Dossiê
Recepção: 05 Setembro 2019
Aprovação: 17 Novembro 2019
Resumo: Este artigo tem como objetivo compreender o lugar e a abordagem da gramática nas coleções inéditas de Língua Espanhola aprovadas no PNLD 2018, a saber, Sentidos en lengua española e Confluencia. Para isso, resgataram-se dos guias didáticos das coleções as perspectivas sobre ensino-aprendizagem de línguas e o(s) eixo(s) estruturador(es) das unidades levado(s) em conta pelos autores e como eles dizem que abordam a gramática em suas obras. Passouse, então, para a descrição das duas primeiras unidades do primeiro volume de cada coleção, com especial atenção para as atividades e seções em que se trabalham os conhecimentos linguísticos. Pôdese concluir que as duas coleções têm referenciais teóricos bastante próximos, mas materializam de forma um pouco diferente a abordagem da gramática. Nos dois casos, há, no entanto, subversões na elaboração dos livros didáticos.
PALAVRAS-CHAVE: livro didático, língua espanhola, PNLD 2018, gramática.
Abstract: This essay aims to understand the approach of grammar in the unpublished Spanish collections approved in 2018 PNLD, namely, Sentidos en lengua española and Confluencia. In order to do so, we have consulted the didactic guide book to rescue the perspectives on language teaching and learning, the structuring points of the units which were considered by the authors, as well as how they claim approaching grammar. Then, we have proceeded to the description of the first two units of the first volume pertaining to each collection, with particular attention to the activities and sections in which language skills are at play. We have been able to conclude that the two collections have very close theoretical references, nevertheless, a slight difference in materialization of the approach towards grammar is noticeable. In both cases, however, there are subversions in the preparation of textbooks.
KEYWORDS: textbooks, Spanish, 2018 PNLD, grammar.
Considerações iniciais
Este artigo se apresenta como um segundo passo às análises que venho realizando sobre a abordagem da gramática nos livros didáticos. Em Mazzaro (2018), a partir das coleções de Língua Espanhola aprovadas no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (doravante PNLD) de 2015, observei que a seção de gramática além de tentar dar conta de todas as formas e usos em uma ou duas unidades, pouco se comunicava com as outras seções, principalmente com o gênero textual/discursivo em estudo - inclusive, havia vários casos em que nem os textos da unidade apresentavam mostras do conteúdo linguístico. Parecia que determinado tema gramatical estava presente naquela unidade pela única razão de uma organização tradicional: começa com os substantivos e os artigos, termina com as conjunções; primeiro vem o presente do indicativo, por último os pretéritos do subjuntivo.
Pois bem, tendo em vista a aprovação de duas coleções inéditas no PNLD 2018 - a saber, Sentidos em lengua española (doravante apenas Sentidos), de autoria de Luciana Maria Almeida de Freitas e Elzimar Goettenauer de Marins Costa, da editora Richmond; e Confluencia, de autoria de Paulo Pinheiro-Correa, Xoán Carlos Lagares, Cecília Alonso, Lílian Reis dos Santos e Maria Fernanda Garbero, da editora Moderna - meu objetivo neste artigo é compreender que lugar ocupa a gramática nessas duas coleções (visto que ambas apresentam significativas mudanças com respeito às coleções aprovadas na versão anterior, inclusive da coleção Cercanía Joven, que foi aprovada novamente). Se antes concluí que a seção de gramática se parecia a uma ilha flutuante e autossustentável, desta vez não posso nem mesmo afirmar que Sentidos e Confluencia possuem uma única seção, dentro das unidades, destinada ao estudo da gramática.
Sobre um dos objetos de análise deste artigo, Pinto (2019)1 observa que a coleção Sentidos possui problemas quanto à visão de gramática que as autoras levam em conta e aos objetivos que propõem, excluindo-a do processo de ensino ou abordando-a de forma descontextualizada. Como consequência do enfoque quase restrito à habilidade da leitura, Pinto (2019) conclui que a aprendizagem dos estudantes fica prejudicada porque a coleção não lhes permite o desenvolvimento das habilidades de produção e compreensão oral, assim como da produção escrita na língua estudada.
Dessa forma, para dar continuidade às minhas pesquisas, apresento na primeira seção deste artigo uma resenha dos principais referenciais teóricos presentes no próprio material destinado ao professor que cada coleção analisada traz a respeito (1) das expectativas do ensino de línguas estrangeiras no contexto da educação regular brasileira e do que, consequentemente, seria o eixo estruturador da coleção, e (2) de qual seria o papel dos conhecimentos linguísticos nesse contexto. Posteriormente, analiso a materialização dessas expectativas de ensino nas coleções, especialmente no que diz respeito a como os conhecimentos linguísticos são abordados a partir do eixo estruturador da coleção.
1. Referencial teórico
A história do ensino de idiomas mostra que o nascimento de cada método tem uma importante fonte inspiradora, a saber, a teoria linguística vigente em cada época, que nos oferece abundantes exemplos que ilustram a interdependência entre a teoria dominante sobre a natureza da linguagem e a metodologia aplicada no ensino de línguas (Sánchez Pérez, 2009). Para o método gramática e tradução, por exemplo, as línguas têm um sistema gramatical lógico cujo conhecimento permite compreender textos escritos e expressar-se de forma oral ou escrita. Nesse contexto, a gramática, cuja aprendizagem se realiza de maneira dedutiva, tem uma finalidade prescritiva que ensina a falar e escrever “corretamente”. Algo parecido encontramos nos métodos baseados no estruturalismo, segundo o qual a língua, apesar de ser considerada como um fato social, é basicamente definida pelo conjunto de suas estruturas morfossintáticas, fonético-fonológicas e léxico-semânticas, e a gramática tem finalidade descritiva.
A partir da crítica ao estruturalismo, novas mudanças são produzidas, e a língua passa a ser concebida como ferramenta para “fazer coisas”, como é o caso dos métodos baseados nas abordagens nocional-funcionais, que têm como princípio básico que usamos a língua para realizar ações como cumprimentar, expressar gostos e pedir informação. Os métodos baseados no enfoque comunicativo, como ampliação metodológica associada às funções e noções, defendem que a comunicação se baseia na interação de pelo menos dois indivíduos por meio da expressão escrita ou oral, e cuja competência está composta por outras quatro competências que interagem na comunicação real: (1) a gramatical ou linguística, que abarca o domínio do código; (2) a sociolinguística, que aborda a adequação entre as produções da língua e o contexto; (3) a discursiva, que trata da significação por meio da coesão e da coerência; e (4) a estratégica, que abarca o domínio das estratégias de comunicação que podem ser usadas para compensar falhas na comunicação ou favorecer sua efetividade.
As diferentes concepções de língua, entretanto, só são percebidas como fundamentais para o ensino de idiomas a partir da década de 1970, quando o conceito de “abordagem” (approach, em inglês, e enfoque, em espanhol) passa a ser aplicado ao contexto educativo. Quanto ao termo “método” pode se referir ao “conjunto de procedimientos para determinar los objetivos de la enseñanza, sus contenidos, las técnicas de trabajo, los tipos de actividades, y los respectivos papeles y funciones de profesorado, alumnado y materiales didácticos” (Moreno García, 2017, 21), “abordagem” diz respeito à “concepción sobre la naturaleza de la lengua y su aprendizaje; esta concepción deriva de una teoría lingüística” (Moreno García, 2017, 38). O primeiro tem um alcance menor e pode estar contido no segundo, já que aquele “não trata dos pressupostos teóricos da aprendizagem de línguas, mas de normas de aplicação desses pressupostos” (Leffa, 1988, 212), enquanto o segundo “se relaciona al modo de entender, adoptar y (re) elaborar princípios amplios y generales de la educación” (Eres Fernández, 2010, 71).
A partir da década de 1990, estudiosos como Prabhu (1990) e Kumaravadivelu (1994; 2001) passaram a considerar que os métodos não eram o fator essencial que explicava o sucesso ou o fracasso no ensino de idiomas, já que eram impostos de forma prescritiva aos professores que métodos deveriam utilizar e como. Isso os levou a criticar a dificuldade de relacionar o método e a abordagem às avaliações e exames, e também a dificuldade de manter os princípios subjacentes ao método durante todo o processo de ensino-aprendizagem (uma vez que, normalmente, um método é ilustrado muito bem nos níveis iniciais, mas no intermediário e, principalmente, no avançado, não se consegue distingui-lo de outros). Nasce, portanto, a chamada Era Pós-Métodos.
Trata-se de “una constante reflexión del profesor sobre sus planes y decisiones relativas a la docencia, lo que abarca la comprensión de los contextos en que enseña y los propósitos de los alumnos, los suyos propios y de la institución en que imparte clases” (Almeida; Ribeiro da Silva; Costa, 2015, 49). Em outras palavras, como define Kumaravadivelu (1994, 28 – tradução nossa), “a condição pós-método é um estado de coisas que nos compele a refigurar a relação entre os teóricos e os praticantes de um método”2, o que abala a hierarquia presente na relação pesquisadores-professores segundo a qual os primeiros pensavam e tomavam decisões sobre o ensino e os segundos as acatavam e ensinavam.
Ao resumir os princípios e propostas do pós-método de Kumaravadivelu (1994), Silva (2004) destaca a garantia da relevância social, o desenvolvimento da consciência cultural do aprendiz, a promoção da autonomia do aluno, a facilitação da interação negociada, a contextualização do insumo linguístico, a ativação da heurística intuitiva, a promoção do desenvolvimento da consciência linguística, a maximização das oportunidades de aprendizagem, a integração das quatro habilidades e a minimização dos mal-entendidos. O que farei nas próximas subseções é resumir os fundamentos teóricometodológicos das duas coleções a partir do guia didático presente nas páginas finais do primeiro volume do manual do professor. Em um primeiro momento, abordarei os modelos de aprendizagem e a perspectiva sobre ensino de línguas que os autores apresentam no guia didático a fim de descrever o conceito de língua que manuseiam, as perspectivas sobre seu ensino-aprendizado e o eixo estruturador de cada coleção, isto é, com base em quê os autores estruturaram as unidades. Em seguida, apresentarei algumas observações sobre o que os autores dizem a respeito da gramática nesse documento.
1.1 As perspectivas sobre o ensino-aprendizagem de línguas e o(s) eixo(s) estruturador(es) das coleções
Dentro da já clássica proposta de Richards e Rodgers (2003 [1986]), a abordagem equivale ao componente teórico em que é especificada a natureza tanto da língua(gem) como da aprendizagem. Essa fonte dos princípios sobre o ensino de línguas é colocada em prática no método, lugar em que também são tomadas as decisões sobre as habilidades e destrezas, o conteúdo e sua ordem de apresentação.
Assim, no que diz respeito à abordagem, tanto a coleção Sentidos como Confluencia se baseiam na mesma concepção de ensino-aprendizagem: a sociointeracional, cujo construto teórico se baseia em Vygotsky. Segundo essa perspectiva, o aprendizado “se dá a partir da interação com outros sujeitos mais competentes seja o professor, seja outro estudante e com o meio” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 165), e “es en la interacción donde el lenguaje y el pensamiento se desarrollan, construyendo la cognición compleja del individuo” (Pinheiro-Correa, et al., 2016, 133).
Apesar dessa convergência entre as obras analisadas, há algumas diferenças nos guias didáticos que são relevantes que sejam assinaladas. Uma delas é o fato de que Confluencia se dedica muito mais à descrição do modelo de aprendizagem de línguas que Sentidos, trazendo à baila as propostas de Krashen sobre as diferenças entre aquisição e aprendizado, além da Teoria Sociocultural de base vygotskyana e sua aplicação na aquisição/aprendizagem de línguas estrangeiras. Por outro lado, Sentidos se dedica à relação interaçãolinguagem basicamente por meio do conceito de gêneros discursivos e das proximidades entre Bakhtin e Vygotsky no que diz respeito aos processos, que são sempre fundados na sociedade e na história.
É, portanto, nas interseções entre teorias que as obras se distinguem. Embora as autoras de Sentidos deixem claro que “não há um ‘método’ de ensino de línguas estrangeiras baseado na perspectiva linguística bakhtiniana” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 165), elas pautam seu trabalho na concepção de que a língua “se manifesta por meio de enunciados organizados em gêneros discursivos” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 164) e que “cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 2003, 262 apudFreitas; Marins-Costa, 2016, 164). Essa visão de língua - que as autoras traduzem como “enfoque” não corresponde a nenhum método já definido, mas parece se enquadrar no que alguns pesquisadores definem como pós-método, conforme descrito na seção anterior, sem se esquecer dos documentos oficiais sobre ensino.
Já os autores de Confluencia afirmam que os planos linguístico e pragmalinguístico de sua obra se baseiam na metodologia por tarefas,
[...] una vez que estas, como consecuencia natural del desarrollo del abordaje comunicativo para la enseñanza de lengua [...] llegan a un nivel de sofisticación técnica capaz de auxiliar plenamente al (a la) estudiante en dirección a la toma de la palabra significativa, que consideramos la finalidad de la educación basada en la literacidad en lengua extranjera.
(Pinheiro-Correa, et al., 2016, 136).Assim, a interação entre os estudantes se dá pelo que os autores chamam de “cálculos pragmáticos”, o que deixa o foco da aprendizagem numa prática integrada das quatro habilidades, alcançando uma comunicação efetiva por meio de projetos, a fim de não “congelar el dinamismo próprio del contexto de enseñanza-aprendizaje” (Pinheiro-Correa, et al, 2016, 136), fato que é comum aos livros didáticos.
A distinção entre ambas as coleções se dá, portanto, no foco da perspectiva metodológica. Enquanto Sentidos resgata uma visão de língua que está na interseção entre Bakhtin e Vygotsky, o que, de certa forma, é “inédita” no estudo dos métodos de ensino de línguas, Confluencia opta pela abordagem comunicativa em sua atualização na abordagem por tarefas e na metodologia por projetos, nas quais a visão de língua e seu ensino resultam de uma interseção entre Krashen, Vygotsky e diversos outros estudiosos contemporâneos da linguagem, como Nunan, Lantolf e ftorne, Hernández e Paiva, resgatando, assim, uma releitura dos métodos comunicativos.3
Isso não significa que Confluencia ignore os gêneros discursivos; pelo contrário, a seção 7 do manual do professor está dedicada exatamente para o que eles chamam de “enfoque enunciativo: los géneros discursivos”, na qual os autores afirmam que “los géneros constituyen un elemento fundamental de organización” e, por isso, “dedicamos una sección central para la elaboración de los proyectos donde aparecen secuencias textuales predominantes en el género en cuestión, así como en los posibles subgéneros” (Pinheiro-Correa, et al., 2016, 147). Há, entretanto, uma diferença no eixo estruturador das unidades, como se pode ver nos guias: uma coleção apresenta os gêneros como elemento fundamental de organização da obra, a outra os coloca como eixo central dos projetos. Além disso, podemos perceber que uma delas (Confluencia) faz referência às sequências textuais e sua relação com a gramática (por exemplo, que os gêneros em que predominam o tipo narrativo costumam apresentar enunciados em espanhol com formas verbais no Pretérito Simple ou Compuesto, além de advérbios de tempo e de espaço), enquanto a outra(Sentidos) pouco ou nada se refere a esses termos.
Ainda sobre as proximidades metodológicas, é importante esclarecer que a abordagem comunicativa da língua e as perspectivas da chamada “era pósmétodo” não se opõem; aliás, compartilham elementos relevantes, como compreender que a língua possui diversas funções, como instrumental (usar a língua para conseguir coisas), reguladora (usar a língua para controlar a conduta de outros), interativa (usar a língua para criar uma interação com outros), pessoal (usar a língua para expressar sentimentos e significados pessoais), heurística (usar a língua para aprender e para descobrir), imaginativa (usar a língua para criar o mundo da imaginação) e representativa (usar a língua para comunicar informação), conforme resumem Richards e Rodgers (2003, 159-160). A questão é de identificação com algum método, já que eles costumam resistir relativamente pouco tempo e estão, com frequência, “vinculados a alegaciones muy específicas y a prácticas obligatorias” (Richards; Rodgers, 2003, 240). É talvez por essa razão que Sentidos não se identifica com nenhum método e traz poucas informações sobre teorias de aprendizagem e procedimentos e técnicas de ensino; e é talvez por essa mesma razão que Confluencia justifica seu ecletismo trazendo diversos estudiosos à baila ao usar nomenclaturas presentes na literatura do ensino-aprendizado de línguas, como enfoque comunicativo e enfoque por tareas, nomenclaturas essas que podem levar o interlocutor a pensarem um contexto educacional específico cuja representação social é diferente dos colégios brasileiros: o dos cursos de idiomas4.
Vejamos se essas semelhanças e diferenças também se refletem na abordagem da gramática no guia didático das duas coleções.
1.2. A abordagem da gramática
É importante destacar que nenhuma das duas coleções faz uma seção ou subseção no guia didático para se dedicar exclusivamente à gramática, mas é inevitável observar que Sentidos usa poucas vezes a palavra “gramática”, talvez pela frequente associação que se costuma fazer com uma metodologia ultrapassada, como quando as autoras afirmam que pesquisadores dos anos 1980 buscaram repensar o ensino de línguas no Brasil “fugindo da tradição gramatical e filológica” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 165). Para as autoras (Freitas; Marins-Costa, 2016, 167), ao focar nos gêneros discursivos na perspectiva bakhtiniana, a gramática não ocupa um lugar de destaque como nos métodos tradicionais, mas faz parte do estilo da linguagem, um dos três pilares dos gêneros, juntamente com o conteúdo temático (“os sentidos que podem ser construídos a partir do enunciado”) e a construção composicional (“estruturação do conjunto do texto e [...] relação entre os interlocutores”).
Na coleção em questão, a seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua que compõem o gênero estudado se encontra na subseção Comprendiendo el género, “na qual há outro texto com o objetivo de abordar as características do gênero trabalhado” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 4), mas as questões linguísticas são trabalhadas, mais especificamente, no apêndice El estilo del género, que se localiza após cada unidade e “apresenta outras questões sobre vocabulário e gramática, sempre relacionadas aos gêneros discursivos trabalhados nas atividades de produção e de compreensão” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 5). Outras subseções trabalham outras características dos gêneros, como no caso de Entretextos, na qual se propõe “um diálogo entre o texto de Lee para saber más e outros, de gêneros diversos” (Freitas; MarinsCosta, 2016, 4), ou seja, são abordados o dialogismo, a interdiscursividade e a intertextualidade. Há, ainda, a subseção Síntesis léxico-gramatical, localizada também no apêndice, que “resume, para rápida consulta, alguns elementos de vocabulário e de gramática relativos ao estilo dos gêneros trabalhados ao longo das unidades” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 5).
Embora não seja de forma explícita, a gramática está contida nos termos estilo e conteúdo (“nossa abordagem dos conteúdos adota um procedimento indutivo” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 166)) e também, por extensão, em educação linguística (“No caso desta coleção, não apenas usamos os tipos relativamente estáveis de enunciados nas unidades; são eles que organizam nossa proposta de educação linguística em língua espanhola e deles emanam todos os conteúdos trabalhados [...]” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 165)) que as autoras usam e explicam no guia didático. Em nenhum caso, entretanto, há uma relação de sinonímia ou metonímia, mas sim de parte constituinte.
Embora o termo “gramática” não seja frequente no guia de Sentidos, a abordagem sim o é: as autoras explicam que “nossa abordagem dos conteúdos adota um procedimento indutivo”, e por conteúdo incluem os três pilares dos gêneros discursivos. Isso significa que as atividades propostas “levam o estudante a construir o conhecimento por meio da articulação uso-reflexão-uso” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 166), e não uma explicação seguida de exercícios que frequentemente servem para “treinar”, como na perspectiva dedutiva de ensino. A coleção Confluencia, por sua vez, reforça várias vezes, ao longo do guia didático, a posição pragmática e social da gramática, como na definição de língua como “constructo inseparable de la materialidad cultural e histórica que caracteriza a la sociedad de la cual forma parte el individuo” e, portanto, não se entende a língua espanhola como uma abstração, mas “como un conjunto de maneras de enunciar y de hablas características de los múltiples y diversos agrupamientos sociales que constituyen el universo hispánico” (Pinheiro-Correa, et al., 2016, 133).
A partir do termo “cálculos pragmáticos”, a coleção se propõe a “ desplaza[r] el foco de la prendizaje de los contenidos gramaticales hacia una práctica integrada de las cuatro destrezas para la efectiva comunicación” (Pinheiro-Correa, et al., 2016, 137). Nesse sentido, “los contenidos gramaticales sirven como soporte para la negociación de sentidos, la socialización y la afirmación de identidades en el grupo” (Pinheiro-Correa, et al., 2016, 137). Depreende-se daí que a gramática também não é o eixo das unidades de Confluencia, mas a prática integrada da compreensão e expressão escritas e orais para a comunicação.
Diferente de Sentidos, Confluencia não indica explicitamente sua abordagem da gramática, mas a justifica e a apresenta como ferramenta para as quatro habilidades em um contexto de interação adequado às circunstâncias sociodiscursivas nas quais são relevantes as distâncias sociais e as relações de poder (habilidade sociopragmática) e os recursos empregados na realização de atos comunicativos, como as estratégias e as formas linguísticas empregadas na rotina da comunicação (pragmalinguística). Essa perspectiva metodológica é encontrada na seção Comentario Lingüístico, presente no final de cada unidade, na qual os autores comentam “algunos aspectos lingüísticos de los textos presentados en la unidad ”(Pinheiro-Correa, et al., 2016, 6). No entanto, esse não é o único lugar em que os autores trabalham a gramática: na seção Para investigar el género, na qual “se propone una investigación en profundidad del género discursivo central para la realización del proyecto” (Pinheiro-Correa, et al., 2016, 6), a subseção ¿Cómo se escribe? ¿Cuáles son sus principales características lingüísticas? traz atividades de reflexão linguística a partir de um ou mais fragmentos de um (dos) texto(s) apresentado(s) nas páginas anteriores.
A gramática está associada, no caso de Confluencia, a termos como “aspectos linguísticos”, “conteúdos gramaticais”, mas, principalmente, sob uma compreensão ampla de “interação” e “comunicação” vinculadas ao afixo pragma-. Assim, os autores reforçam que esse conteúdo não será estudado em si mesmo (como uma metalinguagem), mas sempre com e para algo (a ideia de ferramenta ou suporte).
Fica mais clara, agora, a diferença entre as duas coleções: o suporte teórico de Sentidos está para os estudos discursivos assim como o de Confluencia está para a pragmática. Embora bastante próximos, o estudo discursivo costuma basear-se em sistemas de representações que se impõem à maioria dos homens (as ideologias) e nos enunciados relativamente estáveis (gêneros discursivos) para abordar os sujeitos e os sentidos da/na língua, enquanto a pragmática se ocupa dos princípios que regulam o uso da linguagem na comunicação, baseando-se em regras de (des)codificação de mensagens que tentam dar conta do objetivo, da distância social, da situação de comunicação e do meio, dando especial atenção aos “principios que regulan el uso del lenguaje en la comunicación, entendido como el estudio de todos aquellos aspectos del significado que, por depender de factores extralingüísticos, quedan fuera del ámbito de la teoría semántica (es decir, de los significados convencionales)” (Escandell, 2006, 41).
A diferença das coleções parece se localizar, pelo menos para mim, no nível de relevância pedagógica que se dá às regras internas do sistema linguístico para a construção dos sentidos, e em como abordar essas regras a partir do referencial teórico-metodológico explicitado no guia didático. Isso é o que será visto na próxima seção, quando for analisado o componente das atividades por meio das quais o conteúdo linguístico é levado à prática.
2. Materialização das expectativas
Para Sánchez Pérez (2009), o método é entendido como a atuação docente como um todo complexo, com vários componentes, incluindo “o porquê” (natureza da língua, princípios da aprendizagem e do ensino, condições contextuais, educativos e geográficos, além de princípios de organização aplicados à gestão e planificação do ensino, assim como o desenvolvimento da aula), “o quê” (elementos que constituem o objeto do ensino-aprendizado) e “o como” (os procedimentos relativos à pedagogia, à psicologia, ao contexto pragmático e sociológico e à planificação e gestão das atividades).
Tendo em vista que a gramática não é o eixo estruturador de nenhuma das duas coleções, os elementos constituintes das unidades (ou “o quê” das coleções) giram em torno de duas questões: os gêneros textuais e as temáticas. O conhecimento linguístico, entretanto, só está vinculado ao primeiro, já que as estruturas da língua não estão condicionadas ao tema, mas ao gênero discursivo.
Nas próximas subseções, tomarei as duas primeiras unidades do volume um de cada coleção para ilustrar como os autores abordam a gramática.
2.1 Sentidos en lengua española
Esta coleção tem, como padrão estrutural, duas páginas de abertura que apresentam o título, o tema, os gêneros, os objetivos gerais e imagens relacionadas com o tema da unidade. O quadro 1 resume essas características das duas primeiras unidades do volume 1 da coleção.

Em seguida, na seção En Foco, começam as primeiras reflexões sobre o tema e os gêneros discursivos trabalhados na unidade5. A seção seguinte se intitula Lee, que apresenta uma atividade de compreensão leitora a partir de seis subseções: Ya lo sabes, Lee para saber más, Comprendiendo el texto, Entretextos, Reflexiona e Comprendiendo el género. A primeira unidade é uma exceção nesse padrão da coleção, já que “está organizada de forma diferenciada devido ao trabalho de introdução à língua espanhola, às culturas hispânicas e à coleção” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 170); nesse caso, ela apresenta textos verbais e icônicos, escritos e orais, e de diferentes gêneros, com atividades abertas e fechadas, trabalhando basicamente o tema do hispanismo em subseções cujos títulos têm relação com a temática seguida de um desafio (normalmente são questões para responder sí ou no sobre o país trabalhado ou, de alguma forma, referenciado no texto anterior). Já a segunda unidade, a pré-leitura é feita oralmente e a partir de outros títulos de notícias; o texto a ser lido é uma notícia mexicana, e as perguntas de compreensão de leitura, todas abertas, vão desde encontrar informações explícitas até fazer inferências ou relacionar a outros textos e gêneros. Chamo a atenção para a subseção Comprendiendo el género, na qual as autoras começam a abordar a gramática. Por exemplo, na atividade 5 da página 39, discute-se o motivo do uso das aspas e a função que esses fragmentos aspeados têm na notícia. A atividade 6, quando pede que o estudante observe se há uma reprodução da fala de algum haitiano no texto, o conhecimento adquirido na atividade anterior é resgatado. A atividade 11, na página 40, também trabalha com a gramática, já que se questiona qual é a função dos verbos destacadas nos fragmentos da notícia: tratam-se dos verbos dicendi, que costumam introduzir o discurso referido. Na atividade seguinte, os alunos precisam encontrar verbos no presente e no passado e explicar a que se refere cada uma dessas partes.
A seção Escucha organiza-se também em subseções: Entrando en matéria, Oídos bien puestos, Más allá de lo dicho e Comprendiendo el género. As seções Escribe/Habla apresentam atividades de expressão escrita e oral, respectivamente, e contêm as mesmas subseções: Arranque, Puesta en marcha, Cajón de herramientas e Hacia atrás. Após a Autoevaluación, nos apêndices do volume, podemos encontrar as seguintes seções: El estilo del género, Entreculturas, Hay más, síntesis léxico-gramatical e cuestiones del Enem comentadas. Na segunda unidade, na seção El estilo del género, os estudantes trabalham alguns elementos léxico-gramaticais dos gêneros certidão de nascimento e notícia. As atividades, como anunciadas no guia didático, são indutivas: a 4 (página 53), por exemplo, trabalha a substantivação de verbos; a 5 (páginas 54-55), as diferenças entre verbos no presente e no passado; e a 6 (página 55), a morfologia dos verbos nos dois tempos, a partir do texto da atividade anterior.
Para tecer considerações sobre o que observei, gostaria de trazer alguns comentários realizados por Pinto (2019) a respeito dessa coleção. Uma de suas afirmações diz respeito ao fato de que “el libro está pautado en un enfoque para la lectura y para el texto y apenas hay espacio para la oralidad ” (Pinto, 2019, 228). Acredito que o autor se refere ao uso oral da língua estudada, pois, na nota 31, observa que “las actividades propuestas exigirían del estudiante un alto nivel de proficiencia para que pudiera responder a las preguntas en español. Y como no hay ninguna herramienta para ello (nada se habla de pronunciación, incluso), se supone que las actividades se desarrollarán en portugués” (Pinto, 2019, 228). De fato, algumas atividades precisam ser desenvolvidas em português, e isso não é problemático, já que o foco que propõem as autoras, como dito, está, pelo menos no caso da leitura, no conteúdo temático e na construção composicional dos gêneros discursivos. Dessa forma, a produção escrita e oral na língua estudada possui um lugar específico nas unidades: nas seções Escribe e Habla, nas quais há um preparo muito importante, já que se baseiam em gêneros discursivos, e não apenas na habilidade cognitiva e linguística de escrever e falar.
Outro comentário que Pinto (2019) faz é a respeito das tabelas de conjugação dos verbos no imperativo afirmativo e negativo em “tú” e “vos” na página 76 (unidade 3). Para ele, as tabelas aparecem “de manera completamente aislada” e “no tiene[n] ninguna relación con lo que vino antes ni con lo que viene enseguida” (Pinto, 2019, 229). Na verdade, essas tabelas se encontram na seção Escribe, especificamente na subseção Cajón de herramientas, na qual “são discutidos alguns recursos que devem ser observados na versão inicial do texto” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 5); dessa forma, como os estudantes devem produzir um cartaz de campanha social, e os textos trabalhados na unidade lançam mão do imperativo apenas nessas pessoas (tú e vos), as tabelas servem apenas para apresentar a formação desse modo verbal para que o aluno consulte na hora de escrever a primeira versão do seu texto.
No final dessa mesma unidade, na seção El estilo del género, o tema gramatical é trabalhado novamente em tabelas, mas agora de forma indutiva, de modo que o estudante observe as terminações na conjugação de verbos regulares no imperativo (página 81) e alguns irregulares (páginas 82-83), logo, não estão descontextualizadas.
O que me parece incoerente, à primeira vista, é que as atividades de “fixação” do conteúdo sejam sempre de preencher lacunas, o que mantém, em partes, a representação de que é assim que se aprende gramática. Por outro lado, conforme dito na subseção das perspectivas sobre ensino-aprendizagem de línguas, Sentidos, ao seguir o pós-método, leva em conta as “limitações acadêmicas e administrativas diversas, como as advindas das instituições, do currículo, dos livros didáticos” (Freitas; Marins-Costa, 2016, 165) e lançam mão desse modelo de atividade, que são muito conhecidos e fáceis de corrigir.
2.2 Confluencia
Diferente da coleção anterior, Confluencia apresenta, desde a primeira unidade, o mesmo padrão estrutural. A abertura se faz em três páginas: na primeira aparecem o tema, o projeto e os objetivos da unidade, já as outras duas contêm uma fotografia “que sirve de motivación e introducción a lo que se va a estudiar” (Pinheiro-Correa, et al., 2016, 6). Resumimos no quadro 2 algumas dessas informações:

Na seção Para entrar en materia, os autores apresentam e aprofundam o tema da unidade a partir de atividades sobre dois ou mais textos escritos e um oral. Os textos, tanto os escritos quanto os orais, são acompanhados de perguntas de pré-leitura/audição, leitura/audição e pós-leitura/audição separados por esses títulos, sendo que as atividades são quase todas abertas e suas respostas devem ser escritas no caderno, o que exige diferentes estratégias por parte do estudante, desde localização de informação até inferências. Os textos da primeira unidade são notícias e canção, enquanto da segunda são capas de jornal, postagem de blog sobre meios de comunicação e um podcast de uma rádio.
A seção Para investigar el género propõe uma pesquisa do gênero discursivo central da unidade para a realização do projeto. O trabalho é conduzido de forma indutiva a fim de que o estudante observe características formais e sociais do gênero em três subseções em forma de perguntas: ¿Qué es? ¿Cómo circulan socialmente?, nas quais se encontram atividades analíticas sobre as intenções comunicativas, o que leva o estudante a aprofundar nas questões pragmáticas dos textos; ¿Cómo es? ¿Cómo se estructura?, que aborda a estrutura e o conteúdo do gênero, incluindo informações verbais e não verbais; e ¿Cómo se escribe? ¿Cuáles son sus principales características lingüísticas?, na qual são abordados, por exemplo, na unidade 1, recursos literários e estilísticos (como aliteração, rima, metáfora e oxímoro), e, na unidade 2, os substantivos comuns, os substantivos próprios e o tempo verbal (no caso, o presente do indicativo).
A seção Para pensar y debatir tem o objetivo de ampliar a reflexão e o debate sobre o tema proposto, e normalmente traz mais textos e áudios que também têm atividades pré, durante e pós leitura/audição. Em seguida, na seção Para escribir, são apresentadas as etapas para a produção escrita do texto pertencente ao gênero discursivo estudado na unidade e, na seção Para movilizar mi entorno, os autores apresentam ideias e propostas para a realização de um projeto a partir do qual o estudante possa intervir no seu entorno. É interessante ressaltar que, nesse momento, faz-se uma importante reflexão sobre o compartilhamento da produção do aluno, o que reforça a procedimento vygotskiano de promover a interação.
Após a Autoevaluación e Para disfrutar, que “se destina a la apreciación de enunciados artísticos” (Pinheiro-Correa, et al., 2016, 6), encontramos a seção Comentario lingüístico. Na primeira unidade, em duas páginas, os autores apresentam reflexões sobre quatro conteúdos: (1) a formação de gentilícios, resgatando o segundo texto da unidade, no qual aparecem várias nacionalidades e complementam com outro texto; (2) o sujeito inclusivo, resgatando o texto da seção Para pensar y debatir, a partir do qual comentam sobre as diferenças com o português sobre a concordância inclusiva do verbo com o sujeito (“Y es que, los mayores, muchas veces, nos sentimos solos [...]”); (3) variação linguística, resgatando o mesmo texto do conteúdo anterior e comentando questões de norma e uso da língua a partir de um caso de leísmo e da ausência da preposição “de” na expressão “darse cuenta (de) que”, que aparece no primeiro texto da unidade; (4) as diferenças entre “solo” e “sólo”, resgatando o texto da seção Para pensar y debatir e comentando sobre a reforma ortográfica da língua espanhola de 2010.
Na segunda unidade, os temas trabalhados, em três páginas, são: (1) uso de ‘vosotros/vosotras’, (2) ordem de palavras e (3) marcadores discursivos. Cada um dos temas é apresentado a partir de um fragmento de algum texto da unidade, mas às vezes é necessário recorrer a outros textos para ilustrar outras questões do assunto, como ocorre na ordem de palavras em perguntas sem pronome interrogativo.
É difícil definir a abordagem da gramática nessa seção do livro: é dedutiva ou indutiva? A primeira vista, parece dedutiva, pois é apresentado primeiramente o input e, em seguida, as regras, como no caso do quadro das pessoas gramaticais e dos respectivos pronomes sujeito na página 58. No entanto, a forma como é abordada a regra não é simplificada como vimos em alguns casos das coleções Enlaces e Cercanía Joven em Mazzaro (2018), ao contrário, exige reflexão linguística. A página em que se comenta sobre os marcadores discursivos é um exemplo disso: apresentam-se os marcadores que aparecem nos textos lidos na unidade (es decir e por supuesto) e abordam suas funções textuais e pragmáticas, além das inferências e das mudanças contextuais caso fossem substituídos por outros marcadores. Trata-se, portanto, de uma reflexão epilinguística, já que a prática “opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma-as, experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as formas linguísticas de novas significações” (Franchi, 2006, 97). No entanto, no caso de Confluencia, não se trata de uma atividade em que o estudante deve ler, observar, responder e analisar a própria resposta, mas de analisar um texto escrito pelos autores.
Considerações finais
As coleções inéditas aprovadas no PNLD 2018 e que foram analisadas neste trabalho, Sentidos en lengua española e Confluencia, têm em comum o fato de terem base teórica vygostskiana e considerarem que o ensino-aprendizado de uma língua se dá pela interação. A interação é materializada de forma muito parecida nas duas coleções, já que abordam os gêneros discursivos de forma a dar conta de suas características formais, sociais e temáticas. A diferença, entretanto, localiza-se na abordagem da gramática: enquanto Sentidos apresenta atividades indutivas e de fixação do conteúdo linguístico, Confluencia “conversa” com o estudante a respeito da forma, do uso e de questões sociais envolvidas nas estruturas linguísticas.
Ambas as coleções também compartilham o fato de apenas abordarem questões linguísticas que aparecem nos textos trabalhados nas unidades, o que faz com que a seção dedicada a essa temática encontre-se no final da unidade (ou no final do livro). No entanto, Sentidos inclui, na abordagem da leitura, reflexões gramaticais, aproximando-se do que fazem os autores de Confluencia na seção Comentario lingüístico, mas em forma de atividade indutiva. Por outro lado, Confluencia faz reflexões epilinguísticas com mais frequência e não traz exercícios de fixação gramatical, talvez por evitar atividades artificiais de uso da língua, como as de preencher lacunas, deixando para a seção Para escribir a materialização dos conhecimentos adquiridos.
Quanto aos comentários feitos por Pinto (2019), faz-se necessário observar que tanto Sentidos como Confluencia enfocam a leitura, mas a primeira coleção tem uma seção específica para trabalhar a expressão oral (Habla), enquanto na segunda pode ser trabalhada essa habilidade, em algumas unidades, na seção Para movilizar mi entorno. Outra observação é que Sentidos não explicita os conteúdos gramaticais apenas na seção Síntesis léxico-gramatical, mas também em El estilo del género; já Confluencia aborda questões linguísticas tanto na subseção ¿Cómo se escribe? ¿Cuáles son sus principales características lingüísticas?, contida em Para investigar el género, quanto na seção Comentario lingüístico. No que diz respeito aos quadros com conteúdo gramatical, em nenhuma das duas coleções elas aparecem isoladas: em Sentidos costumam fazer parte de atividades indutivas ou para ser consultada na produção escrita, e em Confluencia fazem parte das reflexões nos comentários linguísticos.
Finalmente, faz-se urgente refletir e debater com os futuros professores de línguas as materializações das abordagens/enfoques e dos métodos nos livros didáticos usados no Brasil. Embora os debates sobre leitura em língua estrangeira tenham avançado e os livros didáticos (pelo menos os que são aprovados na seleção do PNLD e, consequentemente, usados nas escolas públicas brasileiras) incorporaram as metodologias, há ainda lacunas sobre a abordagem da gramática. A questão ultrapassa a dúvida de que conceito de gramática usar, e se ela se apresenta em forma de quadro, comentário linguístico ou atividades indutivas, mas o quê apresentar para um estudante brasileiro dado o contexto escolar em que ele se encontra. Esse contexto abarca questões físicas da sala de aula, recursos disponíveis, quantidade de alunos por sala, condições de trabalho dos professores, objetivos da escola, leis e documentos oficiais e outros diversos pontos que influenciam o ensino-aprendizagem.
Debater o quê da gramática deve ser apresentado significa refletir, em primeiro lugar, sobre princípios de ensino-aprendizagem da língua para, então, debater ações sobre a abordagem da gramática. E se não há um método pronto de aplicação dos princípios vygotskyanos, como as autoras de Sentidos pontuam no guia didático, faz-se necessário, como elas e os autores de Confuencia:, trazer à baila outros teóricos da área da educação, da linguagem e de áreas afins e subverter as tradições do ensino-aprendizagem de línguas e a produção dos livros didáticos. É um caminho para se chegar à atividade epilinguística.
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Notas
Autor notes
Contato: daniel.mazzaro@ufu.br