventos e de tudo que ocorreu a partir deles. Deleuze e Guattari mostram que os sujeitos estão dentro do tempo; eles não estão na origem, mas sim no interior da própria temporalidade. É interessante que eu acabo de ler Tim Ingold, um antropólogo britânico muito influenciado por Deleuze e Guattari, e ele vai pensar o tempo e o vento como duas coisas que estão em um movimento permanente. O vento é tido como algo que impede que a natureza pare o movimento, pois tudo está sendo agitado e turbilhonado pelo vento, que faz as diferentes coisas terem contato. O vento deixa claro que a natureza nunca está parada, e o tempo mostra que a vida humana também está se movimentando o tempo todo. Nós e o corpo que nos compõe estamos sempre no vento e no tempo, pois não vivemos sem o oxigênio; por isso, precisamos do vento, e é o tempo que mostra suas marcas e sinais em nós. Quando eu li esse livro, pensei justamente na coincidência que é fato de eu ter escrito um texto sobre o vento e o evento e eu nem conhecia esse autor. Eu li e é maravilhoso. O livro se chama Estar vivo (2015) e o tempo todo fala sobre esse caráter de abertura do sujeito que habita o tempo. Muitas vezes, na história, parece que são os agentes que começam o tempo; aí muitos dizem: “Vamos colocar agente na história” como se a história tivesse uma agência. É preciso ver que esse agente e essa agência estão sendo agidos e movimentados por uma série de coisas como o vento, algo que nós nunca imaginamos. Deleuze e Guattari mostram como os sujeitos são movimentados pelo desejo, pela pulsão e pela libido, forças que aproximam o pensamento desses dois intelectuais com aquilo que a escrita blanchoniana nomeou como as “forças do fora” (Blanchot, 2005), essas forças que nos arrastam para um fora de nós e das quais nós temos muito medo. Os afetos, os acontecimentos e o tempo estão sempre atravessando os corpos dos personagens da história. Esses pensadores mostram que somos apenas um nó em uma trama repleta de atravessamentos. O Tim Ingold usa a ideia de malha para pensar que o mundo, o tempo e os sujeitos são malhas compostas de muitas linhas. Mas veja, o interessante é que essa ideia de malha leva até o meu “tecelão dos tempos”, que é o título do meu próximo livro. É isso que Foucault chamou de formação discursiva; estamos conversando com pessoas que sequer conhecemos e acabamos dizendo coisas parecidas em lugares distintos, e isso porque lemos as mesmas pessoas. Ingold faz uma crítica da ideia de cultura, que é um conceito central na Antropologia, e eu me lembro que escrevi, ainda no doutorado, um artigo chamado “Vidas por um fio, vidas entrelaçadas rasgando o pano da cultura e descobrindo o rendilhado das trajetórias culturais” (1993), um texto que procurava pensar a cultura como linhas, trajetos e trajetórias. Eu acho muito legal como as coisas vão se encontrando, e Deleuze e Guattari estão nisso tudo, porque são eles que promoveram muitos dos encontros. Por exemplo, vemos o Eduardo Viveiros de Castro pensando a Antropologia a partir de Deleuze e Guattari, ou temos o Peter Pál Pelbart na Filosofia, a Suely Rolnik na Psicologia, pessoas que eu conheço pessoalmente e que também têm uma importância na minha história acadêmica por tê-los lido e ouvido. A Suely teve uma grande importância para mim com textos que se fizeram presentes na pesquisa que resultou no livro A invenção do Nordeste e outras artes (2011). Essas pessoas possuem uma enorme relevância na produção de um pensamento que é autoral, pois Deleuze e Guattari nos levam a desenvolver textos próprios; eles não exigem uma filiação, como na maioria das leituras realizadas sobre Marx. Muitas produções marxistas resultam em uma fôrma na qual é necessário se moldar; isso se torna paradoxal, pois os grandes marxistas foram aqueles que leram Marx e criaram perspectivas para além dele.
Eu gosto muito do texto do Derrida, Espectros de Marx (1994), pois ele me faz questionar: o que eu devo a Marx? O espectro de Marx me cobra uma responsabilidade que é a de ser uma pessoa que pensa na injustiça social, que combate a desigualdade, que está engajada nas questões do nosso tempo; é isso que nós devemos a Marx. Nós, como historiadores, não devemos fidelidade às categorias e conceitos criados por Marx, até porque muitos deles já não servem para o nosso tempo. É preciso entender que o mundo mudou, a classe operária, que ontem faria a revolução, hoje vota na extrema-direita. Se, no início do século XX, já era complicado para Gramsci pensar que a classe operária faria a revolução, imagina então nos dias de hoje. É difícil pensar que a classe que vota em nomes como Trump fará a revolução. Muitos permanecem nessa ideia de que a revolução buscará um agente privilegiado, e eu me pergunto: quem será hoje esse agente? Se nós não pensarmos a política de maneira muito mais voltada para a contestação, para as resistências e transgressões; se nós não pensarmos em agentes diversos em diferentes setores da sociedade; ou se nós não pensarmos no caráter histórico e político das subjetividades, dos desejos e dos corpos, eu não sei como nós vamos esperar que o mundo mude. Nosso tempo mostra que devemos inserir os corpos cada vez mais nas nossas questões. Influenciado por Deleuze e Guattari, Tim Ingold começou o seu livro com uma discussão fantástica sobre a diferença entre materialidade e materiais. Ele mostra como o conceito de materialidade, inclusive o de materialismo, desmaterializa o mundo por ser abstrato e por não levar em conta as próprias matérias que compõem o mundo. Nós esquecemos que o mundo é feito de materiais, e Deleuze e Guattari lembram que o corpo é o nosso material primário. Os historiadores conseguem fazer história sem considerar que o corpo, ou a carne, é a nossa matéria primordial. Muitos historiadores materialistas falam de criaturas que não possuem materialidade. Por exemplo, a classe é sempre pensada sem levar em conta os corpos. Os historiadores ignoram que a carne sente dor, que se desmonta com a putrefação, que tem desejos, ereções e derreamentos que nunca aparecem na escrita da história. Nós somos feitos de sangue, de fluidos e linfas. Está no começo de O Anti-Édipo (2011) que nós somos feitos de fluxos e cortes que envolvem a merda, o pus, o leite, o sangue e outros materiais que fazem parte dos corpos e da história.
GJP e FLCBB: É comum perceber uma relutância ou ouvir que Deleuze e Guattari são “abstratos”, “incompreensíveis” ou completamente afastados daquilo que seria a prática do historiador. Como o senhor vê esta questão?
DMAJ: Primeiro, eu acho que os historiadores apresentam uma grande dificuldade de ler e isso acontece justamente por conhecerem muito pouco de filosofia. Nós temos uma formação muito ruim e frágil no campo filosófico. E segundo, muitos historiadores têm um entendimento muito equivocado do que é ler e trabalhar com Deleuze e Guattari. Eu sempre digo para os meus alunos que esses pensadores não foram feitos para compreender, mas sim para fazer efeito. É possível que você seja afetado lendo apenas um pequeno trecho dos textos de Deleuze e Guattari, e isso acontece porque eles não queriam ser compreendidos, mas buscavam afetar. Eu acho que muitos trechos são propositalmente herméticos para provocar o incômodo, para promover um contato dos leitores com os autores a partir do impacto e do estranhamento. A obra de Deleuze e Guattari faz efeito independentemente de você ter entendido cada palavra, frase ou parágrafo. O texto vai fazer a sua cabeça balançar e funcionar em algum momento, pois o mais importante é fazer disparar as ideias para que os leitores pensem por conta própria e transfiram isso para o seu modo de escrever a história. Como existe uma enorme dificuldade de copiá-los, os leitores precisam fazer criações e leituras próprias. Essa ideia de que é possível ler um autor e reproduzi-lo como tal é risível. Nós nunca conseguiremos ler um autor tal como ele queria, até porque somos outras pessoas, com outras experiências de vida e outras perguntas. Como eu escrevo livros, sempre fico perplexo com as coisas que as pessoas conseguem ler nas minhas publicações. É por isso mesmo que eu nunca respondo as críticas e as interpretações. Eu não tenho que responder para repor uma dada verdade que existiria no meu texto, até porque não há uma verdade única em texto nenhum. Todo texto é passível de várias leituras devido à ambiguidade da linguagem. Eu acho ótimo o que as pessoas fazem com A invenção do Nordeste (2011), tanto que aparecem coisas disparatadas, por vezes até o oposto do que o livro quer fazer, mas pelo menos produz efeito. Penso que era isso que os textos de Deleuze e Guattari procuravam fazer ao serem provocativos e irritantes para muitos. Por exemplo, O Anti-Édipo (2011) foi claramente produzido para irritar muitas pessoas, eles estavam a fim de produzir efeito logo após o maio de 1968. Após o término desse acontecimento, quando todo mundo estava ainda tonto sem saber o que teria sido aquele evento, eles procuraram dizer da maneira deles o que foi o maio de 1968. Deleuze foi um dos únicos que tentou falar alguma coisa sobre 1968. Já Guattari, estava no interior do maio de 1968, era um participante envolvido naquele momento. Eles dois procuraram afirmar que não foi a leitura de Razão e revolução (1978), livro escrito por Marcuse, que fez as pessoas produzirem o maio de 68; que não foi a leitura de Marx e de Freud que explicaria o evento, embora a influência deles também estivesse lá. Deleuze e Guattari se encontraram e escreveram um livro como forma de provocação e ataque. Foi um trabalho que resultou de um encontro sem encontros, ou seja, eles escreviam paralelamente e mandavam os textos um para o outro. Guattari foi muito importante por trazer a experiência da clínica enquanto Deleuze trouxe as reflexões sobre os conceitos filosóficos. O livro Deleuze & Guattari: biografia cruzada (2010), escrito por François Dosse, foi muito feliz em mostrar os motivos para esse encontro ter sido tão fértil. As pessoas não conseguem entender a riqueza e a criatividade desse encontro, tanto que alguns dizem: “Eles citaram mal tal autor”, mas isso, para eles dois, não tinha o menor cabimento, tanto que eles citavam autores de diferentes campos e faziam deles a leitura que lhes servia. Essa liberdade de ler, que não é irresponsabilidade, me chama muita atenção nesses dois pensadores.
Eu, que tive toda a minha formação no marxismo, nunca tinha sentido essa liberdade; ao contrário, o marxismo era algo podador que estava sempre preocupado em dizer quais eram os teus inimigos e o que você não devia fazer. O marxismo esteve sempre colocando grades para dizer: “Daqui você não pode passar!”. Também vejo o constante exercício de Carlo Ginzburg para dizer: “Daqui você não pode passar, senão vai deixar de ser História”. Eu soube agora, para a minha tristeza, que o Roger Chartier entrou nessa de colocar gradinhas como se fosse um papai que tenta evitar que o bebê pule do berço da historiografia. O tempo todo nos é dito: “Não passe daqui senão é literatura!”, como se a escrita dos historiadores fosse capaz de virar literatura. O problema é que não vira literatura porque os historiadores não sabem como fazer literatura. Se virasse seria uma maravilha (risos); seria um benefício enorme porque mais pessoas estariam afetadas pelos nossos textos e seria mais difícil encontrar pessoas querendo o retorno da ditadura. Talvez seja a forma em que muitos escrevem sobre a ditadura que façam as pessoas quererem que o regime militar volte. Acho engraçado que alguns dos que escrevem sobre a ditadura são também aqueles que querem dizer ditatorialmente como se deve fazer a história, o que é permitido e o que é proibido. Essa coisa sufocante de construir cercados e dizer “esse aí é meu inimigo” está muito presente na historiografia. Eu acabei de ler um livro de um filósofo africano que está me interessando muito, o Achille Mbembe, um intelectual que olha para o mundo a partir da África, e o livro se chama justamente A política da inimizade (2017). Esse filósofo nos permite ver que essas posturas dizem muito sobre o nosso tempo. Isso está muito presente na historiografia, tanto que é mais importante falar mal de Hayden White, que já faleceu e não pode falar mais nada, do que criar alguma coisa nova. Seria muito mais legal que os autores apresentassem uma fala questionando: “Como podemos fazer história?” Mas acontece o contrário, pois muitos já iniciam dizendo: “Não se deve fazer a história tal como o fulano faz”. Seria interessante que as pessoas dissessem como elas mesmas fazem a história em vez de ficar dizendo o que pode e o que não pode. A restrição é sempre muito pobre, é a lógica da negação e da política da inimizade que prevalece na nossa área, como se você tivesse que ter sempre um inimigo para poder existir, como se a existência fosse justificada a partir dos ataques. Por exemplo, você é supostamente convidado para vir até o Brasil e a sua vinda só se justifica se for para atacar alguém, quando a vinda deveria se justificar como uma afirmação daquilo que você faz ou cria, e não para vir aqui e ficar dizendo quem podemos ou não podemos seguir, ler e acompanhar, ainda mais quando o outro não está nem vivo para contestar os ataques. Hayden White precisou fazer um texto para ser publicado no Brasil; isso aconteceu devido às barbaridades com que ele foi recebido aqui, notadamente, por causa das pessoas que vinham para cá e aconselhavam que Hayden White não deveria ser lido por ser um “autor perigoso”. Recentemente, disseram-me que existe uma resenha nos Estados Unidos que afirma que o meu livro é perigoso; eu dou risada e acho ótimo, adoro ser perigoso, é como se meu texto fosse queimar, envenenar ou matar alguém (risos). É assustador que as pessoas pensem que a universidade é isso, como se a academia fosse um lugar para dizer o que você deve ou não deve ler, quando deveria ser o contrário, a universidade como um espaço de aberturas possíveis para criações, experimentações e invenções. Para mim, o encontro de Deleuze com Guattari foi fantástico porque mudou a vida dos dois; foi somente a partir do encontro que algo completamente diferente foi feito. Deleuze era até então um filósofo clássico que fazia leitura de outros filósofos a seu modo, enrabando-os por trás, como ele mesmo dizia (risos), e que passou a tratar de coisas completamente diferentes a partir do encontro com Guattari. Eu penso que a amizade como método de trabalho é o que deveria ser valorizado pela academia, pois permanecemos dando importância para as inimizades, conflitos e ataques. Isso não é nada mais do que a lógica burguesa capitalista da competitividade, tudo isso aliado à cultura de um país autoritário onde muitos não aceitam a existência do outro em sua diferença. Ora, aceitar a diferença é o que Deleuze e Guattari nos ensinaram; isso não significa aceitar a desigualdade, mas entender que o diferente precisa ser respeitado na sua diferença.
GJP e FLCBB: Como Deleuze e Guattari podem ajudar os historiadores a pensarem o papel da teoria e os usos dos conceitos na escrita da história?
DMAJ: Muitos alunos de História usam um termo que é muito significativo da maneira como eles pensam a teoria: a ideia de encaixar. Alguns dizem: “Vou encaixar o meu objeto nessa teoria”. Ora, teoria não é uma caixa, ela não é uma coisa pronta e formatada que você vai lá e enfia alguma coisa para ela fazer sentido. A teoria pode ser pensada como um movimento que é construído na medida em que você vai desenvolvendo o seu trabalho. A teoria serve para você construir o seu pensamento junto com ela, e é por isso que a teoria precisa estar em movimento. Por exemplo, você não vai ler Marx para reproduzi-lo, até porque você não é Marx, e quem tenta repeti-lo sempre faz uma caricatura dele, que é o que nós vemos a maioria fazer. O que, então, seria pensar com Marx? É pensar a partir dele e ir para além dele até criar o seu próprio Marx. Na historiografia temos outro exemplo: Edward Palmer Thompson se tornou uma grande referência porque foi para além daquilo que Marx tinha pensado. A teoria em História deveria ser essa liberdade de criar os conceitos. A particularidade do historiador é a de que ele pode criar conceitos a partir das próprias fontes; afinal, os conceitos já estão na própria documentação e nós os ignoramos. O conceito não é algo que está completamente fora e que você enfia na escrita da história, até porque a história é vivida conceitualmente. Eu sempre digo que os conceitos estão na própria vida e nem sempre são palavras difíceis e arrevesadas. Às vezes, os conceitos são palavras como alto, baixo, branco, preto, bonito, feio, entre outras categorias que estruturaram a nossa cultura. A partir de Deleuze e Guattari, o historiador pode perceber que os conceitos estão nos documentos ou que estão para serem criados a partir do encontro das fontes com as diversas leituras. O conceito é uma palavra que abstrai e consegue sintetizar todo um processo, mas, no caso dos historiadores, nós precisamos inicialmente narrar todo esse processo e depois amarrá-lo a partir do conceito, aquilo que Paul Veyne (1982) descreveu como um nó na trama. O conceito sempre aparece para amarrar uma trama como se fosse uma laçada em uma linha de tempo narrativamente construída. Os historiadores precisam levar em conta a articulação entre os conceitos e a descrição, e, nesse caso, eu gostei do trabalho do Tim Ingold por dedicar um capítulo todo para mostrar como as Ciências Humanas, no caso dele, a Antropologia, tiveram vergonha da prática da descrição. Por mais que os historiadores não atuem da mesma maneira que os antropólogos, nossas descrições precisam fazer aparecer os cenários, as linhas e as formas que produzem as coisas. Nós não podemos ficar apenas no plano da abstração; temos que descrever as casas, as matas, as estradas, enfim, a descrição em História é isso, é fazer aparecer os cenários mencionados na documentação.
GJP e FLCBB: A utilização de não filósofos também conquistou as atenções de Deleuze e Guattari. Além de Artaud, alguns de seus textos se aproximaram de literatos tais como Carroll e, de maneira especial, Proust e Kafka. Na oficina dos historiadores, aparentemente, o uso da literatura permanece sofrendo resistência em alguns espaços de produção acadêmica. A seu ver, Deleuze e Guattari podem servir de inspiração para que outros campos, tal como a História, possam avançar nesse exercício?
DMAJ: Claro que sim. Deleuze e Guattari trabalharam com a literatura e são importantes por não ficarem pedindo desculpas por utilizarem a literatura. É muito comum que os historiadores que fazem uso das fontes literárias passem toda a introdução dos seus trabalhos pedindo desculpas por terem que usar a literatura, ou ficam justificando os motivos da literatura ser uma fonte documental. Temos que entender que a literatura é um artefato de um dado tempo como qualquer outro. Para nós historiadores, que privilegiamos tanto os artefatos escritos, seria uma extravagância não fazer uso da literatura, e o mesmo pode ser dito da pintura, do teatro e do cinema, âmbitos que temos dificuldade em utilizar devido ao pouco treinamento e conhecimento que possuímos nesses campos. Deleuze e Guattari nos fazem ver que a própria escrita possui uma dimensão performática e imagética. Nós costumamos separar a imagem da escrita e ignoramos que a escritura também é imagem, não só porque as letras formam imagens nas páginas do papel, mas as figuras surgem das narrativas escritas. Além da literatura, Deleuze e Guattari ajudam os historiadores a se conectarem com as artes, a música, o cinema porque eles pensam todas essas áreas como matérias de expressão, expressões estas que afetam a nós e a nossa prática. Quando Didi-Huberman (2013) afirmou que os objetos nos olham, eu consegui ver muito de Deleuze e Guattari no sentido de que nós temos uma relação com o mundo e, inversamente, o mundo também tem uma relação conosco. Nós olhamos para um quadro e ele também nos olha. O mesmo acontece com o historiador, tanto que nós olhamos para as fontes a partir de uma determinada visão, os documentos também nos olham e nos afetam. Uma vez escrevi um texto mostrando que o historiador perde toda a materialidade do contato com o arquivo. Ele entra em contato com os documentos, mas finge que não teve contato com as paredes, com o pó, com o papel ou com o cheiro, como se tudo isso não fizesse parte das nossas reflexões. Vivemos falando que um historiador precisa ir para o arquivo, mas desprezamos toda a estrutura que o compõe; por vezes nem sabemos qual é a estrutura que organizou a materialidade daquele documento utilizado. Muitos digitalizam as fontes de maneira a se perder tudo aquilo que são marcas do tempo nos materiais; isso apaga os sinais de enchentes, insetos e outros efeitos da temporalidade na documentação.
GJP e FLCBB: Finalizamos esta entrevista buscando saber quais são as suas perspectivas para as relações entre os historiadores e os filósofos contemporâneos.
DMAJ: Bem, eu vejo como uma vantagem da historiografia brasileira o fato de sermos abertos para múltiplas influências; somos muito mais abertos do que os colegas da Europa, que chegam aqui querendo fazer cercadinhos para dizer como devemos ou não devemos escrever a história. É claro que nós não temos uma formação filosófica boa, e isso ocorre porque vemos muito pouco de filosofia na nossa graduação; por isso precisamos estar sempre correndo atrás, porém, talvez seja por isso que nós somos tão criativos na recepção dos filósofos na historiografia. Eu leio Deleuze e Guattari, reconheço a influência de Foucault e acho importante a leitura de autores novos, principalmente da Filosofia, até porque eu creio que ela nos ajude a sair da mera descrição. Sabemos que uma boa descrição é fundamental no campo histórico, inclusive literariamente bem feita, mas nós precisamos também considerar os conceitos. Como eu já disse, os conceitos aparecem na própria prática da descrição, e isso é a singularidade da historiografia, a de fazer os conceitos aparecerem como cenas vividas. A filosofia é importante para que nós historiadores possamos deglutir os conceitos dos autores até se tornarem nossos. Isso não significa que o historiador precise ser fiel, até porque somente Deus é fiel, como dizem os evangélicos (risos), mas eu não prego a fidelidade. Devemos fazer uma traição para que o texto se torne rico. Precisamos conhecer os autores sem sermos levados pelos preconceitos.
Referências
ALBUQUERQUE JR., D.M. 2011. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife/São Paulo, FJN/Massangana/Cortez, 340 p.
ALBUQUERQUE JR., D.M. 1993. Vidas por um fio, vidas entrelaçadas rasgando o pano da cultura e descobrindo o rendilhado das trajetórias culturais. História e Perspectiva, .(8):87-96.
BLANCHOT, M. 2005. O livro por vir. São Paulo, Martins Fontes, 280 p.
DELEUZE, G. 1999. Bergsonismo. São Paulo, Edições 34, 160 p.
DELEUZE, G. 2006. Diferença e repetição. Rio de Janeiro, Graal, 420 p.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. 1977. Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro, Imago, 160 p.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. 1996. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 3. São Paulo, Editora 34, 144 p.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. 2011. O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo, Editora 34, 864 p.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. 1992. O que é a filosofia? São Paulo, Editora 34, 279 p.
DERRIDA, J. 1994. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova internacional. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 216 p.
DIDI-HUBERMAN, G. 2013. Diante da imagem. questão colocada aos fins de uma história da arte. São Paulo, Editora 34, 360 p.
DOSSE, F. 2010. Gilles Deleuze & Félix Guattari: biografia cruzada. Porto Alegre, Artes Médicas, 680 p.
INGOLD, T. 2015. Estar vivo. ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. São Paulo, Vozes, 392 p.
MARCUSE, H. 1978. Razão e revolução. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 310 p.
MBEMBE, A. 2017. Políticas da inimizade. Lisboa, Editora Antígona, 256 p.
VEYNE, P. 1982. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história. Brasília, EDUNB, 286 p.
Notas
Autor notes