Dossiê
Recepção: 21 Agosto 2019
Aprovação: 15 Setembro 2019
Resumo: Neste trabalho, apresentamos os resultados de nossa pesquisa (Simões, 2015) a respeito da realização do objeto pronominal acusativo de 3ª pessoa nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu e comparamos as tendências encontradas com o português brasileiro. Tendo em vista estudos sobre o espanhol (Campos, 1986; Fernández Soriano, 1999; Groppi; 1997), nossa hipótese era de que nas variedades de espanhol que investigamos a omissão do objeto se restringiria a antecedentes [-determinados; -específicos]. Contudo, verificamos a ocorrência de objetos nulos em outros contextos, contrariando parcialmente a nossa hipótese.
PALAVRAS-CHAVE: objeto pronominal acusativo, espanhol, português brasileiro, variação linguística, coexistência de gramáticas.
Abstract: The aim of this paper is to present our research findings about 3rd person accusative pronominal object in the Spanish varieties of Madrid and Montevideo and to compare the tendencies that were found to Brazilian Portuguese. Considering studies on Spanish (Campos, 1986; Fernández Soriano, 1999; Groppi; 1997), our hypothesis was that in the Spanish varieties analyzed the object omission would be restricted to [-determined; -specific] antecedents. However, it was observed null objects in other contexts, contradicting partially our hypothesis.
KEYWORDS: accusative pronominal object, Spanish, Brazilian Portuguese, linguistic variation, coexistence of grammars.
Introdução
Neste artigo, nosso objetivo é apresentar parte dos resultados de nossa tese de doutorado (Simões, 2015)1 sobre a realização do objeto pronominal acusativo de 3ª pessoa nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu e comparar as tendências encontradas com o português brasileiro (doravante PB). Para a realização da pesquisa, analisamos entrevistas orais da variedade de espanhol de Madri (Cestero Mancera et al., 2012) e de Montevidéu (Elizaincín, s/d) pertencentes ao PRESEEA (Proyecto Sociolingüístico para el Estudio del Español de España y de América) e comparamos os resultados com o PB, mediante a tradução a esta língua de algumas ocorrências encontradas nessas variedades de espanhol. Como referencial teórico, consideramos a perspectiva biológica de língua (Chomsky, 1981, 1986) aliada a alguns aspectos da sociolinguística (Labov, 2008; Weinreich, Labov e Herzog, 2009). Tendo em vista os estudos sobre o objeto anafórico acusativo no espanhol (Campos, 1986; Fernández Soriano, 1999; Groppi, 1997), partimos da hipótese de que nessas variedades dessa língua os objetos nulos se restringiriam a antecedentes [-determinados; -específicos]. Conforme veremos, essa hipótese foi parcialmente contrariada, já que essa categoria vazia não se restringiu a esse tipo de antecedente. A partir das tendências encontradas, tecemos uma interpretação teórica com base na perspectiva minimalista (Chomsky, 1999, 2000, 2004).
Na primeira seção deste artigo, discutiremos os trabalhos sobre o objeto anafórico acusativo no espanhol e no PB. A segunda e a terceira seções serão dedicadas, respectivamente, ao referencial teórico e à metodologia. Na quarta seção, apresentamos e discutimos os resultados encontrados e, na quinta seção, abordamos a interpretação teórica para essas tendências. Concluímos o artigo tecendo algumas considerações finais.
O objeto anafórico em função acusativa no espanhol e no português brasileiro
Conforme Campos (1986) e Fernández Soriano (1999), no espanhol, seria necessário que um sintagma nominal (doravante SN) [+específico] em função acusativa fosse retomado pelo pronome clítico. Por outro lado, quando se trata de um SN [-específico; -definido], seria possível a ocorrência do objeto nulo. Segundo Groppi (1997), a variedade de espanhol de Montevidéu apresentaria essa mesma tendência. Observem-se as construções em (1):

De acordo com Groppi (2009), no espanhol, apenas o pronome clítico poderia retomar um antecedente em função acusativa. Portanto, a retomada desse tipo de antecedente pelo pronome tônico seria agramatical, como se observa em (2a). Nessa língua, para que o pronome tônico ocorra em função acusativa, seria preciso que fosse correferente com um clítico, que existisse a necessidade discursiva de estabelecer contraste entre dois ou mais referentes, que o antecedente fosse uma entidade [+humana] e esse pronome deveria estar introduzido pela preposição a, como se observa em (2b).

Em relação aos SNs encabeçados pelo artigo indefinido, segundo Leonetti (1999), esse tipo de antecedente poderia ser retomado por um pronome definido, como em (3b). Nessa construção, o SN un caso de corrupción é retomado pelo clítico. Os SNs introduzidos pelo artigo indefinido tendem a receber uma interpretação [-específica] em virtude do traço semântico de indefinitude desse artigo.

No que se refere aos SNs quantificados, conforme Campos (1986), sua expressão anafórica não poderia ocorrer mediante um objeto nulo, de modo que seria necessária a presença de um quantificador, como se observa em (4).

Quanto às construções em que o antecedente ocupa a posição de tópico, de acordo com Groppi (2009), seria necessária a presença de um clítico correferente no interior da oração, clítico este que, em sua análise, corresponderia ao argumento do verbo. Na oração em (5b), o antecedente constitui uma entidade [+específica] e [+humana] e a ausência do clítico tornaria a construção agramatical.

No caso de haver um SN indefinido em posição de tópico, segundo Leonetti (1999), seria possível sua retomada mediante um clítico se sua interpretação for genérica ou [+específica], como em (6a) e (6b), respectivamente.

Com respeito aos SNs quantificados em posição de tópico, de acordo com Groppi (1997), nesses casos, poderia ou não haver um clítico correferente no interior da oração e sua presença seria decorrente de uma leitura referencial, na qual o SN quantificado receberia uma interpretação partitiva, como se observa em (7b).

Embora o espanhol seja uma língua em que a omissão do objeto estaria altamente restringida, algumas variedades permitem a ocorrência da elipse em contextos mais amplos, como o espanhol falado no País Basco (Landa, 1993) e em Quito (Suñer e Yépez, 1988).
Em relação à variedade do país basco, conforme Landa (1993), os objetos nulos não se restringiriam aos antecedentes [-determinados], de modo que ocorreriam com antecedentes [+determinados; +/-definidos], em construções com verbos ditransitivos e quando o antecedente constitui um tópico. Na variedade de Quito, Suñer e Yépez (1988) observam que a elipse seria possível com antecedente [+definido] nesses contextos.

Tendo em vista os estudos de Campos (1986), Fernández Soriano (1999), Groppi (1997, 2009) e Leonetti (1999), é possível observar que no espanhol há a necessidade de que um SN [+determinado]2 seja retomado por um pronome clítico em função acusativa, receba esse SN uma interpretação [+/-específica]. Por outro lado, se o antecedente constitui um SN sem determinante, seria possível a ocorrência do objeto nulo, de modo que essa categoria vazia seria altamente restringida nessa língua.
Quanto às variedades de espanhol do País Basco e de Quito, a partir dos trabalhos de Landa (1993) e de Suñer e Yépez (1988), podemos observar que essas variedades têm em comum a possibilidade de ocorrência de objetos nulos com antecedentes [+determinados] em construções que apresentam um clítico dativo e tópico.
Enquanto apenas algumas variedades de espanhol permitiriam objetos nulos em contextos mais amplos, o PB vem passando por mudanças em seu sistema pronominal desde o século XIX, conforme demonstraram diferentes pesquisas (Cyrino, 1994; Duarte, 1986; Galves, 2001; Kato e Tarallo, 1986; Tarallo, 1993), mudanças estas que levaram à perda do clítico acusativo, à ampliação das ocorrências de objeto nulo, ao surgimento do pronome lexical em função acusativa, entre outros fenômenos.
De acordo com Cyrino (1994), no PB contemporâneo, a elipse do objeto ocorreria com SNs [+/-específicos]. Essa autora verificou que a omissão do objeto sempre foi possível nessa língua e, em um determinado momento, passou a ter maior incidência.
Em sua pesquisa, Duarte (1986) observou 23,7% de omissão do objeto com antecedentes [+animados] e 76,3% com antecedentes [-animados]. Esses resultados revelam que os objetos nulos no PB seriam favorecidos pelos antecedentes [-animados].
Embora Cyrino (1994) não tenha encontrado ocorrências de elipse do objeto com antecedente [+animado; +específico] no PB contemporâneo, segundo Kato (2003), essa categoria vazia poderia ter como antecedente uma entidade [+humana] se este ocupa a periferia esquerda da sentença, como em (12).

Quanto ao pronome lexical, conforme Kato (2002), este teria perdido a restrição a antecedente [+humano] e, portanto, poderia ter como antecedente uma entidade [-humana]. Em decorrência da perda dessa restrição, seria considerado um pronome fraco homófono aos pronomes fortes ELE/ELA, que se usam por necessidades discursivas. Na construção em (13), extraída do projeto NURC, o pronome lexical retoma o SN o carro, uma entidade [-humana].

Tendo em vista os diferentes trabalhos sobre o PB, é possível observar que essa língua apresenta frequências elevadas de omissão do objeto com antecedentes [+/-específicos] e, sobretudo, com antecedentes [-animados]. Além disso, o pronome lexical retoma em função acusativa inclusive antecedentes [-humanos].
González (1994) detectou essa diferença no funcionamento das duas línguas, a qual denominou de inversa assimetria. Essa pesquisadora teve como ponto de partida a assimetria encontrada por Tarallo (1993) entre o PB e o português europeu, assimetria esta que ocorre no âmbito da expressão do objeto e do sujeito. Conforme González (1994), enquanto no espanhol a tendência seria ao preenchimento e à realização do objeto pelo pronome átono, que poderia ser duplicado pelo tônico por necessidade discursiva, no PB, a tendência seria ao apagamento do objeto e à realização pelo pronome lexical.
2. Referencial teórico
Em nossa pesquisa, adotamos a concepção biológica de língua e gramática (Chomsky, 1981, 1986) aliada a alguns aspectos da sociolinguística (Labov, 2008; Weinreich, Labov e Herzog, 2009). Apesar de antagônicas, a combinação3 dessas duas perspectivas teóricas cumpriu um papel importante em nosso trabalho, como veremos nas seções dedicadas à análise dos dados e à interpretação teórica. Vejamos os principais conceitos de cada uma dessas teorias.
No que se refere à teoria gerativa, segundo Chomsky (1981, 1986), os seres humanos teriam uma capacidade linguística inata, denominada Faculdade da Linguagem. Esse dispositivo permitiria o desenvolvimento do conhecimento linguístico, que corresponde à língua-I, à competência linguística do falante, e seria internalizada, intensional e individual, opondo-se, portanto, à língua-E, que seria externa e extensional.
Consideramos que tanto o clítico quanto o objeto nulo constituiriam a língua-I nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu, na medida em que integrariam o conhecimento linguístico internalizado e adquirido naturalmente.
Com relação à arquitetura da linguagem, conforme os desenvolvimentos minimalistas (Chomsky, 2000), uma língua é formada por um léxico e um sistema computacional e gera expressões linguísticas que são interpretadas nos sistemas de performance. O léxico seria composto por um conjunto de traços fonéticos, semânticos e sintáticos, que poderiam ser interpretáveis ou não, e apenas os primeiros são legíveis nos sistemas externos. Quanto ao sistema computacional, nele atuam as operações de concatenação, concordância e movimento. Com a primeira operação, se formam os objetos sintáticos, enquanto as outras duas seriam responsáveis pela eliminação dos traços [-interpretáveis].
Vejamos, de maneira resumida, como funcionaria esse modelo de gramática tendo em vista uma construção com objeto acusativo. Nessas construções, o objeto se concatena com o predicado verbal que o seleciona e satisfaz as propriedades desse núcleo, bem como recebe seu papel temático. Os traços-ϕ, que correspondem aos traços gramaticais de pessoa, número e gênero, são [+interpretáveis] no alvo (objeto) e [-interpretáveis] na sonda (predicado verbal). O objeto teria o traço [-interpretável] de Caso estrutural e v atribui Caso acusativo ao objeto nas construções transitivas. A operação de concordância seria suficiente para eliminar esses traços [-interpretáveis] e a derivação se tornaria convergente. Entretanto, se v seleciona o traço-EPP, que é [-interpretável], seria necessária a operação de movimento para que a derivação seja convergente.
Conforme veremos, esse modelo de gramática foi a base para a compreensão das diferenças na expressão do objeto em função acusativa por um clítico ou uma categoria vazia nas variedades de espanhol investigadas e em sua comparação com o PB.
Em relação à sociolinguística, de acordo com Labov (2008), os sistemas linguísticos teriam um caráter heterogêneo. Isso significa que as línguas sofrem variação em decorrência do fato de estarem inseridas em ambientes sociais, as comunidades de fala.
A variação corresponde a formas linguísticas equivalentes que compartilham todos os membros de uma comunidade de fala, embora estes apresentem frequências diferentes na produção dessas formas linguísticas. A variação linguística seria um fenômeno de transição que se manifestaria porque não seria possível que a forma inovadora da língua substituísse a outra de maneira instantânea. Contudo, existem fenômenos de variação que se estendem por um longo período e correspondem à variação estável.
Conforme Weinreich, Labov e Herzog (2009), a mudança linguística seria regida por princípios, entre eles os fatores condicionantes, que consistem em contextos linguísticos e sociais que poderiam favorecer uma variante.
As duas variedades de espanhol que investigamos constituem comunidades linguísticas diferentes. Em nossa pesquisa, nos propusemos a estudar os contextos linguísticos que poderiam favorecer a ocorrência de objetos nulos no intuito de verificar seu encaixamento na estrutura linguística. A análise dos diferentes contextos linguísticos aliada à perspectiva gerativa se revelou fundamental em nosso estudo, uma vez que nos permitiu observar as possibilidades da gramática dessas variedades de espanhol na omissão do objeto.
Com respeito à variação e mudança linguística no âmbito da teoria gerativa, de acordo com Kroch4 (1989, apudLightfoot, 1999, 92), a mudança geraria uma coexistência de gramáticas na mente/cérebro, a qual esse autor denomina diglossia internalizada. Conforme Chomsky (1999), os parâmetros de uma determinada língua seriam fixados de uma forma ou de outra, já que as gramáticas não permitiriam operações opcionais. No entanto, a opcionalidade seria apenas aparente, na medida em que corresponderia a uma coexistência de gramáticas. Sendo assim, o fenômeno de variação linguística revelaria que o falante teria duas gramáticas: uma que apresentaria a forma A e a outra, a forma B.
Conforme Lightfoot (2006, 89), a língua-E refletiria o output das gramáticas das comunidades linguísticas e o uso da língua no discurso e na variação social. Em nossa pesquisa, as entrevistas que analisamos corresponderiam à língua-E. Entretanto, como vimos, consideramos que os dados de clítico e de omissão do objeto encontrados nessas entrevistas correspondem à língua-I, que constitui o conhecimento linguístico internalizado. Portanto, embora as entrevistas revelem a língua em uso e sejam um reflexo não apenas do conhecimento linguístico internalizado como também do desempenho linguístico do falante, nosso objeto de análise compreenderia a competência linguística.
3. Metodologia
Em nossa pesquisa, a variável investigada foi a realização do objeto pronominal acusativo de 3ª pessoa, sendo as variantes o clítico e o objeto nulo5.
Analisamos 18 entrevistas da variedade de espanhol de Madri (Cestero Mancera et al., 2012) e 20 entrevistas da variedade de Montevidéu (Elizaincín, s/d), pertencentes ao PRESEEA6.
Investigamos diferentes condicionadores linguísticos7, entre os quais a estrutura do SN antecedente e seus traços semânticos8. Os dados encontrados nas entrevistas foram codificados e submetidos ao programa estatístico Goldvarb X para a análise quantitativa.
4. Análise dos dados
A partir da análise quantitativa dos dados extraídos das entrevistas orais das variedades de espanhol investigadas, observamos que na variedade de Madri houve 95,9% de clíticos retomando antecedentes nominais e 4,1% de elipse do objeto, enquanto na variedade de Montevidéu esses índices correspondem a 88,9% e 11,1%, respectivamente. Constatamos que os objetos nulos não se restringiram aos antecedentes [-determinados; -específicos], já que houve algumas ocorrências de omissão com antecedentes [+determinados; +/-específicos] e, inclusive, [+animados]. Sendo assim, os resultados encontrados contrariaram parcialmente a nossa hipótese.
Como o nosso objetivo com a análise quantitativa era verificar os contextos que favoreceriam a elipse do objeto, escolhemos a variante objeto nulo como o valor de aplicação da regra variável. Na variedade de Madri, foram selecionados como significativos, conforme sua ordem de relevância, o traço semântico de animacidade e a estrutura do SN antecedente e, na variedade de Montevidéu, a estrutura do SN e os traços semânticos de animacidade e especificidade.
No que se refere à estrutura do SN antecedente, conforme vimos, no espanhol, a presença de um determinante faria com que fosse necessária a retomada do objeto acusativo mediante um clítico, enquanto sua ausência estaria relacionada à possibilidade de objetos nulos. Nossa hipótese para esse contexto linguístico coincidia com a hipótese geral da pesquisa. Entretanto, como observamos a ocorrência de elipse em contextos mais amplos, nossa hipótese9 passou a ser de que os SNs definidos favoreceriam menos os objetos nulos. Essa hipótese, no entanto, não foi confirmada, uma vez que esse tipo de SN não favorece menos essa categoria vazia, mas a desfavorece, como pode ser observado na tabela 1.

Constatamos que em ambas as variedades foram os SNs sem determinante os que mais favoreceram a omissão do objeto. Na variedade de Madri, ocorreu uma frequência de 13,1% e peso relativo de 0,78. Quanto à variedade de Montevidéu, esses valores foram 46,1% e 0,86, respectivamente. De acordo com Di Tullio (1997), haveria uma incompatibilidade entre o clítico, que é um pronome definido, e os SNs sem determinante. Atribuímos, portanto, esse resultado de nossa pesquisa à essa incompatibilidade. Observem-se os dados em (14):

Com respeito aos SNs quantificados, verificamos que, na variedade de Madri, houve uma frequência de 5,4% e peso relativo de 0,57, enquanto na variedade de Montevidéu a frequência foi de 13,8% e o peso relativo de 0,54. Conforme Campos (1986), no espanhol, não seria possível que um SN quantificado fosse retomado por uma categoria vazia, mas apenas por um pronome indefinido. Contudo, o dado em (15b), extraído das entrevistas da variedade de Montevidéu, contraria a descrição desse autor.

Quanto aos SNs indefinidos, observamos uma frequência de 4,4% e peso relativo de 0,55 na variedade de Madri e uma frequência de 14,8% e peso relativo de 0,68 na variedade de Montevidéu. Observem-se os dados em (16):

Tendo em vista que os SNs introduzidos por quantificadores e pelo artigo indefinido favoreceram a ocorrência de omissão do objeto, nossa interpretação para esse resultado é de que isso ocorreria devido ao traço semântico de indefinitude desses determinantes, que se caracterizam por não identificar o referente, opondo-se, assim, aos determinantes definidos (Leonetti, 1999).
Em relação ao traço semântico de animacidade, esse contexto também compreende um aspecto central na possibilidade de elipse. Nossa hipótese inicial era de que a omissão do objeto não ocorreria com antecedentes [+animados] que fossem também [+específicos]. No entanto, como observamos a ocorrência dessa categoria vazia de maneira menos restringida, lançamos a hipótese de que os objetos nulos seriam favorecidos pelos antecedentes [-animados]. Confirmamos essa nova hipótese, como demonstram os resultados expostos na tabela 2.

Na variedade de Madri a frequência de objetos nulos com antecedentes [-animados] foi de 5,2% e o peso relativo de 0,59, ao passo que na de Montevidéu esses valores correspondem a 15,7% e 0,64, respectivamente. Observem-se os dados em (17):

Quanto ao traço semântico de especificidade10, que, assim como o de animacidade, também constitui um aspecto central na possibilidade de omissão do objeto, nossa hipótese inicial era de que o apagamento do objeto não ocorreria com antecedentes [+específicos]. Contudo, ao detectarmos essa categoria vazia em contextos menos restringidos, reformulamos a hipótese que passou a ser de que os antecedentes [-específicos] favoreceriam os objetos nulos. Observem-se os resultados na tabela a seguir:

Apenas na variedade de espanhol de Montevidéu o traço semântico de especificidade foi selecionado como relevante. A frequência de omissão do objeto nessa variedade foi de 18,4% e o peso relativo de 0,60. Esse resultado confirma a nossa hipótese para essa variedade de espanhol. Observem-se os dados em (18):

De acordo com a Hierarquia Referencial de Cardinaletti e Starke (1994), abordada em Cyrino, Duarte e Kato (2000), uma entidade [+animada] e/ ou [+específica] se situaria na extremidade mais referencial dessa escala, ao contrário de uma entidade [-animada] e/ou [-específica], que ocuparia uma posição menos referencial. Considerando-se essa gradação na referencialidade, um argumento [+animado] e/ou [+específico] tenderia a ser retomado mediante um pronome, enquanto um argumento [-animado] e/ou [-específico] teria mais probabilidade de não apresentar realização fonética. Tendo em vista essa proposta, interpretamos as tendências que encontramos como um reflexo dessa hierarquia.
Constatamos a ocorrência de objetos nulos em construções com aspecto [-perfectivo], perífrase verbal, clítico dativo, predicação secundária, tópico e verbos cognitivos. Apesar de esses fatores linguísticos não terem sido considerados como relevantes para as ocorrências da omissão do objeto, esses contextos favorecem essa categoria vazia nas variedades de espanhol do País Basco (Landa, 1993), de Quito (Suñer e Yépez, 1988) e no PB (Duarte, 1986)11. Observem-se alguns dados extraídos das entrevistas:

Com o objetivo de comparar as tendências encontradas nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu com o PB e verificar as possibilidades dessas línguas na expressão anafórica do objeto em função acusativa, selecionamos algumas das ocorrências de objetos nulos nessas variedades de espanhol e as traduzimos ao PB.
Na esfera dos antecedentes [+animados; +específicos], seja o SN definido ou indefinido, seria possível a variação entre o objeto nulo e o pronome lexical. Essa variação se mantém com os antecedentes [+animados; -específicos], seja o SN definido ou quantificado. Observem-se as construções a seguir:

Quanto aos antecedentes [-animados; +específicos], a variação entre a omissão e a realização do objeto pelo pronome lexical seria possível com SNs definidos e indefinidos. Contudo, com os SNs quantificados, apenas a elipse do objeto seria permitida.

No que concerne aos antecedentes [-animados; -específicos] e definidos, a alternância entre o objeto nulo e o pronome lexical seria possível em construções com verbos dinâmicos. Por outro lado, com verbos estativos, a presença do pronome conduziria a uma interpretação [+específica] do antecedente, como em (23b). Com respeito aos SNs indefinidos, o pronome lexical seria possível na primeira ocorrência de objeto nulo de (23c), em que a construção apresenta verbo dinâmico, porém não na segunda, na qual o antecedente da categoria vazia constitui um tópico. Contudo, não seria possível o pronome lexical nas construções com verbo estativo, como em (23d). Por fim, no âmbito dos SNs quantificados, a retomada pelo pronome seria possível com o quantificador muitos.

Considerando-se essa análise sobre as possibilidades do PB, a expressão do objeto pelo pronome lexical parece estar condicionada a entidades [+animadas] e [+específicas]. Quanto às entidades [-animadas], apenas as [+específicas], cujos SNs são definidos ou indefinidos, permitiriam a variação entre elipse e pronome em todas as construções. Essas tendências refletem a Hierarquia Referencial de Cardinaletti e Starke (1994), já que são as entidades [+animadas] e/ou [+específicas] que tendem a realizar-se por um pronome.
5. Interpretação teórica
Conforme Chomsky (1999), os traços-ϕ se manifestariam de maneira visível quando o movimento de um SN também é visível. Sendo os clíticos, assim como os morfemas flexionais, elementos pronominais e que manifestam concordância, Chomsky sugere que, se a concordância entre verbo e argumento não se manifesta de maneira visível, ocorreria apenas a operação de concordância. Contudo, se a concordância é visível, ocorreria a operação de movimento, de modo que o predicado verbal selecionaria o traço-EPP (Chomsky, 2000)12.
Considerando-se esses trabalhos e os resultados encontrados em nosso estudo, sugerimos que, nas construções que apresentam um clítico nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu e nas que apresentam o pronome lexical no PB, o predicado verbal selecionaria o traço-EPP e, portanto, seria desencadeada a operação de movimento. Quanto às construções nas quais o objeto acusativo anafórico se manifesta mediante uma elipse, seria desencadeada apenas a operação de concordância. Encontramos evidências de que a categoria vazia nessas variedades de espanhol seria um pro13, de modo que seriam os traços-ϕ de pro que possibilitariam a identificação do referente.
As tendências encontradas, bem como a análise teórica que propomos, nos sugerem que haveria uma coexistência de gramáticas (Chomsky, 1999; Lightfoot, 1999) nessas variedades de espanhol e no PB, que se manifesta mediante a variação linguística. Assim, tendo em vista o mecanismo que propõe Chomsky (1999), uma das gramáticas corresponderia à expressão do objeto por um pronome, enquanto a outra corresponderia à omissão. Conforme o predicado verbal e o argumento selecionado seria possível a gramática que permite um pronome ou a que permite a elipse. Por outro lado, com alguns predicados verbais e argumentos seria possível a manifestação de ambas as gramáticas.
6. Considerações finais
As tendências encontradas em nossa pesquisa demonstraram que a omissão do objeto nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu não estaria restringida aos antecedentes [-determinados; -específicos], mas seria possível também com antecedentes [+determinados; +/-específicos] e, inclusive, [+animados]. Esse resultado contrariou parcialmente a nossa hipótese e observamos que os SNs sem determinante, quantificados, indefinidos e os [-animados] e [-específicos] favoreceram os objetos nulos nas variedades de espanhol estudadas, este último contexto apenas na variedade de Montevidéu. Constatamos também que essa categoria vazia ocorreu em construções que favorecem esse fenômeno nas variedades de espanhol do País Basco (Landa, 1993), de Quito (Suñer e Yépez, 1988) e no PB (Duarte, 1986). No que concerne ao PB, observamos que a variação entre a elipse e o pronome lexical seria possível com antecedentes [+animados] e ou [+específicos], mas apresentaria restrições ou não seria possível no âmbito dos antecedentes [-animados] e [-específicos], sobretudo com verbos estativos. Por fim, os resultados encontrados e a análise teórica desenvolvida sugerem uma coexistência de gramáticas (Chomsky, 1999; Lightfoot, 1999) nessas variedades de espanhol e no PB.
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Weinreich, Uriel.; Labov, William; Herzog, Marvin. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística. 2ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
Notas
A gente procurou outra coisa para fazer e Agnan me disse que para estudiar ciência, seu papai tinha dado para ele um jogo de química. Ele me Ø mostrou. É muito legal. (Simões, 2015, 247)
Nessa construção com objeto nulo, aparece o verbo cognitivo montrer e o clítico dativo em função de objeto indireto, contextos que, como vimos, estão relacionados à ocorrência da categoria vazia nas variedades de espanhol que permitem a omissão do objeto de maneira mais ampla (Landa, 1993; Suñer e Yépez, 1988). Além disso, apesar de a construção apresentar aspecto perfectivo e um SN [+específico] como antecedente, este aparece na sentença anterior à elipse, é [-animado] e é introduzido pelo artigo indefinido, que, conforme nosso estudo (Simões, 2015), favoreceu a omissão do objeto nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu.
Autor notes
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