DOSSIÊ

TDIC e formação docente: ampliação da sala de aula, consciência crítica e autonomia

Andreia dos Santos Menezes
Universidade Federal de São Paulo
Greice de Nóbrega e Sousa
UNIFESP
Rosângela A. Dantas de Oliveira
Universidade Federal de São Paulo

TDIC e formação docente: ampliação da sala de aula, consciência crítica e autonomia

Caracol, núm. 13, pp. 102-134, 2017

Universidade de São Paulo

Recepção: 05 Outubro 2016

Aprovação: 14 Dezembro 2016

Resumo: O objetivo deste artigo é compartilhar reflexões sobre experiências de incorporação das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) no curso de Licenciatura em Letras-Português/Espanhol da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo. Tais reflexões decorrem de ações implementadas por algumas docentes do curso e se ancoram no compromisso de possibilitar aos futuros docentes vivenciar experiências práticas e reflexões teóricas que lhes proporcionem formação mais coerente com a circulação do conhecimento na sociedade contemporânea (M. Freire, 2009). Fundamentadas no desenvolvimento da capacidade reflexiva e crítica na formação docente (Freire, 1980, 1996; Dewey 1938/1963; Schön, 1992), e nas perspectivas apontadas por Buzato (2006, 2009), Valente e Silva (2006) e Masetto (2000) sobre o uso das TDIC no ensino e na formação de professores, discorremos sobre acertos, erros e necessidades de ajustes da experiência, seu impacto para os futuros docentes, bem como para as docentes ministrantes.

Palavras clave: formação de professores, TDIC, letramento digital, consciência crítica, autonomia.

Abstract: This paper presents some reflections about the experiences of using Digital Information and Communication Technologies (DICT) in the Bachelor’s Degree in Portuguese and Spanish Language and Literature (Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, from the Universidade Federal de São Paulo). These reflections arose from actions performed by some professors who aimed at providing undergraduate students with practical experiences and theoretical reflections that can offer them a more consistent preparation to deal with the contemporary society’s demands (M. Freire, 2009). The authors believe that teacher education must include the development of reflective and critical capacity (Freire, 1979; Dewey 1938/1963; Schön, 1992), as well as the perspectives for the use of DICT teaching as outlined by Buzato (2006, 2009), Valente and Silva (2006) and Masetto (2000). This paper discourses about the mistakes, achievements and adjustments of the experiences, and their impact on the undergraduate students and professors.

Keywords: teacher education, DICT, digital literacies, critical awareness, autonomy.

Introdução

Compartilhamos neste artigo reflexões sobre os resultados de algumas ações que vêm sendo implementadas no âmbito do curso de Licenciatura em Letras-Português/Espanhol da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que têm como objetivo incorporar à formação dos futuros docentes práticas que os levem a experimentar e a refletir criticamente sobre os novos procedimentos e novas formas de interação advindas da incorporação de recursos proporcionados pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (doravante TDIC) à educação.

O curso em questão teve início em 2009 e o campus em que se localiza a EFLCH se encontra no bairro dos Pimentas, periferia da cidade de Guarulhos, São Paulo. Sua criação e implantação se deu no âmbito do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e reflete claramente o projeto político de inclusão social que subjaz à expansão da rede federal de ensino superior nos últimos treze anos1. Não obstante seus poucos anos de existência, o curso de Letras da EFLCH passou já por duas reformulações de seu Projeto Pedagógico do Curso (PPC). A primeira delas, em 2010, foi levada a cabo pelos primeiros docentes a integrar o curso e tinha como objetivo sanar problemas e incongruências da matriz curricular do projeto aprovado pelo Conselho Universitário da UNIFESP em outubro de 2007. A segunda, realizada ao longo de 2014, resultou no PPC vigente a partir do primeiro semestre de 2015.

Como docentes, a experiência de participar desse momento de implantação de um novo curso tem implicado em diferentes desafios. No que concerne especialmente à incorporação do tema tecnologia à educação e à formação de professores, eles vão desde dificuldades infraestruturais – bons computadores, conexão de banda larga, rede wifi estável e disponível para todos – até uma arraigada concepção beletrista do currículo dos cursos de Letras, presente mesmo em cursos jovens como o nosso, que resulta em privilegiar disciplinas que focalizam conteúdos teóricos de língua e literatura. Podemos citar também a presença de um entendimento bastante conservador da aprendizagem no nível superior, ainda ancorado em aulas expositivas com pouco espaço para o aluno protagonizar experiências inovadoras na construção de seu saber. Surpreendentemente, algumas vezes encontramos resistência à inovação em atitudes e falas dos próprios alunos. Como constata M. Freire (2009, 16), muitas vezes parece que “embora inseridas em um único contexto histórico-cultural, escola e sociedade parecem não caminhar na mesma direção e nem falar a mesma língua”. E mais, são inúmeras as evidências de que o tempo no ambiente escolar – seja ele de que nível for – parece fluir numa velocidade muito mais lenta do que aquela que move a evolução da sociedade.

Pressupostos teóricos do trabalho

No âmbito dos documentos oficiais que regulamentam a formação docente, a necessidade de incorporar ao currículo dos cursos o uso das TDIC aparece de forma explícita. Como exemplo, citamos a Resolução nº 2 de 1º de julho de 2015, do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNP/CP) do Ministério de Educação, que em seu artigo 8º do Capítulo III, que trata dos egressos dos cursos de licenciatura, menciona que esses deverão ser capazes de “relacionar a linguagem dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento da aprendizagem”.

Quanto às orientações governamentais sobre o ensino básico, embora os documentos que ora citamos estejam sob a ameaça da aprovação da Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016 – uma decisão autocrática que, caso aprovada, pode alterar completamente as orientações vigentes –, temos tanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), como nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) e na primeira versão da Base Nacional Comum Curricular apresentada para consulta pública entre setembro de 2015 e março de 2016, menções à necessidade não só de incorporar as TDIC às práticas escolares, como de fazê-lo de forma crítica, levando os alunos a refletir, entre outras coisas, sobre os impactos causados pelo uso estendido das facilidades proporcionadas pelas TDIC na sociedade contemporânea e sobre a dimensão excludente que o acesso desigual a essas facilidades traz consigo.

Em consonância, portanto, com as orientações contidas nos documentos oficiais citados e movidas pelo compromisso de proporcionar aos egressos do curso em que atuamos uma formação mais coerente com a circulação do conhecimento na sociedade contemporânea, vimos incorporando à nossa prática algumas ações que apresentaremos e discutiremos neste artigo. Antes de apresentá-las, explicitaremos as principais concepções teóricas que embasam nosso trabalho.

No que se refere aos valores que pautam nossas ações no âmbito da formação docente, apoiadas principalmente em Freire (1979), Dewey (1938/1963) e Schön (1992) atuamos na perspectiva da formação reflexiva e crítica, ou seja, de incorporar à prática docente o avaliar constantemente ações e práticas, olhando analiticamente para o contexto sócio-histórico em que estão inseridas e problematizando seus resultados, pensando sempre no potencial transformador que têm sobre a realidade em que atuamos como cidadãos. Nesse sentido, em nosso trabalho na formação docente, somos professoras reflexivas e críticas e atuamos para que os futuros docentes com quem trabalhamos também o sejam.

No caminho que percorremos, dois outros conceitos são fundamentais: mediação pedagógica e autonomia. Quanto ao primeiro, entendemos como Masetto (2000, 145), que se trata de uma atitude do professor “que se coloca como uma ponte entre o aprendiz e sua aprendizagem – não uma ponte estática, mas uma ponte ‘rolante’ que ativamente colabora para que o aprendiz chegue a seus objetivos”. Trata-se de colocar em evidência o papel de protagonista do aprendiz, ajudando-o a buscar informações idôneas, relacioná-las ao já aprendido, reorganizá-las, debater com seus pares para construir algo que seja significativo para ele, num exercício de desenvolvimento e consolidação de sua autonomia, conceito por sua vez muito discutido no âmbito do ensino de Língua Estrangeira e também da Educação a Distância. Para este trabalho, trazemos a concepção de Paulo Freire, que em sua obra “Pedagogia da Autonomia” afirma que esta “tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade” (Freire, 1996, 41). O autor entende a autonomia como inerente à identidade do aprendiz, um direito seu que o professor deve respeitar e colaborar para desenvolver.

Por fim, no que diz respeito à nossa visão sobre o uso das TDIC na educação, não as consideramos ingenuamente a panaceia que solucionará os problemas educacionais do país, mas tampouco temos sobre elas uma visão apocalíptica. Retomando o posicionamento presente na parte referente aos Conhecimentos de Línguas Estrangeiras das OCEM mencionado anteriormente, não ignoramos o potencial de exclusão que as TDIC trazem consigo, especialmente considerando o contexto em que atuamos. Porém, lembramos com Buzato (2006) que o advento de toda tecnologia, desde a escrita, passando pela imprensa e pelo automóvel, ao mesmo tempo em que gera uma massa de excluídos, também traz consigo benefícios que terminarão incorporados à sociedade. Nesse sentido, “a escrita inaugurou o analfabetismo como um problema, mas também trouxe formas de democratizar e massificar o conhecimento” (Buzato, 2006, 1), por exemplo. E assim também as TDIC, embora produzam desconectados ou excluídos, também são responsáveis por “novas possibilidades de interagir, colaborar, representar, expressar identidades e pesquisar que há bem pouco tempo só existiam para pequenas elites culturais, acadêmicas e econômicas” (idem).

Apoiadas também em Buzato (2009, 22), acreditamos que as iniciativas que vimos implementando contribuem para proporcionar a nós mesmas e aos futuros docentes experiências com os letramentos digitais, entendendo esse conceito na perspectiva que vem sendo defendida pelo autor, ou seja, “redes complexas e heterogêneas que conectam letramentos (práticas sociais), textos, sujeitos, meios e habilidades que se agenciam, entrelaçam, contestam e modificam mútua e continuamente, por meio, virtude ou influência das TIC”. No desenho das atividades que proporcionarão essas experiências, com base em Valente e Silva (2006, 517-8), nossa proposta é levar os alunos a pensar no uso das TDIC privilegiando seu potencial de interação (“estar junto virtual”) e não como um depósito de materiais (“Broadcast”) – uso já estendido entre docentes – ou uma extensão da voz do professor em instruções e comunicados (“virtualização da escola tradicional”).

Considerando as bases teóricas aqui expostas, refletiremos a seguir sobre duas experiências de inserção das TDIC em nossa prática docente: primeiramente o uso do Google Drive e, em seguida, a utilização de alguns recursos da plataforma Moodle.

Interagindo, colaborando e ampliando a sala de aula: o uso do Google Drive na supervisão de estágio de regência

A experiência que relataremos nesta seção se deu no segundo semestre de 2015, no âmbito das Unidades Curriculares (doravante UC – nomenclatura usada para as disciplinas oferecidas na UNIFESP) Fundamentos do Ensino de Língua Espanhola II e Estágio Curricular Supervisionado em Espanhol II, ministradas concomitantemente2. Ao cursar essas UC, além de assistir às aulas, os alunos devem cumprir as diferentes atividades que compõem o estágio curricular obrigatório, entre elas o chamado estágio de regência. Em 2015, para cumprimento dessa parte do estágio, os alunos atuaram como docentes em cursos de extensão ministrados nas instalações da universidade para funcionários e alunos do campus. Nessa ocasião, os estagiários foram divididos em grupos de quatro alunos, sendo cada grupo responsável por um curso cuja carga horária era de 20 horas.

Como parte do processo de supervisão desses cursos de regência, as professoras responsáveis pela UC optaram por empregar o Google Drive, um serviço de armazenamento na nuvem e de sincronização do Google que disponibiliza vários aplicativos, a maior parte deles semelhantes aos oferecidos pelo pacote Office da Microsoft (Word, Excel e Powerpoint). Dessa forma, além da interface do serviço ser amigável por ser parecida com aquelas dos programas com os quais estamos geralmente acostumados a trabalhar, é possível tanto subir arquivos para o Google Drive como baixá-los para o computador. A pessoa que cria o documento, denominada proprietário, pode compartilhá-lo com quantas pessoas quiser, selecionando quem poderá visualizá-lo, comentá-lo ou editá-lo. Dessa forma, é possível a realização de diferentes tipos de atividades colaborativas a distância entre um grupo de pessoas, tanto de forma síncrona como assíncrona.

Ao empregar essa ferramenta, as professoras supervisoras tiveram como primeiro objetivo poder acompanhar os alunos, também a distância, na elaboração do cronograma, materiais e planos de aula. Como as aulas presenciais da UC ocorriam uma vez por semana, lançar mão do Google Drive nos permitiu implementar o estar junto virtual (Valente; Silva, 2006). Para além da relação professoras supervisoras-alunos, almejávamos proporcionar também a convivência virtual entre todos os alunos da UC. Quanto a esse aspecto, consideramos importante salientar que o campus da EFLCH-UNIFESP está localizado na cidade de Guarulhos, mas a maior parte do seu alunado mora em diferentes partes na cidade de São Paulo ou mesmo em outras cidades paulistas, como Arujá ou São Vicente. A questão do transporte até o campus é um dos nossos maiores problemas e a procura da sua solução é uma das mais importantes demandas dos alunos. Dessa forma, consideramos que outro aspecto positivo da utilização do Google Drive foi possibilitar que os alunos da UC pudessem realizar parte das tarefas em grupo sem precisar necessariamente se locomoverem até o campus.

Outrossim, destacamos que entre os objetivos específicos da UC Fundamentos do Ensino de Língua Espanhola II está “conhecer e usar as novas tecnologias de forma crítica”, e que um dos pontos de seu conteúdo programático era “As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC3) e o ensino-aprendizagem de E/LE”. Assim, ademais de esse ponto ter sido tema de uma aula específica, consideramos que o emprego do Google Drive proporcionou, em grande medida, alcançar esse propósito de forma prática ao longo das aulas do curso.

Descrição da atividade

Criamos uma pasta do Google Drive chamada “Fundamentos-2015-alunos” que foi compartilhada entre as professoras supervisoras e os três monitores que davam apoio à UC naquele semestre, de forma que todos podiam realizar qualquer uma das funções: visualizar, comentar e editar o conteúdo dessa pasta. Dentro dela foram criadas outras seis pastas, uma para cada um dos cursos, e cada uma delas, por sua vez, foi compartilhada com os alunos estagiários responsáveis pelo curso. Esse compartilhamento foi feito de modo que os alunos estagiários pudessem exercer a função de editores. Assim, por um lado, os componentes do grupo podiam elaborar colaborativamente as atividades de aula e, por outro, as professoras supervisoras podiam acompanhá-las a distância, fazendo comentários e correções, conforme ilustra a seguinte imagem:

Exemplo de interação entre professora supervisora e alunos estagiários
Figura 1
Exemplo de interação entre professora supervisora e alunos estagiários

Essas pastas foram compartilhadas também com todos os demais alunos estagiários do curso, porém esses podiam apenas visualizar e comentar os documentos. Essa estratégia se deu no sentido de implementar a distância uma prática que as professoras supervisoras costumavam aplicar na sala de aula: durante parte das suas aulas os alunos compartilhavam, entre todos os colegas, atividades elaboradas para seus cursos, de modo que todos podiam conhecer e opinar sobre as aulas uns dos outros. Considerando, em primeiro lugar, que nossas aulas aconteciam somente uma vez por semana e, em segundo, o escasso tempo que tínhamos de aula, julgamos que possibilitar que visualizassem e escrevessem comentários estendia essa atividade para fora do espaço da sala de aula.

Alguns resultados

Ao final do semestre, solicitamos que os alunos estagiários avaliassem a UC respondendo um questionário elaborado no aplicativo Formulário Google. Elencaremos e analisaremos nesta seção alguns resultados que nos pareceram significativos.

O primeiro deles diz respeito à realização das tarefas envolvidas na preparação do curso ministrado pelos alunos estagiários. A esse respeito, atentemos para o seguinte fragmento do comentário da Aluna A:

Eu acredito que a experiência de preparar aulas da regência com a plataforma do Google foi positiva para mim, pois o grupo de que fazia parte tinha já uma noção de como atualizar a ferramenta e quando uma tinha dúvidas, a outra auxiliava. Também as datas estipuladas para elaboração de planos de aula faziam com que nos juntássemos mais vezes durante a semana, nem que fosse online, para discutir e montar as aulas juntas (na aula de Fundamentos também tínhamos esse espaço).

(Aluna A)

Esse trecho nos permite observar que, ao utilizarmos ferramentas colaborativas do Google Drive de forma integrada ao curso, intensificamos o aspecto colaborativo que o trabalho em grupo supõe. Além disso, consideramos que, ao demandar o constante diálogo e consequente reflexão sobre as atividades, tanto das realizadas em conjunto com seu grupo, como daquelas feitas pelos demais grupos do curso, as tarefas elaboradas por meio do Google Drive incentivaram a autorreflexão e/ou da reflexão compartilhada (Freire, 2009), práticas indispensáveis para a formação do futuro docente.

Outro ponto que nos parece merecer destaque diz respeito à percepção dos alunos quanto à interação professor-aluno no trabalho de supervisão. Nesse sentido, observemos o fragmento abaixo:

A comunicação entre a professora responsável pelo grupo através do drive era bem rápida, apesar de eu entender que isso não tornava os comentários cara a cara indispensáveis, porque a linguagem na internet tem suas particularidades e também porque a interação face a face é instantânea. (Aluna B)

Evidencia-se por esse fragmento a presença de uma questão bastante frequente nas discussões envolvendo EAD: a interação presencial continua sendo considerada como indispensável nos processos de ensino­aprendizagem. Contudo, cabe destacar que em nosso caso não se tratou de substituir uma modalidade de interação pela outra, mas sim de ampliar a sala de aula no tempo e no espaço. O uso das ferramentas permitiu que acompanhássemos mais de perto o desenvolvimento de atividades por parte dos estagiários e que otimizássemos os encontros presenciais com os grupos, utilizando-os para questões que eram mais difíceis de serem resolvidas a distância, tais como sanar dúvidas que exigiam explicações mais detalhadas ou mediar conflitos.

Outro ponto que nos chamou a atenção nas reflexões dos alunos diz respeito aos aspectos relacionados à familiaridade com os recursos proporcionados pelas TDIC, que em certa medida envolve o trabalho com os letramentos digitais (Buzato, 2009, 22). Atentemos, nesse sentido, para o fragmento abaixo:

Trabalhar com o google drive na UC populariza a ferramenta e nos faz entendê-la na prática como utilizar e é uma proposta pra frentex porque a área das humanidades tem um pouco de resistência com a tecnologia, mas esses recursos muitas vezes facilitam a vida. Sobre as dificuldades acho que são duas. 1. Quando vocês explicam como deve ser feito o procedimento, se vcs não mostram na prática, fica difícil de fazer o que vcs pediram. As infos ficam vagas. Sei que no imaginário popular a minha geração sabe tudo de tecnologia mas isso não é real. [...] (Isso pode ser resolvido com tutoriais e mostrar usando no próprio drive o que tem que ser feito). 2. O uso do drive só é possível pra quem tem acesso à internet e nem sempre temos. Às vezes temos, mas não dentro dos prazos que vocês pedem.

(Aluna C)

A Aluna C aponta para a desconstrução de um imaginário comum quanto à suposta intimidade de alunos da sua geração no que se refere ao uso das TDIC, tema já indicado por estudos de alguns autores, como, por exemplo, Leffa (2005) e Kenski (2012). Essa experiência nos permitiu observar que a maioria de nossos alunos sabe usar o computador, o celular e a Internet para fins recreativos e de comunicação, mas que não todos o fazem de forma crítica ou pensando como podem ser utilizadas na prática docente. Conforme mencionamos, os aplicativos do Google Drive têm uma interface bastante amigável por terem um desenho muito semelhante aos dos programas do pacote Office, com os quais os alunos geralmente têm intimidade. Contudo, nos deparamos com dificuldades por parte de vários discentes com relação a essas ferramentas no Google Drive, em especial no que diz respeito ao seu aspecto colaborativo. Concluímos que é de fundamental importância, ao utilizar as TDIC em um curso, especialmente quando voltadas para atividades a distância, explicar detalhadamente as possibilidades oferecidas pela ferramenta ou recurso utilizado, e quais serão os objetivos dessas tarefas. Isso pode ser realizado em forma de oficina em um laboratório de informática, ou ainda mediante um tutorial.

Outro ponto de destaque do comentário da Aluna C está presente no seguinte fragmento “é uma proposta pra frentex porque a área das humanidades tem um pouco de resistência com a tecnologia, mas esses recursos muitas vezes facilitam a vida”. Trata-se de uma questão relacionada ao que mencionamos na introdução deste artigo: a tradição beletrista da área de humanidades que tende a olhar como negativo ou inferior o trabalho que escape a temas vistos como parte do cânone. Acreditamos que o trecho transcrito demonstra um reconhecimento e uma análise crítica da aluna quanto a essa tendência, provavelmente também incentivada pelas aulas e discussões realizadas ao longo das UC em que se deu a experiência.

A fala da Aluna C também aponta para questões de infraestrutura, visto que nem todos os discentes têm fácil acesso a computadores e à Internet. Dessa forma, alguns deles, para realizar as atividades pelo Google Drive, tinham que ir até o laboratório de informática do campus, de forma que o aspecto positivo quanto à mobilidade que havíamos mencionado na seção anterior não se aplicava plenamente a esses casos. Também nos revela a falta de igualdade social e econômica de nosso país que gera diferentes tipos de exclusão, como, neste caso, a digital.

Em complementação ao tema do letramento digital, observemos o seguinte fragmento do comentário de outra aluna:

[...] foi possível de se perceber que muitos comentários em um único arquivo podem acabar atrapalhando em alguns momentos, dificultando a visualização e as respostas. Também pode acontecer de haver muitas pessoas fazendo comentários parecidos ou iguais.

(Aluna D)

Consideramos que esse trecho indica a não familiaridade dos alunos com as características das interações não presenciais, tema também já sinalizado por Leffa (2005), entre outros autores. Como exemplos, podemos citar a extensão dos comentários que os alunos faziam a seus próprios documentos ou aos de colegas. Notamos que esses eram frequentemente muito longos ou não se atinham ao tema debatido. Outras vezes, ao comentar o documento de outros grupos, os alunos repetiam algo que já havia sido dito anteriormente por outro colega, o que indica uma maior preocupação em comentar que em interagir. Vale a pena também citar casos em que os comentários eram pouco modalizados, chegando, em alguns momentos, a ofender algumas regras de cortesia caras em nossa sociedade. Sobre esse ponto, gostaríamos de destacar que ainda que seja possível o uso de alguns elementos, tais como maiúsculas e emoticons, a comunicação virtual por meio de comentários escritos é bastante diferente daquela que ocorre face a face, visto que não permite o uso de gestos, da prosódia, da possibilidade de reformulações imediatas ou mesmo de ver o rosto do interlocutor e interpretar nele o impacto de nossas palavras. Tais limitações exigem dos implicados nesse tipo de comunicação alguns cuidados com o que é dito e, especialmente, com as formas escolhidas para fazê-lo, destrezas que entendemos também fazer parte dos letramentos digitais.

Por fim, vejamos este último trecho selecionado:

Descobri a utilidade e eficácia do google drive através da matéria de Fundamentos. [...] Passei a utilizar essa ferramenta com os alunos e professores lá do cursinho, para plano de aula, lista de exercícios, simulados.

(Aluna E)

Depreendemos desse fragmento de comentário que, em alguma medida, conseguimos alcançar um dos objetivos da UC (“conhecer e usar as novas tecnologias de forma crítica”), posto que a discente se apropriou das ferramentas do Google Drive e o está empregando na sua prática docente.

No próximo item, passaremos à descrição e análise do trabalho desenvolvido em outra UC do curso de Licenciatura em Letras-Português/Espanhol na qual foi abordado especificamente o uso das TDIC no ensino­aprendizagem de LE com o uso da plataforma Moodle.

Moodle: autonomia e consciência da construção do conhecimento

As considerações que faremos agora referem-se à UC “Laboratório de Língua Estrangeira – Espanhol”, ministrada no segundo semestre de 20144. Os principais objetivos dessa UC eram: (1) promover uma reflexão sobre o papel da autonomia no ensino-aprendizagem de espanhol como língua estrangeira; (2) utilizar as TDIC no ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras; e (3), como uma forma de orientar e integrar os dois primeiros objetivos apresentados, trabalhar a partir de práticas autônomas de aprendizagem tendo como eixo a relação língua/cultura e a heterogeneidade linguística do espanhol5. Ao término do semestre, depois das 15 semanas de aula, sendo apenas 4 presenciais, esperava-se que os alunos participantes pudessem:

No recorte de análise que decidimos fazer para desenvolver esta parte do presente artigo, vamos destacar os objetivos IV e VI, que serão retomados mais adiante. Seguiremos a exposição do desenvolvimento da UC, enfocando o recorte previsto.

Desenvolvimento das aulas

A carga horária semanal da UC “Laboratório de Língua Estrangeira – Espanhol” era de 4 horas. No cronograma entregue aos alunos havia algumas sugestões de leitura teóricas sobre as variedades do espanhol e as implicações sobre essa questão no âmbito do ensino e da aprendizagem. Havia também sugestões de materiais de vídeos, canções, videoclipes, sites sobre língua e cultura dos povos hispano-falantes etc. Como trabalho final do curso, os alunos tinham que fazer uma apresentação – desenvolvida por meio de pesquisa auxiliada pelas TDIC – sobre uma manifestação cultural na qual tocassem em alguma questão linguística, da variedade de uma dada comunidade linguística. Eles poderiam escolher a questão e também a variedade linguística e cultural que mais lhes “chamasse a atenção”, de acordo com seus interesses. Vale ressaltar que partimos da leitura dos capítulos 1 – “O professor de língua como mediador cultural” e 2 – “Currículo: proposta intercultural e discursiva”, do livro Discurso e Cultura na Aula de Língua (Serrani, 2005). Nos textos citados se trabalha com uma concepção de currículo multidimensional (Stern, apud Serrani, 2005, 30) no qual os elementos língua, cultura, comunicação e consciência da linguagem são priorizados como eixos para o planejamento dos cursos de línguas – condução essa que coincidia com os objetivos e conteúdos previstos no plano de ensino de nossa UC. Nessa proposta, postula-se que o ponto de partida deve ser sempre o contexto do aluno, de uma questão/manifestação cultural da própria comunidade onde está inserido para chegar ao conteúdo de língua/cultura alvo.

Essa concepção foi a responsável por fazer acontecer o desenvolvimento de um caminho próprio de pesquisa que partia da consciência de seu lugar no mundo: desde o começo do semestre cada aluno teve a oportunidade de desenvolver seu “sentimento de pertencimento”, ao ter que olhar sua história de vida (como filhos de migrantes, como moradores da periferia etc.) com a consciência de uma diversidade cultural brasileira que é bastante heterogênea. Dessa forma, puderam olhar-se como membros de uma comunidade linguística que apresenta características linguístico­culturais decorrentes de processos sócio-históricos localizados em espaço e tempo próprios. Como consequência, essa tomada de consciência deixou evidenciado um ponto de partida diferente para cada um dos alunos da UC. Ainda que eles se reconhecessem como membros de uma comunidade da qual muitos outros colegas também faziam parte, a escolha do ponto de partida, da manifestação cultural própria, foi consequência de um processo bastante singular. Acreditamos que esse processo se deu porque o estímulo dado à percepção de seu contexto fez com que o caminho da pesquisa apontasse para uma conquista da autonomia aliada à consciência crítica, visto que decisões e ações não foram tomadas de forma pré-determinadas, mas sim como consequência de julgamentos feitos a partir de tal consciência (Freire, 1980, 1996).

Ainda com relação à descrição das aulas, conforme já dissemos, quatro delas foram presenciais e aconteceram no espaço onde funcionava o Laboratório de Informática de nossa instituição. Nesse laboratório não foi utilizado nenhum programa específico para o ensino-aprendizagem de línguas. Trabalhávamos com aulas expositivas, utilizando projeção de imagem e som, discutíamos os textos lidos e, principalmente, utilizamos as primeiras aulas presenciais para orientação e apresentação da Plataforma Moodle e da navegação em páginas que seriam bastante úteis para a UC – como páginas de dicionários on line e de corpus de fonética e fonologia. Além disso, uma das aulas presenciais foi utilizada para a apresentação dos alunos sobre a pesquisa a ser desenvolvida no decorrer do semestre, que, como já explicitamos anteriormente, redundaria na apresentação de uma manifestação linguístico-cultural de uma comunidade hispano-falante.

Nas aulas não presenciais foram utilizados, essencialmente, os recursos oferecidos pela Internet. As mais diferentes páginas da web fizeram parte do percurso que desenvolvemos. A plataforma de ensino a distância utilizada na UNIFESP é o Moodle. Sobre sua utilização destacamos os procedimentos e atividades descritos abaixo:

Visualização da Autoevaluación na Plataforma Moodle
Figura 2
Visualização da Autoevaluación na Plataforma Moodle

Os textos produzidos individualmente como resultado da Autoevaluación foram postados, na última semana do curso, como um fechamento (ou como as “considerações finais”) das atividades do Diario de Estudios. Essa atividade em que os alunos precisavam voltar às experiências tinha como princípio fomentar, uma vez mais, a construção da reflexão crítica sobre vários dos processos desenvolvidos durante o semestre.

Feito o detalhamento das atividades e propostas didáticas desenvolvidas no contexto da UC “Laboratório de Língua Estrangeira – Espanhol”, passaremos agora à análise de alguns resultados de acordo com o recorte que escolhemos apresentar.

Análise dos resultados alcançados

Conforme apontamos no começo da descrição sobre o trabalho com o Moodle, o foco de nossa análise está na percepção de como a autonomia foi trabalhada e na tomada de uma consciência sobre o processo de aprendizagem por parte do aluno. Nesse sentido, destacamos os objetivos IV (refletir sobre o papel da autonomia no processo de aprendizagem) e VI (reconhecer e superar suas dificuldades linguísticas em espanhol a partir de práticas de aprendizagem reflexiva), como representativos de conquistas alcançadas através das atividades Diario de Estudios e da Autoevaluación, desenvolvidas na plataforma citada.

Para comentar esses resultados, selecionamos a parte II da autoavaliação da Aluna F, pois ela condensa de forma representativa as reflexões feitas pelo grupo6. Vejamos:

En primero momento me quedé un tanto perdida, pues esa metodología de solo cuatro clases presenciales en el semestre creo que no es suficiente. Sé que el alumno debe buscar autonomía en crear caminos para establecer su proprio proceso de aprendizaje, pero no creo que esa fue la mejor forma, visto que necesitamos de mayor contacto con las cuestiones culturales y mayor interacción con la lengua en la práctica.

Vale resaltar que tuve algunas dificultades para accesar la plataforma moodle por causa de la internet, geralmente depiendo de las computadores de la universidad que no son mucho buenas, pero consguí realizar todas las propuestas del cronograma. Cómo dijo anteriormente, las clases son pocas, pero busqué formas para conseguir realizar de la mejor forma los trabajos que hice. Eso me forneció conocimentos que desconocía y fue una oportunidad de poner en práctica algunos conocimientos que tuve en las clases de lengua español y pudo complementar con los estudios de otras disciplinas no española. O sea, propició un diálogo interdisciplinar entre las disciplinas que hice hasta este momento del curso.

Los textos y las actividades propuesta en el proceso de enseñanza en el laboratorio de español contribuyó para la reflexión sobre la enseñanza de la lengua española, porque algunos de ellos presentarón cuestiones de mucha importancia que puedo me valer como futura profesora de español.

(Re) pensando en todo mi proceso para llegar a la relalización de las actividades, creo que hice bastante cosa, sé que es mi obligación, pero reconozco, delante de este semestre conturbado ms esfuerzos y el avanzo que tuve en la lengua española, porque en todas las oportunidades de hacer el texto en portugués, preferí escribir en español para colocar en práctica mís estudios. Así siendo, mí nota está entre 13 o 14.

Notamos que na escrita do próprio texto a aluna coloca seus anseios e toma consciência do progresso alcançado, mesmo tendo que enfrentar algumas dificuldades. Faz uma reflexão que a mostra numa posição de reavaliação e reformula sua colocação inicial.

Logo no primeiro parágrafo demonstra reprovação quanto à divisão da carga horária. Acredita que precisa de uma interação com a língua e com a cultura que só poderia dar-se em atividades presenciais. O maior desafio dessa UC foi incentivar a mudança dessa postura, pois, no começo das aulas, os alunos não se sentiam confortáveis com os encontros não presenciais e apresentavam uma certa resistência. Para nós, isso se deve à falta da prática de atividades a distância no ensino formal ou, dito de outra forma, à falta de uma consciência de que há um trabalho de organização das práticas com as TDIC que pode ser muito produtivo para o processo de ensino­aprendizagem. Notamos que nas aulas presenciais, as orientações de uso das possibilidades da Internet e da Plataforma Moodle incentivaram a confiança e impulsionaram a autonomia dos alunos. Mais uma vez confirmamos nossas reflexões sobre o fato de os alunos usarem as TDIC para fins recreativos não garante sua habilidade no âmbito do ensino formal, com as ferramentas usadas para esse fim – conforme reflexão feita anteriormente a partir do comentário da Aluna D referente às atividades com o Google Drive.

No segundo parágrafo a aluna expressa sua dificuldade com relação à operacionalidade que envolve o trabalho com as TDIC – o que já comentamos e que sabemos que é um dos principais desafios para alunos, professores e gestores. É necessário que haja um bom computador, um bom acesso à Internet e que a plataforma também funcione de forma a colaborar com o desenvolvimento das atividades. Ao reconhecer essas dificuldades, assim como as dificuldades relacionadas à língua espanhola, a aluna diz que procurou formas para realizar as atividades e que essa iniciativa foi responsável por fornecer-lhe conhecimentos que não tinha. Reconhece que foi uma oportunidade não somente de colocar em prática os conhecimentos adquiridos nas UC de língua espanhola, mas também de outras UC, e chega a explicitar que houve uma troca ou “um diálogo interdisciplinar”. Ao fazer todas essas colocações, vemos que a retomada do percurso de desenvolvimento e o reconhecimento de ter atuado de forma autônoma vai levando a aluna a se perceber de forma diferente do que enunciou no primeiro parágrafo; ela vai tomando consciência de que houve aprendizagem e prática dos conteúdos aprendidos, e também entende que muito do que ocorreu nesse processo se deu graças às suas escolhas, à sua autonomia.

Mostrando-se afetada pela tomada de consciência do que pertencia às suas escolhas e do que tinha sido proposto como orientação do professor, no terceiro parágrafo ela volta a refletir sobre como as atividades e textos propostos pela professora deram a base para sua partida em busca do que acabara de comentar. Essa partida aparece na projeção que faz como futura professora de espanhol.

Para finalizar, a aluna explicita um “repensar” no processo todo pelo qual passou e, contrapondo a postura que adotou no começo de sua reflexão – que por sua vez reflete a postura que tinha no começo do curso – reconhece seus avanços na aquisição da língua espanhola, reconhece que mesmo tendo a possibilidade de escrever em português encontrou, na forma de trabalho adotada, incentivo para escolher usar o espanhol e poder praticar a língua. Aquela sua reivindicação de aulas presenciais devido à necessidade de interação para aquisição da língua revelou-se inconsistente quando a aluna se deu conta de que nos ambientes virtuais e a distância sentiu-se confiante para praticar e poder solucionar suas dúvidas de forma autônoma. De forma geral, utilizamos o texto dessa aluna para exemplificar a percepção da maior parte do grupo sobre: a forma como se sentiam “perdidos” no começo do semestre letivo com relação à UC e como isso se vinculava ao formato não presencial da maior parte das aulas e ao uso das TDIC para fins educacionais; à consciência do percurso de pesquisa autônomo e à valorização desse processo; a forma como se viram transformados e mais confiantes quando se projetavam como professores de espanhol.

Tomando a análise da autoavaliação de nossa aluna como exemplo das reflexões feitas pela maioria dos alunos da UC, chegamos a algumas considerações que discorremos a seguir.

Primeiramente, acreditamos que a resistência que os alunos apresentam com relação às aulas não presenciais possa estar ligada ao fato de que, durante sua trajetória de vida escolar, esses alunos não tenham sido expostos com frequência à interação em ambientes virtuais com fins educativos de forma adequada. Para mudar essa perspectiva, é essencial que o professor promova atividades que conscientizem os alunos do potencial educativo que esses ambientes podem ter – o que depende do planejamento do curso que, por sua vez, depende da qualidade da formação do professor. Esse processo de reconhecimento do potencial educativo das atividades desenvolvidas em ambientes virtuais contribuirá para o avanço e a solidificação de seu uso no ensino formal. No entanto, é evidente que, sem os investimentos necessários em Educação, não há como fazer milagre. Como consolidar o uso de uma tecnologia se ela nem mesmo existe em algumas escolas? Se não há infraestrutura adequada? Se não há incentivo à formação do professor? Obviamente não ignoramos os problemas de base que precisam ser solucionados na educação no Brasil. Faz parte da resistência trazê-los à baila, mas não nos deixamos paralisar por eles.

No relato que tomamos como exemplo dos resultados expressos pelos alunos, concluímos que houve um exercício para o desenvolvimento da autonomia e da consciência crítica a partir de uma prática que garantiu a integração da ação e da reflexão (Freire, 1980, 1996). Houve um primeiro momento de reflexão sobre o próprio e o alheio com relação à língua/cultura, seguido de ações de tomada de decisões sobre percursos de aprendizagem que propiciaram a construção de conhecimento que, posteriormente, foi analisada com base nos relatos do Diario de Estudios.

Para finalizar nossas considerações sobre a análise que fizemos, concluímos que o desenvolvimento da autonomia é a chave para uma das questões mais importantes no âmbito da educação: a formação continuada. Desenvolver essa competência parece-nos fundamental para que o aluno, futuro professor, tenha autonomia para continuar aprendendo de acordo com as demandas de seus grupos de alunos e para que possa fomentar o desenvolvimento dessa competência em seu fazer educativo. Em outras palavras, acreditamos que quando o futuro professor reconhece, ainda no papel de aluno, que o uso das TDIC com fins educativos, aliado à autonomia de aprendizagem, favorece a construção do conhecimento de forma crítica, abre-se a possibilidade de que, em seu fazer pedagógico, as TDIC sejam incorporadas de forma mais significativa para os objetivos educacionais propostos, e contribuam para que seus alunos não desenvolvam a mesma resistência que eles mesmos apresentaram, pois esses chegarão ao ensino superior tendo construído uma relação mais sólida com as atividades educativas em ambientes virtuais e terão mais confiança em si mesmos. Envolto a essa confiança e ao uso adequado das TDIC, salientamos o consequente desenvolvimento da autonomia dos alunos no processo de ensino-aprendizagem – princípio tão fundamental que nos PCN orienta-se que essa competência seja a base de construção da relação aprendiz-conhecimento (Brasil, 1998, 2000).

Considerações finais

A partir da descrição e das reflexões sobre os dois exemplos de integração dos recursos das TDIC em UC de formação docente, tentamos mostrar o caminho que vimos percorrendo no sentido de amadurecer ações relacionadas à incorporação de novas práticas à educação. Ao analisar os relatos e comentários dos alunos a partir do embasamento teórico que adotamos, desenvolvemos algumas considerações sobre a forma como as atividades propostas propiciaram a ampliação da sala de aula, o exercício da autonomia e a consciência crítica, tanto da atuação e percepção do sujeito no mundo quanto de seu protagonismo na construção do conhecimento. Percebemos que um dos aspectos mais importantes dessas experiências foi o de contribuir para os letramentos digitais de nossos alunos, futuros professores.

As reflexões levadas a cabo neste artigo também nos possibilitaram revisitar nossa prática, desconstruir certos imaginários e planejar ações futuras. Retomando os desafios encontrados, talvez o primeiro deles tenha sido reconhecer nossas próprias limitações, perder o medo de experimentar, de errar e de efetivamente aprender ensinando e ensinar aprendendo.

Por fim, tendo em vista o momento histórico em que levamos a cabo a escrita deste artigo, é impossível concluí-lo sem deixar de mencionar que o horizonte para as ações futuras decorrentes dessas experiências se encontra, para dizer o mínimo, cinzento. Em termos quantitativos, o cenário da oferta de cursos de Licenciatura em Espanhol como Língua Estrangeira em instituições públicas mudou consideravelmente nos últimos dez anos. O programa Reuni possibilitou não só um aumento no número de instituições que oferecem o curso, como também sua distribuição no território nacional. O contexto em que se deram as experiências detalhadas neste artigo é consequência dessa expansão e sua consolidação se vê neste momento muito ameaçada por decisões governamentais que apontam para um rumo muito diferente daquele que vinha sendo seguido até o momento, no âmbito das políticas públicas para a consecução de um país com menos desigualdade, menos excluídos e, consequentemente, menos iletrados.

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Notas

1 Mais informações a respeito de alguns aspectos dos momentos iniciais do curso de Letras Português-Espanhol da EFLCH podem ser encontradas em Foglia, Martin e Gutiérrez (2014) e em Oliveira (2014).
2 No semestre em questão, as docentes Andreia dos Santos Menezes e Rosângela A. Dantas de Oliveira foram as responsáveis por essas UC.
3 Esclarecemos que mantivemos TIC por se tratar da reprodução de conteúdos dos planos de ensino das UC citadas ao longo do texto, porém preferimos o termo TDIC.
4 Nessa edição, a UC foi ministrada pela professora Greice de Nóbrega e Sousa.
5 No atual PPC de graduação de Licenciatura em Letras-Português/Espanhol, essa UC não existe mais. Por apresentar questões interdisciplinares, a maior parte de seus conteúdos e objetivos foram diluídos em outras UC do curso. Para tratar a questão das TDIC e sua utilização no ensino formal de línguas, criou-se a UC eletiva “Formação Docente, Ensino de línguas e o Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação”, com a previsão de oferta para alunos das quatro Licenciaturas em Letras da EFLCH (Português, Português-Espanhol, Português-Francês, Português­Inglês).
6 Reproduzimos o texto tal qual foi escrito pela aluna.

Autor notes

Contato: amenezes@unifesp.brContato: greicenobrega@gmail.comContato: rosangela.dantas@unifesp.br

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