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À frente da edição e na liderança do laicato: cultura, política e periodismo católico no Brasil de 1935
Renato Amado Peixoto; Cândido Moreira Rodrigues
Renato Amado Peixoto; Cândido Moreira Rodrigues
À frente da edição e na liderança do laicato: cultura, política e periodismo católico no Brasil de 1935
Leading editor and lay leader: culture, politics and Catholic journalism in Brazil in 1935
História Unisinos, vol. 25, núm. 1, pp. 61-76, 2021
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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Resumo: O presente artigo tem como objeto de trabalho o estudo do surgimento e da consolidação de um projeto político-cultural da elite intelectual católica organizada a partir do Centro D. Vital, voltado ao trabalho com a chamada ‘Boa Imprensa’ como forma de mediação entre o religioso, o político e o social. A escolha dessa abordagem se insere numa problemática já clássica na historiografia sobre a reorganização do catolicismo no Brasil: o engajamento de intelectuais católicos no emprego de meios caros à modernidade – a Imprensa – e que haviam sido alvos de sua própria crítica. Buscamos evidenciar as especificidades das expressões religiosas e atitudes políticas de dois periódicos católicos, a Revista A Ordem, do Centro D. Vital do Rio de Janeiro, e do diário A Ordem, órgão oficioso da Diocese de Natal. A metodologia utilizada é a análise dos editoriais e artigos dos periódicos, e focaremos o exame dos conteúdos no tocante ao tema do comunismo até o Levante de 1935. Nossa pesquisa busca explicar o investimento no periodismo católico, enquanto uma prática de agregação e defesa, que preparou ideais religiosos, criou e compartilhou uma cultura política integrando as diversas espacialidades do catolicismo no território brasileiro. Essa interdependência no campo católico possibilitou a existência de uma rede de imprensa informal centrada no Rio de Janeiro. E avançamos a ideia de que a função de editor e redator dos periódicos ligou-se à atuação política de tal modo que acabaria se atribuindo uma função de liderança sobre o nascente laicato católico.

Palavras-chave:periodismo católicoperiodismo católico,Revista A OrdemRevista A Ordem,Jornal A OrdemJornal A Ordem,anticomunismoanticomunismo,Boa ImprensaBoa Imprensa.

Abstract: This article discusses the emergence and consolidation of a political-cultural project of the Catholic intellectual elite in Brazil that was based on Centro D. Vital, aimed at working with the so-called ‘Boa Imprensa’ as a form of mediation between the religious, the political and the social. The choice of this approach fits into a classic problem in historiography about the reorganization of Catholicism in Brazil: the engagement of Catholic intellectuals in the use of means dear to modernity – the Press –, which had been the target of their own criticism. We seek to highlight the specificities of the religious expressions and political attitudes of two Catholic periodicals, Revista A Ordem, from Centro D. Vital of Rio de Janeiro, and the daily A Ordem, the unofficial organ of the Diocese of Natal. The methodology used is the analysis of the editorials and articles of the periodicals, focusing on the examination of the contents on the topic of communism until the Communist uprising of 1935. The research seeks to explain the investment in Catholic editorial activity as a practice of aggregation and defense, which prepared religious ideals, created and shared a political culture integrating the various spatialities of Catholicism in the Brazilian territory. This interdependence in the Catholic field made possible the existence of an informal press network centered in Rio de Janeiro. The article advances the idea that the function of publishers and editor of the periodicals was linked to political action in such a way that it would end up being assigned a leadership role over the nascent Catholic laity.

Keywords: Catholic journalism, Revista A Ordem, Jornal A Ordem, anti-Communism, Good press.

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À frente da edição e na liderança do laicato: cultura, política e periodismo católico no Brasil de 1935

Leading editor and lay leader: culture, politics and Catholic journalism in Brazil in 1935

Renato Amado Peixoto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Cândido Moreira Rodrigues
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
História Unisinos, vol. 25, núm. 1, pp. 61-76, 2021
Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Recepción: 01 Noviembre 2019

Aprobación: 21 Noviembre 2019

Introdução

O periodismo católico recebia esses influxos, e as tarefas de seus editores e redatores se transformavam radicalmente: esperava-se agora que estes fossem capazes de movimentar, reagir e aglutinar as diversas tendências e vertentes católicas num só sentido. E, como política e cultura haviam sido enredadas, aos redatores e editores acabou sendo entregue, quase que mecanicamente, o ônus de ficar à frente tanto dos seus periódicos quanto do laicato – mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa.

Ainda existiria o que dizer acerca das relações do periodismo católico e da chamada ‘Boa Imprensa’ com a política e a cultura?

É oportuno registrar que são amplos os estudos historiográficos a respeito do projeto católico de reaproximação com o poder político institucional, em suas mais diversas formas de manifestação, no Brasil da primeira metade do século XX. Assim como também são expressivas as análises históricas dedicadas à percepção das dimensões do referido projeto católico, em termos de sua amplitude no campo social, educacional e cultural. Mas, nas últimas décadas, têm surgido importantes contribuições a partir da renovação dos fundamentos teóricos e de sua aplicação à interpretação desse problema. E, dentre essas, destacamos as tentativas de estudar as diferentes manifestações do catolicismo surgidas na tensão das variações de escalas espaço-temporais que reparam no entrecruzamento de suas características.

No tocante aos catolicismos no Brasil da primeira metade do século XX, por um lado, os estudos recentes têm demonstrado o choque com os assim denominados ‘valores do mundo moderno’, mas, por outro lado, têm registrado interações, articulações e apropriações relativas aos valores da ‘modernidade’. A densa discussão acerca do binômio secularidade/modernidade assim revelada, por conseguinte, se demonstra muito mais complexa do que usualmente se supunha, na medida em que as relações entre o público e o privado, entre o sagrado e o profano, o laico e o religioso, o cultural e o político devem ser interrogadas no tocante às múltiplas conexões espaciais e dimensões temporais.

A discussão aqui proposta procura trazer à luz as relações entre os catolicismos expressos pela Revista A Ordem, órgão do Centro D. Vital do Rio de Janeiro, e pelo jornal A Ordem, periódico oficioso da Diocese de Natal, ressaltando as mediações, o concerto de interdependência e as atitudes políticas e religiosas no contexto de 1935, operacionalizadas na reação à Aliança Nacional Libertadora (ANL) e na aproximação com a Ação Integralista Brasileira (AIB).

Por meio do exame dos editoriais e artigos daqueles periódicos, buscamos apontar as invenções, repetições, interações e transformações do discurso religioso e político no período, ressaltando a atribuição de um novo papel aos seus editores e redatores. Acreditamos que acabaria se atribuindo a estes a liderança sobre o nascente laicato, que emerge em virtude das lutas políticas e se consolida com a criação da Ação Católica Brasileira em 1935. E vale lembrar, conforme destacou Jeanneney (2003, p. 224), a necessidade de considerarmos o estudo das “instituições de comunicação em si mesmas”, no que diz respeito ao estudo das “relações de poder, conflitantes ou convergentes, entre os meios de comunicação e o Estado, entre os meios de comunicação e a nação como um todo”.

Entre os vários intelectuais vinculados ao Centro D. Vital e à Revista A Ordem, faremos referência a Jonathas Serrano, Perillo Gomes, João da Rocha Moreira, Everardo Backheuser e Paulo Sá, além, evidentemente, de Amoroso Lima. No caso do diário A Ordem, periódico oficioso da Diocese de Natal, os intelectuais referidos serão Otto Guerra, Francisco Véras Bezerra, o padre Herôncio e o padre J. Cabral.

Merece referência o fato de que “se considerarmos que religião e política são distintas, é preciso então pesquisar as mediações que estabeleceriam entre elas relações de interdependência” (Coutrot, 1998, p. 334). Assim como “a escolha dos modos de expressão religiosa é reveladora em si de atitudes políticas, pois os modos de expressão são portadores seja de autonomia e de liberdade individual, seja de submissão e de fidelidade” (Donegani, 1998, p. 80), também consideramos que o exame das relações centro e periferia deve considerar a busca pela produção de elos de integração numa cultura central e que isto perpassa as várias escalas do espaço, no interesse de um acordo que nunca é mais que parcial, inconstante e descontínuo, mas que resulta na partilha de uma linguagem e na atribuição de carisma e tarefas a certos indivíduos (Shils, 1992, p. 156-157).

Constituir-se-ia, assim, uma economia de trocas simbólicas, em que

O efeito de conhecimento exercido pelo fato da objetivação no discurso não depende apenas do reconhecimento concedido àquele que o detém; depende também do grau com que o discurso anunciador da identidade do grupo está fundado na crença que se lhe atribuem os membros desse grupo, como nas propriedades econômicas e culturais por eles partilhadas, sendo que a relação entre essas mesmas propriedades somente pode ser evidenciada em função de um princípio determinado de pertinência (Bourdieu, 2008, p. 111).

Tendo em vista cumprir esta análise, nosso artigo foi dividido em três partes, sendo a primeira dedicada ao exame dos editoriais e artigos sobre o comunismo na Revista A Ordem em 1935; a segunda no diário A Ordem; por fim, faremos nossas considerações finais, buscando emparelhar os dois exames anteriores.

No processo que levou à instalação da República no Brasil, a Igreja passou por mudanças que contribuíram para sua “construção institucional”, atendendo, por um lado, às diretrizes da Santa Sé ainda pertencentes aos embates do século XIX; e, por outro, “aos desafios organizacionais e condicionantes políticos que teve de enfrentar no interior da sociedade brasileira” (Miceli, 1988, p. 11). Processo este condicionado pela dependência à postura da Santa Sé, a qual ainda tinha um olhar na condenação do que definia como os erros da modernidade, entre os quais o racionalismo, a liberdade de imprensa, liberdade de religião, a maçonaria, o comunismo e a separação entre Igreja e Estado. Mas a mesma Santa Sé já vislumbrava também as novas demandas do século XX e, por isso, se voltava a uma tentativa de reaproximação com o Estado, contando (para isso) com um segmento considerado crucial, os intelectuais. Foi neste cenário que tanto Jackson de Figueiredo[3] como Alceu Amoroso Lima[4] desempenharam papel central como arregimentadores de quadros intelectuais sob a defesa dos princípios católicos. Nesta tarefa, a imprensa seria utilizada como meio para a efetivação de parte do projeto católico. A Igreja se viu diante da premência de redefinição da sua “moldura organizacional própria”, nos campos material e doutrinário. Houve uma aproximação estratégica das lideranças da hierarquia com expoentes do chamado laicato católico, com o intuito de, com seu apoio, “barganhar em melhores condições a concessão de subsídios de todo tipo por parte das autoridades públicas do novo regime” (Miceli, 1988, p.19-23). Com o apoio leigo, a Igreja conseguiu fazer valer seus interesses políticos dentro do regime republicano recém-instalado, notadamente na prestação dos serviços educacionais às elites, com maior expressão no ensino secundário, especialmente na década de 1930. Contando com o apoio decisivo de lideranças como o Cardeal D. Leme[5] e o padre Leonel Franca[6], a hierarquia da Igreja investiu no fortalecimento dos laços com os católicos leigos, bem como em favor de conversões. Neste processo, conformou-se progressivamente um corpo quase institucional de católicos leigos atuantes nas diferentes esferas da vida social brasileira, com destaque para aqueles que lideraram estratégias de implementação de um pensamento católico por meio de entidades nacionais, como o já mencionado Centro D. Vital e a Revista A Ordem. E o mesmo se pode dizer das ações em escala local e regional, a exemplo da atuação dos redatores do jornal A Ordem, órgão oficioso da Diocese de Natal. O projeto da Igreja Católica no início do século XX para tentar retomar a sua influência na sociedade brasileira se fortaleceu (também) por meio das ações de uma elite intelectual católica, tendo à sua frente Jackson de Figueiredo nos anos 1920 e, mais tarde, Amoroso Lima – ambos responsáveis pela condução das atividades ‘laicas’ de interesse da Igreja. Eles estiveram à frente do Centro D. Vital[7] e da Revista A Ordem[8], e, mais tarde, Amoroso Lima organizou a Ação Católica, a Liga Eleitoral Católica, o Instituto Católico de Estudos Superiores e outras agremiações. A relação entre estes intelectuais, as suas aproximações e distanciamentos, e destes com o Cardeal D. Leme, constituem capítulo importante para uma melhor compreensão do movimento intelectual católico laico no Brasil das primeiras décadas da República, e do consequente empenho da Igreja em fortalecer suas bases, partindo de uma reação intelectual (Rodrigues, 2012). Pode-se afirmar que Jackson de Figueiredo foi, no Brasil das duas primeiras décadas do século XX, a principal voz dos autores tidos como referências do pensamento conservador e contrarrevolucionário: Edmund Burke, Louis-Gabriel-Ambroise De Bonald, Donoso Cortés e, particularmente, Joseph De Maistre (Rodrigues, 2005;Iglesias, 1977, p. 146-148). Foi a partir do contato com Jackson de Figueiredo que Amoroso Lima se converteu ao catolicismo e pôde, progressivamente, ampliar a organização do laicato católico no Brasil por meio de um amplo rol de instituições católicas que foram sendo criadas especialmente nas décadas de 1930 e 1940. Na visão de Jackson, a Revolução Francesa representaria o Estado leigo, indiferente à religião, proporcionaria a chegada ao liberalismo, em seguida ao socialismo e, por fim, ao comunismo. Este último era o medo concreto de Jackson, que considerava estar muito próximo. Não é demais lembrar que esta visão de um complô revolucionário e de uma “ameaça vermelha” internacional era parte integrante do pensamento de Jackson e de grande parte das forças políticas e religiosas no Brasil dos anos 1920 em diante, sobretudo em razão de compreenderem a criação do Partido Comunista do Brasil (março de 1922, resultante majoritariamente das articulações de forças políticas centradas em Recife, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro) como um feito concreto das investidas da Internacional Comunista mundo afora (Del Roio, 2007, p. 77-79). A relevância de Jackson de Figueiredo foi incontestável para a conversão de Amoroso Lima em 1928. Grande parte do seu ideário (principalmente as noções de tradição, autoridade, crítica da Revolução Francesa, hierarquia, ordem) foi devedor, especialmente, de Joseph De Maistre. Foi através de Jackson que esse ideário chegou a Amoroso Lima e, consequentemente, a toda uma elite intelectual católica brasileira vinculada também à Revista A Ordem. Os escritos de Amoroso Lima, editor-chefe da Revista A Ordem, após a morte de Jackson de Figueiredo, expressam esse ideário conservador em boa parte dos anos 1930, com a defesa da autoridade contra a liberdade, a crítica à revolução, o primado da hierarquia e uma forte crítica ao comunismo e aos ideais de igualdade social. Posições estas que mudam, juntamente com a linha editorial da revista, ao iniciar os anos 1940 (Rodrigues, 2012). A título de informação, em 1935 a diretoria da Revista A Ordem é composta por Amoroso Lima (presidente), Hamilton Nogueira (vice-presidente), Hannibal Porto (secretário) e Manuela Xavier Pedrosa (tesoureira). A revista tem tiragem mensal e continua vinculada ao Centro D. Vital. Como já mencionado, passaremos agora à análise de um conjunto de artigos publicados majoritariamente em 1935, ano do Levante Comunista e igualmente o da criação da Ação Católica Brasileira (ACB) pelo Cardeal D. Leme e do fortalecimento também da Liga Eleitoral Católica, da consolidação do Instituto Católico de Estudos Superiores e igualmente da Confederação Católica Brasileira de Educação, além do incentivo a uma enorme gama de periódicos e editoras católicas pelo país todo.
O comunismo na Revista A Ordem

Os textos mais expressivos sobre o tema comunismo publicados pela Revista A Ordem em 1935 são de autoria dos intelectuais Jonathas Serrano, Perillo Gomes, João da Rocha Moreira e Paulo Sá, além, evidentemente, do editor-chefe Amoroso Lima.

A temática do Integralismo também ganha destaque nas páginas da Revista, mas com grau infinitamente menor e circunstancial do que o comunismo. Foi cara aos católicos nas décadas de 1930 e 1940 e foi reverberada nas páginas da Revista A Ordem pelo editor Amoroso Lima em diversas vezes. Foram posições de simpatia e proximidade, ressalvando sempre aos leitores e fiéis católicos a necessidade de, em caso de adesão, colocar sempre os princípios religiosos do catolicismo (ou a sua “consciência católica”) acima dos interesses políticos dos integralistas. É bem verdade que tal posição se modifica drasticamente no período pós 1938, com a crítica e o distanciamento da AIB, a qual passa a ser vista como inimiga da nação. Mas, para a historicidade de 1935 que aqui nos interessa, a posição do editor Amoroso Lima na edição n. 54 de A Ordem é de franca simpatia ao “movimento integralista” como parceiro no combate ao comunismo e ao liberalismo. Neste bojo, Amoroso Lima nutria mesmo certa simpatia pelo fascismo, situação mudada drasticamente diante do cenário de guerra e dos diálogos com Jacques Maritain.

Tenho pelo movimento integralista a mais viva simpatia, como tenho pelo fascismo e por toda essa moderna reação das direitas, que mostraram a não inevitabilidade do socialismo. É, ao contrário, a possibilidade de reagir contra os erros da burguesia, do seu capitalismo e da sua democracia, sem recurso à Revolução violenta e à ditadura do proletariado, a mais sangrenta e a mais estúpida a que se poderia chegar, para dar às classes operárias a posição justa que amanhã vão ter na sociedade, em reação contra a disfarçada escravidão em que o Liberalismo burguês as vem mantendo (Lima, 1935, p. 13).

Vejamos agora como os intelectuais acima referidos abordam a temática do comunismo no período em estudo. No número de fevereiro de 1935, a Revista A Ordem avança sobre a temática da revolução e do comunismo, sob a pena de João da Rocha Moreira, intelectual católico catarinense, no artigo ‘O mundo contemporâneo 1’. O texto, ao que se informa, é produto de uma conferência feita no Núcleo de Cultura Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Para o autor, o período de 1935 era visto como um momento de incertezas geradas por catástrofes e pela possibilidade iminente de uma guerra mundial, apresentava propostas de mudanças na estrutura do Estado, dentre as quais a burguesa, a proletária e a nacional, sendo esta última idealmente plausível e calcada na experiência italiana levada à frente por Mussolini. Na ótica deste autor, as demais propostas eram insuficientes por razões distintas, sendo a primeira “incompleta” e a segunda possuidora dos “germens de sua própria decadência”:

O Estado proletário tem por traços gerais: economicamente absorção; pedagogicamente, o ensino antirreligioso; e espiritualmente, a completa negação das religiões. É, como vemos, impossível de realização. A simples descrição do regime comunista traz ao estudioso do assunto, a ideia de utopia (Moreira, 1935).

Com o passar dos meses, a Revista A Ordem confere destaque à temática comunista em suas páginas e com espaço privilegiado para artigos e notas. É o que se observa com o texto de Paulo Sá, ‘Comunista, meu irmão!’, de março de 1935, inteiramente dedicado ao tema. Aqui a crítica é coadunada com um certo grau de refinamento seletivo nos argumentos do autor, na tentativa de convencimento de alguns comunistas “de boa fé no seu erro”. Sua análise é centrada na qualificação preliminar de um grupo de comunistas mal-intencionados, guiados pelo “infantilismo”, pelo “primarismo”, pela “obsessão do sexo”, e por segmentos considerados mais perigosos, pois portadores do “ódio por Deus”. Com tal grupo ou camada, como prefere o autor, não seria possível qualquer argumentação ou estratégia de convencimento, algo a ser articulado somente diante dos quadros comunistas já referidos como “de boa fé”. Para Paulo Sá, este grupo, mesmo errado em suas escolhas, agia na boa fé da revolta diante do “espetáculo nauseante de um mundo em que os bezerros de ouro se multiplicam em rebanhos inumeráveis, em que a injustiça se envolve em toga e reina nos tribunais, em que a liberdade é o pretexto brilhante para a mais abjeta das escravidões” (Sá. 1935). A tais comunistas Paulo Sá proporcionava a possibilidade de convencimento e de conversão aos argumentos e à fé católica, pois, aos seus olhos, os males do mundo contemporâneo seriam meras decorrências de um afastamento dos princípios cristãos. As ideias de Karl Marx e a experiência russa não seriam exemplos a serem seguidos, pois, acima de tudo, estariam calcados nos princípios manifestados pelos mal-intencionados.

Ainda no mesmo número 56, o anticomunismo da Revista A Ordem se faz notar nas linhas de Jonathas Serrano[9], renomado intelectual católico, professor de História no Colégio Pedro II e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Foi em sua coluna ‘Letras Contemporâneas’ que Serrano tratou da temática ao fazer a resenha do livro No limiar da Ásia (a U.R.S.S) – Ensaio de interpretação, publicado pela Editora Companhia Nacional, de autoria de Hélio Lobo, outro intelectual católico pertencente ao IHGB e, ainda mais, à Academia Brasileira de Letras.

Em sua análise, Serrano classifica o livro como “oportuno e benéfico” e destaca a seriedade do autor no tocante ao trato da temática, ao mesmo tempo que refuta críticas à obra, classificando-as como ridículas e contraproducentes. A referência revela, uma vez mais, a medida das tensões políticas e culturais em torno do debate sobre o comunismo e a defesa de projetos sociais e religiosos diversos para a sociedade brasileira. Mas se depreende do conjunto da resenha de Serrano que ele possuía por certo um alvo claro e direto ao elaborar o texto: ninguém menos que Caio Prado Júnior, político, historiador, filiado ao Partido Comunista Brasileiro e vice-presidente da ANL, que havia publicado em 1934 o livro URSS – um novo mundo, também pela Companhia Editora Nacional. Caio Prado faria parte de uma espécie de “bolchevismo literário” em vias de cada vez mais ganhar espaço em terras brasileiras, dentre outros que teriam “apresentado o fenômeno russo em prismas deformadores” e ilusórios. Serrano encerra sua análise com uma crítica direta, irônica e direta a Caio Prado:

Que diferença, por exemplo, entre estas páginas e as do sr. Caio Prado Junior, editadas aliás pela mesma empresa, o ano passado. Não obstante o talento do autor, o seu entusiasmo e o ter estado ‘dois meses’ (!) na União Soviética, é fácil ao leitor capaz de refletir, ver bem o que há de frágil nas conclusões do sr. Caio Prado Junior. O sr. Hélio Lobo, ao contrário, convence pela medida, pelo equilíbrio, pelo tom cortês com que adjetiva aqueles de quem discorda (Serrano, 1935).

Encerrando o número 56 de março de 1935 da Revista A Ordem, outro intelectual católico, Perillo Gomes[10], dedica algumas linhas à crítica ao que entende ser a “ameaça comunista” da época contemporânea. Ele foi talvez um dos mais ferrenhos críticos da ideia de revolução associada ao comunismo/socialismo nas páginas da Revista e o fez por meio da sua clássica seção ‘Registro’, espaço dedicado a notas curtas sobre assuntos contemporâneos. Por esta razão lhe conferirmos atenção especial analisando um conjunto de notas do ano de 1935.

No item ‘Paz... nem para os mortos’, Perillo reforça o argumento de uma ameaça comunista mundial, desta feita valendo-se (segundo ele) de informações de “um repórter” do jornal Corriere dela Sera que teria visitado a URSS e particularmente a “zona aurífera do Sovietes” e que ali teria sido informado por outros das atrocidades. A argumentação segue na lógica de demonstrar uma perspectiva comunista internacional de exploração do homem, com o trabalho forçado nas minas auríferas, bem como da violação de túmulos visando à extração de ouro dos pertences e dos corpos ali enterrados. Exploração, conspiração e medo se evidenciam na construção narrativa de Perillo:

Conta o repórter italiano que viu um cemitério cujas tumbas estavam todas violadas e os cadáveres com sinais evidentes de profanação. Ao solo, cruzes tombadas e crânios em pedaços. E lhe foi dito que por ali haviam passado os catadores de ouro para os Sovietes. Boa terra a Rússia dos nossos tempos!! Boa, porém, no conceito da velha canção carnavalesca: ‘Ela lá e... nós outros aqui’ (Gomes, 1935a).

Perillo Gomes ocupa papel de destaque no campo católico. Seus artigos, notas, livros e palestras eram tomados como referências para a legitimação do discurso anticomunista nas diversas partes do Brasil e até mesmo em outros países, especialmente na América do Sul. A tônica de que haveria um ‘dever cristão anticomunista’, para o que nos interessa neste estudo, perdura ao longo de 1935 (e talvez até o fim de sua vida) com variações de intensidade e de foco na argumentação narrativa.

Em 1935, Perillo escreve praticamente em quase todos os números da Revista A Ordem. No número de abril (n. 57), ele reforça uma antiga máxima de uso corrente e tributária do pensamento contrarrevolucionário, utilizada por De Maistre e muito empregada no Brasil via Jackson de Figueiredo: a ênfase no caráter violento da Revolução Francesa e, por associação, a inspiração destruidora da proposta revolucionária marxista e da Revolução Russa levada à frente por Lenin. Novamente os postulados da conspiração e do medo ganham lugar de destaque na criação narrativa do inimigo comunista a ser combatido: “Assim, da Revolução há que dizer que possui igualmente uma lógica, a qual consiste em elevar ao máximo sua potência de destruição. Disso não se apercebem os revolucionários” (Gomes, 1935b).

Na edição de número 60, de julho de 1935, Perillo Gomes dedica um tópico de sua seção ‘Registro’ ao tema da propaganda soviética e da mentira. Ao tratar de acontecimentos na Espanha e da presença comunista por aquelas terras, Perillo argumenta que a propaganda soviética estaria sempre “toda ela baseada sobre o embuste”. Como prova disto narra impressões a respeito de informações que ele teria ouvido nas rádios espanholas a propósito das condições de trabalho na URSS.

O orador, falando em perfeito castelhano, pintava a vida dos obreiros na URSS com as cores mais sedutoras possíveis: cinco horas de trabalho diário; cinco dias por semana; salários abundantes; alimentação escolhida; educação gratuita dos filhos pelo Estado; assistência contínua e auxílio constante dos poderes públicos à família; diversões gratuitas, etc., etc. (Gomes, 1935c).

Mas foi em ‘Que é o Brasil para os comunistas’, tópico da seção Registro de setembro de 1935 (n. 62), que a narrativa se refere ao que seriam declarações de Georgi Dimitroff no VIII Congresso da III Internacional a respeito da criação da ANL, as quais a enquadravam enquanto parte da “ação comunista no mundo inteiro” e de uma lógica da “frente única contra o Fascismo”. Para Perillo, a novidade da causa estaria menos nas declarações de Dimitroff a respeito da ANL e da sua conexão com o Partido Comunista da União Soviética no projeto de “revolução universal” e muito mais na gravidade de uma referência ao Brasil nos quadros das nações coloniais. A lógica narrativa aqui permanece intacta, ao estilo do reforço do mito da conspiração externa portadora do mal contra a nação e os valores cristãos.

O que há de novo e propriamente de sensacional nas declarações do intrigante russo é que ele inclui o Brasil entre os países coloniais e semicoloniais. A classificação está longe de nos ser amável... Porém, possui o mérito de esclarecer um fato que nos importa muito saber: as considerações com que nos tratariam os bolchevistas na hipótese de um triunfo da Rússia soviética em nosso Continente (Gomes, 1935d)

Mas foi na edição de número 65, de dezembro de 1935, que Perillo Gomes pode finalmente desferir sua crítica mortal ao que ele considerava ser a proposta comunista em terras brasileiras. A edição vem a público menos de um mês depois do Levante Comunista no Brasil e na seção Registro conta com dois tópicos dedicados ao tema: ‘A revolução comunista’ e ‘O cartão de visita do comunismo’. No primeiro, Perillo condena com veemência a insurreição e comemora as medidas tomadas pelo Governo para reprimi-la, concluindo por cobrar-lhe maior empenho no restabelecimento da ordem a partir de princípios cristãos. Diz ele:

Cremos que as autoridades, nesta emergência, cumpriram nobremente o seu dever. Porém julgamos necessário pôr em relevo que, sem deixarmos de nos interessar pelas medidas de caráter imediato que cabe ao Governo levar à execução a fim de restabelecer a tranquilidade na sociedade, devemos mostrar um empenho particular em reeducar o nosso povo nos princípios de ordem e de encher o vazio do seu pensamento com a riqueza dos ideais cristãos (Gomes, 1935e

O segundo tópico de Registro é construído a partir desta premissa lançada no primeiro tópico, onde o Brasil é visto como “naturalmente cristão”, por oposição a uma eventual desordem causada pelo “comunismo ateu”. Perillo reforça uma vez mais uma narrativa presente nos seus demais escritos e no senso comum anticomunista: o ateísmo e o terrorismo. Taxativamente, para ele, o “terror bolchevista” seria o seu cartão de visitas no Brasil e rebate a ideia de que, nos primórdios, o cristianismo teria um gérmen do comunismo:

Desgraçadamente há gente de muita boa fé que se deixa levar por este engodo. Tem-se visto católicos e até mesmo um ou outro padre simpatizante com a heresia de Moscou. E, sem embargo, um tal engano é fácil de desfazer. Basta atender o seguinte fato: onde o Comunismo começa a ter adeptos, logo se verificam atentados contra templos católicos e sacerdotes. É o cartão de visitas, digamos clássico, com que ele se anuncia. Aqui mesmo no Brasil o comunismo não mudou de tática (Gomes, 1935e)

Em se tratando do editor-chefe da Revista A Ordem, diante do que considerava ser uma “ameaça comunista” iminente no Brasil, esta pode ser analisada também em face de uma obsessão conspiratória, da defesa do catolicismo em cooperação com o poder político e à luz da ideia de nação cristã. A perspectiva do conflito de classes, de uma mudança no modelo de Estado, a ameaça à propriedade privada, o vislumbre imaginário do ateísmo e da dissolução de um determinado modelo de família estavam entre os principais argumentos da crítica ferrenha dos católicos. Por certo que os elementos da cultura política comunista, levados adiante pela Internacional Comunista, com impactos concretos no Brasil, pesaram no combate que a Revista, seu editor-chefe Amoroso Lima e uma ampla gama de intelectuais colocaram em prática no período em estudo. Referimo-nos por exemplo a elementos constituintes da cultura política (Berstein, 1998) como referentes, linguagem, identidades, símbolos, todos exercendo impacto efetivo ou imaginário nas interpretações elaboradas pela Revista A Ordem e pela intelligentsia católica. Segundo Silvio Pons (2014), a Internacional Comunista elaborou referentes de identidade que exerciam influência inquestionável sobre a prática dos seus filiados, por exemplo: “a visão da guerra civil como perspectiva política, a imagem do adversário de classe como inimigo, a concepção elitista da relação entre o partido e as massas, a prática autoritária da organização e da disciplina, a lealdade incondicionada à Rússia Soviética” (Pons, 2014, p. 94-95).

Ainda em relação a Amoroso Lima, este avaliou a participação política da Igreja Católica no cenário brasileiro do momento de 1935 com base nos princípios da Ação Católica e com exclusão da política partidária. Tais interações, em sua ótica, deveriam ocorrer por meio da realização do que entendia serem os princípios católicos na vida política, na formação de uma “consciência cívica” que guiasse os partidos e a vida pública em geral. Para ele, um dado imperativo residia na obrigatoriedade da recusa da formação de um partido político nos termos convencionais. À Igreja estaria destinado o papel de orientadora moral e religiosa das almas, de forma que os interesses políticos deveriam ser alcançados por meio das interações e trocas favorecidas por instrumentos como a Liga Eleitoral Católica e a Ação Católica. Aqui se evidenciam, uma vez mais, as tais referidas mediações e relações de interdependência entre o político e o religioso, descritas por Coutrot, bem como a inquestionável articulação entre modos de expressão religiosa e atitudes políticas postuladas por Donegani. Tais conjuntos faziam parte de uma cultura política anticomunista partilhada com viés católico.

Em síntese, o ano de 1935 foi momento privilegiado para a Revista A Ordem se colocar uma vez mais no campo político nacional como líder do periodismo católico engajado na crítica ao comunismo, no fortalecimento da ideia de conspiração comunista como expressão do mal calcado no ateísmo, no ataque à família, à propriedade privada, à pátria, na supressão das classes e no terror. O Levante Comunista e suas consequências ocuparam lugar de destaque na crítica da Revista A Ordem com ressonâncias multifacetadas nos anos e mesmo décadas posteriores. Ressalva seja feita à postura de Amoroso Lima, que, a partir de princípios da década de 1940 e sob influência do contato com o filósofo Jacques Maritain e com os seus escritos, muda seu posicionamento para uma aproximação à perspectiva comunista, obviamente dentro de uma lógica sociopolítica múltipla e de colaboração circunstancial. Mas, na conjuntura histórica aqui em estudo, sua postura é de levar à frente o projeto de Revista A Ordem como periódico hegemônico no campo católico brasileiro e, portanto, reforçar progressivamente sua oposição ao que entendia ser o projeto comunista. É o que se observa, por exemplo, a partir das críticas desferidas em 1936 ao Levante Comunista, como se poderá observar nos artigos de Amoroso Lima para as edições de número 66, 68 e 69: ‘O socialismo’, ‘Em face do comunismo I’, e ‘Em face do comunismo II’.

‘O socialismo’ fora uma conferência feita por Amoroso Lima na Escola do Estado Maior do Exército em 12 de outubro de 1935, portanto, antes do Levante Comunista. Neste artigo, Amoroso Lima reforçou todas as representações do que entendia serem os componentes ideológicos do comunismo propugnado por Marx e Engels, acima já referidos, fixando-os na linha sucessória da Reforma, da Revolução Francesa e da Revolução Russa. Merece registro a absoluta falta de referência ao papel de Lênin na cultura política comunista internacional.

Primeiro o combate a toda filosofia do Espírito, a negação direta ou indireta da alma humana imortal, (incompatível com aquela supremacia da massa sobre o homem) e de toda ordem sobrenatural de valores, inclusive de uma Causa suprema e livre de toda criação. (...) Em seguida o combate à ideia e ao amor da Pátria, substituída pela humanidade. E, finalmente, a supressão da Família, meio de afirmação da liberdade do ser humano contra a tirania da massa ou do Estado, e sua substituição pela ideologia de Classe. [...] O antiespiritualismo, o antinacionalismo e o antifamiliarismo dos sistemas socialistas, em grau mais franco ou mais disfarçado, constituem traços característicos e comuns a todos eles (Lima, 1936a).

Amoroso Lima segue na mesma linha argumentativa nos artigos seguintes, os quais são em realidade um mesmo texto publicado em duas partes, mas é a essência desse artigo que aqui nos interessa, pois constitui a recomendação relativa ao comportamento que deveriam ter os católicos em face do comunismo. Sob a ótica de Amoroso Lima, a atitude prática deveria ser de “repulsa por convicção” e não por temor ou interesse, embora reconhecesse entre os católicos muitos simpatizantes dos comunistas no campo econômico, por associação ao que seria uma falsa ideia de cristianismo integral. O texto é bastante taxativo no tocante à “incompatibilidade substancial entre qualquer atitude de aceitação do comunismo e a adesão sincera ao catolicismo” (Lima, 1936b). Por fim, evoca como autoridade máxima para o combate ao comunismo a encíclica Quadragesimo Anno, publicada por Pio XI em maio de 1931:

Esse texto constitui, hoje em dia, o documento mais autêntico da doutrina católica sobre o comunismo. Nele está claramente definida a proposição da Igreja: condenação dos princípios sociais do comunismo; repulsa aos seus métodos violentos; incompatibilidade do catolicismo com o socialismo; anátema à passividade em face do perigo comunista e ao desdém por ele; censura àqueles que, longe de contribuírem para a justiça social, concorrem para o desespero das massas (Lima, 1936b).

Considerando o exposto a respeito da Revista A Ordem, podemos afirmar que a mesma expressou, no período em estudo, posições críticas acerca do comunismo, as quais refletiam as aspirações de segmentos hegemônicos, senão absolutos, dos católicos no Brasil. Desempenhou um papel militante em defesa do catolicismo por oposição ao comunismo e, por consequência, atuou em consonância com grande parte do projeto ideológico do governo Vargas. A Revista exerceu igualmente influência e serviu de inspiração para muitos outros periódicos católicos no Brasil do período, em dimensões e medidas de interações relativas à conjuntura histórica. É o que se pode dizer, por exemplo, em relação ao jornal A Ordem, periódico oficioso da Diocese de Natal, Rio Grande do Norte. Vale aqui a assertiva de Aline Coutrot, ao classificarmos ambos enquanto engajados na defesa de um viés católico conservador, neste caso dentro do espírito daquilo que no Brasil ficou conhecido como ‘Boa Imprensa’. Segundo nossa autora, tal vertente de imprensa confessional teria por objetivo

Fazer a mensagem cristã penetrar nas realidades do mundo contemporâneo: manter estreita relação com seus leitores, que às vezes constituem verdadeiros movimentos, redes de difusores benévolos e que se reúnem em congressos. A influência da imprensa confessional é tanto maior na medida em que seus leitores são em geral fiéis, na maioria assinantes, e que o coeficiente de difusão é elevado (Coutrot, 2003, p. 348).

O primeiro número do jornal A Ordem[11] circulou em Natal no dia 14 de julho de 1935, uma data escolhida com antecedência, uma vez que a Congregação Mariana de Natal já preparava o lançamento do diário havia dois anos. Os redatores buscavam então marcar o seu antagonismo em relação a uma das efemérides desse dia, a Revolução Francesa, “símbolo de um regime que provou não ser verdadeiro, por não trazer a suspirada harmonia entre os homens” (A Ordem, 1935a). Assim, o nome escolhido para o jornal norte-rio-grandense endossava as ideias de Jackson de Figueiredo acerca da ‘ordem’ como fundamento basilar da organização social e da necessidade de restauração do respeito à autoridade. No mesmo sentido, incorporava as expectativas de Amoroso Lima sobre o recorte político, social e religioso, conforme se lê no editorial ‘Nossos Propósitos’. Mas também sinalizava a postura de replicador da linha editorial da Revista A Ordem e das lideranças do Cardeal D. Leme e de Amoroso Lima num espaço católico onde predominava a influência do Centro D. Vital do Recife e do jesuíta Antônio Fernandes,[12] refratários à influência crescente de Jacques Maritain. Por conseguinte, Otto Guerra[13] e Francisco Véras,[14] os redatores do jornal A Ordem, se comprometeram a repercutir no Nordeste as ideias da revista carioca e a “sintonizar sempre com as vozes irmãs, situadas na capital do País ou espalhadas pela sua vastidão territorial” (A Ordem, 1935a). Sintomaticamente, o primeiro número do jornal A Ordem era encabeçado por uma saudação do Cardeal D. Leme e já recebia a contribuição de três colaboradores da Revista A Ordem: Amoroso Lima, Everardo Backheuser[15] e Jonathas Serrano. Essa parceria se manteria durante toda a existência do diário, enfatizada, sobretudo, pela republicação de textos escolhidos da revista carioca. Com isto, os redatores do jornal norte-rio-grandense celebravam a reintegração da Diocese de Natal na esfera da ‘Boa Imprensa’, considerando que seguiam os esforços iniciados ainda em 1896 pelo hebdomadário Oito de Setembro, os quais teriam sido continuados pelo Diário de Natal, inaugurado em 1924 sob os auspícios de D. José Pereira Alves,[16] quando este ainda era bispo de Natal. Ora, dois pontos devem ser frisados no exame do editorial em virtude da própria especificidade do periodismo católico. Primeiro, neste se considerava que a tarefa de se manter uma publicação afinada com os ideais de recristianização da sociedade, defendidos por Jackson de Figueiredo e em resposta ao periodismo leigo, já era levada a cabo em Natal desde o século XIX, antes mesmo da ereção dessa paróquia em Diocese. Segundo, que a ideia da Boa Imprensa fora relacionada pelos redatores do diário à adesão a uma rede informal de periódicos católicos, cujo caráter se demonstrava pela difusão e repercussão de notícias e artigos do interesse da liderança católica sediada no Rio de Janeiro.

A Ordem, por conseguinte, virá a ser a antena que, neste pedaço do Brasil, estará sempre atenta, pronta a captar e retransmitir, obediente à hierarquia local, às irradiações da Roma ímã imortal dos Papas [...]. Ligar-nos-emos num entrosamento orgânico com toda atividade de ação católica, de dentro ou de fora do Estado, como aceitaremos a colaboração de todos os homens de boa vontade (A Ordem, 1935a)

Forjava-se, assim, com o jornal A Ordem, mais um elo dessa rede informal que não apenas reunia os periódicos, mas também fazia divulgar e circular editores, redatores, articulistas, pensadores e líderes de associações, partidos e representações ligados ao catolicismo a partir da irradiação do Rio de Janeiro. Por exemplo, entre 1935 e 1936 foram noticiadas com destaque no diário: as passagens pelo Nordeste de Everardo Backheuser à frente da Confederação Católica Brasileira de Educação; a viagem de Jacques Maritain à América do Sul, assim como a repercussão de suas ideias; as excursões e palestras do padre Hélder Câmara[17] na região; e se prestigiou a estadia em Natal do padre J. Cabral,[18] o redator do jornal carioca A Cruz, órgão oficioso da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

O fato é que esta rede informal cristalizava um espaço verdadeiramente nacional para o campo católico, articulado a partir daquela Arquidiocese, e que a partir do Centro D. Vital do Rio de Janeiro era liderado pelo Cardeal D. Leme e por Amoroso Lima – e esta rede era nucleada pela Revista A Ordem, o hebdomadário A Cruz e o diário não confessional O Jornal, do grupo de Assis Chateaubriand.

E, se a simpatia ao integralismo e o apoio ao Governo Vargas eram a tônica da Igreja no âmbito nacional, por sua vez, a Diocese de Natal incentivou diretamente a criação da AIB e sustentou politicamente os interventores federais no Rio Grande do Norte. Sintomaticamente, como no caso do jornal A Ordem, a fundação do núcleo da AIB em Natal também se deu no dia 14 de julho, desta vez no ano de 1933. A solenidade inaugural foi presidida pelo Bispo D. Marcolino Dantas[19] e pelo Interventor Federal, o tenente Sérgio Marinho,[20] tendo sido acolhido como representante de Plínio Salgado o redator-secretário Francisco Véras (Peixoto, 2016, p. 141).

De todo modo, o núcleo da AIB de Natal havia surgido das fileiras da Congregação Mariana de Natal e por meio da influência direta do tenente Severino Sombra de Albuquerque, membro do Centro D. Vital e discípulo de Jackson de Figueiredo (Peixoto, 2016, p. 143-144). A ligação entre integralismo e catolicismo no Rio Grande do Norte se tornou tão próxima que a AIB possuiria uma coluna em A Ordem, apesar do diário, em obediência aos postulados da Ação Católica, colocar-se “fora e acima dos Partidos”. É que, segundo os seus redatores, isso não os impedia de divulgar as notas “enviadas pelas autoridades integralistas”. O problema é que o redator-chefe Otto Guerra era também o Secretário de Propaganda da AIB local, e ainda se tornaria integrante do Conselho dos Quatrocentos em 1937, junto com Francisco Véras e outro norte-rio-grandense, o escritor Luís da Câmara Cascudo,[21] também membro da Congregação Mariana.

Contudo, ao contrário da atuação de Amoroso Lima na Revista A Ordem, Otto Guerra e Francisco Véras pouco escreviam na primeira pessoa e buscavam acomodar as suas tarefas na AIB à linha de atuação na Diocese. Mas, tendo assumido também a tarefa de editores, os seus posicionamentos políticos podem ser distinguidos pela divulgação dos entreveros entre integralistas e comunistas no Rio Grande do Norte e pela inserção de notícias favoráveis à AIB e ao movimento internacional da direita. Contudo, as questões que envolviam diretamente o catolicismo com o comunismo ficaram a cargo de dois religiosos escolhidos, os experientes padre Herôncio,[22] então pároco de São José de Mipibu, e padre J. Cabral, redator licenciado do hebdomadário carioca A Cruz.

Deve-se fazer notar que as opiniões desses religiosos geralmente eram acompanhadas por artigos da Revista A Ordem que as endossavam, caso tivessem sido publicados no mesmo número do diário, ou que as repercutiam, caso fossem publicados nos números subsequentes. E essas opiniões, ao contrário daquelas de Amoroso Lima, quase sempre procuravam confrontar os erros do socialismo real com as expectativas dos partidários locais do Partido Comunista do Brasil, em razão da sua forte presença no Rio Grande do Norte, onde, inclusive, já se desenrolava a guerrilha rural na várzea do Rio Açu, apoiada por esse Partido e pelo Sindicato dos Operários das Salinas de Mossoró (Ferreira, 2000).

Por conta disto, o manifesto da ANL, assinado por Luís Carlos Prestes e divulgado em 5 de julho de 1935, teve especial repercussão no diário, não apenas porque naquele se assumia a consigna “por um governo popular revolucionário”, mas também por causa da diretiva “lutadores do sertão do Nordeste! O governo popular revolucionário te garantirá a posse das terras e dos açudes que tomares!” (Prestes, 1935, p. 2).

A diretiva de Prestes serviu de mote para artigos e notícias, sobretudo os que diziam respeito ao conflito. Na notícia ‘O Comunismo e o Brasil’, publicado à guisa de editorial, Otto Guerra e Francisco Véras se desvencilhavam do termo “fascistas” que lhes fora pespegado pelos adversários e colocavam que a defesa das noções de religião, família, Nação e propriedade não poderiam ser desprezados por nenhum movimento. Contudo, frisavam que a Igreja não aderia a qualquer partido, mas que era facultado aos católicos militar nas organizações que acreditassem corresponder melhor às suas aspirações. E que a luta contra a exploração do fraco pelo forte não deveria degenerar em perseguições ou atiçamento de ódios e na pregação da luta de classes.

Argumentavam que a invectiva de Prestes era incongruente com a sua perambulação pelo sertão no período da Coluna, pois os açudes eram obra para o bem coletivo, no espírito sertanejo, construídos com muito sacrifício e trabalho. E se havia fome no sertão, a culpa era antes da seca que dos fazendeiros ou dos donos dos roçados (A Ordem, 1935c).

Pouco depois, no artigo ‘Varzeano assuense’, o integralista Manoel Rodrigues de Melo,[23] analisando a pobreza generalizada da área, contesta a existência de uma burguesia a ser combatida, ou da luta de classes no sentido marxista.

Asseverava que a seca e a dureza da existência na várzea do Rio Açu homogeneizavam as posses e as agruras da vida, apontando causas morais, econômico-sociais, espirituais e culturais para a guerrilha. Manoel Rodrigues de Melo distinguia o Estado Liberal “como o maior criminoso”, por não controlar a economia e dar lugar ao livre jogo da oferta e procura, que penalizava o mais fraco; mas os patrões varzeanos dividiam a mesma sorte que os seus empregados, comendo, bebendo, vestindo as mesmas roupas, sofrendo juntos durante as secas: não existira, portanto, o “tal burguês varzeano” propalado pelos insurgentes (Melo, 1935).

Esse raciocínio era amparado pelo artigo de autoria de Perillo Gomes, publicado originalmente na Revista A Ordem, onde se aponta que o patrão deveria tratar o obreiro como um irmão menos afortunado e que a riqueza tinha uma função social e o trabalho um sentido místico, tanto na sua disponibilização quanto na própria labuta.

Se alguém oferecer o trabalho em condições que neguem o irmão na pessoa do trabalhador, isto é, sem respeito à dignidade pessoal nem atenção às imperiosas necessidades de seu subordinado, mostrar-se-á indigno da investidura sagrada de Ministro da Providência, que com a posse dos bens lhe foi conferida e consequentemente incapaz de papel de dirigente de homens (Gomes, 1935).

Por sua vez, citando Euclides da Cunha, Oscar Taveira apontava que o sertanejo, apesar de forte, tinha um fraco sentido para as experiências sociais e se afastava do programa pelo sentimento religioso. Mas que esse mesmo sentimento era acessível pelas ideias de igualdade, de um paraíso terrestre, da utopia da felicidade humana pela usurpação dos capitais e propriedades. E que este era o sentido de religiosidade que estava sendo utilizado pela propaganda comunista, ao ponto de descambar para o fanatismo. Pela falta de cultura, ausência do progresso social e ingenuidade, o sertanejo afeito à obediência e à demagogia dos coronéis se deixava arrastar pela propaganda comunista, sobretudo se fosse feita por elementos oriundos das cidades. Mesmo os sertanejos praticantes católicos eram aquiescentes a essas manobras.

Em face dessa situação, Oscar Taveira propunha uma chave de atuação que permitiria ao catolicismo contrarrestar a tática da propaganda comunista:

Existe, porém, um ponto que o sertanejo olha com um ar de receio, um gesto de revolta. É quando se diz que o comunismo destrói a família. O sentimento de família ainda é puro no sertão. A terra onde o Código Penal para a afronta ou o desrespeito à honra familiar é o bacamarte ou a lambedeira, não comporta o amor livre. Será a família, talvez, a última trincheira onde os sertanejos queimarão o último cartucho. Já ouvi de um velho da terra toda a sua indignação, expressa no plano de defesa do seu lar, quando dizia: quando chegar essa lei, posso morrer, mas minha lambedeira como de esmola.

E acrescentava que “a família, sendo a célula da sociedade, deverá constituir o reduto inexpugnável na batalha contra o comunismo, em defesa de dias melhores para o Brasil. Será do sertão que partirão os melhores e mais bravos soldados para a defesa da Pátria” (Taveira, 1935).

No artigo ‘Inimigos da pátria’, padre Herôncio articularia o argumento de resposta às invectivas de Prestes a partir de uma das ideias do Visconde de Bonald, pensador contrarrevolucionário do século XIX: “Quando o Estado destrói a família, esta se vinga destruindo o Estado” (Herôncio, 1935e). Neste sentido, a sociedade civil deveria ser vista como a multiplicação da família, e, se esta fosse desorganizada ou deformada, haveriam de se esperar as mais graves desordens na vida social, e os inimigos da família seriam, portanto, inimigos da pátria.

Segundo Herôncio, naquele momento o Partido Comunista e o Governo soviéticos estavam buscando destruir a família, pois reconheciam quaisquer uniões livres enquanto casamento: o homem e a mulher podiam ter vários companheiros, assim como eram permitidos os casamentos de pais com filhos e entre irmãos. Além disso, o divórcio fora admitido sem motivo específico, o aborto podia ser praticado sem restrições, os pais e maridos haviam perdido os direitos sobre os filhos e cônjuges, e, as mulheres ficaram reduzidas à escravidão, uma vez que não eram passíveis de punição quaisquer assédios, interpelações, ainda que acontecessem em lugares públicos.

Perguntava, então, o padre Herôncio:

Pensará alguém que os comunistas brasileiros são diferentes dos da Rússia? Engano. Aliados aos bárbaros modernos, os comunistas brasileiros estão às portas da nacionalidade, aguardando o momento oportuno para o festim do sangue e da vingança, da destruição e do saque. Não os demoverá o respeito à santidade da família. Inimigos da família, são, consequentemente, inimigos da pátria [...]. E ainda há esposos, pais e filhos que, esquecidos dos seus mais queridos entes, esquecidos de que o comunismo ameaça macular-lhes a honra, olham com simpatia a propaganda comunista, em vez de reagir de frente contra ela! (Herôncio, 1935e).

Essa crítica ao socialismo real não era um caso isolado, mas a diretiva mesmo da argumentação com que os padres Herôncio e J. Cabral procuraram convencer os fiéis norte-rio-grandenses da incongruência de sua simpatia com a ANL e o Partido Comunista do Brasil e da necessidade de se perfilarem na oposição às atividades locais dessas organizações.

Seus argumentos se arvoravam em apontar a discrepância entre as atitudes de Estado soviético e a propaganda socialista no Brasil. No artigo ‘Juventude sacrificada’, padre Herôncio (1935a) relatava a miséria e a desigualdade salarial que separavam os membros do Partido Comunista dos trabalhadores comuns, e os altos índices de abandono de crianças e da criminalidade na União Soviética, revelando que a solução encontrada pelo Regime fora a de baixar para 12 anos a menoridade com fins de condenação à pena de morte.

E como os comunistas locais estariam divulgando que as suas intenções eram apenas a transformação social e política, sem se tocar na esfera do religioso, padre Herôncio descreveria no artigo ‘Estultos e blasfemos’ o antirreligiosismo do Partido Comunista da União Soviética e como este incentivava a propaganda ateísta por meio da paródia pública de rituais e divindades. No mesmo sentido, colocava que o Governo desse país promovera em 1934 o fechamento de 1.368 templos ortodoxos, católicos, protestantes, judeus e muçulmanos. Sintomaticamente, terminava o seu texto com o seguinte questionamento: “Resta agora saber se os católicos brasileiros, ou mesmo os não católicos, querem para o Brasil uma situação idêntica à da Rússia” (Herôncio,1935d).

Por sua vez, em ‘Comunismo e ateísmo’, padre J. Cabral (1935a) descreveria os esforços do ateísmo militante em destruir o legado e a influência da Igreja Ortodoxa por meio de organizações e imprensa estruturadas nacionalmente e do exílio do clero local e da transformação dos seus principais santuários em prédios públicos.

Finalmente, no artigo ‘A ameaça vermelha’, padre Herôncio denunciaria o imperialismo soviético e como a influência deste se irradiava por conta de seus simpatizantes infiltrados na imprensa e em várias das instituições brasileiras, preparando a conquista do país por meio da ANL. Assim, conclamava “católicos e patriotas, cristãos e brasileiros” a vigiar e preparar-se para a “luta aberta e decidida contra os bárbaros modernos que ameaçam a civilização, contra os renegados que visam destruir o patrimônio moral da nossa gente” (Herôncio,1935c).

Paralelamente, em artigos como ‘O que falta’, de padre Herôncio, criticavam-se o fascismo e o nazismo pela incompatibilidade destes com a democracia, identificando no materialismo e neopaganismo como a causa da sua descrença na sociedade e na redução do homem a uma peça da máquina social (Herôncio,1935b). E a sua opinião era corroborada nas notícias sobre o Congresso Internacional de Direito Penal, onde se apontava a vitória dos regimes que pregavam a esterilização de tarados, delinquentes e mentalmente incapazes, claramente um afastamento da divindade, além de descortinar que, como esses casos eram difíceis de caracterizar, ninguém estaria “livre de, até por perseguição política, ser enquadrado num deles e sofrer as consequências” (A Ordem, 1935c).

Os atentados à bomba promovidos contra as casas de integralistas na capital e a tentativa da guerrilha em descarrilhar um trem em que uma ‘bandeira’ integralista seguia para o interior do estado (Vianna, 1997) provocaram a elevação do tom dos redatores e dos religiosos que colaboravam com o diário.

No artigo ‘Guerra e Revolução’, por meio de argumentos fornecidos pela geopolítica, ancorado no pensamento de Everardo Backheuser, padre J. Cabral apontava que essas movimentações conduziriam inevitavelmente à outra Grande Guerra e à transformação da sociedade mundial, com a ascensão de um dos dois regimes (Cabral, 1935b).

Por sua vez, em ‘Nazismo e Bolchevismo’, padre J. Cabral (1935c) equiparava o comunismo soviético ao regime alemão por conta da ênfase de ambos no materialismo, armamentismo, imperialismo e totalitarismo. Procurava demonstrar também como as suas políticas internas se pareciam, como no prestígio dado às associações de jovens militantes, na utilização da repressão política e na manutenção dos privilégios aos dirigentes do Partido.

Mas o sucesso do Levante Comunista no Rio Grande do Norte, onde os revoltosos ocuparam a capital e boa parte do interior do estado durante três dias e onde a guerrilha na várzea do Rio Açu continuou ativa até fevereiro de 1936, interrompeu esses argumentos para elevar o tom dos redatores do diário A Ordem. Até mesmo porque a sua gráfica foi ocupada pelas forças revolucionárias em 24 de novembro, para ser renomeada como Tipografia da Liberdade, sendo nela impressos os boletins e panfletos do novo Governo. Por conta disso, o diário somente voltou a ser publicado no dia 1º de dezembro de 1935.

No editorial ‘Reprimir e prevenir’, publicado no dia 2 de dezembro, os redatores lembravam a boa índole e brandura do povo, para culpar os seus ideólogos e insufladores, os mentores ostensivos e ocultos do Levante. Teriam sido as más leituras, a frouxidão de costumes, a incúria dos pais o que os teria levado a agir daquele modo. Portanto, segundo os redatores, a prevenção era mais importante que a repressão aos revoltosos: urgia a profilaxia das tristes mazelas sociais.

Devia-se começar pelas escolas, “pois ali estavam os professores que pregavam aberta ou veladamente doutrinas dissolventes, sob o patrocínio da liberdade de cátedra, do livre-pensamento maçônico, da escola ativa e do laicismo escolar”. Depois, deveriam sanear-se as livrarias, as casas editoriais, os cinemas, as rádios, “todos os meios que contribuem para a educação do povo”. E, por fim, a imprensa: “crônicas fúteis, publicidades malévolas, intrigas partidárias, perseguições são o caldo de cultura dos movimentos anárquicos” (A Ordem, 1935d).

Os redatores terminavam apontando que “o Brasil era um país cristão e queria voltar às suas fontes puras”, mas é interessante observar que todo esse raciocínio era acompanhado pela enunciação de uma mea-culpa pelo afastamento da Igreja em relação aos operários, pelo esquecimento de que a propriedade tinha uma função social e de que uma ‘economia cristã’ deveria sempre distinguir o ‘salário justo’ do parco salário mínimo vigente no Brasil. E, note-se, nesse interesse recorreram também ao endosso fornecido exatamente por artigos da autoria de Amoroso Lima e de Perillo Gomes publicados na Revista A Ordem.

Considerações finais

O exame da Revista A Ordem e do jornal A Ordem nos permite apontar a atuação dos editores e redatores na formulação contínua do discurso católico e uma transformação nas suas atribuições, uma vez que suas habilidades à frente da edição/redação dos periódicos levaram à atribuição da liderança do laicato. Verificando a interação entre os dois periódicos, podemos aventar que se processava a constituição informal de uma rede nacional de periódicos católicos, articulada à liderança de D. Leme e Amoroso Lima. No caso, observamos que o periodismo católico no Brasil é um fenômeno que remonta ao século XIX e que a sua reorganização nos moldes da ‘Boa Imprensa’ no século XX deve ser considerada mais como a continuidade desse fenômeno caracterizado pela disputa com a imprensa laica do que uma nova perspectiva de atuação do catolicismo no país.

Nesse sentido, entendemos que o projeto político-cultural de parcela expressiva da elite intelectual católica toma a ideia da ‘Boa Imprensa” como forma de mediação entre o político e o social. Assim, a articulação entre as expressões religiosas do catolicismo e as suas atitudes transmitidas por meio dos periódicos A Ordem (RJ) e A Ordem (RN) nos revelaram historicidades diversas e, por vezes, complementares e/ou até mesmo contraditórias.

Tendo como expoentes de destaque os editores, redatores e articulistas, este projeto traz à tona e reforça a circulação de uma cultura política anticomunista de viés católico. Esta vem acompanhada de demandas próprias ao campo, por exemplo, a oposição ao racionalismo, à liberdade religiosa, à maçonaria, etc.

Por sua vez, a tarefa de reconstrução institucional levada à frente no caso deste trabalho (o combate ao que viam como uma ameaça comunista devastadora) arregimentou intelectuais pelo Brasil afora, das mais variadas qualidades e vínculos institucionais, merecendo registro: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a Academia Brasileira de Letras, o Colégio Pedro II, o Conselho Nacional de Educação, a Comissão Nacional do Livro, a Ação Católica Brasileira, a Liga Eleitoral Católica, o Instituto Católico de Estudos Superiores, a Reitoria de Seminários, bem como integrantes dos poderes políticos partidários e da hierarquias locais da própria Igreja.

Analisando a relação entre os editoriais e artigos anticomunistas da Revista A Ordem e do jornal A Ordem, entendemos que o contexto de meados da década de 1930 impressiona decisivamente os rumos tomados pelo periodismo católico, sobretudo no que tange à organização das suas pautas de notícias e à relevância emprestada aos seus editores e redatores.

As notícias religiosas cedem lugar, em grande medida, à discussão e à análise dos conteúdos políticos e sociais, bem como aos textos que buscavam informar, arregimentar e homogeneizar a massa dos fiéis católicos, até então, em certa medida, indiferentes às posições de suas lideranças – é nesse contexto que os intelectuais católicos são chamados a colaborar e os periódicos os fazem ser conhecidos e reconhecidos nacionalmente.

É interessante lembrar que Amoroso Lima já fora apontado como o líder da Ação Católica Brasileira quando da criação desta organização, mas a liderança desta no Rio Grande do Norte somente foi atribuída a Otto Guerra mais tarde, por conseguinte, em decorrência de sua atuação à frente do Jornal.

Entretanto, se em 1935 Amoroso Lima declara simpatia ao integralismo colocando o nacionalismo como ponto central do seu discurso e a interação da AIB com a Ação Católica e a Revista A Ordem se coloca mais no campo das trocas políticas, no Rio Grande do Norte esse engajamento datava (pelo menos) de 1930. Isto se deu com a articulação da Congregação Mariana local com a Legião Cearense do Trabalho, mediada por Francisco Véras e Severino Sombra.[24] Por conseguinte, essa articulação precedeu a fundação da AIB, e o próprio jornal A Ordem teria resultado de uma dupla militância político-religiosa inspirada por Jackson de Figueiredo (Peixoto, 2016).

Por conseguinte, raciocinando por meio dos contributos de Shils (1992), se a referência para o Jornal e os seus redatores era Jackson de Figueiredo, seria a partir dela que se daria a transferência paulatina de carisma para Amoroso Lima, o então editor da Revista A Ordem. E, depois de Jackson, o membro do Centro D. Vital que possuía maior carisma dentre a militância católica do Rio Grande do Norte era Everardo Backheuser e, portanto, seria a partir da sua posição acerca do nacionalismo e do antirregionalismo, endossada por Amoroso Lima, que se constituiria o elo capaz de reunir os dois periódicos.

Neste sentido, também se deve às posições de Jackson de Figueiredo a atribuição de qualidades carismáticas às lideranças do laicato e, a partir disto, a constituição de uma comunidade nacional onde estes líderes serviriam de elos que possibilitaram a partilha de uma cultura católica comum, capaz de ligar o centro às periferias e de tornar transcendental esse mesmo centro.

Essas lideranças insistiriam numa leitura da modernidade cuja chave de acesso era a Revolução Francesa e do seu encadeamento ao socialismo e depois ao comunismo. Produzir-se-ia, por conseguinte, um discurso antissocialista, o qual seria reformulado no anticomunismo, uma vez apontada por seus produtores a ascensão da ANL e a manipulação desta pelo Partido Comunista do Brasil. E, no Rio Grande do Norte, a reprodução da fala discursiva acerca da ‘violência revolucionária’ era compatível com a persistência da guerrilha rural entre 1935-1936 e a ocupação de parte do estado durante o Levante Comunista.

E, ainda conforme Bourdieu (2008), foi também o reconhecimento dessa fala em nível nacional que levou a um efeito social: à reelaboração do discurso antimoderno na direção de se aprontar tanto o arrazoado anticomunista quanto de rever as formas de atuação das organizações católicas.

Nota-se, por conseguinte, uma economia de trocas linguísticas e a subsequente luta em torno das representações que envolve a militância comunista e os católicos, como, por exemplo, a respeito da proximidade entre os ideais cristãos e o socialismo, e de se apontar Jesus como o primeiro comunista. Por conta disto, os intelectuais católicos atentariam para a necessidade de utilização de estratégias de convencimento dos próprios católicos, onde se salientaria a comparação entre o discurso comunista e a vida no socialismo real (a URSS). No caso do Rio Grande do Norte, procura-se fazer notar a incompatibilidade da realidade social, econômica e cultural estadual com os temas-chave do discurso comunista, como a luta de classes, o antirreligiosismo e a tolerância de comportamento sexual.

Retomando Berstein (1998), infere-se que, na conjuntura histórica em estudo, os periódicos aqui analisados revelam-se igualmente como possíveis expressões de uma cultura política anticomunista partilhada com viés católico, constituída por referentes que conduziam à ideia de incompatibilidade do catolicismo com o comunismo. Mais especificamente, entre os referentes que permeavam e serviam de instrumental ao anticomunismo católico estavam: a de uma conspiração comunista anticristã, antiespiritualista, antifamília, contrária à nação e à pátria, ateísta, defensora do terror e da revolução sanguinária, calcada na obsessão pelo sexo, defensora do trabalho forçado, corruptora da propriedade privada e, como sinal de sua decadência, negadora da alma imortal, combatente à filosofia do espírito e, em última escala, incompatível com o catolicismo.

Assim, em atenção ao disposto por Coutrot (1998, p. 348), podemos reafirmar que a imprensa católica procurava criar e manter uma estreita relação com seus leitores a fim de “fazer a mensagem cristã penetrar nas realidades do mundo contemporâneo”, o que se revelou particularmente frutífero, por exemplo, na tarefa de combate ao que se entendia ser o perigo comunista e, conforme salientou Donegani (1998), a mensagem cristã enquanto expressão religiosa católica se transmutou em atitudes políticas objetivadas.

Ganha relevo a organização da militância e a aliança com grupamentos considerados próximos, caso da AIB. Mas, sobretudo, copiam-se certas formas de atuação do radicalismo político, a organização de eventos de massa, a formação de militantes e lideranças e o arranjo com os intelectuais, na medida em que se observa que a Igreja Católica havia perdido de vista um de seus objetos, o operariado.

O periodismo católico recebia esses influxos, e as tarefas de seus editores e redatores se transformavam radicalmente: esperava-se agora que estes fossem capazes de movimentar, reagir e aglutinar as diversas tendências e vertentes católicas num só sentido. E, como política e cultura haviam sido enredadas, aos redatores e editores acabou sendo entregue, quase que mecanicamente, o ônus de ficar à frente tanto dos seus periódicos quanto do laicato – mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, CCHLA, Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História – Av. Salgado Filho s/nº, Campus Universitário Lagoa Nova. 59078-970 Natal, Rio Grande do Norte, Brasil
2 Universidade Federal de Mato Grosso, Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História - Av. Fernando Corrêa da Costa, nº 2367. 78060-900 Cuiabá, Mato Grosso, Brasil.
3 Jackson de Figueiredo (Aracajú, SE,1891 – Rio de Janeiro, RJ, 1928) formou-se em Direito e nos anos 1920 foi fundador do Centro D. Vital e da Revista A Ordem, onde trabalhou como editor, atuando como defensor de um catolicismo intransigente e crítico do comunismo e do liberalismo. Divulgador dos princípios da ordem e da autoridade e crítica da ideia de revolução, foi leitor, entre outros, do contrarrevolucionário De Maistre e do líder da Action Française, Charles Maurras. Foi um dos principais responsáveis, ao lado do padre Leonel Franca e do Cardeal Leme, pela conversão de Amoroso Lima ao catolicismo, inclusive, em uma troca intensa de correspondência entre ambos. Publicou obras como: Afirmações (1921), A reação ao bom senso (1922), Literatura reacionária (1924), e A coluna de fogo (1925).
4 Alceu Amoroso Lima (Petrópolis, RJ, 1893 – Petrópolis, RJ, 1983) formou-se em direito, em seguida dedicou-se à crítica literária e, ao final dos anos 1920, converteu-se ao catolicismo, vindo a ser nas décadas posteriores uma das mais expressivas lideranças do laicato no Brasil. Entre outros, esteve à frente do Centro D. Vital, foi editor da Revista A Ordem de 1928 até o início da década de 1950, fundador do Instituto Católico de Estudos Superiores, membro da Academia Brasileira de Letras e do Conselho Nacional de Educação e catedrático de Literatura Brasileira na Faculdade Nacional de Filosofia. Foi líder da Ação Católica Brasileira e da Liga Eleitoral Católica. Autor de dezenas de obras sobre literatura, sociologia, história, política, filosofia e catolicismo. Somente na década de 1930 publicou, entre outras, Preparação à sociologia (1931), Debates pedagógicos (1931), Política (1932), Problema da burguesia (1932), Pela reforma social (1933), No limiar da Idade Nova (1935), Elementos de Ação Católica (1938), Idade, sexo e tempo (1938).
5 Sebastião Leme de Silveira Cintra (Espírito Santo do Pinhal, SP, 1882 – Rio de Janeiro, RJ, 1942) estudou filosofia e teologia na Itália, foi arcebispo de Olinda e Recife (1916-1921) e arcebispo do Rio de Janeiro (1930-1942), tornando-se Cardeal em 1930; atuou decisivamente no processo de reestruturação da Igreja Católica no Brasil das quatro primeiras décadas do século XX, trabalhando para o fortalecimento institucional da Igreja em termos da hierarquia oficial, da intelectualidade laica e dos fiéis em geral. A defesa do ensino religioso e o combate ao comunismo estiveram no centro de suas preocupações, bem como uma estratégia de aproximação com o poder político. Ao lado de Leonel Franca, empenhou-se decisivamente no apoio à consolidação da Revista A Ordem, à criação do Centro Dom Vital e de uma ampla gama de instituições que viriam a contribuir para a defesa da causa católica, entre as quais se podem destacar a Liga Eleitoral Católica, a Ação Católica Brasileira, o Instituto Católico de Estudos Superiores, etc.
6 Leonel Edgard da Silveira Franca (São Gabriel, RS, 1893 – Rio de Janeiro, RJ, 1948), membro da Companhia de Jesus, estudou Letras, Filosofia e Teologia na Universidade Gregoriana. No decorrer da década de 1930 esteve ao lado de D. Leme e Amoroso Lima na construção e na consolidação do projeto político-religioso da Igreja Católica junto à sociedade brasileira. Seus escritos e sua ação voltaram-se para uma crítica do mundo moderno e para a construção de instituições que viessem a fortalecer a presença católica na sociedade. Serviu também de inspiração para uma ampla parcela da intelectualidade católica vinculada ao Centro Dom Vital e à Revista A Ordem. Foi reitor das Faculdades Católicas (futura PUC-RJ). Alguns dos seus livros que tiveram maior impacto foram: Noções de história da filosofia (1918), A Igreja, a Reforma e a civilização (1922), A Psicologia da fé (1934), O protestantismo (1938) e A crise do mundo moderno (1941).
7 O Centro D. Vital, espaço de formação e arregimentação da intelectualidade católica, foi criado na cidade do Rio de Janeiro em 1922 por Jackson de Figueiredo, a partir de orientações de Dom Sebastião Leme e do Padre Leonel Franca. Tornou-se um centro consolidado de difusão do pensamento católico laico em boa parte do século XX, destacando-se pela publicação da Revista A Ordem e pelo intercâmbio intelectual com as diversas regiões do Brasil e também com países como Argentina e França. Atuou por meio de intelectuais a ele vinculados em movimentos e grupos como, por exemplo, a Liga Eleitoral Católica e a Ação Católica Brasileira.
8 A Revista A Ordem foi criada em 1921 por Jackson de Figueiredo no Rio de Janeiro, com o objetivo de divulgar um projeto de catolicismo de natureza conservadora. Circulou mensalmente entre 1921 e 1964, 1974 e 1984, 1988, e anualmente de 1988 a 1990. Seu projeto inspirava-se numa multiplicidade de matrizes político-filosóficas, dentre as quais podem ser destacados expoentes do pensamento contrarrevolucionário francês como De Bonald e De Maistre, e merece registro a apropriação dos escritos de Maurras, líder da Action Française. Esse projeto se desvelou numa dupla relação com a modernidade: por um lado, apresenta-se como crítico de alguns dos seus princípios centrais como a autonomia da razão humana e a liberdade, cotejados à luz de concepções cristãs morais e hierárquicas; por outro lado, contraditoriamente a própria existência da Revista revela-se como forma de vínculo com um instrumento da modernidade, a imprensa. Tanto sob a editoria de seu fundador quanto sob a de Amoroso Lima, a Revista A Ordem defendeu um projeto católico no seio do qual a ideia de crise ocupa papel central, seja pensada em termos morais, econômicos ou políticos.
9 Jonathas Arcanjo da Silveira Serrano (Rio de Janeiro, RJ, 1885 – Rio de Janeiro, RJ, 1944), formou-se em Direito e foi professor de História no Colégio Pedro II. Criou a União Católica Brasileira, foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e integrou o Conselho Nacional de Educação e a Comissão Nacional do Livro. Foi articulista na Revista A Ordem, membro do Centro D. Vital e articulador da Ação Católica Brasileira. Publicou diversas obras sobre literatura, história do Brasil e catolicismo, dentre as quais Coração (1933); História do Brasil (1931) e Júlio Maria (1941).
10 Perillo Gomes (São Brás, AL, 1890 – Liverpool, Inglaterra, 1952) formou-se dentista, depois tornou-se diplomata. Foi ensaísta de orientação católica e fez parte da elite de intelectuais do Centro D. Vital e da Revista A Ordem. Escreveu, dentre outros livros: Jackson de Figueiredo, o doutrinário político (1926), O liberalismo (1933) e O socialismo (1939).
11 O jornal A Ordem circulou no Rio Grande do Norte como diário entre 1935 e 1952 e como semanário entre 1962 e 1967, sempre com Otto de Brito Guerra à frente da edição.
12 Antônio Paulo Ciríaco Fernandes (Goa, Índia, 1880 – Recife, PE, 1946), padre, seguiu para Portugal em 1908, onde ingressou na Companhia de Jesus. Expulso em 1910, percorreu Espanha, Holanda e Inglaterra até estabelecer-se no Brasil em 1917. Passou a lecionar no Colégio Nóbrega, em Recife, no ano de 1922. Fundou e dirigiu nessa cidade a Ação Universitária Católica, o Centro D. Vital, a União Católica Nacional e a Cruzada para a Restauração Cristã. Escreveu Missionários jesuítas no Brasil no tempo de Pombal (1936), Fátima – santuário mundial (1944), e Ouvi-me – A grande mensagem do S Coração de Jesus ao século XX (1946).
13 Otto de Brito Guerra (Mossoró, RN, 1912 – Natal, RN, 1996) foi político, advogado, professor e líder do laicato católico do Rio Grande do Norte; militou na AIB e ocupou vários cargos nos governos estadual e federal; trabalhou como redator-chefe do jornal A Ordem de 1935 a 1952 e foi o líder do laicato católico no estado. Durante a Ditadura Civil-Militar atuou como advogado de presos políticos. Foi um dos fundadores da UFRN e o seu primeiro Vice-Reitor.
14 Francisco Véras Bezerra (Esperança, PB, 1903 – Natal, RN, 1948) foi professor e jornalista, lecionou na Escola de Técnicas de Comércio de Natal e trabalhou nos jornais Diário de Natal e A Ordem, neste como redator-secretário, foi diretor da Comissão de Assistência ao Cooperativismo do Governo do Rio Grande do Norte, fundou a AIB no estado e integrou o triunvirato que a dirigiu no seu primeiro ano.
15 Everardo Adolpho Backheuser (Niterói, RJ, 1879 – Niterói, RJ, 1951) foi geógrafo, engenheiro, jornalista e professor; exerceu a função de Deputado Estadual pelo Rio de Janeiro; lecionou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e na PUC-RJ, tendo sido o introdutor da geopolítica no Brasil; trabalhou para o jornal O Paiz e a prefeitura do Rio de Janeiro; participou do Centro D. Vital e foi presidente da Confederação Católica Brasileira de Educação; escreveu, dentre outras obras, A estrutura política do Brasil, Notas Prévias (1926), Problemas do Brasil, Estrutura Geopolítica (1933) e Curso de Geopolítica Geral e do Brasil (1952)
16 José Pereira Alves (Palmares, PE, 1885 – Niterói, RJ, 1947) foi Reitor e professor no seminário de Olinda; Bispo de Natal-RN (1923-1928) e de Niterói, RJ (1929-1947)
17 Hélder Pessoa Câmara (Fortaleza, CE, 1909 – Recife, PE, 1999) foi Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro (1952), Arcebispo de Olinda e Recife (1964-1985), fundador e Secretário Geral da CNBB (1952-1964).
18 José Maria Lustosa Cabral (Natal, RN, 1897 – Rio de Janeiro, RJ, 1959) foi vigário de Taipu, Macaíba e Santa Cruz no Rio Grande do Norte e de paróquias na cidade do Rio de Janeiro. Trabalhou como redator do diário A Cruz, órgão oficioso da Arquidiocese do Rio de Janeiro entre 1930 e 1954. Traduziu A Imitação de Cristo e escreveu, dentre outros livros, A miragem soviética (1933), A questão judaica (1937), e A Igreja e o marxismo (1949).
19 Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas (Inhambupe, BA, 1888 – Natal, RN, 1967) foi Arcebispo de Natal, RN (1929-1967).
20 Sérgio Bezerra Marinho (Nova Cruz, RN, 1903 – Rio de Janeiro, RJ, 1993), militar, professor e político; participou da Revolução de 1930 e foi Interventor Federal no Rio Grande do Norte; lecionou no Colégio Militar do Rio de Janeiro, no CPOR e na AMAN, alcançando a posição de General-de-Brigada; foi Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região e Senador pelo Rio Grande do Norte.
21 Luís da Câmara Cascudo (Natal, RN, 1898 – Natal, RN, 1986) foi um historiador, etnógrafo, folclorista, advogado e jornalista. Militou na AIB, chegando a Chefe Provincial do Rio Grande do Norte; escreveu para os jornais A Imprensa, A República e Diário de Natal; publicou, dentre outras obras, Dicionário do folclore brasileiro (1954), Rede de dormir (1957), História da alimentação no Brasil (1963), e Geografia dos mitos brasileiros (1947).
22 Paulo Herôncio de Melo (Natal, RN, 1901 – Currais Novos, RN, 1963) foi vigário de Mossoró, Macau e São José do Mipibu e prefeito da cidade de Macau entre 1930 e 1935. Organizou os Congressos Eucarísticos Paroquiais de Currais Novos e São José de Mipibu. Escreveu o livro Os holandeses no Rio Grande (1937).
23 Manoel Rodrigues de Melo (Pendências, RN, 1912 – Natal, RN, 1995), advogado e escritor; militou na AIB e no PRP; foi presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e membro do IHGRN; publicou, dentre outras obras, Várzea do Assu (1940) e Dicionário da Imprensa no Rio Grande do Norte (1987).
24 Severino Sombra de Albuquerque (Maranguape, CE, 1907 – Vassouras, RJ, 2000), militar, político e educador, chegou ao posto de General; foi deputado federal pela bancada do PSD do Ceará; e fundou a Universidade Severino Sombra; Membro do Centro D. Vital e discípulo de Jackson de Figueiredo, fundou a Legião Cearense do Trabalho, um dos núcleos de formação da AIB. Após ter aderido à Revolução Constitucionalista de 1932, foi preso e seguiu para o exílio em Portugal. Rompendo com o integralismo, dedicou-se às atividades militares, fundando o Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e reabrindo a Biblioteca do Exército. Publicou O ideal legionário (1931) e Diretrizes da nova política do Brasil (1942).
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