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Narrativas com imagens. Cinema, literatura e fotografia
Lucía Caminad Rossetti; Rodrigo Ribeiro Vitorino
Lucía Caminad Rossetti; Rodrigo Ribeiro Vitorino
Narrativas com imagens. Cinema, literatura e fotografia
Caracol, núm. 15, pp. 362-393, 2018
Universidade de São Paulo
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Resumo: Como ler a imagem visual junto ao texto verbal como estudos experimentais sobre a cultura? Que narrativas emergem dos interstícios da imagem e da palavra? Estas são as perguntas fundamentais de que partem este artigo que busca compreender o cruzamento entre imagem e literatura tomando como referência central a obra de Julio Cortázar e suas experimentações. Notamos que o estabelecimento desta forma particular de narrativa sugere não apenas uma hibridização de formas, mas também desafios teóricos e metodológicos alternativos para sua interpretação. Para isso, este artigo recorre a narrativas com imagens como formas de investigação mais próximas à literatura, cinema e fotografia. É interessante ressaltar que o recurso à interdisciplinaridade fornece os melhores meios para o texto híbrido de imagem e escrita e à teoria literária é necessária a incorporação destes elementos teóricos que atravessam diferentes campos.

Palavras clave: FotografiaFotografia,LiteraturaLiteratura,Teoria da ImagemTeoria da Imagem,CulturaCultura,Júlio CortázarJúlio Cortázar.

Abstract: How may we read the visual image together with the text as experimental studies on culture? Which narratives emerge from the in-between zone of image and word? This article considers these fundamental questions and intends to point out the relation between image and literature taking as a main reference Julio Cortázar’s works and its experimentations. It is important to notice that, by setting this particular type of narrative, he suggests not only a hybridization of forms, but also alternative practices of theory and methodology for its interpretation. This article takes advantage of photography and cinematography theories, as they are closer of the production of images in culture. We conclude that an interdisciplinary strategy provides the best mediums for understanding the hybrid text of image and writing. Furthermore, it is necessary to incorporate these elements to literary theory.

Keywords: Photography, Literature, Image theory, Culture, Júlio Cortázar.

Carátula del artículo

Vária

Narrativas com imagens. Cinema, literatura e fotografia

Lucía Caminad Rossetti
Universidade Nacional do Nordeste
Rodrigo Ribeiro Vitorino
Universidade Federal do Espírito Santo
Caracol, núm. 15, pp. 362-393, 2018
Universidade de São Paulo

Recepção: 09 Setembro 2017

Aprovação: 22 Janeiro 2018

Introdução

A literatura parece ser, no interior das disciplinas que trabalham com a incorporação da imagem, distanciada dos estudos da teoria da imagem seja do lado da história da arte ou humanas em geral. Como dispositivo que interage com o texto verbal, a imagem também é incorporada na literatura de diferentes maneiras: Através de histórias em quadrinhos, histórias ilustradas, na forma em que o texto constrói internamente a imagem poética (poesia visual, por exemplo), o diálogo interno no texto, a literatura do blog, etc. A cultura da imagem é instalada de forma conflitiva e a partir do campo puro da literatura. A partir das teorias da imagem, acontece mais ou menos o mesmo, mas com uma reação diferente: a literatura parece não desenvolver elementos suficientes que sejam próprios de uma análise da questão imagética.

Então, vamos tomar emprestada parte das teorias narrativas literárias para interpretar a imagem, emprestado de Deleuze sua imagem em movimento, de Didi-Huberman seu anacronismo e de Walter Benjamin o conceito de aura. Este é um caminho possível, entre muitos outros. O que é interessante neste artigo é tentar estabelecer ou construir um método de pesquisa da literatura que incorpore a imagem. Como ler a imagem quando não é ilustração? Em outras palavras: Como ler a imagem visual junto ao texto verbal como estudos experimentais sobre a cultura? Que narrativas emergem dos interstícios da imagem e da palavra?

Há que se considerarem dois componentes analíticos: primeiro, com base na forma como a literatura constrói, no quadro textual, conceitos da imagem (referindo-se às teorias de arte, fotografia e cinema). Tal é o caso da história de Julio Cortázar “As babas do diabo”, incluída em As armas secretas, que discute várias questões que relacionamos com a fotografia e cinema. Esta história foi adaptada para o cinema no filme Blow-up produzido em 1967 pelo renomado diretor Michelangelo Antonioni.

Como uma segunda instância, analisamos a relação entre literatura e fotografia. Mais uma vez, as narrativas que criam um novo território discursivo fundado na diferença entre palavra e imagem são encruzilhadas teóricas e metodológicas a respeito de como lidar com estas pequenas obras ou livro-objeto. Será tido em consideração um corpus de obras de Cortázar também, que incluem fotografia e que se relaciona com a sensualidade e o erótico como em Territórios (1979), onde por um lado, se estabelece o território do fotógrafo ou artista cujas obras servem como suporte da obra literária, e por outro, o contexto da foto mesma em sua relação com o narrado, bem como o suporte visual que complementa o narrativo. Além disso (e quase em oposição), outras funções da fotografia surgem da nostalgia e da memória, como em Buenos Aires, Buenos Aires (1968) e A volta ao dia em Oitenta Mundos (1967).

Esta seleção de entrediscursos traz à luz questões como: de que forma a incorporação de imagens na literatura ajuda a visualizar o nostos das cidades e as identidades latino-americanas? Como ler o texto verbal em diálogo com a imagem visual? Como a imagem é parte de experimentação literária nas obras do escritor? Os textos e imagens dão conta das cidades sobrepostas, personagens e territórios discursivos assediados por fronteiras imaginárias.

Fotografia e Literatura: entre a memória e a corporalidade

Como ler as imagens é um grande desafio teórico; como lê-las em relação à escrita literária é uma aposta forte no campo teórico. Uma teia de relações caracteriza a heterogeneidade discursiva na qual a interação dos discursos de fotografia e literatura gera obras literárias difíceis de classificar. Todos esses discursos ocupam a periferia do sistema discursivo, como desentendimentos com o hegemônico. Didi-Huberman pensa a imagem em seu caráter inseparável – e insuperável- do tempo “sempre ante a imagem, estamos ante o tempo” (Huberman, 2011, 31). Com base em leituras de Walter Benjamin, Aby Warburg e Carl Einstein, o anacronismo da imagem é baseado na história da arte, ou melhor, em uma arqueologia do presente.

Gilles Deleuze constrói a noção de imagem em movimento que se pensa nas suas relações com as imagens-percepção, imagem-afeto e imagem-ação. Estes sistemas de sinais ópticos e sonoros estão interligados. A imagem está no mesmo plano que o movimento associativo “A imagem-movimento e fluxo de materiais são rigorosamente o mesmo” (Deleuze, 1983, 91). A imagem em movimento é a matéria, ou seja, tem um corpo.

Tal como acontece com a arte, a identidade da imagem está correlacionada com a luz. O plano de imanência ou a matéria são “imagens de todo o movimento, coleta de linhas ou figuras de luz; séries de blocos de espaço-tempo” (Deleuze, 1983: 94). As imagens viventes são centros de indeterminação e quando são refletidas entre si mesmas, produzem a imagem-percepção intimamente associada com o espaço. Agora: entre Didi-Huberman e Deleuze já há duas abordagens, entre o temporal e espacial, bastante dicotômicas como ferramentas teóricas para entrar no campo literário que contém imagens.

A incorporação do dispositivo fotográfico consente o divague por lugares comuns do passado que se refletem na grafia, ou seja, na escrita. Em Último Round (1969), A Volta ao Dia em Oitenta Mundos e Buenos Aires, Buenos Aires (1968), podemos observar como o nostos, ou seja, a pena causada pela distância que produz certa tristeza melancólica gerada pelos traços da memória, é construído numa viagem literária com base nessas memórias que testemunham uma realidade e que permitem a sobrevivência desta. Entre ficção e testemunho, o desenraizamento é interpretado com maior ou menor distância de acordo com a invocação da imagem: “¿Con qué derecho se entra a la ciudad que es sueño y es distancia, simulacro de reflejos? Ella misma contesta y consiente, también Buenos Aires es una abstracción” (Cortázar, 1968).

Buenos Aires, Buenos Aires, é um livro escrito em colaboração com as fotógrafas argentinas Sara Facio e Alicia D’Amico, em 1968. Ele exibe uma série de imagens que evocam a vida cotidiana da cidade e seu movimento: Mostra um repertório de imagens que descrevem a realidade latino-americana, muitas vezes marcada pela tensão entre a pobreza e as grandes “pompas” da metrópole. É interessante como neste livro, Cortázar escreve descrições ficcionais, espécie de micro-histórias ou poemas em prosa que parecem emergir da própria imagem. Neste jogo, identifica-se um lado nostálgico e, por outro, a distância aparece como panóptico a partir do qual a memória visual estimula a escrita:

Por ósmosis, por lentos reflujos, a través de inconcebibles síntesis, ocurre que de tanto anónimo trajinar asoma la excepción, el individuo que de alguna manera crea esa ciudad que lo creó, la modela otra vez exigentemente, la arranca al hábito y a la conformidad. Inmóvil en sus cimientos, Buenos Aires es una ola que se repite al infinito, siempre la misma para el indiferente y cada vez otra para el que mira su cresta, la curva de su lomo, su manera de alzarse y de romper

(Figura I)(Cortázar, 1968).


Ilustração I
Foto: Instituto di Tella
Buenos Aires, Buenos Aires (1968)

A fotografia traça um percurso pela cidade e também é a criação de uma área urbana caracterizada pela modernidade periférica (Sarlo, 2003). O ato de narração põe em movimento a memória e o passado torna-se presente, encurtando a distância física, a cidade torna-se um “aqui” simbólico. “Decir Buenos Aires es decir el mundo, ahora” (Cortázar, 1968). A fotografia tornase lembrança palpável: existe uma obsessão, feita de distância em volta da vizinhança e que dá o toque de aura e faz deste o equivalente da lembrança (Dubois, 2010, 313-314).

A partir desta perspectiva, o interstício desde o qual podemos ler a imagem e a palavra, a fotografia funciona como imagem mental e o texto verbal como traço memória e como modo de reflexão: “También yo la invento desde aquí, desde fuera como cualquier otro, más cerca quizá que otros. Buenos Aires, como toda ciudad, es una metáfora; nace a la realidad por el contacto de términos distantes y extranjeros, de alianzas secretas” (Cortázar, 1968).

No ato de lembrar através da imagem, estabelece-se uma ligação entre a imaginação identificadora e a razão distanciada. O pathos é cristalizado nos “acessórios animados” e o impulso emocional está na sua origem (Recht, 2012: 21). Graças à arte, a consciência desta distância pode reverter uma função social durável. A memória desempenha um papel considerável já que ela liberta o sujeito dos modelos opostos. Da mesma forma, o retorno para a infância e os lugares-comum são dos passeios do atlas Cortazariano (Ilustração III): “De los porteños se podrá decir que no hemos hecho gran cosa y a lo mejor es cierto, pero nadie nos quita la fiaca, madre de la poesía, amiga de la silla en la vereda y de tanto mate amargo” (Cortázar, 1968).


Ilustração II
Foto: Plaza de Mayo, Cabildo e Intendencia Municipal
Buenos Aires, Buenos Aires (1968)

Nesse mesmo resto de memória que é ativado através da fotografia, também se revela um processo de passagem antes/depois acentuado pelo crescimento da população e da modernização da cidade que se torna metrópole, cosmopolita e marginal. A imagem fotográfica, que complementa esta citação mostra o arranha-céu Alea no centro da cidade (Ilustração III), que foi tomada a partir de um ângulo no qual ela é erguida a imponente arquitetura simbolizando a metrópole e ofuscando o resto da paisagem e o horizonte.


Ilustração III
Foto: Edificio Alea. Leandro N. Alem e Viamonte.
Buenos Aires, Buenos Aires (1968)

Ao considerar a fotografia como intersecção entre o verbo e a imagem, vale mencionar a carta enviada ao escritor cubano Roberto Fernández Retamar por Cortázar “Sobre a situação do intelectual latino-americano”, que foi originalmente publicada em 1967 na casa de revista das Américas. No segundo volume do Último Round, que inclui “a título de documento dado que por razones de gorilato mayor impiden que la revista citada llegue al público latinoamericano” (Cortázar 2009b, 265). O que é interessante é que na versão de UR se inclui reproduções fotográficas de esculturas pré-colombianas. É um lado latinoamericano que vem à luz nesta carta cuja posição política e horizonte ideológico são bastante acentuados.

O uso da fotografia no presente exemplo serve como uma referência de mumificação. Ou seja, o referente está presente e por isso continua a ser a sua intensidade. Além disso, a fotografia “recoge una interrupción del tiempo a la vez que construye sobre el papel preparado un doble de la realidad” (Barthes, 2009, 21) e acaba por reforçar o sentimento das origens latinoamericanas apoiadas na memória e conhecimento, para além dos horizontes da escrita que enfatizam o peso das palavras. As duas versões diferem apenas (e modifica a leitura da carta) pela inclusão de fotografias destas reproduções. Um pequeno detalhe que não é menor, já que Cortázar reforça sua estratégia narrativa da criação de um artigo, em forma epistolar e de caráter combativo, ou seja, o lugar da fala é politizado e tem um passado, uma missão política e histórica para resgatar.

A reflexão da fotografia pode ser analisada como uma categoria epistêmica, está claro: de pensamento (Dubois, 2010, 60). Neste sentido, observamos anteriormente que a imagem funciona como uma forma de complementar um pensamento político e está incluída em uma linha ideológica que atravessa a imagem epistemológica. Enfrentando outra forma de axiologia, em “Álbum com fotos” (UR) a imagem só fica na palavra e na sua invisibilidade (a falta de imagem) está relacionada com o poder das palavras para montar um álbum de fotos que consiste em retratos de pessoas “la cara de un negrito hambriento, la cara de un cholito mendigando” (Cortázar, 2009a, 157). Destaca-se a questão da fotografia como prova, como um espelho da realidade (Dubois, 2010) em sua capacidade como ícone. Como prática, o ato de colecionar fotos também é uma maneira de coletar o mundo (Sontag, 2005).

Imagens corporais na fotografia e a escrita

Territórios (1979) é uma das obras de Cortázar que estabelece, de um lado, o território do fotógrafo ou artista cujas obras funcionam como suporte literário; por outro lado, o contexto da foto mesma em relação ao narrado, bem como o suporte visual completa o narrativo. O erotismo através do visual transforma o leitor em um voyageur, em “un ser dotado de mirada, pero no de voz, que terminará convirtiéndose en irremisiblemente en confidente y a veces cómplice de las imágenes que se reflejan en su retina” (Ledesma Pedraz, 2000, 1). Por exemplo, no território de Rita Renoir explora “la impugnación, el cuerpo femenino como mero objeto” sobre o drama de dança apresentado nas fotos da atriz. Em “Cuerpo escrito, cuerpo a la vista”, Joaquín Manzi formula que na prática e contemplação da fotografia se expande um laboratório pulsional, ou seja, se constitui um lugar de revelações e revelados dos desejos tanto do corpo estranho como o próprio (Manzi, 2003, 192). No “Território de la joven bruja”, o corpo de Rita Renoir põe em cena, através da fotografia em preto e branco “la expresión artística es aquí un agente que al modificar el comportamiento del espectador ayuda a la creación del ‘hombre nuevo’” (Cisneros, 1978, 314).


Ilustração VI
Foto: Rita Renoir.
“Homenaje a una joven bruja”. In Territórios (1969)

Com isso, o que se pretende esclarecer é a experimentação literária que supõe a presença da imagem. A palavra e a imagem interagem de formas diferentes, de acordo com o território literário. Cada seção pressupõe uma posição de leitura diferente: em geral, apresenta-se o processo de redefinição da própria literatura, ou seja, o diálogo com outros elementos. Na leitura da “Carta del viajero”, estamos no território do desejo: se questiona a dualidade corpo-escrita. Além do corpo como território discursivo onde imagem corporal é confundida com geografias literárias. Cortázar considera o ato de fotografar como parte do processo de escrever e criar, que surge a partir da memória: “Fijar imágenes en la memoria o en un papel sensible no lleva a ninguna cartografía. En este caso, los usos del cuerpo delinean una tekné que acerca la práctica amorosa y artística” (Manzi, 2003, 191).

Incorporam-se fotografias de Frédéric Barzilay que se destacam por “su manera de particularizar y segmentar el cuerpo humano, hacen que el escritor se convierta en viajero que se desplaza por un país nunca lo suficientemente conocido”(Cisneros , 1978: 313); olhamos uma viagem através do corpo e se faz uma leitura de um artigo sobre o erotismo na literatura “en donde el viaje se realiza a través del perfume y del silencio del tacto; el texto resultante es una exploración poética del cuerpo desnudo de una mujer”(Cortázar, 2002, 38).


Ilustração V
Foto: Frédéric Barzilay
“Carta al viajero”. In Territórios (1969)

Consequentemente, ao propor reconsiderar o conceito de literatura com termos geográficos é porque ele nos permite repensar as interzonas da literatura. Interzonas que surgem nos interstícios do erotismo como uma expressão: “País de dulce orografía, de sabores naciendo al término de un día que no acaba, país sin palabras” (Cortázar, 2002, 41). Territórios funda uma maneira de posicionar-se frente à arte, seja para fazer-lhe críticas ou para apoiar o processo criativo. Além do objetivo de confrontação feroz ou total apoio, Cortázar incorpora a imagem para que também se possa “olhar” o sujeito da escrita. Assim mesmo, na seleção dos territórios que investigamos, as imagens corporais constroem, reciprocamente, os territórios literários.

A relação entre Imagem e o Invisível

Na primeira parte deste artigo, trabalhamos com o cruzamento entre a experiência fotográfica e a literária, tomando como referência obras de Julio Cortázar em que ele utiliza o recurso da imagem visual proporcionada pela fotografia. Utilizando-as de maneira a ativar pela imagem a memória e a imaginação identificadora (como nos microcontos que compõem as fotografias de Buenos Aires) ou modificando pelo texto a maneira como seu interlocutor se relaciona com a imagem e com o que é narrado. Nesta segunda parte, o mesmo autor é evocado através de sua elaboração particular de uma teoria da imagem presente em um de seus contos e a relação da mesma com a investigação proposta neste artigo.

A tentativa de investigar as interseções entre literatura e imagem (cinema ou fotografia) requer referenciais teóricos interdisciplinares que deem conta deste objeto inerentemente heterodoxo. É necessário compreender, antes disso, a natureza desta heterodoxia e como se dão os contatos entre estas formas de representação. O que possuem em comum texto literário e imagem visual e quais suas especificidades? Abordar a apropriação, por parte da palavra escrita, de recursos visuais requer também que pensemos a respeito da polaridade entre dependência/autonomia da imagem em relação ao texto. Ao perguntar-nos: “que mensagem pode transmitir a imagem sem que necessite de uma narrativa?” podemos dar um passo inicial para compreendermos como a imagem pode transformar o texto escrito.

Buscamos na teoria cinematográfica, primeiramente, os argumentos a respeito da dependência e autonomia da imagem frente ao texto. O conceito de “imagem-presença” de Maya Deren é evocado para tratar de uma forma específica de relação entre imagem e sentido. Propomos um debate acerca das reflexões de Michelangelo Antonioni em seu filme Blow-Up, baseado no conto “Las babas Del diablo” de Julio Cortázar, incluído no livro Las armas secretas. Ambos, filme e conto, problematizam a imagem captada fotograficamente e tecem uma teoria da imagem fotográfica (e também cinematográfica, no caso de Antonioni), ainda que tomem caminhos distintos. As duas obras servirão de referência para a investigação conduzida sobre a presença da imagem na literatura e as transformações potencializadas por sua introdução. A seguir, pensamos de maneira mais específica sobre as concepções analisadas e sua relação com o Invisível, em sua capacidade de manipular a realidade para além de seu mero registro. Esta é uma reflexão relevante, pois a apropriação de Cortázar da imagem fotográfica é similar às experimentações imagéticas da fotografia e das elaborações cinematográficas de artistas como Maya Deren.

A exaltação à imagem

Ao surgimento da fotografia e, posteriormente, do cinema, o que se viu foi o progressivo crescimento das expectativas em torno das possibilidades da utilização de imagens, bem como a disseminação destas e sua penetração no cotidiano e imaginário moderno. O século XX testemunhou uma explosão de novidades em termos de experiências perceptivas, e grande parte destas experiências traduzia-se em imagens, tal como atestado por Walter Benjamin em seu ensaio sobre Baudelaire e a respeito do nascimento daquilo a que chamamos ‘moderno’ representado nas infindáveis estimulações visuais experimentadas pelo poeta e flâneur. Em “O Cinema e a Invenção da Vida Moderna”, Leo Charney (2004) apresenta uma série de influências do cinema em esferas tão diversas quanto o comércio e jornalismo.

A disseminação da imagem foi recebida tanto com otimismo quanto pessimismo, tendendo, de maneira geral, para o primeiro. Mesmo um pensador dissonante como Walter Benjamin - que denunciou a perda da “aura” a partir do advento da reprodutibilidade técnica das obras fotográficas e seus derivados como o cinema - apontava para as possibilidades inovadoras desta nascente forma de arte, reconhecendo nela uma capacidade, ainda que pouco explorada, de captar aspectos não perceptíveis do ‘real’. Hoje, testemunhamos a utilização da imagem também pela literatura, gênero que a princípio seria sua concorrente no que diz respeito a formas de representação. Nosso ponto de partida, ao indagar-nos sobre as ferramentas mais adequadas para investigar as interseções entre estes universos distintos, é buscar referenciais teóricos não apenas provenientes da teoria literária ou da imagem tomadas de maneira autônoma.

Antes de pensar o cruzamento da imagem em movimento do cinema com o texto, propomos abordar uma das características que esta imagem tem de específica. Na célebre sessão do Café Paris, a 28 de dezembro de 1895, os irmãos Lumière apresentaram seu cinematógrafo ao mundo. O filme mais hoje mais lembrado desta sessão foi “A chegada do trem na estação”, graças aos relatos que enfatizaram o espanto do público frente ao realismo da imagem. Outro registro, no entanto, nos desperta um interesse particular. Trata-se de “Repas de bébé”. Ele nos mostra uma família com uma criança ao centro fazendo uma refeição. Ainda que a maior parte da audiência tenha se espantado com o centro da narrativa, um espectador em especial notou algo em particular. Era George Méliès, que viria a ser considerado o primeiro autor a explorar o aspecto fantástico do cinema. Isso significa dizer que ele foi o primeiro a explorar uma gama maior de mais recursos técnicos com o objetivo de filmar um roteiro de ficção. Méliès notou no plano ao fundo da cena: “as folhas se movem”, como comentaria mais tarde. A imagem das folhas se movendo ao acaso, sem a intervenção de quem captava a imagem, de maneira ‘invisível’ perante a trama que se desenrolava, significava para Méliès o centro do potencial imagético do cinema, proporcionando níveis diferentes de representação para além do registro puro de uma cena. Ele descreveu seu sentimento como um “assombro”. Alegoricamente, este será um dos debates em torno do qual se desenvolverá o cinema e suas teorias por todo o século XX. De um lado, a ênfase do cinema clássico (muito associado à produção de Hollywood, mas não sendo uma exclusividade deste) na narrativa dramática e de outro a exaltação da capacidade da imagem de expressar o indizível e captar o invisível, presente nas diversas vanguardas cinematográficas.

O cinema possui a capacidade de produzir uma identificação do espectador com as imagens exibidas, apreendendo ali o “real”. Analisando essa impressão de realidade, Christian Metz (1977) enfatiza que o cinema possui uma linguagem convincente, que garante uma ilusão participativa. Uma obra, para ser realmente fantástica, precisaria convencer. O “irreal” (fictício) deve surgir como um acontecimento diante dos olhos, e não parecer algo inventado deliberadamente. A projeção e o movimento proporcionam autonomia à imagem cinematográfica, fazendo com que o espectador possa acreditar em sua verossimilhança (Metz, 1977). Para o sucesso deste empreendimento, que é a garantia da ilusão, é necessário que o cinema esconda exatamente aquilo que faz dele ilusório. Lembremos que a imagem cinematográfica é feita de fotografias postas em movimento e é a montagem delas em continuidade que concorrerá para a criação de uma narrativa. A união entre esta e a imagem realista será a fundamento do cinema clássico, que tem em Griffith (“O nascimento de uma nação”) seu expoente maior. Sua característica básica é o encadeamento narrativo-dramático e, sem ele, este cinema perde sua força. As imagens apenas ganham sentido a partir da trama elaborada para elas, sendo que a manipulação das imagens em si obedece a esta trama. Ismail Xavier explica que

O que caracteriza a decupagem clássica é seu caráter de sistema cuidadosamente elaborado, de repertório lentamente sedimentado na evolução histórica, de modo a resultar num aparato de procedimentos precisamente adotados para extrair o máximo rendimento dos efeitos da montagem e ao mesmo tempo torná-la invisível

(Xavier, 2005, 32).

Existem, no entanto, outras concepções teóricas sobre o fazer cinematográfico que se opõem ao cinema clássico e sua dependência do encadeamento narrativo. Ismail Xavier demonstra como o questionamento desta ‘decupagem clássica’ por correntes intelectuais e artísticas deu origem a experiências imagéticas distintas. A valorização da imagem ‘pura’, que falaria por si mesma (prescindindo da palavra) e o papel do cineasta como manipulador delas sem o objetivo de esconder sua natureza ilusória era o cerne destas discussões. O autor propõe uma reflexão a partir das categorias de ‘opacidade’ e ‘transparência’ para pensar a maneira como o cineasta elabora sua obra. ‘Opacidade” estaria relacionado a este sistema clássico de montagem, na qual o modo como a ilusão é criada é escondido dos olhos do espectador e a ênfase recai sobre o visível, a trama. Já ‘transparência’ se relaciona à abordagem que deixa aparente os mecanismos de manipulação imagética, chamando atenção diretamente sobre a imagem e seu vigor, explorando seu elemento invisível e convidando ao assombro. Esta dicotomia, no entanto, não funciona de maneira a simplificar o tema.

Entretanto, essa divisão nos permite avaliar a centralidade do invisível no discurso cinematográfico (Xavier, 2005).

A exaltação da imagem em contraste com a valorização da trama no cinema, como vimos, data de seu nascimento. Está presente em correntes tão diversas quanto o ‘cinema puro’ francês (Germaine Dulac), o cinema underground norte-americano (Andy Warhol) ou o modelo onírico-surrealista (Buñuel). Analisar as ideias de cada uma destas correntes extrapola as intenções deste artigo. Interessa-nos, aqui, uma cineasta vanguardista específica: Maya Deren, a quem tomaremos o conceito de “imagem-presença” para contribuir com nossa reflexão acerca das possibilidades da imagem. Deren, em Anagram of ideas (1965), apresenta sua teoria do cinema baseada na oposição entre aquilo que ela chama de “horizontalidade da narrativa” e “verticalidade da imagem”.

A cineasta se coloca como uma crítica do cinema narrativo lógico-causal e recusa uma montagem criadora do espaço-tempo contínuo. Para ela, o tempo do cinema não é o do encadeamento narrativo possibilitado pela decupagem clássica, mas o da poesia e da sua capacidade de exprimir através de imagens o invisível. Em seu esquema, a dimensão horizontal da narrativa deve-se à natureza desta de criar uma linha temporal de ações sucessivas que tem como objetivo levar o espectador de sentimento em sentimento, através de uma lógica linear. Por outro lado, a verticalidade a que ela aspira trata-se de uma investigação imagética mais profunda de um único acontecimento, extraindo dele camadas de significados incorporados na imagem. A esta imagem, capaz de se expandir em ramificações e interpretações diversas, ela chama de “imagem-presença”, aquela que prescinde da narrativa para lhe atribuir sentido. Em Meshes of the afternoon, sua primeira obra, vemos uma mulher que se desloca por diferentes cenários e situações distintas, e o envolvimento desta personagem com estas situações só pode ser apreendido num plano subjetivo na construção das imagens, manipuladas de maneira a alterar nossa percepção dos acontecimentos não narrados, mas apresentados. Este processo é análogo ao realizado por Cortázar ao introduzir imagens em sua narrativa e manipular os seus significados através do texto e de sua dimensão corporal, como exposto anteriormente na análise sobre seus contos de caráter imagético e experimental.

A imagem-presença de Deren, assim, é a imagem à espera de uma investigação poética de suas características não visíveis, contrária àquelas que são ajustadas a um esquema clássico de encadeamento narrativo. Esta imagem não busca explicação, mas aprofundamento (Xavier, 2005). Unir a este conceito de imagem-presença a reflexão de Antonioni sobre a insuficiência da imagem e a teoria da imagem fotográfica esboçada por Cortázar nos daria um quadro das possibilidades de se analisar a utilização das imagens na poética literária, e é a esta tarefa que nos voltamos agora.

Blow-Up e As babas do Diabo: O invisível revelado

Em Antonioni, a consciência da ilusão cinematográfica e da impressão de realidade surge de maneira a problematizar a questão dos limites da imagem. Como aponta Schollhammer, a descontinuidade entre o olhar do fotógrafo (o protagonista) e aquilo que ele percebe a posteriori torna-se alegoria da relação entre o espectador e a imagem a que ele assiste (Schollhammer, 2007).

De maneira sintética, o enredo do filme gira em torno do fotógrafo Thomas, que registra casualmente o encontro de um casal enquanto realiza uma caminhada. A princípio, nem o fotógrafo nem o espectador percebem nenhuma anormalidade na cena. Apenas quando a fotografia é revelada, Thomas percebe o indício de um crime que estava para ser cometido e que sua presença teria evitado. Instigado por essa revelação, Thomas passa a analisar as fotos, estudá-las, e criando uma narrativa baseada na sequência de fotos por ele montada, descobre que outro crime pode ter acontecido. Ele retorna ao local do crime, sem a câmera, e descobre um cadáver. No entanto, quando ele retorna até lá com sua câmera, a prova do assassinato não existe mais, assim como suas fotos desapareceram do estúdio. Sem estes registros, ele é incapaz de convencer as outras pessoas de sua teoria sobre o crime.

Dentro do debate anteriormente aludido, Blow-Up insere-se entre os filmes que utilizam a montagem clássica. Sua narrativa, entretanto, contém elementos que contestam a ilusão cinematográfica. Ela é revelada a partir da ideia de que aquilo que o espectador vê é sempre insuficiente e que o encadeamento dramático-narrativo tradicional apoia-se mais sobre as palavras que sobre a imagem. A narrativa de Antonioni traz em um primeiro momento a exaltação do poder da imagem em sua capacidade de revelar aquilo que está oculto dos olhos desarmados do fotógrafo (e do espectador), quando ele descobre, através da imagem por ele captada, indícios de um possível crime. Entretanto, esta concepção dá lugar a uma segunda revelação que a sobrepuja – a descoberta de um novo acontecimento a partir do encadeamento dos acontecimentos apenas a partir da imaginação de Thomas. A falha do protagonista em perceber o segundo crime naquele primeiro instante corresponde, alegoricamente, à fragilidade da imagem de revelar o invisível, que é a dimensão que se impõe à sua narrativa. É a imaginação de Thomas que é capaz de construir uma narrativa que o leva a descobrir a cena por completo. Ainda assim, sem as imagens, sua narrativa permanece incompleta. A trama de Antonioni fixa-se como metáfora para a insuficiência da imagem frente àquilo que é irreconhecível.

O filme de Antonioni guarda semelhanças com o conto “Las babas del diablo”, de Cortázar, no qual foi inspirado, mas possui diferenças fundamentais em relação a este, e não apenas na trama central. No conto, o que vemos é uma teoria sobre fotografia e imagem mais complexa. Também encontramos no conto a ideia de que, sobrepondo-se a uma dada situação já determinada, a fotografia é capaz de dar acesso a uma segunda interpretação, a partir da observação da imagem fotografada. A estas interpretações corresponde também uma sobreposição do sujeito que observa. Em um primeiro momento, o narrador (o fotógrafo) observa a cena diretamente e só vê uma cena banal que se desenrola diante de seus olhos, tão natural quanto pode ser uma cena captada pelo olhar (e subjetivamente direcionada). A seguir, o que ele vê nas imagens que realizou, é a si mesmo representado enquanto fotografa, e vê-se envolvido na cena da qual anteriormente não participara. É assim que ele realiza a imperfeição de sua primeira interpretação.

Schollhammer (2007), ao analisar o conto de Cortázar, ressalta que nele surgem três níveis diferentes de interpretação de uma imagem, e ele argumentará que este esquema pode também ser estendido ao filme realizado por Antonioni. No conto, o primeiro nível de descrição é aquele que o senso comum entende como ‘natural’, mas que o narrador avisa prontamente que o considera permeado pela subjetividade dele, o fotógrafo, que enquadra e registra apenas um recorte de qualquer objeto ou acontecimento, que em seguida será lembrado como real. Aqui, temos uma definição particular das teorias da imagem fotográfica em seu segundo momento, como apresentada em Dubois, por exemplo, em que a ingenuidade acerca do realismo da imagem cede espaço uma visão da fotografia como construção de um olhar (Dubois, 2010). Na perspectiva doe Cortázar, esse nível já é imperfeito, pois a intervenção de quem vê quebra o automatismo perfeito da máquina.

O segundo nível de descrição é aquele no qual “a atenção do narrador já foi despertada por um ruído que perturba a perfeição da imagem imaginada” (Schollhammer, 2007, 167). Neste nível, o narrador, que neste momento se posiciona como observador e como sujeito observado, busca enquadrar a imagem de maneira a extrair dela o ‘gesto revelatório’ que o perturba. Aqui, a “aura inquietante” presente na imagem e que só surge a partir dela e não da situação registrada, é objeto da interpretação. Este seria o instante da revelação do invisível na imagem. Na adaptação de Michelangelo Antonioni, este momento corresponderia àquele em que Thomas, o fotógrafo, sente que pode existir algo nas fotos além do que ele vê.

Podemos notar aqui o local ocupado por este “invisível” neste nível de interpretação e que não é exclusivo da formulação literária de Cortázar. Esta capacidade da arte em fazer emergir o gesto revelatório está presente nas elaborações estéticas de outros autores sobre a representação na arte. Por exemplo, Ferreira (2000), ao tratar das imagens de violência em fotografia, lembra que em Imortalidade, Kundera fala do gesto, que seria um instante na vida, um sentimento que, mesmo que não consigamos nomear, dá o tom trágico à vida e seus momentos, como uma figura que vemos com o canto do olho, no limite de nossa visão periférica, e que quando olhamos a sua procura, já não mais vemos. Esse gesto não se pode reter nem definir, mas o percebemos como experiência. A arte é uma tentativa de se apossar desse gesto, e mesmo que ele, numa tela de cinema ou num quadro, não cause o efeito como experimentamos no momento, ali podemos vê-lo finalmente, saber do que se trata, como ele nos afeta, como numa música especialmente bela que fale sobre o amor. A arte busca comunicar um aspecto da vida, que é o gesto, mas também tem o desejo de possuir este aspecto, capturando seu momento fugaz (Ferreira, 2000).

A particularidade da abordagem de Cortázar reside precisamente no fato de que, em literatura, essa revelação do gesto está ligada à utilização de imagens fotográficas, uma forma de representação originalmente alheia ao texto escrito, resultando num cruzamento inesperado. Se a fotografia em si modifica a imagem, a imaginação narrativa é capaz de transformá-la e traduzi-la por completo. Assim, o terceiro nível de interpretação tratava da elaboração mental da imagem observada, que ganha vida com o ato de narrar, e que já modificou o próprio entendimento da situação registrada. Algo análogo ao obtuso barthesiano que não pode ser apreendido com os códigos culturais específicos utilizados para decodificar uma imagem. Quando o protagonista de Cortázar fecha os olhos e se impõe a investigação vertical (ou seja, profunda) da imagem, um novo significado surge e explode aí, envolvendo a subjetividade do autor.

Para Schollhammer, é este elemento enigmático suscitado pela imagem que une as obras de Antonioni e Cortázar. Este segredo se revela na imperfeição da imagem e na superação de seu realismo, ou melhor, de sua identificação como índice de uma imagem já existente – o ceticismo diante da ideia de se observar uma representação natural, ramificando para níveis mais profundos sua interpretação (Schollhammer, 2007). Aqui, podemos traçar um paralelo entre esta emergência do invisível e a imagem-presença de Maya Deren anteriormente aludida: É a manipulação da imagem e sua capacidade de revelar sentidos e paixões que lhe garante especificidade. A tensão entre a imagem poética e a necessidade de narração é diluída na transformação da palavra pela imagem narrativa que confere uma aura particular a este encontro, e não a ilustração do texto pela imagem, nem a mera explicação das imagens pelas palavras. A imagem rígida destruiria o poder da narrativa, é o que parece nos dizer o fotógrafo-narrador de Cortázar.

Considerações Finais

Para finalizar esta abordagem inicial e exploratória, levantamos uma questão importante: o que lemos da teoria da imagem e a partir de teorias literárias para entrar no universo teórico e metodológico das narrativas literárias caracterizadas por conformar territórios imagéticos? Este passeio dará conta de certas rupturas e a inauguração de um campo literário especial com características originais, como resultado da interação com outras artes. É possível, então, apontar uma forma de escrita “interartística”.

Esta escrita “interartística”, assim, se configura um espaço de produção de imagens culturais híbridas, em que imagem e palavra comunicam e despertam mais do que o fariam como entidades autônomas de criação artística. O recurso à interdisciplinaridade se impõe, então, como tarefa necessária para a apreensão de suas categorias constituintes. À pergunta “que mensagem pode transmitir a imagem sem que necessite de uma narrativa?”, feita no início da segunda parte deste trabalho, respondemos com uma asserção negativa: a imagem não é capaz de fazer emergirem aqueles territórios e sentimentos invisíveis, que lhe escapa e que são fundamentais à criação literária. Cortázar aparece então como um autor interessado em desvendar esta paixão que vem do segredo, como nota Schollhammer, e é nas imagens que ele encontrará expressão para este elemento invisível. A exploração narrativa da imagem por parte de Cortázar tem como característica principal imprimir uma experiência nova ao leitor, que não é apenas visual nem literária, mas mesmo sentimentos de nostalgia ou erotismo ressaltados por sua escrita.

Foi na teoria da imagem fotográfica, através de conceitos como o de Anacronismo de Bibi-Huberman e nas formulações sobre territorialiedade e erotismo nas imagens Cortazarianas, bem como no conceito poético de imagem-presença de Maya Deren que encontramos parte do referencial teórico com que nos debruçamos sobre as particularidades da imagem visual na escrita literária. Esses conceitos, no entanto, estão longe de esgotar as possibilidades de exames teórico-metodológicos destas experiências narrativas. Aqui, aponta-se para a necessidade de cruzamentos entre campos disciplinares distintos, tarefa que deverá ser enfrentada e ampliada, se pretendemos dar conta da investigação das experiências narrativas que surgem no seio da cultura da imagem, que permeia linguagens narrativas diversas.

Material suplementar
Referencias Bibliográficas
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Notas
Autor notes

Contato: lucia.caminada@gmail.comContato: rodrigo.ribeiro23@gmail.com


Ilustração I
Foto: Instituto di Tella
Buenos Aires, Buenos Aires (1968)

Ilustração II
Foto: Plaza de Mayo, Cabildo e Intendencia Municipal
Buenos Aires, Buenos Aires (1968)

Ilustração III
Foto: Edificio Alea. Leandro N. Alem e Viamonte.
Buenos Aires, Buenos Aires (1968)

Ilustração VI
Foto: Rita Renoir.
“Homenaje a una joven bruja”. In Territórios (1969)

Ilustração V
Foto: Frédéric Barzilay
“Carta al viajero”. In Territórios (1969)
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