Resumo: Os estudos descritivistas possuem uma sólida tradição nos estudos linguísticos do espanhol no Brasil. Nosso objetivo é retomar a relação entre o espanhol e o PB considerando a distância textual. Para isso, comparamos alguns dados de entrevistas do PB e da variedade do espanhol de Medelín. Com relação aos antecedentes mais distantes, a estratégia de retomada por SN foi a mais selecionada tanto no PB quanto no espanhol de Medelín. No que diz respeito aos antecedentes mais próximos, encontramos uma particularidade. No PB, ao contrário do esperado, a estratégia mais produtiva foi a retomada por SN, com uma oração entre antecedente e o elemento anafórico. Na variedade de Medelín, embora a estratégia mais selecionada tenha sido a retomada por clítico, também encontramos um número bem próximo de retomada por SN. Chamou-nos a atenção que na variedade analisada (tal como no PB) encontramos grandes distâncias entre antecedente e elemento anafórico.
PALAVRAS-CHAVE: línguas próximaslínguas próximas,distância textualdistância textual,estratégias de retomadaestratégias de retomada,PBPB,variedade de Medelínvariedade de Medelín.
Abstract: In this article, we deal with the descriptivist studies that constitute a solid tradition in the linguistic studies of Spanish in Brazil. Our goal is to think one more time about the relationship between Spanish and Brazilian Portuguese (PB) considering the distance factor and, for that, we use the notion of textual distance. To achieve this goal, we compared some interview data from Brazilian Portuguese and the Medellin Spanish variety. Regarding the most distant antecedents, the strategy of resumption by NP was the most selected in both PB and Spanish of Medellin. With regard to the closest antecedents, we find a particularity. In PB, contrary to expectations, the most productive strategy was the retaking by NP, with a clause between antecedent and anaphoric element. In the Medellin variety, although the most selected strategy was clitic resumption, we also found a number very close to that of clitic resumption of the NP resumption strategy. It struck us that in the analyzed variety (as in PB) we found great distances between antecedent and anaphoric element.
KEYWORDS: nearby languages, textual distance, resumption strategies, PB, Medellin variety.
Dossiê
Os diferentes olhares das descrições dos estudos linguísticos sobre o espanhol no Brasil: um passo a mais na questão da distância
Recepção: 29 Agosto 2019
Aprovação: 17 Setembro 2019
A relação entre o espanhol e o português no Brasil é uma história de diferentes movimentos apaixonados de pesquisadores brasileiros e de diferentes nacionalidades que desde sempre buscou definir as idiossincrasias compartilhadas ou não de ambas. Os olhares das diferentes gerações nesse processo de conhecimento formaram outras gerações que também assumiram como sua a tarefa de tratar esse tema, seja adotando uma perspectiva já defendida, seja contribuindo com algum avanço que alimentava a questão.
Recuperar essa história é parte da missão deste artigo. Neste artigo, nos ocupamos dos estudos descritivistas que constituem uma sólida tradição nos estudos linguísticos do espanhol no Brasil. Embora na tradição mais antiga, a abordagem “descritiva” se distanciasse da abordagem prescritiva que visava estabelecer regras para o uso socialmente correto da língua (Crystal, 2000, 129) na tradição de estudos linguísticos sobre o espanhol os dois adjetivos muitas vezes se sobrepõem.
Na primeira seção, nos ocupamos do tema da proximidade entre as duas línguas. Na segunda seção, vamos além da distância que foi proposta como elemento caracterizador das duas línguas e problematizamos a noção de distância textual. Finalmente, vamos olhar para a distância efetiva nas duas línguas propondo que tal fator pode de novo aproximar as línguas em questão.
Começamos com uma pergunta que parece retórica, mas não é: por que descrevemos? Ou por que alguns pesquisadores se interessam pela descrição? Consideramos que essa pergunta particularmente nos define como linguistas interessados pelo espanhol Não sabemos ao certo se dispomos de uma resposta pronta para uma questão tão ampla que vai mais além do aqui e agora porque remonta nossa formação nas universidades e pode ir ainda mais longe se pensamos em como a língua materna nos foi (e ainda é) ensinada nas escolas. Podemos propor que tal afirmação ganha uma dimensão universalista posto que tais questões podem se estender aos brasileiros, aos argentinos, e quaisquer outras nacionalidades.
A gramática tradicional (II a. C.) foi criada com o objetivo de oferecer os padrões linguísticos das obras de escritores consagrados. Estava, portanto, voltada para a língua escrita, mais precisamente para a língua literária grega. Foi aplicada, com o apoio das línguas grega e latina, à descrição de diversas línguas. No caso do espanhol, esta língua também recebeu o apoio da língua latina para suas descrições. A obra de Nebrija teve como principal função se estabelecer como um dos primeiros símbolos de identidade da língua espanhola e deu ao espanhol status de língua nacional. No século XV, na primeira gramática espanhola, Elio Antonio de Nebrija, definia gramática como “Arte de hablar y escribir rectamente”. Quilis (1984) já anunciava em sua edição crítica da referida gramática que o autor fez o trabalho de um gramático descritivo e normativo.
Os gramáticos que sucederam a Nebrija deram continuidade à tarefa de oferecer os padrões linguísticos considerando os escritores consagrados, mas, também, descrever as línguas. Esses gramáticos foram a obra de referência na formação dos linguistas no Brasil. Muitas vezes, o índice dessas obras era o conteúdo das ementas dos cursos de graduação. As obras de gramáticos espanhóis não eram acessíveis seja pela dificuldade de exportação, seja pelo alto preço e muitas vezes se limitavam a um único exemplar que era o do professor. Dessa forma, as descrições linguísticas de Amado Alonso, Gili Gaya, Rafael Seco entre outros formaram a memória discursiva daqueles que num futuro próximo também seriam linguistas.
No contexto de obras voltadas a descrições do espanhol publicadas no Brasil, começam a circular algumas ideias sobre a relação que se estabelece entre o espanhol e PB. Num primeiro momento, o espanhol parece espelhar o português e, nessa perspectiva, o processo de aprendizagem desta língua tinha seus atrativos.
Em 1920, é publicada a Grammatica da Lingua Espanhola, do professor Antenor de Veras Nascentes. Nesta obra, o autor já propagava a ideia de que o espanhol e o português eram línguas muito parecidas:
O espanhol é parecidíssimo com o portuguez, como toda a gente o sabe. Quem conhece o portuguez, com facilidade lê e compreende o espanhol; sentirá, é verdade, algumas deficiencias. Além disso, é uma língua familiar a nós por causa da immigração espanhola em nosso paiz, das companhias dramáticas, de operetas e zarzuelas que annualmente nos visitam, das relações com as republicas vizinhas
(Nascentes, 1943, 5ªed, 4).Essa constatação do filólogo persistiu durante muito tempo na memória de pesquisadores, professores e alunos. Para aprender o espanhol, bastava conhecer o que era diferente e tudo parecia reduzir-se ao âmbito lexical. Eram obrigatórias as listas dos heterossemânticos, heterotônicos, heterogenéricos.
Nessa linha de pensamento e ainda muito influenciados pela tradição de ensino do latim por meio da tradução de autores consagrados, começou a circular no Brasil um dos primeiros materiais didáticos para o ensino do espanhol como língua estrangeira: Manual de Español de Idel Becker (1984). Se pensamos que para muitos professores no Brasil o material didático servia como única fonte de informação linguística e input para a aula de espanhol como língua estrangeira, podemos pensar como essas concepções de língua implícitas aos materiais didáticos que circulavam no Brasil influenciaram gerações de professores. Além da obra de Idel Becker, outras obras foram publicadas no Brasil. Mas além delas começavam a chegar materiais didáticos predominantemente espanhóis. As raras exceções de obras da França e outros países chegavam ao Brasil por iniciativas particulares de alguns pesquisadores já interessados em novas abordagens para o ensino do espanhol.
Gerações de professores de língua espanhola foram formados recebendo essas influências que resumimos brevemente. Uma grande maioria parecia se interessar pela área de Literatura Espanhola e Hispano-Americana. Mas aos poucos começou a crescer o interesse pelos estudos linguísticos. Entre os muitos professores que foram se interessando pelos estudos linguísticos destacamos o nome de Neide González.
González em seu estudo de 19941 e trabalhos posteriores (1998, 2000, 2005) argumentava que devido a processos específicos de mudanças sintáticas pelos quais o espanhol e o Português Brasileiro vinham passando, estas línguas apresentavam uma inversa assimetria com relação à expressão ou não do sujeito e do objeto.
Em 1999, em coautoria com Kulikowski, as autoras relativizaram a proximidade entre o espanhol e o Português Brasileiro e falavam na “justa medida de uma proximidade”. Este novo olhar sobre a relação entre o português e o espanhol, redimensionava o espelhamento de uma língua em outra que até então vinha sendo reforçado.
Essa linha de pensamento permitiu que novas descrições surgissem e desse estudo derivaram muitos outros estudos. Citamos apenas alguns deles: Fanjul (2002), Celada (2002), Pinheiro-Correa (2003), Sebold (2005), Pinheiro-Correa (2007).
Fanjul (2002) adere à ideia de que o espanhol e o português oferecem diferenças em suas sintaxes, mas sugere que tais diferenças não são exclusivamente o que caracteriza o espanhol e o português:
“(...) mesmo sabendo que nossas línguas têm diferentes sintaxes que ‘organizam os traços das referências enunciativas, é pertinente apontar que não é essa diferença o que faz que existam o ‘espanhol’ e o português’.”
(33)O autor propõe que se olhe o contato português-espanhol a partir das discursividades. E passa a descrever regularidades em torno de processos enunciativos. Sua proposta de observar a distância no contato, a partir de fatos sintáticos traz consigo a legitimidade da “interincompreensão”.
Celada (2002) trazia sua contribuição à questão da relação entre o espanhol e o português propondo que a língua espanhola é singularmente estrangeira para o brasileiro. Ao propor essa imagem, a autora depois de refazer o trajeto de algumas pesquisas sobre o espanhol e o português, postula que “é preciso trabalhar na direção de afetar sua identidade e, também, trabalhar nessa sua subjetividade o acontecimento da língua espanhola” (261) e ainda “que o brasileiro explore sua posição de estrangeiro na língua espanhola, na contramão do efeito de homogeneidade” (262).
Sobre González (1994), Celada (2002) afirma que “implica uma ruptura, uma descontinuidade fundamentalmente no plano dos estudos dedicados a determinar as relações entre os funcionamentos da língua espanhola e do português brasileiro” (134) e ainda que as interpretações e interrogações da pesquisadora permaneçam ressoando.
Anteriormente, nos ocupamos em retomar as diferentes tendências e olhares que a pesquisa sobre o espanhol e o PB vem recebendo no Brasil. Tais olhares partem de uma visão de quase total semelhança entre as duas línguas, passam por uma visão de que estas línguas têm sim uma distância que se revela por meio da inversa assimetria e chegam à visão de que há entre as duas línguas não só diferenças, mas também regularidades. Destacamos que tais olhares vão se sucedendo no tempo e nos movimentos dos pesquisadores para ir avançando em suas pesquisas.
Neste trabalho, nos propomos a pensar uma vez mais a relação entre o espanhol e o PB considerando o fator distância. No que diz respeito às estratégias anafóricas, o PB se caracteriza por apresentar um sistema fraco de clíticos e dispor da possibilidade de não realização fonética do complemento, ou seja, seu apagamento. No espanhol, a disponibilidade de não realização fonética do objeto direto parece ser bem mais restrita. A Gramática Descriptiva propõe como única possibilidade o contexto de resposta a uma pergunta, ou seja, logo após a primeira menção do referente2.
Mas estudos como o de Palacios (1998, 2000) começaram a veicular a possibilidade de apagamento para variedades do espanhol tais como: Paraguai, Peru, Colômbia e Guatemala como consequência do contato linguístico. Entretanto, não encontramos nem na Gramática Descriptiva nem em outra obra qualquer tipo de referência à distância.
A distância é um conceito presente em nosso dia a dia. Quando queremos saber o quanto precisamos percorrer para chegar a uma cidade ou quando um atleta participa de uma corrida, por exemplo, em ambos os casos, nos são dados valores referentes a distâncias. Para que tais valores possam ser estabelecidos, são considerados um ponto de partida e outro de chegada. Dependendo de aonde quero chegar ou de qual local estou partindo, as distâncias podem variar. E não é diferente do que acontece em relação à distância no nível linguístico.
Partindo dessa ideia, vemos que é necessário haver pelo menos dois elementos interagindo entre si. Deste modo, no âmbito linguístico, temos um elemento detentor da referência e outro que, para ser compreendido, depende referencialmente desse primeiro elemento; a saber, antecedente e elemento anafórico (cf. Huang, 2004). Podemos entender tal relação a partir do seguinte exemplo:

Em (1a), para compreender o pronome Elas, necessitamos de algum elemento que nos apresente mais informações para que assim possamos saber a que elemento tal pronome faz referência. Assim, o pronome Elas diz respeito ao elemento anafórico enquanto [algumas frutas] ao antecedente. Temos, com isso, uma relação anafórica entre eles.
E como saber a que distância se encontram? Se para estabelecer a distância para chegar a uma cidade, como mencionamos anteriormente, fazemos uso de unidades de medida tais como metro e quilômetro, no âmbito linguístico, consideramos a quantidade de orações. Sendo assim, em (1a), temos o antecedente e o elemento anafórico a uma distância igual a 1.
Considerando o fator distância, há alguns estudos que se apropriaram dele em suas descrições. Um desses estudos é o de Fant (1985). Nele, o autor se propõe a descrever a fala culta de Madri tendo em vista o processo anafórico. Para tanto, estabeleceu como metodologia a análise de entrevistas de um corpus da fala de Madri.
Em sua análise, Fant (1985) observou os valores anafóricos (anáfora direta, anáfora indireta4 e não anafórico), força enfática de algumas estruturas linguísticas que podem funcionar como anáfora5 (sintagmas nominal, verbal e adjetival; advérbio em –mente, subordinada completiva, pronomes pessoal tônico e demonstrativo, advérbio dêitico, clíticos, sujeito zero), valores de distância, interferência e a média entre esses dois valores e a função sintática (sujeito, complementos direto e indireto) das anáforas.
No tocante aos resultados, Fant (1985) verificou que (i) quanto ao nível de força enfática, existem três tipos (nível 1 – valor alto, nível 2 – valor intermediário e nível 3 – valor baixo) e apenas as anáforas/elementos anafóricos que exerciam a função de sujeito e de complementos direto e indireto (CDI) eram compostos por estruturas linguísticas de cada um desses três níveis; (ii) houve um predomínio dos dados como anáfora direta; (iii) considerando a função sintática das estruturas linguísticas (tipos morfossintáticos), na posição de sujeito prevaleceu o apagamento e a anáfora direta enquanto na posição de CDI houve um predomínio da retomada por sintagma nominal (SN), da anáfora indireta e de elementos não anafóricos.
Além de Fant (1985), temos o estudo de Vázquez Rozas (2004). A autora apresenta alguns elementos e teorias que levam em conta a questão da referência. Dentre elas, temos a Teoria da Acessibilidade Referencial (Prince, 1981 apudVázquez Rozas, 2004) que propõe uma escala de disponibilidade dos referentes/antecedentes. Nesta escala, o tópico mais acessível seria representado pela anáfora zero e o tópico menos acessível seria representado pelos SNs indefinidos.
Nesse panorama, somente o contexto linguístico pode oferecer uma base empírica acerca do funcionamento discursivo das expressões referenciais. Para dar conta do contexto linguístico, um dos parâmetros é o da distância referencial.
A distância textual é, pois, uma medida inversamente proporcional da acessibilidade referencial das entidades do discurso: a menor distância referencial: maior acessibilidade ao passo que a maior distância referencial: menos acessibilidade.
Pensando na identificação do antecedente, retomamos Fant (1985) que estabelece que o antecedente é todo aquele que está mais próximo da expressão anafórica. Neste contexto, um clítico, por exemplo, poderia ser um antecedente. Por isso, estabelecemos que o antecedente corresponda ao sintagma nominal (SN) mais próximo da expressão anafórica.
No tocante ao valor D, este se refere ao número de orações presentes entre o antecedente e a expressão anafórica. Fant propõe uma categorização de valores de 1 a 4 (sendo 4 o valor máximo que também incluiria valores superiores a 4):
Valor 1: quando o antecedente e expressão anafórica estão na mesma oração;
Valor 2: quando o antecedente está na oração anterior a da expressão anafórica;
Valor 3: quando estão a uma distância de duas orações;
Valor 4: quando estão a uma distância de três ou mais orações.
Concernente à aplicação de tal categorização, Fant (1985) não apresenta exatamente para quais valores D, que mencionamos anteriormente, foram encontrados dados com as estruturas linguísticas que funcionaram como elementos anafóricos tanto em posição de sujeito quanto de complementos direto e indireto, entretanto foram estabelecidas as médias dos valores.
Por exemplo, para os dados referentes a pronomes pessoais como elementos anafóricos em posição de sujeito, não sabemos com que frequência foram encontrados a uma distância 1, 2, 3 ou 4 do antecedente já que apenas uma média desses valores foi disponibilizada.
Desta forma, considerando o valor D, os resultados da análise das entrevistas corresponderam a:
Observando os resultados (i) e (ii), vemos que em caso de anáfora direta, o falante selecionava a estratégia de retomada por clítico com o valor de distância 2 e 3, ou seja, com uma distância de uma ou duas orações. Em caso de anáfora indireta, o falante preferia a retomada por SN com uma distância semelhante.
Desta feita, podemos afirmar que o fator distância, proposto por Fant (1985), dá visibilidade a outras formas de realização do complemento que até então pareciam ser desconsideradas.
Depois de revisitarmos a memória dos estudos linguísticos sobre o espanhol, chegamos ao ponto central deste artigo. Voltamos à proposta de que o espanhol e o PB têm sintaxes diferentes, mas nos propomos a repensar essas diferenças considerando a distância textual. Durante muito tempo, o foco das descrições do espanhol foi a distribuição do sujeito e do complemento. Nesta perspectiva, o PB se caracterizava pelo preenchimento da posição de sujeito e o espanhol pelo preenchimento da posição de objeto pelo clítico.
Partimos do pressuposto de que os estudos linguísticos sobre o espanhol têm contribuído com visões que nos fizeram pensar no espanhol primeiramente como “igual” ao português, depois como diferente e mais distante do português e agora nos agrada a ideia de pensar que talvez tenham algumas características compartilhadas. Mas nossa intenção não é, em absoluto, voltar ao “igual” ou ao “fácil”, mas relativizar um pouco essas posições que pareciam afastar as duas línguas. Somos parecidos em alguns pontos, mas também temos nossas particularidades como acontece com todas as línguas naturais.
Sebold (2005) investigava a realização das estratégias de retomada de objeto anafórico por falantes de PB aprendizes de espanhol. Durante a pesquisa e realização de alguns testes surgiu a seguinte questão: Qual seria a distância que o falante julgaria como necessária para retomar um antecedente? A distância no PB seria a mesma que no espanhol? Essa pergunta ficou sem resposta, porém agora depois de algum tempo voltamos à mesma questão com novo interesse.
Com base nessas perguntas, decidimos verificar os valores de distância no PB quando o elemento anafórico ocupava a posição de objeto direto (OD). Para tanto, analisamos três entrevistas do corpus do Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro (NURC). Embora tenhamos levado em conta a categorização do valor D estabelecida por Fant (1985), apresentamos cada valor em si, ao invés da média, porque nos pareceu mais interessante verificar a que distância ou distâncias do antecedente cada estratégia de retomada aparecia ou prevalecia.
Nos dados referentes ao PB, encontramos 68 ocorrências distribuídas entre apagamento, retomada por clítico e SNs. Observando os dados, vimos que a retomada por SN predominou quando o antecedente estava a uma ou mais orações de distância do antecedente (valores de 2 a 4 de distância). Surpreendentemente, a retomada por SN prevaleceu sobre o apagamento.


Comparando os exemplos (2) e (3), vemos que a retomada por SN e o apagamento apresentam valores semelhantes quanto à distância o que nos leva a questionar que fatores impulsionaram os falantes a em um dado momento retomar o antecedente por meio de SN, tanto em distâncias curtas quanto mais longas, e em outro, optar pelo apagamento. Esperávamos que a maior frequência de apagamentos predominasse em distâncias curtas e a retomada por SN em distâncias longas. Entretanto, esse padrão não foi encontrado. O exemplo (4) corresponde ao único dado com retomada por clítico que encontramos.
Tendo verificado a distância no PB, retornamos para os questionamentos levantados por Sebold (2005): Qual seria a distância que o falante julgaria como necessária para retomar um antecedente? A distância no PB seria a mesma que no espanhol? Em Oliveira (2019a)6 podemos ver alguns dados referentes a uma análise inicial sobre a distância no espanhol de Medelín (Colômbia). A autora analisou uma entrevista, a mais extensa do grupo de escolaridade alto, do corpus do Proyecto para el Estudio Sociolingüístico del Español de España y de América (PRESEEA) de Medelín. Observamos os dados aí presentes e vimos que a retomada por clítico (estratégia prototípica do espanhol para retomar um OD) prevaleceu nas distâncias com valores de 1 a 3 enquanto a retomada por SN predominou nos valores de 2 a 4.
Em (5), encontramos uma retomada por SN em uma distância curta (VD= 2), um apagamento com valor 4 (onze orações) e um SN também com valor 4, mas que equivale a trinta e oito orações. Chamou a nossa atenção, o fato de o falante ter selecionado um apagamento em uma distância longa visto que essa estratégia seria licenciada apenas em contextos mais próximos do antecedente. Em (6), vemos uma sequência de clíticos com distâncias entre 1 e 4.

Comparando os valores 4 do apagamento, do SN e do clítico podemos dizer que são valores diferentes posto que na realidade a quantidade de orações é diferente. Para os clíticos, ter três orações entre antecedente e elemento anafórico talvez seja um contexto ainda razoavelmente curto, o que não traria problema para identificar o antecedente. Entretanto, em relação ao apagamento, continua sendo um contexto inesperado por haver inúmeros elementos ou informações ao longo dessas onze orações e não ser previsto pela Gramática Descriptiva.
No tocante aos dados do PB e do espanhol de Medelín, podemos afirmar que embora essas duas línguas apresentem uma assimetria inversa no que diz respeito ao preenchimento do OD (segundo GONZÁLEZ (1994)), em relação à distância, os resultados são semelhantes: apagamento e retomada por clítico são mais frequentes em distâncias com valores mais baixos enquanto a retomada por SN foi bastante produtiva para ambas as línguas.
Neste artigo, inicialmente, nos dedicamos a fazer uma breve memória dos estudos descritivos sobre o espanhol no Brasil e alguns fora do Brasil. Os estudos descritivos sobre o espanhol no Brasil têm contribuído com visões que nos fizeram pensar no espanhol primeiramente como “igual” ao português, depois como diferente e mais distante do português.
Retomamos o estudo de Sebold (2005) que investigava a realização das diferentes estratégias de retomada por falantes de PB aprendizes de espanhol e duas questões que ficaram sem resposta: Qual seria a distância que o falante julgaria como necessária para retomar um antecedente? A distância no PB seria a mesma que no espanhol?
Buscamos reacender o tema da distância entre o PB e o espanhol dessa vez considerando a noção de distância textual. Para isso, retomamos a pesquisa de Fant (1985) e partimos dos valores de distância (que foram expressos em médias) como uma referência inicial para o espanhol já que o autor trabalhou com dados do espanhol de Madri.
Posteriormente, fomos buscar em dados do PB as referências para a distância textual. Finalmente, também fomos olhar para uma variedade diferente da já descrita por Fant e consideramos a variedade de Medelín (Colômbia). Nesta aproximação inicial a dados das duas línguas, não era nossa intenção uma total similaridade entre o volume de dados analisados e tampouco nos interessava a quantidade de ocorrências.
Nos dados do PB, as duas principais estratégias selecionadas foram o apagamento e a retomada por SN. Surpreendentemente, houve mais ocorrências de retomada por SN. Considerando o fator distância, os valores D na seleção das duas estratégias foram 2 e 4.
Nos dados de Medelín, as estratégias mais produtivas foram a retomada por clíticos e a retomada por SN. Chamou a nossa atenção o número de ocorrências referentes à retomada por SN. Os valores de distância na seleção da estratégia de retomada por clítico foram de 1 a 4. Os valores referentes à retomada por SN, foram 2, 3 e 4.
Contudo, ressaltamos que há uma diferença entre os valores 4 de ambas estratégias: enquanto no valor 4 da retomada por clítico foi encontrada uma distância de três orações entre antecedente e elemento anafórico, na retomada por SN foi encontrada uma distância de trinta e oito orações. Essa distância encontrada na variedade de Medelín não era esperada.
Com relação aos antecedentes mais distantes, a estratégia de retomada por SN foi a mais selecionada tanto no PB quanto no espanhol de Medelín. Entretanto, havia diferença no número de orações. No PB, encontramos uma retomada com distância de nove orações e no espanhol, uma com distância de trinta e oito orações (como mencionamos anteriormente).
No que diz respeito aos antecedentes mais próximos, encontramos uma particularidade. No PB, ao contrário do esperado, a estratégia mais produtiva foi a retomada por SN, com uma oração entre antecedente e o elemento anafórico. Na variedade de Medelín, a estratégia mais selecionada foi a retomada por clítico (reforçando as clássicas descrições do espanhol), com no máximo quatro orações entre antecedente e o elemento anafórico. Também encontramos na variedade de Medelín um número bem próximo ao de retomada por clítico da estratégia de retomada por SN. Tal contexto é pouco contemplado nas descrições do espanhol.
Se por um lado os dados que consideramos são reduzidos, por outro nos convidam a refletir sobre em que medida o fator distância textual pode realimentar os estudos descritivos sobre a relação entre o PB e as variedades do espanhol.
(Fant, 1985, 8)
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