Resumo: Este artigo analisa representações que alunos de Letras/ EspanholPARFOR têm da língua espanhola, priorizando as mais recorrentes e suas implicações para a sua formação como futuros professores. Baseou-se no conceito de ideologia de Bakhtin (2009), que foi considerado como algo inerente às representações que surgem e/ou surgirão, uma vez que, quando se pensa, se enuncia dialogicamente. Além disso, considerou-se Moscovici (1978; 2005; 2009) e seus estudos sobre a representação social. Tratase de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida a partir do corpus constituído por dizeres de cinco participantes, coletado através de entrevistas que foram gravadas e transcritas. Concluiu-se, que as representações de destaque na fala dos informantes ocorrem com base na atribuição de uma facilidade x dificuldade no processo de aquisição da língua espanhola, bem como em relação ao domínio linguístico comunicativo.
PALAVRAS-CHAVE: RepresentaçõesRepresentações,língua espanholalíngua espanhola,aluno de letrasaluno de letras.
Abstract: This paper intends to analyze representations the students of Languages and Literature (Letras-Espanhol-PARFOR) have of Spanish, focusing on the two more recurrent ones, as well the implications of these for their formation as teachers. Therefore, we take advantage of Bakhtin’s interpretation (2009) and his concept of ideology, considering it as something inherent in the representations, which arise and/or will arise, since when we think we speak dialogically, because even the inner discourse brings voices of others, the statement will always refer to the interaction between a self, another and an object. Then, based on Moscovici (1978, 2005, 2009), we will discuss his studies on social representation and its phenomenon of social representations, seek to bring the concept to this term. This is a qualitative research, developed from a corpus consisting of five students, collected through recorded interviews and transcribed. It was concluded that the prominent representations in the informants’ speech occur based on the attribution of a feeling of ease x difficulty in the process of acquisition of the Spanish language, as well as in relation to the communicative linguistic domain.
KEYWORDS: Representations, Spanish language, Language and Literature students.
Dossiê
Representações do aluno de Letras/ Espanhol sobre a língua espanhola
Recepção: 26 Março 2019
Aprovação: 28 Abril 2019
“A representação do mundo é obra dos homens; eles o descrevem a partir de seu próprio ponto de vista.” Simone de Beauvoir (1960)
Em de agosto de 2005, foi promulgada a lei de Nº 11.161/2005 (Lei do Espanhol) que determinava o ensino obrigatório da língua espanhola no ensino médio1. Visualizamos e compreendemos que a implantação da lei mobilizou diversos discursos no que concerne ao ensino/aprendizado da língua espanhola no Brasil, uma vez que, ao instituí-la, demandaria capacitação e formação de profissionais para atuar no ensino básico. Neste sentido, o PARFOR (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica) possibilitou a oferta de cursos, no âmbito de Letras, com habilitação em inglês, alemão ou espanhol, com o objetivo de formar profissionais interculturalmente atuantes, competentes, com capacidade de agir criticamente com a língua alvo, e de desenvolver em seus alunos competências e habilidades para utilizá-la.
Neste artigo, pensamos neste grupo específico de alunos do curso de Letras/ Espanhol (PARFOR) para analisar algumas representações que os alunos têm da língua espanhola, focalizando as duas mais recorrentes, bem como verificar quais as implicações destas para a sua formação como professores.
Nas duas primeiras seções, traçamos um breve percurso a partir dos estudos de Bakhtin (2009) e, posteriormente, com bases em Moscovici (1978), explicitamos o conceito acerca das representações. Consideramos que são conceitos que podem ser correlacionados uma vez que entendemos que a partir de nossas ideologias é que podemos externar, criar, repetir, etc. uma dada representação.
Na terceira seção, apresentamos o percurso metodológico, no qual demonstramos o caminho percorrido para escolha e constituição do corpus. Na parte da análise, mostramos trechos das entrevistas, bem como a identificação de duas representações elencadas: língua espanhola como facilidade x dificuldade e a representação acerca do domínio linguístico comunicativo.
Dada a importância do conceito de ideologia, apresentamos brevemente uma síntese a partir da proposta de Mikhail Bakhtin (2009).
O termo “ideologia”, deriva da formação feita com palavras do grego antigo: IDEA, que tem o significado literal de “aparência”, mas pode ser traduzido como “protótipo ideal”, e LOGOS, que significa “estudo”.
Entretanto, vários autores apontaram em seus estudos que a ideologia está além do que sua etimologia nos mostra, uma vez que, ela interpela não só um jogo de ideias, opiniões ou prerrogativas, mas sim pode abarcar um leque de significações do eu para com o mundo que o cerca, podendo distorcer a realidade, legitimá-la, integrá-la, repeli-la, justificá-la, etc. Dessa forma, o conceito inicial, comprovadamente não pode ficar apenas no “estudo das ideias”. Fernandes (2008) a conceitua como uma concepção de mundo do sujeito inscrito em determinados grupos sociais, de acordo com um contexto histórico, que é inerente ao signo de maneira geral, e em qualquer palavra enunciada há a possibilidade de verificar-se qual ou quais ideologias a integram, logo, não é apenas um emaranhado de ideias, mas sim, um sujeito que é interpelado por dizeres, que guardam relação com o mundo que o cerca.
Os filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels, ao lançarem a obra Ideologia alemã, de 1846, verificaram que a ideologia era um aspecto principal da história. Para eles, este termo estava relacionado aos sistemas teóricos (políticos, morais e sociais) criados pela classe social dominante. Conseguinte, retomando os ideais marxistas, Mikhail Bakhtin problematiza a teoria Marxista, e nos mostra que o método de Marx não avançou e não encontrou meios de estudá-la de maneira mais concreta. Assim, o autor abre campo de investigação acerca do estudo das ideologias e traz outros posicionamentos.
Inicialmente, temos a visão de que qualquer grupo incorpora valores do meio social, para isso faz uso da linguagem, o que comprovadamente reforça a ideia de que necessitamos da interação para constituir nossos dizeres. Dessa forma, “a linguagem nasce, assim como a consciência, da necessidade, da carência de intercâmbio com os demais homens.” (Marx e Engels, 2007, 53)
Nesse sentido, as ideias de Bakhtin convergem, quando o autor argumenta que a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem por enunciações monológicas isoladas, muito menos pelo ato psicológico de sua produção, mas pela interação verbal, realizada por meio da enunciação ou das enunciações, para ele, “a interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua” (2009, 127). Como resultado, o que falamos sobre o mundo é um conteúdo forjado do exterior para o interior, e que é externalizado através da linguagem. Com esta referência, o autor nos faz entender que é nesse meio da ligação entre um eu e o outro que a ideologia se apresenta, sem a linguagem ela não existe. Encaminhando-se para este mesmo pensamento, Guimarães (2013, 103) afirma:
A ideologia se instaura na sociedade principalmente pela língua, da qual o sujeito se apropria para comunicar-se, fazer-se entender fato que justifica a definição de discurso como ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos linguísticos. Na relação mundo/linguagem entra como condição essencial à ideologia.
A ideologia se mostra num entorno de uma realidade, natural ou social, refletindo e contrapondo uma outra realidade existente, isto é, tudo o que é ideológico, significa e se liga a algo situado fora de si mesmo, como nos mostra Bakhtin (2009, 31) “tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia”, com isso o autor nos faz pensar que a ideologia pode ter corpo, forma, cor, ela é material, assim como o signo também é, uma vez que, este tem natureza social, dialógica e interativa.
Para exemplificar a materialidade do signo e sua importância para a formação das nossas ideologias, Bakhtin (2009) usa a concepção de produto de consumo, que pode ser transformado em signo ideológico, e cita o exemplo do pão e do vinho como um signo de representação do corpo de Cristo na religião católica e, assim, ressignificam elementos que antes remetiam à imagem/conceito de alimento.
Outrossim, como o signo pode refletir ou refratar uma realidade, é neste contexto que temos formações ideológicas, que segundo Maingueneau (1976, 83-84 apudGuimarães, 2013, 109): “é um conjunto, de atitudes, representações, etc. referidas posições de classe, que é susceptível de intervir com força confrontada a outras na conjunção ideológica que caracteriza uma formação social em um momento dado”. Nesse contexto, vemos que todo signo é historicamente demarcado, assim insere-se numa realidade que é olhada de maneiras diferentes por cada grupo social, se dominamos a essência do signo convergiremos para o domínio ideológico, visto que estes são mutuamente correspondentes.
Bakhtin (2009, 33) afirma: “onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico”. Nesse âmbito dos signos, vemos que o autor demonstra que dentro de uma mesma visão semiótica há uma confrontação de diferentes interesses. O intercruzamento dessas diferenças ocorre através da interação social, quando tornamos o signo vivo, móvel, capaz de evoluir. Por esta razão, é neste caráter semiótico que é colocado a postos o campo da criatividade ideológica e seus critérios (julgar, justificar, refutar, etc.), materializando-se, assim, nossa ideologia. É assim que entendemos Bakhtin (2009, 33) quando este autor diz que “(...) compreender um signo consiste em aproximar o signo apreendido de outros signos já conhecidos; em outros termos, a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos.”
Ainda neste contexto, percebemos que, dentro das nossas relações sociais, tudo estará diretamente ligado às condições e aos modos de comunicação assim sendo, o signo tem existência significativa na materialização dessa comunicação e isso, como vimos, se dá de forma clara e completa na linguagem. Nesse sentido, Bakhtin mostra-nos a relevância da palavra como um fenômeno ideológico por excelência, sendo o modo mais puro e sensível das nossas relações sociais. Sua análise vai muito além da linguística unificante de Saussure que analisa a língua como um objeto abstrato ideal. Bakhtin valoriza a fala e a enunciação, não concorda que esta tem natureza individual, mas defende que se liga às condições histórico-ideológicas de classes na sociedade. Dessa forma, na perspectiva bakhtiniana, a palavra é:
[...] neutra em relação a qualquer função ideológica específica, podendo preencher qualquer espécie de função ideológica: estética, científica, moral e religiosa.
(...) penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc.
(...) as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios, (...) revela-se, no momento de sua expressão, como produto da interação viva das forças sociais.
(Bakhtin, 2009, 37, 42 e 67)Estas afirmações sobre a representatividade da palavra como um fenômeno ideológico mostram-nos que a palavra é a melhor coisa para revelar formas básicas, formas ideológicas gerais da comunicação semiótica. Assim, ela é o objeto fundamental do estudo das ideologias que materializa o elo dos dizeres que, por sua vez, não são somente individuais ou somente coletivos, mas são produtos de um conjunto de representatividades que extraímos e/ou criamos a partir da realidade. Guimarães (2013, 98) resume a ideia bakhtiniana quando comenta:
Resumindo sua concepção, a noção de sujeito remete à de formação discursiva, ponto de articulação de processos ideológicos e dos fenômenos linguísticos. A materialização de uma ideologia pela linguagem aponta para a pluralidade dos discursos, isto é, não há discurso ideológico único, mas todos, em maior ou menor grau, apresentam uma ideologia.
Os estudos bakhtinianos são apenas um input para uma teia conceitual muito ampla, o que ele nos faz refletir é que a ideologia é resultado da prática social, concretizada na interação verbal, nasce da atividade social dos homens, num dado momento marcado historicamente, e traz dentro de si as chamadas representações, que podem ser, numa primeira tentativa de definição as formas como interpretamos a realidade. Quando dizemos que dentro da ideologia estão interiorizadas as representações, é porque significa a adesão do sujeito a uma formação ideológica configurada em diversos tipos e que suscitam a incorporação de valores e crenças individuais no discurso, são elas que mobilizam os prós e os contras, que espelha a visão de mundo. Mas afinal, o que são as representações sociais? É o que tentamos responder a seguir.
O conceito de representações foi introduzido no meio acadêmico pelo francês Serge Moscovici (1978, 2005 e 2009), que retoma os estudos iniciados por Émile Durkheim, cuja investigação trouxe uma definição para a ideia de representação coletiva. Moscovici, ao retomá-lo, começa a investigar uma teoria das Representações Sociais no âmbito da Psicologia Social.
Tratamos aqui de conceituar, a partir da perspectiva da psicologia social de Moscovici, a designação das representações sociais. Para o autor, estas são como uma forma característica de conhecimento que nos rodeia, fixase e se transforma constantemente. Em suas palavras: “as representações sociais (RS), são criadas pelos processos de ancoragem e objetivação que circulam no cotidiano e devem ser vistas como uma ‘atmosfera’ em relação ao indivíduo e ao grupo” (2009, 101).
Para Jodelet (1998, 36) a representação é:
Um saber socialmente elaborado e partilhado que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. São imagens que permitem interpretar o que acontece conosco e até dar um sentido ao inesperado, são categorias que servem para classificar as circunstâncias, os fenômenos e os indivíduos com os quais nos relacionamos.
Jodelet (1998) afirma que as representações surgem da interação entre duas ou mais pessoas através de ações e pela comunicação, o que nos remete à perspectiva de Bakhtin (2009, 117) acerca da interação verbal, com o uso da palavra, quando afirma que “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor”, dessa forma, é interagindo que construímos sentidos, e por meio dela definimo-nos em relação aos outros.
Outro aspecto preponderante é que a finalidade das representações é tornar familiar algo não familiar, para tal, Moscovici (2009) acrescenta que são necessários dois processos: a ancoragem e a objetivação. A primeira é responsável por transformar algo estranho e perturbador em um sistema nosso, particular, e que compara com um paradigma que pensamos ser adequado. Por sua vez, a segunda transforma algo abstrato em algo concreto, transferindo elementos da mente em algo que está no mundo físico. Relacionado a esse aspecto, Bakhtin (2009) traz uma explicação acerca do individualismo criador em que demonstra que tudo que está ligado a nossa orientação social tem processos que são internos e externos que se completam mutuamente:
O que se chama habitualmente “individualidade criadora” constitui a expressão do núcleo central sólido e durável da orientação social do indivíduo. Aí situaremos principalmente os estratos superiores, mais bem-formados, do discurso interior, onde cada representação e inflexão passou pelo estágio da expressão, de alguma forma sofreu a prova da expressão externa. Aí situaremos igualmente as palavras, as entonações e os movimentos interiores que passaram com sucesso pela prova da expressão externa numa escala social mais ou menos ampla e adquiriram, por assim dizer, um grande polimento e lustro social, pelo efeito das reações e réplicas, pela rejeição ou apoio do auditório social.
Outrossim, vemos que a representação social também tem relação com a opinião pública. Porém, não é mera opinião, vai além dela, está relacionada à avaliação do objeto, aos sentimentos associados a ele e isso enquanto característica produzida e compartilhada por um grupo. Acerca disso, Ornellas (2017) comenta que podemos entendê-la como um conhecimento advindo do senso comum que faz relações entre as construções simbólicas e a realidade social dirigindo seu olhar epistêmico para entender como essa realidade pode construir leituras dos símbolos encontrados no nosso cotidiano. Sobre esse aspecto, a partir de uma perspectiva bakhtiniana, somos incentivados a perceber a ideologia do cotidiano, a qual foi denominada “a totalidade da atividade mental centrada sobre a vida cotidiana, assim como a expressão que a ela se liga” (2009, 123). Aqui o autor afirma que há uma necessidade de distinção entre os vários níveis que são determinados pela escala social e que servem para medir a atividade mental e a expressão, e através das forças sociais em relação às quais eles devem orientar-se. Assim, todo sujeito terá inúmeras visões dos símbolos que o cercam, mas isso não significa que tudo será usado como fonte de orientação social, cada um demonstrará nos seus dizeres quais elementos formam sua ideologia, bem como, através de seus dizeres, perpetuar quais representações direcionam sua realidade.
Portanto, as representações sociais são formas e visões que se tem do mundo, elas permitem que os sujeitos se liguem a um sistema de valores para que possam orientar-se e dominar o meio social e material, constituem trocas entre si, possibilitando que as experiências ocorram e que sejam elaboradas e significativas, interpretadas e simbolizadas a partir dos sentidos atribuídos por cada um no grupo social.
Nesta seção, trata de apresentar os procedimentos metodológicos da pesquisa, a saber: constituição do corpus, o programa PARFOR e o perfil dos participantes.
O corpus de análise é constituído por dizeres de cinco alunos do curso de letras/espanhol do PARFOR-Jacundá (UFPA). Com o objetivo de analisar algumas representações que os alunos de Letras/EspanholPARFOR têm da língua espanhola, nos dedicamos a analisar as duas mais recorrentes, bem como verificar quais as implicações destas para a sua formação como professores.
Na elaboração da pesquisa utilizou-se uma abordagem qualitativa, uma vez que, há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um elo inseparável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, que não pode ser traduzida em números, assim a interpretação dos fenômenos e a atribuição dos significados tornam-se básicos neste tipo de abordagem.
Destarte:
Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objectivo de investigar os fenómenos em toda a sua complexidade e em contexto natural.
(Bodgan e Biklen, 1994, 16)Esses autores salientam ainda que o primeiro traço distintivo nesta investigação corresponde ao papel do investigador no contexto de investigação. O investigador deve ser imparcial, de forma a não interferir no estudo e a adotar uma posição descritiva interpretativa. A subjetividade deste relativamente aos dados prende-se com o relato crítico e reflexivo do que o investigador observou, partindo do conhecimento teórico que detém.
O corpus foi coletado por meio de entrevistas gravadas e, posteriormente, transcritas, utilizou-se como instrumento um questionário contendo 11 perguntas. Entendemos que para este tipo de investigação, a entrevista tornase uma ferramenta adequada, uma vez que “é uma comunicação verbal entre duas ou mais pessoas com um nível de estruturação previamente determinado, com a intenção de obter informações de pesquisa. É uma das técnicas de coletas de dados mais usadas nas ciências sociais.” (Dencker, 2000; Gil, 1999). Nessa parte da pesquisa qualitativa, os investigadores adentram no mundo dos sujeitos observados, para buscar entender o comportamento dos informantes e as construções de sentido do mundo no qual estão inseridos.
A coleta de dados estendeu-se por um período de três meses, sendo um mês para a observação, elaboração do questionário e realização das entrevistas e dois meses para a análise e interpretação dos dados.
Os informantes da pesquisa são alunos do curso de Letras/ Espanhol do PARFOR. Em vigor desde 2009, o PARFOR abre todos os anos turmas especiais em cursos de licenciatura e em programas de segunda licenciatura, na modalidade presencial, exclusivas para educadores das redes públicas que não possuem formação superior na área em que atuam.
Os informantes que entraram no programa em 2015 e tinham uma graduação: dois alunos são graduados em Letras/ Língua Portuguesa, duas em Pedagogia e uma é Licenciada em Geografia. Para a identificação dos informantes, utilizamos uma sigla para não revelarmos sua identidade com a seguinte convenção: (A) aluno, número da ordem da entrevista, sexo; (PA) professor que já atua com ensino de espanhol e (NA) o professor não atuante.
Os informantes responderam a 11 perguntas, em seguida a partir da análise das transcrições, identificamos dois tipos de representações presentes nos discursos dos alunos: representação da língua espanhola como fácil x difícil e representação do domínio linguístico comunicativo. Analisamos a seguir alguns recortes discursivos que contribuem para verificarmos e interpretarmos esses rastros de representações.
Percebemos que, desde a década de 90, com o estreitamento das relações do Brasil com países vizinhos em virtude da crescente globalização da economia mundial e as privatizações que têm ocorrido na América Latina, a busca e o interesse pela aprendizagem da língua espanhola foram favorecidos pela percepção de que era necessário suprir as necessidades de trocas de informação entre o Brasil e os países hispano falantes.
Neste contexto é notável que, apesar da busca por cursos de ensino de língua espanhola, há ainda quem acredite que não haja necessidade de se aprender formalmente o espanhol, ou ainda que aprendê-lo é muito mais fácil do que aprender outras línguas, como o inglês, por exemplo. Muitos justificam essa postura afirmando que o espanhol e o português são muito parecidos. Dessa forma, ao serem questionados sobre as impressões acerca da língua espanhola, os informantes deram as respostas mostradas a seguir, o que direcionou a primeira representação identificada, vinculada a uma facilidade versus dificuldade em relação à língua espanhola.
Vejamos:
“A língua espanhola me encantava, só que assim, eu imaginei que seria bem mais fácil aprender” “Por ser uma língua muito parecida com o Português.” “Que eu aprendesse rapidamente, pois é ‘muito’ parecida com o português.”
(A1FPA)
“as vezes você vê uma palavra pensa que ‘ah!, isso aqui é a mesma coisa!’ quando você vê é uma coisa totalmente diferente. Então é um grande desafio.”
(A2FPA)
Sempre teve muitos mitos em relação a questão da língua espanhola: “ah! Quem sabe falar português sabe falar espanhol”, porque são línguas parecidas [...] são línguas próximas, são línguas meia que irmãs, mas elas tem as suas peculiaridades, cada uma tem, a nossa língua portuguesa tem, o inglês tem e o espanhol também tem.
(A3MPA)Percebemos que esta representação de língua de fácil aprendizagem está ancorada na convicção de que a língua espanhola é fácil, parte da ideia a atribuição de línguas irmãs e que pressupõe facilidade, uma vez que têm a mesma origem, o latim, como se comprova na fala do terceiro aluno: “porque são línguas parecidas [...] são línguas próximas, são línguas meia que irmãs”. Dessa forma, Calvi (2004) afirma que línguas que possuem a mesma família podem ser mais fáceis de aprender, mas que, à medida que o aluno tem contato, as divergências e semelhanças podem causar grandes interferências. E é onde reside a dificuldade, é o que vemos na seguinte fala: “eu imaginei que seria bem mais fácil aprender... pois é ‘muito’ parecida com o português” (A1FPA), na qual a aluna vinculou-se ao pressuposto de que seria simples o processo de aquisição. Outrossim, ao usar o advérbio “muito”, fica claro que a representação é bem marcada pela ideia de veracidade, e é aqui que deve-se dar a devida atenção e importância no processo de aquisição da nova língua, pois, o que essa “meia verdade” de facilidade pode trazer à tona, é a frustração e queda do filtro afetivo do aluno que está em processo de aprendizagem.
A segunda aluna (A2FPA), levanta um tema comum ao ensino/ aprendizagem de línguas, os falsos cognatos, quando diz: “as vezes você vê uma palavra pensa que ‘ah! isso aqui é a mesma coisa!’ quando você vê é uma coisa totalmente diferente.” É possível identificar, que inicialmente pensouse na possibilidade de semelhança lexical, já que quase 85% do léxico do Português e Espanhol possuem origem em comum, porém, ao analisar melhor, verifica-se que não só há palavras distintas, como estas dificultam o processo de aquisição da língua.
Segundo Goettenauer (2005, 63):
Espanhol e Português são duas línguas muito parecidas sim, têm a mesma origem e um repertório lexical comum bem extenso, mas há diferenças muito significativas: de entonação, de pronúncia, de estruturas, de expressões, de usos, de modos de expressar a realidade etc. E justamente por essas diferenças, torna-se difícil dominar satisfatoriamente a língua de Lorca e Neruda.
Neste sentido, o aluno visualiza a língua espanhola como fácil, uma vez que observa tudo aquilo que se iguala ao português. Como geralmente no processo de aquisição da língua ele é induzido pelas próprias representações de seu professor, acaba sendo mobilizado para tal forma de pensar. Sobre isso, Moscovici (2005) afirma que as representações são constituídas no meio histórico-social e cultural, desta forma o indivíduo acaba sendo mobilizado para aquilo que está no seu entorno:
A Representação Social não é mera opinião, vai além dela, pois está relacionada à avaliação do objeto, aos sentimentos associados a ele e isso enquanto característica produzida e compartilhada por um grupo. Entretanto, as proposições, reações ou avaliações estão organizadas de maneira muito diversa segundo as classes, as culturas ou grupos, e constituem tantos universos de opinião quantas classes, culturas ou grupos existentes
(Moscovici, 1978).Em Bakhtin (2009, 117) encontramos um reforço das mobilizações do entorno social (que é cultural, histórico e político), o autor comenta que:
O mundo interior e a reflexão de cada indivíduo têm um auditório social próprio bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações, etc. Quanto mais aculturado for o indivíduo, mais o auditório em questão se aproximará do auditório médio da criação ideológica, mas em todo caso o interlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e de uma época bem definidas.
Em suma, a primeira representação destacada, faz-nos inferir que há uma grande influência do conhecimento que o aluno aporta da sua língua materna e a ideia de que aprenderá rápido o Espanhol, quiçá, seja reflexo de um fator histórico, uma vez que, ao Portugal ganhar sua independência política, as distâncias com a Espanha aumentaram, consequentemente o Português ganhou formas próprias para Brasil e Portugal, já o Espanhol seguiu seus rumos, sofreu mudanças, mas foi a que mais manteve heranças linguísticas no seu processo de configuração do idioma. Neste sentido, há uma ligação com um fato histórico da formação da língua, mesmo que este falante não conheça tal fator, é inegável que ele está perpetuando vozes de outrem, que por sua vez pode ter uma formação discursiva que aporta tal fato.
A segunda representação identificada é em relação ao domínio linguístico comunicativo.
No ensino de línguas objetiva-se prioritariamente que seja desenvolvida a competência linguístico comunicativa, que leve o aluno (enquanto usuário da língua) a ampliar a sua capacidade de escolher e combinar, adequadamente, cada vez um maior número de recursos linguísticos para dizer o que quer, ou seja, para produzir enunciados que podem trazer efeitos de sentido por meio de seus textos e, ao mesmo tempo, adequar o ato verbal às situações de comunicação. Neste contexto, Martinez afirma que nesse tipo de competência há uma parte imprescindível para o processo de aprendizagem, “a tarefa do aprendiz: trata-se não de aprender para depois comunicar, mas de ligar intimamente o aprender com comunicar”. (2009, 72)
A representação acerca de domínio linguístico está ligada à ideia de que qualquer aporte da língua significa dominá-la. Analisemos a seguir alguns trechos que corroboram para essa e outras interpretações.
A resposta de uma informante ao ser questionada sobre problemas quanto aquisição do idioma:
Pergunta: Quais problemas você encontrou em relação ao espanhol?
(A2FPA) (...) “Váaariios, tanto problemas na escrita quanto na oralidade, e um problema que eu tinha muito grande, que ainda tô conseguindo resolver, é a questão de falar em público, eu tinha grande dificuldade, mas agora até que tô conseguindo um pouquinho.”
Posterior, quando é questionada se tem domínio da competência linguístico (CL) comunicativa, responde: “Sim! ”, a resposta demonstra que a aluna acredita de maneira convicta que tem tal competência. Contrastando com sua fala anterior, vemos visivelmente que a informante não compreende do que se trata CL e afirma que tem, pelo fato de entendê-la como qualquer aporte que se tenha da língua, uma vez que, primeiro aporta dificuldades na oralidade, que referencia em sua fala como “ falar em público”, usar uma intensificação ao afirmar ter um “grande” problema. As partes destacadas no excerto ainda contribuem para comprovarmos uma certa falta de entendimento do que realmente envolve o domínio linguístico.
Bakhtin (2009) comenta que cada sujeito olha a realidade de uma forma diferente, quando afirmou que todo signo está sujeito a critérios de avaliação ideológica (isto é, se é verdadeiro, falso correto, justificado, bom, etc.).
Neste sentido, a fala da informante (A2FPA), demonstra que, por vezes, se assume o domínio de certos aspectos do que foi aprendido ou porque realmente não se sabe ou porque se considera todo aprendizado válido para assumir uma postura de credibilidade de que está se formando numa determinada área de conhecimento. Para Moscovici (2009) no âmbito daquilo que se acredita que reside a representação, representar significa simbolizar cada um a sua maneira e expor os saberes que bordejam o objeto representado.
O terceiro informante (A3MPA) assume que ainda não possui totalmente o domínio linguístico comunicativo, e em sua fala apresenta algumas justificativas para argumentar os porquês dessa dificuldade em alcançá-la:
“Encontrei dificuldades em falar, falar como eu esperava, eu não sou nativo, então nós temos as variantes, cada região tem a sua variação, então escolher uma variação que fosse mais adequada, maispróxima daquilo que eu acredito que seja o espanhol// questão da oralidade. Eu acho que ainda estou nuns 40% ainda preciso melhorar essa prática, de comunicação, porque no meu caso é trabalhar com outra língua estrangeira (inglês), e também, como é que vou dizer?Não ter contato com um nativo, não estar todos os dias falando em espanhol, ouvindo espanhol, me atrapalha, algumas palavras que eu desconheço, e algumas ‘derrapadas’ em relação ao que é formal e informal, ainda me atrapalha, então acredito que eu esteja nuns 40%”
(A3MPA)No trecho visivelmente aparecem marcas de representações da língua o aluno acredita primeiramente que uma língua só é bem falada se você for nativo, “eu não sou nativo”, há um equívoco, uma vez que, somos falantes do Português, porém não significa que dominamos nosso idioma por completo.
Segundo Brandão (1995, 31 apud Guimarães 2013, 97) “quem fala, fala de algum lugar a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Este discurso, que passa por verdadeiro, que veicula saber, que é gerador de poder”. O aluno quando comenta “então nós temos as variantes, cada região tem a sua variação, então escolher uma variação que fosse mais adequada”, traz as marcas do discurso de seus professores, já que, provavelmente estes ensinam a língua padrão, a variante estándar, uma vez que os próprios materiais didáticos reforçam isso. Desta forma, o segundo aspecto, é a questão da variação da língua, a qual geralmente o aluno aprende de maneira normativa, no caso do Espanhol, o Peninsular que é considerado padrão no contexto em que está a pesquisadora.
Apesar da língua espanhola ser, como qualquer língua, heterogênea e variável, o prestígio dado ao Espanhol Ibérico é uma representação. do que o próprio Português Brasileiro passou na sua estruturação enquanto língua, já que houve a normatização de um padrão que se liga diretamente a questões de status e que envolvem o ideal político, econômico e histórico, sendo assim o mais usual, mas que não deve remeter a exclusividade.
Ademais, há claramente uma concepção de língua que intercruza com a sua língua materna, pois, por vezes, estes deixam transparecer muitos dos seus conhecimentos prévios e transferem o que foi adquirido à língua estrangeira. Isso significa que os discentes têm mais dificuldades porque também uma grande maioria destes não tem uma noção de variação linguística da sua língua materna.
Quando o informante afirma: “Não ter contato com um nativo, não estar todos os dias falando em espanhol, ouvindo espanhol, me atrapalha” traz à tona concepções acerca do aprendizado da língua que também é partilhado por outra informante (A4FNA):“De cara, eu pensei que eu já ia entrar e aprender a falar espanhol, depois eu vi que não, que não é questão de sair falando é questão de prática, se eu não praticar, não vai ter curso nenhum que vai me ensinar, se eu não ficar praticando.” Em ambos temos a visão de que aprender uma língua requer prática.
A quarta e a quinta aluna informantes são categóricas ao serem questionada sobre o domínio linguístico comunicativo, em suas respostas:
“De cara, eu pensei que eu já ia entrar e aprender a falar espanhol, depois eu vi que não, que não é questão de sair falando é questão de prática, se eu não praticar, não vai ter curso nenhum que vai me ensinar, se eu não ficar praticando. Eu ainda não consegui, porque como eu mesmo disse, é uma questão minha mesmo, de interesse meu, mas se eu conversar com qualquer pessoa falando espanhol eu entendo tudo que ela fala, talvez eu não consiga desenvolver diretamente no espanhol pra passar pra ela o que eu quero, mas algumas coisas eu passaria.”
(A4FNA)
Não, tenho certeza que não, tenho que me esforçar muito mais.
(A5FPA)Analisando os trechos, percebemos que inicialmente a informante (A4FNA) ainda traz a representação de língua fácil, conseguinte, associa o aprendizado de línguas remetendo ao papel do aluno como protagonista do aprendizado, que deve praticar nesse contexto, o professor ainda tornase um perpetuador de dizeres, uma vez que, provavelmente, foi na relação para com ele, aluno-professor, que se materializou dada representação, isso se confirma no trecho “não vai ter curso nenhum que vai me ensinar, se eu não ficar praticando”, é o que ocorre também na fala de (A5FPA).
Para Moscovici (2005), os “modelos sobre” são socializados em determinados grupos de modo que sejam aceitos por todos. Faz parte o sujeito fazer inferências de significados para sua vivência e assim partilhar algo que possa ser comum também aos outros. Isso fica evidente na fala do aluno, que crê na representatividade de uma série de elementos que seriam essenciais, a seu ver, para atingir esta competência.
Aprender línguas não se resume à união de dois sistemas linguísticos, mas essas línguas apreendidas motivam operações sociais complexas, para Martinez (2009, 27):
[...] esse é o motivo pelo qual o ponto de vista é matizado: a construção de um sistema aproximativo da língua segunda se faz por intermédio de hipóteses sobre o funcionamento dessa língua e por um conjunto de processos mentais sofisticados. [...] O aprendiz também cria para si uma representação da especificidade das línguas em presença e estabelece distância entre elas.
Essas representações de natividade como prerrogativa para aprender línguas, variante certa, demonstram que os alunos se filiam em concepções de língua arraigadas e passadas pela escola ao longo de sua experiência escolar, de que basta praticar uma língua, falando muito e de forma mecânica, já é possível aprendê-la. Porém não percebem que saber língua envolve imersão no mundo cultural em que se fala uma dada língua, portanto, interação social.
Digamos, para concluir, o ensino de línguas pressupõe Teorias da Linguagem e uma análise dos sistemas linguísticos do que deve ser ensinado, porque a concepção que o aluno tem da sua língua materna e da língua estrangeira interfere no processo de aquisição e possibilita a criação de representações que podem direcionar a um círculo de dizeres que, poderão enraizar no seu perfil de aluno, mas principalmente, na sua atuação enquanto professor.
No presente artigo procurou-se apontar algumas representações que os alunos de Letras/EspanholPARFOR tem da língua espanhola. Concluiuse com a pesquisa que os alunos criam representações na sua vivência no processo de aquisição desta língua estrangeira, baseados na ideia de proximidade existente entre sua língua materna, Português, e a língua estrangeira, Espanhol, além de demonstrarem um certo desconhecimento quanto ao conceito de domínio linguístico comunicativo. Os dados coletados através da entrevista corroboram com as colocações aqui citadas, bem como vem ao encontro de muitas outras pesquisas acerca de representações.
Temos consciência de que uma única análise, não abrangerá todas as possibilidades de investigação. Assim, entendemos que principiamos um diálogo que pode conseguinte ser ampliado e instigar ainda mais os estudos linguísticos, com destaque para os estudos das representações.