Artículos de investigación
MODELO DE CORTE SUPREMA PARA PAÍSES DE AMÉRICA LATINA: GARANTÍAS PROCESALES Y FUNCIÓN JURISDICCIONAL EN EL MODELO DEL DEBIDO PROCESO LATINOAMERICANO
SUPREME COURT MODEL FOR LATIN AMERICAN COUNTRIES: PROCEDURAL GUARANTEES AND JURISDICTIONAL FUNCTION IN THE LATIN AMERICAN DUE PROCESS OF LAW MODEL
MODELO DE CORTE SUPREMA PARA PAÍSES DA AMÉRICA LATINA: GARANTIAS PROCESSUAIS E FUNÇÃO JURISDICIONAL NO MODELO DO JUSTO PROCESSO LATINO-AMERICANO
MODELO DE CORTE SUPREMA PARA PAÍSES DE AMÉRICA LATINA: GARANTÍAS PROCESALES Y FUNCIÓN JURISDICCIONAL EN EL MODELO DEL DEBIDO PROCESO LATINOAMERICANO
Ratio Juris, vol. 19, núm. 39, pp. 35-67, 2024
Universidad Autónoma Latinoamericana
Recepção: 26 Abril 2024
Aprovação: 22 Junho 2024
Publicado: 30 Novembro 2024
Resumen: El presente artículo tiene como objetivo establecer las principales características de las cortes supremas, para constituir un modelo aplicable y practicable en la cultura jurídica latinoamericana. Por lo tanto, se busca agrupar perspectivas comunes entre las cortes supremas dentro de este ámbito jurídico-político. Se parte del supuesto de que el diseño de principios compartidos por las cortes supremas puede propiciar la prestación de una tutela judicial más acorde con la realidad jurídica latinoamericana, así como la estructuración de instituciones más duraderas y fortalecidas dentro del sistema jurídico de cada país. Sin pretender generalizar, y resguardando las particularidades de la cultura jurídica de cada país, resulta importante establecer líneas directrices sobre la constitución y la función de las cortes supremas en Latinoamérica. La metodología utilizada se refiere a la revisión de la bibliografía producida sobre la cultura latinoamericana y sobre el papel moderno atribuido a las cortes supremas en esta realidad jurídi-co-cultural. En conclusión, se puede afirmar que un modelo general de corte suprema puede contribuir al fortalecimiento democrático y a la integración de la región latinoamericana, otorgando la máxima protección a los derechos humanos.
Palabras clave: Modelo de corte suprema, América Latina, derechos humanos, justo proceso.
Resumo: O presente artigo objetiva estabelecer as principais características das cortes supremas, a fim de constituir um modelo aplicável e praticável na cultura jurídica latino-americana. Busca-se, portanto, agrupar perspectivas que sejam comuns às cortes supremas no âmbito dessa cultura jurídico-política. Parte-se do pressuposto de que o delineamento de princípios comuns às cortes supremas pode permitir a prestação de uma tutela jurisdicional mais adequada à realidade jurídica latino-americana, bem como a estruturação de instituições mais duradouras e fortificadas dentro do sistema jurídico de cada país. Sem a pretensão generalizante, bem como resguardando as particularidades da cultura jurídica de cada país, se mostra importante o estabelecimento de linhas mestras sobre a constituição e a função das cortes supremas na Latino América. A metodologia utilizada refere-se à revisão da bibliografia produzida sobre a cultura latino-americana e sobre o moderno papel atribuído às cortes supremas nessa realidade jurídica-cultural. Ao final, pôde-se concluir que um modelo geral de corte suprema pode contribuir para o fortalecimento democrático e para a integração da região Latino América, outorgando a máxima proteção aos direitos humanos.
Palavras-chave: Modelo de corte suprema, América Latina, direitos humanos, justo processo.
Abstract: The present article aims to establish the main characteristics of the supreme courts in order to constitute an applicable and practicable model within Latin American legal culture. Therefore, it seeks to group perspectives that are common to supreme courts within this legal-political context. It is assumed that outlining common principles for supreme courts can allow for the provision of more adequate judicial protection within the Latin American legal reality, as well as the structuring of more enduring and fortified institutions within the legal system of each country. Without aiming for generalization, and safeguarding the particularities of each country's legal culture, it is important to establish guidelines on the constitution and function of supreme courts in Latin America. The methodology used refers to the review of literature produced on Latin American culture and on the modern role attributed to supreme courts in this legal-cultural reality. In conclusion, it can be argued that a general model of Supreme Court can contribute to democratic strengthening and regional integration in Latin America, granting maximum protection to human rights.
Keywords: Supreme court model, Latin America, human rights, due process of law.
INTRODUÇÃO
Hay que ver lo que es el silencio / en las afueras de Valdivia / por eso no conocerá / la comunidad del subsuelo / la comunión de las raíces / porque estos muertos fallecidos / murieron antes de morir. / Sin embargo, según entiendo / el corazón es una hoja / el viento la hace palpitar
Pablo Neruda
A América Latina representa uma vasta extensão territorial, composta por diversos países, localizada no continente americano, que compreende desde o território do México, ainda na América do Norte, até o extremo sul da América do Sul, entre Argentina e Chile. O território latino-americano é formado desde a Península de Iucatã, passando pelo Istmo do Panamá e todo o interior da América do Sul, até a chamada Terra do Fogo.
Trata-se de um continente composto por povos marcados pela diversidade cultural, originária, histórica e política, que, apesar dos inúmeros desafios, buscam fortalecer suas instituições democráticas e garantir a proteção dos direitos fundamentais de seus cidadãos. Apesar das notáveis diferenças que caracterizam os países que compõem essa região, é possível identificar diversas igualdades político-culturais, que tornam possível a aglutinação e a harmonização de interesses comuns e o fortalecimento da integração regional. Oteiza (2010) descreve as características comuns existentes entre os países que compõem essa região, destacando que "os Estados desta região frequentemente atravessam processos similares, visivelmente interdependentes" (p. 4).
No âmbito jurídico, uma dessas similitudes é a presença de cortes supremas na maioria dos países latino-americanos. Apesar de funcionarem e serem constituídas de maneiras diferentes, as cortes supremas representam instituições que desempenham um papel crucial na América Latina, na medida em que auxiliam: na promoção da estabilidade política e democrática; na proteção das garantias constitucionais, dos direitos fundamentais e das liberdades individuais e coletivas; na redução das desigualdades regionais; no fortalecimento da integração regional. Todas essas, são características peculiares do contexto latino-americano, que devem ser levadas em consi deração quando da constituição e da reflexão de um modelo geral de corte suprema para a região.
A análise, portanto, recai sobre as escolhas que a comunidade jurídica latino-americana faz em relação ao modelo de corte suprema, a partir das necessidades daquele determinado país, de sua cultura e dos recursos que dispõe, reconhecendo que essas escolhas têm implicações profundas para a estabilidade institucional, a promoção de direitos e a tutela das liberdades.
Conforme argumentado por Kern (2014):
As the principle of the separation of powers as understood today sets no precise limits to a "public interest" role of the Supreme Court and neither the definition of what is "public interest" and "private interest" nor the allocation and combination of the relevant procedural issues are unequivocal, every legal system and every generation must decide on the features of its procedural law that define the role of its Supreme Court. This decision must be taken according to the needs, culture and resources of the respective society (p. 34).
No desenvolver do presente estudo, serão exploradas as diferentes abordagens para a construção de um modelo de corte suprema para os países da América Latina. Ao fazê-lo, espera-se contribuir para o diálogo sobre o fortalecimento das instituições democráticas e para a busca de um modelo geral de corte suprema que promova o Estado de direito, a justiça e a proteção dos direitos fundamentais na região. A par desse objetivo, os estudos centralizam-se nos seguintes questionamentos: quais seriam as características gerais de uma corte suprema a ser implementada e praticada no contexto dos países que integram a região da América Latina? Esse modelo de corte suprema pode contribuir para o fortalecimento democrático e para a integração da região Latinoamérica?
O artigo estrutura-se da seguinte forma: no segundo capítulo, demonstra-se as relações existentes entre a cultura jurídica e o justo processo, a fim de fundamentar a construção de um modelo de corte suprema nos ordenamentos de cultura jurídica latino-americana; o terceiro capítulo apresenta lineamentos gerais para um modelo de órgão jurisdicional comum, a partir de três perspectivas distintas, a função, as garantias e a internacionalização; em sede de conclusão almeja-se apresentar respostas aos questionamentos formulados, estabelecendo parâmetros gerais para a constituição de um modelo geral de corte suprema para a América Latina.
ENTRE CULTURA JURÍDICA E JUSTO PROCESSO: CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE CORTE SUPREMA NOS ORDENAMENTOS DE CULTURA JURÍDICA LATINO-AMERICANA
A construção de um modelo de corte suprema para os ordenamentos jurídicos latino-americanos se encontra intimamente ligado à cultura vigente na sociedade para a qual é construída, desenvolvida e aplicada (Silveira, 2021, pp. 32-44). Exatamente nesse sentido, Dinamarco (1993) aponta que o processo "é instrumento e é técnico, mas pelo canal da sua instrumenta-lidade jurídica e social e política recebe os influxos do clima cultural que o envolve, tanto como o direito substancial" (p. 219).
As facetas que caracterizam a cultura de uma dada sociedade -as quais, por um lado, constituem opções axiológicas, políticas e ideológicas e, doutro lado, representam as idiossincrasias daquele nicho social-, exercem insuperável influência sobre as escolhas para constituição e o funcionamento de uma corte suprema. Entre a corte suprema e a cultura jurídica de cada país latino-americano, se estabelece uma relação de recíprocas influências: as regras que constituem e que estruturam a corte suprema são diretamente influenciadas pela cultura da sociedade latino-americana na qual se encontra inserida; a corte suprema influencia importantemente a cultura que se encontra à sua volta, interagindo e modificando o cenário político-social daquele país latino-americano.
O estudo desenvolvido Chase (2014) demonstra que o método de resolução de conflitos tem sua origem na cultura à qual se refere. O estudo centra-se em dois argumentos centrais:
O primeiro é o fato de este processo resolutivo refletir a cultura em que está inserido -seus valores, seu arranjo social, sua metafísica e os símbolos através dos quais estes elementos são exteriorizados; o segundo é que esta relação é reflexiva- ou seja, a forma de resolução de conflitos será, também, um componente deste movimento contínuo de manutenção e construção da cultura em que está imerso (p. 187).
Conquanto Taruffo (2009) aponte certos empecilhos para que a cultura jurídica processual exerça influência significativa sobre a cultura em geral -especialmente no que se refere à não repercussão da leitura e da escrita para fora do ambiente da doutrina estritamente processual-, é igualmente certo que o autor acena para duas perspectivas referentes ao modo como o processo civil influi sobre a cultura:
Da un lato, il processo civile rappresenta una parte rilevante dell'ordi-namento giuridico, e quindi la cultura che lo riguarda -che è principalmente, anche se non soltanto, una cultura tecnica- costituisce una parte della cultura giuridica, e quindi anche una parte della cultura generale. Dall'altro lato, la società circostante non può fare a meno di rendersi conto dell'esistenza della giustizia civile, e quindi se si fa riferimento alla cultura in senso lato ci si può chiedere come essa percepisca e valuti un fenomeno socialmente cosí importante come l'amministrazione della giustizia civile (Taruffo, 2009, pp. 90-91).
A diversidade cultural, no entanto, não impede que possa ser pensado um modelo geral de corte suprema para a América Latina, especialmente a partir da observância daqueles princípios gerais e fundamentais do processo. Esses princípios fundamentais se encontram previstos na modelagem do justo processo, tratando-se de perspectiva teórica responsável pelo estudo e pela prática do processo civil na contemporaneidade. Muito embora seja improvável estabelecer uma ordem principiológica universal e monolítica quanto ao direito processual, e, mais especificamente, quanto à estruturação de uma corte suprema, nada existe de contraditório em afirmar, conforme esclarece Taruffo (2000, pp. 1083-1084), por outro lado, a existência de princípios gerais ou de linhas mestras na compreensão do fenômeno processual e no funcionamento do órgão jurisdicional.
Necessário reconhecer, além disso, que esses princípios essenciais do processo civil encontrarão, igualmente, diferenciações e adaptações em cada uma daquelas culturas que irá atuar. Em outras palavras, ainda que seja possível distinguir alguns lineamentos gerais para a constituição de um modelo de corte suprema, devem ser levadas em consideração as idiossincrasias de cada ordenamento jurídico, próprias de cada país latino-americano. Nesse sentido, já se pôde afirmar que
a partir da relação mutuamente implicada entre o particular, o abrangente e o variável, que passam a interagir na interface da cultura com o direito, pode-se ressaltar, respectivamente, que: i. as sociedades continuarão a desenvolver o direito de acordo com a sua cultura e respectivas idiossincrasias, de tal modo que o caráter generalizante da tradição jurídica não elimina as singularidades dessas comunidades -particularidade-; ii. a tradição jurídica privilegia, tão somente, as linhas mestras da cultura e do direito, as quais são sistematizadas numa mesma categorização, de tal forma que alterações pontuais no regramento jurídico não são suficientes para deslocar um sistema de uma tradição jurídica para outra -abrangência-; iii. nem as particularidades do ordenamento jurídico, nem mesmo a generalidade da tradição jurídica, têm o intuito de impedir a comunicação entre os sistemas e ou de afastar o contato entre as culturas, sendo comum a circulação e a importação de institutos jurídicos de realidades jurídi-co-culturais diferentes -variabilidade- (Silveira, 2021, p. 41).
Exatamente nesse sentido é que, na atualidade, sedimentou-se a compreensão de que o fenômeno processual deve ser orientado pelo modelo de justo processo, o qual consagra: 1) a base normativa mínima e irredutível das garantias processuais; 2) os valores e a ética que estruturam a compreensão e na conformação do fenômeno processual, especialmente a par da difusão do processo enquanto direito humano. O justo processo representa o conjunto de conhecimentos, inseridos na ciência do direito, organizados com o fim de explicar, de desenvolver, de interpretar e de unificar o fenômeno do direito processual, amplamente difundidos no caldo cultural da América Latina (Silveira, 2019; 2020b; 2021).
Conforme sustentado por Comoglio (2002):
En definitiva, prescindiendo de toda posible integración o sucesiva rectificación, las bases mínimas interpretan la plena y convencida adhesión -en el área hispano-latinoamericana, hoy particularmente cohesionada y compacta- a los valores ético-morales, sobre los cuales se funda la esencia del "proceso justo". Ellas caracterizan y marcan profundamente la evolución histórica de las garantías fundamentales de justicia, acelerando la transición de la era del "Estado de derecho" a aquella del "Estado de justicia", así como -ya lo he advertido en otra parte- el pasaje paralelo desde el "debido proceso legal", tradicionalmente entendido en sentido formal, al proceso "justo", modernamente concebido en una acepción sustancial, rica de significados ético-deontológicos (p. 238).
Para além da função de síntese e de agrupamento hermenêutico quanto aos direitos e às garantias processuais, o justo processo carrega em si significativa carga ética, sem a qual seria impossível às cortes constitucionais elaborarem provimentos jurisdicionais substancialmente justos. Para Comoglio (2004, p. 165), a garantia de justiça substancial impõe considerar como devido não qualquer processo que seja extrinsecamente justo, mas um processo que seja intrinsecamente justo e equitativo, de acordo com os parâmetros ético-morais aceitos pelo sentimento comum dos homens livres de qualquer época e país, na medida em que se mostre capaz de alcançar uma justiça verdadeiramente imparcial, fundada na natureza e na razão. De igual forma, Theodoro Júnior (2009) estabelece a relação existente entre a garantia de justiça substancial e o comportamento dos sujeitos processuais, donde se extrai o fundamento necessariamente ético do justo processo. Segundo o referido autor, "a própria meta de fazer justiça aos litigantes, perseguida pela função jurisdicional, reclama um compromisso natural do processo com um valor ético, caro aos fundamentos do Estado Democrático de Direito" (p. 11).
A partir da relação existente entre a cultura jurídica latino-americana e o modelo de justo processo torna-se possível a reflexão e a identificação dos conceitos essenciais que devem compor e estruturar o funcionamento de uma corte suprema no contexto latino-americano.
CORTES SUPREMAS NA LATINOAMÉRICA: LINEAMENTOS PARA UM MODELO JURISDICIONAL COMUM, A PARTIR DA FUNÇÃO, DAS GARANTIAS E DA INTERNACIONALIZAÇÃO
As cortes supremas desempenham um papel fundamental no contexto dos países da América Latina, atuando como verdadeiros pilares da proteção dos direitos fundamentais, da harmonização entre os poderes do Estado e da coesão da sociedade civil. A busca por um modelo ideal de corte suprema para a América Latina é um desafio complexo e multifacetado, já que envolve uma análise profunda das funções que deve desempenhar no ordenamento jurídico dos países que integram a região, bem como a definição de um conjunto de garantias e princípios processuais mínimos que garantam o justo julgamento dos casos.
O estabelecimento de um modelo ideal de corte suprema para a Latinoamérica irá perpassar, conforme se verá adiante, pela análise sobre: 1) as funções que deve desempenhar no ordenamento jurídico no qual se encontra inserida; 2) o conjunto de garantias e princípios processuais mínimos para realizar o justo julgamento; 3) a internacionalização da corte suprema, a partir do contexto latino-americano.
Funções da corte suprema na América Latina
Como sumariamente visto anteriormente, as cortes supremas desempenham um papel de suma importância na regularidade institucional dos Estados democráticos. No contexto dos países latino-americanos, a corte suprema assume diversas funções e atribuições específicas, que podem ser identificadas com o clássico exercício da função jurisdicional adjudicatória dos conflitos, a harmonização entre os demais poderes de Estado e a própria sociedade civil organizada, bem como a representação de setores sociais historicamente marginalizados mediante a assunção de posição contramajori-tária na proteção dos direitos humanos, dos direitos das minorias, dos povos originários, dos trabalhadores e dos consumidores, bem como dos direitos sociais, da natureza e do meio-ambiente, bem como na tutela da igualdade étnico-racial, de gênero, sexual e social.
No exercício dessas competências atribuídas à corte suprema, constata-se a existência de tensão entre os interesses públicos, consistentes na expectativa coletiva de uniformização jurisprudencial e de desenvolvimento do direito, e o interesse privado, identificado pela pretensão individual de justa resolução do caso concreto. Kern (2014) apresenta a seguinte distinção entre o interesse privado e público, presente no debate sobre a constituição de uma corte suprema:
Typically, "private interest" in this comext is equated with the interest the parties to litigation have in obtaining a correct decision of their individual case (individual justice). From this perspective, the Supreme Court is seen as the court with the most qualified judges who will discover and correct mistakes of the lower courts. [...] "Public interest" in turn can, according to this logic, be defined as any general interest in the decision of an individual case, that is, an interest which someone else, i.e., a person different from the parties to litigation, may have. Typically, the general interest alluded to in this context is the interest in a uniform application of the law and, in most modem legal systems, the interest in the development of the law (pp. 18-19).
No contexto latino-americano essa tensão entre o público e o privado assume contorno próprios e deve ser resolvida mediante proposta conciliadora e harmonizadora entre ambos os interesses, sem a exclusão absoluta de nenhum deles. Isto porque, nos países que integram a América Latina, tanto a resolução do caso concreto com justiça, quanto o aprimoramento jurisprudencial do direito, assumem especial importância, de modo que a corte suprema não poderia abdicar radicalmente de nenhum deles, ainda que para isso tenha que praticar certo hibridismo no exercício de suas competências, qual seja, resolver adequadamente o caso concreto e auxiliar o desenvolvimento do direito. Conforme argumenta Ricci (2009):
Ciò dimostra che l'interrogativo del vedere se la funzione della Cassa-zione sia quella della tutela dell'ius litigatoris o dell'ius constitutionis è in fin dei conti superfluo, perché essa esercita contemporaneamente l'una e l'altra funzione. Il problema sta solo nella diversa riuscita de-gli effetti. E cioè mentre la tutela della ius litigatoris è sempre attuata dalla Corte con pienezza di risultati ogni qual volta decide, non cosí avviene anche per la funzione nomofilattica, la quale dopo le modi-fiche imposte della riforma del 2006 non può venire praticata come dovrebbe (pp. 600-601).
Por essa razão, a competência atribuída às cortes supremas latino-americanas deve ser estruturada mediante os seguintes eixos funcionais: 1) a corte suprema deve, prioritariamente, contribuir para o desenvolvimento do direito, mediante a interpretação dos textos normativos e a expedição de orientação aos demais órgãos judiciários, à administração pública e à sociedade civil, quanto ao significado do direito, em tutela do jus constitutionis (Mitidiero, 2017a, pp. 53-54); 2) excepcionalmente, a corte suprema também deverá, nos casos que assim justifiquem, exercer a correção das decisões judiciais e o controle da legalidade, evitando-se a manutenção de injustiças e viabilizando o acesso à justiça sem a oposição de obstáculos desarrazoados, em tutela do jus litigatoris (Mitidiero, 2017a, p. 79).
Tendo em vista as circunstâncias político-jurídico-culturais da Latinoamérica, a constituição da corte suprema não pode prescindir de nenhuma das competências. Em outras palavras, de acordo com Oteiza (2010, p. 20), os casos concretos devem ser resolvidos com justiça, ainda que seja razoável a previsão de certos filtros recursais sem que implique limitação desproporcional à garantia de acesso à justiça, mas levando-se em conta a capacidade institucional da Corte em cooperar com o aprimoramento interpretativo do direito.
Paralelamente à tensão entre interesses públicos e privados, a corte suprema também deve ser atribuída a função de uniformizar o sentido do direito, mediante a edição de precedentes judiciais, outorgando eficácia vinculativa às decisões judiciais proferidas. Sobre a correlação que se estabelece entre os precedentes judiciais e as cortes supremas, Taruffo (2007) assim esclarece:
La funzione principale delle corti supreme in molti ordinamenti, di common law e de civil law, che è di assicurare il controllo di legiti-mità attraverso la fissazione di precedenti destinati a proiettarsi come punti di riferimento sulle decisioni degli altri giudici. Con formula sintetica si può parlare di "nomofilachia attraverso il precedente", proprio per indicare che la funzione tipica di una corte suprema è di assicurare l'uniforme rispetto della legge attraverso decisioni "uni-versalizzabili" e proiettate verso il futuro (p. 37).
Essa função assume especial relevância no contexto latino-americano, na medida em que a existência de precedentes judiciais fortes, de observância obrigatória, tende a contribuir para a efetivação dos direitos, bem como para o impedimento quanto ao descumprimento e violações reiteradas, possibilitada pela incontrolável incerteza do sentido dos textos normativos. O precedente judicial teria, pois, a finalidade precípua de impedir que o direito pudesse ser bandeado aleatoriamente, evitando a sua corrosão e esvaziamento, especialmente em um contexto de litigância repetitiva e de graves e recorrentes violações de direitos elementares à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a corte suprema, ao editar o precedente judicial, passa a exercer a função de nomofilaquia, mediante a atribuição de sentido adequado ao direito (Taruffo, 1991, p. 13).
O adequado exercício da função nomofilática autoriza reconhecer que a corte suprema assume a função de tutoria do ordenamento jurídico mediante a edição de precedentes judiciais, cuidando e aprimorando o significado extraível dos textos normativos. Nesse sentido já se pôde afirmar que:
O precedente judicial passa, então, a atuar mediante nomofilaquia e, nessa medida, a exercer a função de tutor do ordenamento jurídico, prestando tutela jurisdicional ao significado extraível dos textos normativos. A nomofilaquia conferida pelo precedente judicial decorre da irreversível pluralidade semântica da linguagem jurídica, exigindo que os órgãos colegiados do Poder Judiciário, especialmente os Tribunais Superiores, realizem, mediante procedimento argumentativo intersubjetivamente controlável, a interpretação dos textos normativos, conferindo-lhes sentido axiológica e juridicamente adequado (Silveira, 2021, p. 152).
No contexto dos países da América Latina, que possuem diversas fontes legiferantes e inúmeras disputas sociais quanto ao sentido dos textos normativos, é essencial que a corte suprema exerça, com independência e com propósito harmonizador, a função de interpretar os textos normativos, assegurando a exata observância da legislação por meio de uniforme interpretação.
Para além dessas funções, próprias do exercício da judicatura, a corte suprema também desempenha a importante função de representação popular dos diversos segmentos sociais, das inúmeras origens e dos diferentes povos que habitam as muitas regiões da América Latina, bem como do pluralismo ideológico que convive e se comunica no contexto político latino-americano. Segundo argumentado por Bagni (2014):
Quello che mi preme sottolineare e che l'ipotesi della selezione popolare dei giudici costituzionali non dovrebbe essere scartata a priori come peregrina, sulla base dei solo argomento politico, sopra-ttutto in contesti come quello latino-americano, dove spesso esiste un corto-circuito rappresentativo e dove importante componenti della comunità sono da sempre state relegate ai di fuori dei sistema isti-tuzionale. La garanzia di partecipazione, onnipresente nei testi costi-tuzionali ed emersa nel corso dei processi costituenti, ha preteso um posto anche all'intemo della funzione di controllo di costituzionalità, e credo sia dovere dei giurista cercare di comprenderne la portata, elaborando, se necessario, nuovi modelli interpretativi dei fenômeno (pp. 1409-1410).
Essa representatividade deve ocorrer em três níveis distintos, mas interdependentes: 1) na composição dos membros da corte suprema, de modo que possa representar, proporcionalmente, as diversas camadas da população latino-americana, seja em relação aos segmentos de classe, de origem, de gênero, de raça e de orientação sexual e religiosa; 2) na participação perante a corte suprema, de modo a permitir que a comunidade jurídica, por intermédio de representantes adequados, possa participar efetivamente do processo de tomada de decisão; 3) na proteção dos direitos de nacionalidade e de ancestralidade pela corte suprema, a fim de proteger os povos originários, bem como assegurar aos concidadãos latino-americanos a proteção e a tutela de seus direitos, sem que haja exclusão ou qualquer discriminação aos imigrantes.
Para além dessa competência, a corte suprema também desempenha relevante função no cenário político e constitutivo dos Estados latino-americanos, assegurando a devida estabilidade e harmonização entre os próprios poderes do Estado e a sociedade civil. Quando surgem conflitos macropolí-ticos, a corte suprema, atuando como árbitro imparcial e como conciliadora das desavenças complexas e interinstitucionais, deve assegurar a correta interpretação da Constituição e das leis, garantindo que nenhum poder se torne excessivamente dominante, contendo as crises institucionais e promovendo a governança democrática (Oteiza, 2010, p. 4).
Sob esse aspecto, conforme argumentado por Dinamarco (1998, pp. 10-11), a corte suprema dispersa sua atuação em vários sentidos: centraliza a harmonização entre os órgãos políticos, na medida em que se posiciona no ápice da estrutura judiciária e assume a qualidade de guarda máximo da Constituição; promove a preservação dos direitos humanos, caracterizado pelos diversificados remédios constitucionais e legais destinados à produção das tutelas jurisdicionais diferenciadas e integrantes da jurisdição constitucional das liberdades; constitui a unidade do direito nacional, evitando o risco de dispersão de julgamentos.
A corte suprema se constitui, portanto, como pedra angular na estruturação do Estado Democrático de Direito, especialmente nos países latino-americanos. Isto porque a corte suprema assegura o respeito à Constituição, bem como protege os direitos individuais e coletivos e promove a harmonia entre os poderes do Estado. Como visto, na atualidade latino-americana, as funções de uma corte suprema podem ser apreendidas nas seguintes dimensões: 1) harmonizar os interesses públicos e privados; 2) uniformizar o sentido do direito; 3) representação popular dos diferentes povos latino-americanos; 4) assegurar a estabilidade entre os poderes do Estado e a sociedade civil.
Conjunto de garantias e princípios processuais aplicáveis às cortes supremas na América Latina
A construção de um modelo de corte suprema para o contexto da América Latina pressupõe a observância de garantias e de princípios processuais específicos, projetados para regular o funcionamento e a realização dos julgamentos desse órgão jurisdicional, de forma a permitir que a jurisdição possa atuar mediante um processo justo, conforme anteriormente delineado. O conjunto desses direitos processuais assume especial relevância, na medida em que estruturam a forma como o Estado, em cada um dos países latino-americanos, realiza os seus julgamentos e profere suas decisões.
O núcleo jurídico comum referente ao direito ao processo, integrantes da cartilha teórica que compõe o modelo do justo processo, é composto pelas seguintes garantias judiciais (Silveira, 2020b, p. 51): 1) dispor de um instrumento efetivo contra os atos que violem os seus direitos; 2) ser julgado por tribunais e por juízes competentes, independentes, imparciais e estabelecidos anteriormente por lei, seja no que se refere aos direitos de natureza civil, seja quanto às acusações criminais; 3) participar ativamente de seu julgamento, por meio de amplo e efetivo contraditório, valendo-se de todos os meios moralmente legítimos de prova, ainda que não expressos em lei; 4) acompanhar o seu julgamento que deverá ser, em regra, realizado de forma pública e, obrigatoriamente, em um tempo razoável; 5) ser considerado inocente até que reste definitivamente comprovada a sua culpa.
Todas essas garantias são diretamente aplicáveis aos julgamentos realizados perante a corte suprema. No entanto, diante das particularidades dos procedimentos praticados nesse ambiente jurisdicional e à vista do contexto latino-americano, algumas garantias e princípios assumem dimensões normativas específicas -nesse breve ensaio, tidas como binômios estruturantes-, a fim de que a corte suprema possa desempenhar sua função estatal, bem como as partes e interessados possam ter assegurados os seus direitos processuais.
Na primeira ordem dessas garantias, se encontra o binômio estruturante representado pelo acesso à justiça-para quem não tem, conferindo a todos o poder de acessar a corte suprema, bem como de requerer a prestação de tutela jurisdicional em benefício de seus interesses, sem que ocorra discriminações desarrazoadas. A garantia de acesso à justiça, nesse contexto, pode ser dimensionada em perspectivas distintas, mas complementares: 1) de natureza formal, mediante a previsão de instrumentos processuais que permitam a quaisquer interessados acionar, ainda que de forma excepcional, a corte suprema, reclamando a proteção de seus direitos; 2) de natureza substancial, a partir da produção de decisões efetivas e justas, capazes de conceder a melhor e mais adequada interpretação do direito pela corte suprema; 3) de natureza estrutural, a fim de que a corte suprema se organize para atender as demandas, mediante atuação impessoal e com respeito aos procedimentos previstos em lei.
Conforme argumentam da Costa et al. (2019), ao discorrem sobre o contexto brasileiro, diretamente aplicável aos demais países latino-americanos:
É de se esperar, portanto, que as escolhas políticas sobre acesso à justiça no Brasil que foram realizadas ao longo dos anos posteriores à Constituinte por inúmeras reformas legislativas, tenham sido também influenciadas pelos discursos e interesses desses atores, que são, afinal, os principais usuários do sistema de justiça brasileiro. Nossa hipótese, mais uma vez, é a de que essas reformas foram pouco a pouco transformando a pauta redistributiva do direito social ao acesso à justiça em uma "não-questão" (MATEI, 2007). A pauta de que se fala nesse artigo, portanto, é aquela que reconhece a escassez do direito ao acesso à justiça e que, a partir daí, busca fazer escolhas redistributivas, priorizando dar acesso aos que não o tem, em detrimento dos que repetidamente se utilizam das Cortes (p. 158).
Para que essas dimensões do acesso à justiça sejam viabilizadas, se faz imprescindível que os ordenamentos jurídicos dos países latino-americanos prevejam a existência de instrumentos processuais, de natureza recursal ou de competência originária, utilizáveis e acessíveis às cortes supremas. A técnica processual deverá harmonizar os interesses públicos e privados, corrigindo a interpretação da legislação de direito material e de direito processual realizada pela cortes inferiores e uniformizando o direito, tal como já indicado pelos estudos realizados pelo Instituto de Direito Europeu e pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado e pelo código-modelo direcionado para a própria América Latina (ELI et al., 2021, p. 211; IIDP, 1988).
Assim, os ordenamentos jurídicos latino-americanos devem, idealmente, contemplar os seguintes instrumentos processuais: 1) recursos extraordinários, a serem interpostos pelas partes em processos já instaurados, por meio dos quais a corte suprema possa sindicalizar a correta aplicação da legislação ao caso concreto, corrigindo eventuais injustiças na aplicação da legislação material ou ilegalidades na concretização da legislação processual, bem como assegurando a uniformidade na interpretação da lei (Oteiza, 2006, p. 189); 2) ação originária de amparo jurisdicional, ajuizada por quaisquer interessados, sem a necessidade da existência de prévio processo instaurado, de modo a autorizar a atuação direta da corte suprema na defesa das garantias constitucionais e dos direitos fundamentais expressamente previstos na Constituição, bem como no resguardo dos precedentes vinculantes proferidos por aquele órgão jurisdicional (Dinamarco, 1998, p. 09); 3) ações para controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, a serem ajuizadas por determinados legitimados previstos em lei, permitindo que a corte suprema fiscalize a validade da legislação editada pelos demais poderes do Estado (Rosenn, 2004, p. 161); 4) processos de natureza estrutural, a fim de que a corte suprema disponha de instrumental suficientemente adequado para resolver, de modo dialogal, problemas e questões enraizadas no tecido social e possa promover mudanças socialmente relevantes (Saraiva, 2022, p. 272).
Para além da previsão das técnicas processuais e das formas especializadas de tutela jurisdicional, também se mostra essencial, no contexto de acesso à justiça, que a corte suprema adote medidas suficientemente capazes para permitir que os hipossuficientes possam fazer efetivo uso do sistema de justiça, bem como para impedir que os litigantes habituais façam uso estratégico e manipulado do sistema de justiça (Comoglio, 2004, p. 410). Isto porque, no contexto latino-americano, deve ser considerado que os litigantes habituais interagem com o sistema de justiça de forma diferente comparativamente aos litigantes eventuais, o que afeta substancialmente a forma de acesso ao sistema de justiça, tendo em vista a variedade de vantagens decorrentes de sua habitualidade e contínua presença nesse ambiente institucional.
Conquanto escrito num contexto norte-americano, em outra época, Galanter (2018) argumenta que os sujeitos processuais atuam com vantagens que permeiam o ambiente dos julgamentos, decorrentes das disparidades existentes nos serviços judiciários e no auxílio prestado às partes, bem como do próprio conjunto de regras oficiais regulamentares da arena processual.
As conclusões alcançadas encontram ampla aplicabilidade nos ordenamentos jurídicos da América Latina, no seguinte sentido:
Em razão de diferenças em seus tamanhos, no estado do direito e em seus recursos, alguns dos atores na sociedade têm muitas oportunidades para utilizar os tribunais (no sentido amplo) para apresentar (ou se defender de) reclamações, enquanto outros fazem isso apenas raramente. Podemos dividir esses atores entre aqueles que recorrem aos tribunais apenas ocasionalmente (participantes eventuais ou PEs) e aqueles jogadores habituais (JHs), que se envolvem em várias litigâncias similares ao longo do tempo. [...] Permitam-nos refinar essa noção de JH em um "tipo ideal" (se assim se preferir): uma unidade que já teve e antecipa a litigância repetitiva, que corre pouco riscos com o resultado de qualquer caso e que possui recursos para perseguir seus interesses de longo prazo. [...] Um PE, por outro lado, é uma unidade cujas demandas são muito amplas (em relação ao seu próprio tamanho) ou muito pequenas (em relação ao custo de resolução) para serem administradas rotineira e racionalmente (Galanter, 2018, pp. 46-48).
Diante das relevantes funções desempenhadas pela corte suprema, deve ser observado o binômio estruturante participação efetiva-representa-tividade adequada no âmbito dos procedimentos instaurados perante aquela instância jurisdicional, a fim de se assegurar que a comunidade jurídica, em contraditório ampliado, participe do processo de interpretação e de significação do direito, bem como de permitir que a corte suprema seja o vetor de catalização entre o direito e a sociedade civil. Ao discorrer sobre a participação popular, Bagni (2014) assim elucida:
Dove la partecipazione popolare non ha trovato spazi dedicati, se non nelle forme più note della democrazia rappresentativa e, in limitati casi, di quella diretta, le Corti costituzionali, attraverso il recepimen-to di alcuni degli strumenti processuali analizzati, potrebbero porsi come motore di um rinnovato incontro della comunità con il testo costituzionale e con i suoi valori, contribuendo in maniera costruttiva e a-partitica alia ri-definizione in atto della forma di Stato di molti Paesi europei, Italia inclusa (pp. 1413-1414).
A participação de todos os sujeitos que integram a comunidade jurídica se mostra, na maioria dos casos, inviável do ponto de vista organizacional e prático. Por essa razão, a participação deve ocorrer por intermédio de representantes adequados, papel que pode ser desempenhado pelos amici curiae (Silveira, 2022; 2023). Desse modo, as cortes supremas latino-americanas devem estimular a intervenção dos amici curiae, admitindo a sua participação nos casos em que: 1) exista algum tipo relevante de interesse público, o que deve ser presumido diante da relevância jurídica, política e social do papel exercido por uma corte suprema (Cabral, 2004, p. 30); 2) a contribuição possa ser ofertada em favor do aprimoramento da tutela jurisdicional prestada pela corte suprema, tornando participativo o julgamento dos recursos ou das ações originárias (Bazán, 2014, p. 194).
Observa-se, assim, que os amici curiae possuem o potencial de suprir o déficit de representação nos procedimentos que são desenvolvidos perante a corte suprema, na medida em que tais sujeitos processuais fornecem elementos informativos que irão dimensionar a realidade vivenciada pelos grupos representados e sob os quais incidirá a orientação jurisprudencial. Esse aporte de informações, no entanto, não é realizado de forma neutra, mas sim de modo intencional, ideológico e estrategicamente direcionado à defesa dos interesses do grupo representado pelo amicus curiae, apresentando, sob essa ótica, qual seria o sentido do direito mais adequado aos interesses do grupo representado.
Todavia, a representatividade adequada exige não só que o amicus cu-riae tenha capacidade de proteger de modo adequado os interesses da classe representada, mas também que o próprio grupo dos amici curiae, admitidos pela corte suprema, seja capaz de demonstrar que todos os interesses, de todos os grupos e de todas as classes, se encontram presentes e devidamente representados e possam, de modo igualitário, apresentar os sentidos que intentam adscrever ao direito (Oteiza y Verbic, 2010, p. 293).
Em outras palavras, a representatividade deve ser verificada e fiscalizada em dois vetores distintos, mas complementares: 1) o amicus curiae -no singular- deve possuir capacidade para representar adequadamente os interesses daquele grupo específico; 2) os amici curiae admitidos -no plural- devem, quando considerados conjuntamente, ser capazes de representar a completude pluralista de toda a sociedade e de todos os interesses envolvidos na questão a ser resolvida pela corte suprema, evitando-se a sub-representação ou mesmo a não-representação.
Por fim, importante ressaltar que somente mediante representatividade adequada, estimulada e controlada pela corte suprema, é possível legitimar as decisões tomadas por este órgão jurisdicional. Apenas dessa forma, ou seja, com ampla participação da comunidade jurídica mediante abrangente representatividade adequada, estará respeitado o devido processo legal e legitimada a tutela jurisdicional, que, no recorte apresentado, é prestada mediante o desempenho das funções atribuídas à corte suprema, em países da América Latina.
Pacheco (2009) sob a ótica das ações coletivas, relaciona a representatividade adequada com a legitimação ativa, o devido processo legal e a tutela jurisdicional efetiva aos direitos supraindividuais, nos seguintes termos:
En este entendido, pensamos que la representatividad adecuada es una noción que cabe vincular con la garantía del debido proceso y de la tutela judicial efectiva. Con el debido proceso, pues constituye una medida de resguardo para la protección de los derechos e intereses de todos los miembros de la colectividad: tanto de los que están interviniendo en las causas, con participaciones más o menos importantes (demandante principal o tercero coadyuvante, por ejemplo); como de aquellos que se hallan completamente ajenos al devenir de la causa (los ausentes). Con la tutela jurisdiccional efectiva, ya que la presencia de un actor con adecuada representatividad es señal de seriedad para el debate y de eficiencia del proceso (p. 262).
No contexto da Latinoamérica também se mostra relevante que a corte suprema, ao se desincumbir das inúmeras funções, as realize de forma fundamentada e com ampla publicidade, do que decorre o dever de respeito ao binômio denominado fundamentação analítica-publicidade ampliada.
Nesse sentido, as decisões judiciais proferidas pelas cortes supremas devem expor, de forma racional e analítica, razões jurídicas que sejam relevantes, aceitáveis, controláveis, universalizáveis e justas, demonstrando, fundamentadamente, os motivos que sustentam aquela determinada interpretação do direito e a resolução da questão jurídica apresentada. Trata-se, portanto, de, não somente resolver adequadamente o caso concreto, mas também apresentar para a comunidade jurídica os fundamentos que justificam aquela opção jurisdicional resolutiva, fazendo-os conhecidos e colocando-os à prova da re-futabilidade e à crítica racional (Mitidiero, 2012, p. 62).
A fundamentação das decisões judiciais, para além de justificar a solução apresentada ao caso concreto, quando realizada pelas cortes supremas, avança no sentido de realizar um discurso socialmente difuso, suficientemente capaz de racionalizar e de legitimar a prestação da tutela jurisdiccional em benefício do sistema jurídico, promovendo a sua unidade. Justamente por isso, a fundamentação das decisões judiciais se apresenta como uma premissa estruturante substancial, na medida em que deve estar presente, de forma incondicional, em quaisquer das ações ou dos recursos julgados pela corte suprema (Zaneti, 2016, p. 362).
A apresentação de uma fundamentação analítica e racional pela corte suprema, isoladamente, não é suficiente, na medida em que se mostra estruturalmente essencial que as decisões judiciais sejam amplamente publicadas e divulgadas, seja para que a comunidade jurídica daquele país conheça os fundamentos invocados pela corte suprema, seja para que os demais países latino-americanos também possam conhecer os precedentes produzidos pelas demais cortes supremas. A publicização das decisões judiciais proferidas por uma corte suprema decorre da necessidade de se propagar e de se difundir quais são os sentidos atribuídos aos inúmeros textos normativos que integram a ordem jurídica, tornando o direito cognoscível e confiável, seja em nível interno, seja em nível internacional (Mitidiero, 2017b, p. 39).
A publicidade das decisões judicias se trata, portanto, de uma garantia processual e, além disso, de uma característica essencial da regra do stare decisis, sem a qual o sistema de precedentes judiciais, instituído em favor das cortes supremas, ruiria, tendo em vista que não seria possível à sociedade civil, aos próprios órgãos judiciários e aos demais países latino-americanos conhecerem as razões jurídicas que, adquirindo força vinculante, passaram a compor e a entremear a ordem jurídica.
Segundo Ferreira (2005):
No quadro geral das garantias processuais, a publicidade ombreia-se com as demais, prestando-se à revelação transparente da jurisdição civil aos olhos populares, além de servir à plena efetividade do contraditório, realizando a nobre missão suplementar de permitir a fiscalização dos atos estatais pelos verdadeiros detentores da soberania do poder do Estado. Não há relação de precedência ou de preferência entre os princípios processuais, mas clara concorrência deontológica prevista pelo sistema com o objetivo de alcançar a otimização da tutela dos direitos fundamentais. Tratando-se de garantia que dá expressão aos outros princípios processuais de igual importância deontológica, é bastante natural que a publicidade interpenetre-se em outros postulados fundamentais, fenômeno que se visualiza com maior clareza no âmbito da garantia da motivação das decisões judiciais, mas que, igualmente, opera-se no contexto das garantias do contraditório, do juiz natural, do duplo grau e da legalidade, quer na sua feição meramente interna, quer externa (pp. 155-156).
Por fim, no âmbito de um modelo latino-americano de corte suprema, assume especial relevância as garantias afetas à atuação dos juízes que integram a Corte, seja frente às demais autoridades estatais e poderios da elite econômica, seja em relação às próprias partes do processo, traduzido pelo binômio estruturante independência-imparcialidade.
É premente a proteção da independência da corte suprema, mediante a construção de mecanismos que assegurem: 1) a separação entre o Poder Judiciário, a Administração Pública e os interesses dos detentores do capital econômico, a fim de se impedir a revisão política de suas decisões, bem como para que possa livremente desenvolver sua função contramajoritária e de proteção aos direitos fundamentais das minorais e dos menos favorecidos; 2) uma carreira profissional estável e devidamente estruturada, com resguardo às garantias, ao menos, da vitaliciedade e da irredutibilidade de subsídios, bem como regras adequadas quanto à vitaliciedade ou ao tempo de exercício do mandato; 3) mecanismos de cumprimento e de acatamento das decisões proferidas, especialmente por parte dos Poderes Executivo e Legislativo, em sede do controle de constitucionalidade dos atos normativos ou do processamento e execução de decisões de caráter estruturante.
Nesse sentido, Rivera (2008) destaca:
Por ello consideramos que, como parte del proceso de constitucio-nalización del ordenamiento jurídico, los Estados latinoarnericanos deben fortalecer sus sistemas de control de constitucionalidad, garantizando la independencia de los órganos encargados del control de constitucionalidad, otorgándoles potestades decisorias, y mejorando la legislación procesal (p. 593).
Esses elementos são fundamentais para consolidar a garantia de independência dos juízes que integram as cortes supremas, bem como auxiliam a construção de um modelo de instituição judiciária capaz de atuar como salvaguarda da legalidade, da estabilidade jurídica e, no âmbito político, como contraponto ao poder majoritário. Conforme apontam Engelmann et al. (2017), a independência dos juízes no contexto latino-americano estaria relacionada com o estabelecimento de algumas condições, nos seguintes termos:
Também um volume significativo de trabalhos, cujo foco é a reforma do Judiciário na América Latina, dedica-se a discutir a problemática da independência do Poder Judiciário a partir de indicadores mais gerais que têm por objetivo avaliar o desempenho judicial nos regimes democráticos. Para esses trabalhos, destacam-se como fatores relevantes para a independência judicial: 1) a presença de mecanismos que assegurem a independência jurisdicional à autonomia administrativa; 2) o respeito às decisões judiciais por parte dos Executivos e Legislativos; 3) a garantia dos direitos humanos; 4) a garantia de carreira para os juízes; e 5) a existência da possibilidade constitucional de revisão judicial. Tais fatores são apontados, por essa literatura, como essenciais para a afirmação de um modelo de instituições judiciais capaz de agir como garantia da legalidade, da segurança jurídica e, em termos políticos, como um poder contramajoritário (p. 905).
Caso estas caraterísticas elementares da independência judiciária não sejam respeitadas, utilizando-se de expedientes administrativos ou legislativos para redução do seu âmbito de proteção, a própria corte suprema, em legítimo exercício de autoproteção, poderá declarar a invalidade desses atos, assegurando o exercício da judicatura constitucional de forma independente. Moraes (1998) assinala, nesse sentido, que, "o próprio Judiciário poderá garantir sua posição constitucional, mediante controle judicial desses atos, de onde concluímos a ampla possibilidade de controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos que desrespeitem o livre exercício desse Poder" (p. 60).
A defesa institucional e da comunidade jurídica quanto à garantia de atuação independente deve corresponder, em igual medida, à atuação rigorosamente imparcial dos juízes que compõem a corte suprema, sem que isso implique uma atuação despropositadamente neutra. Os juízes da corte suprema, estando resguardados pela garantia da independência, devem exercer suas funções de forma imparcialmente justa. Em decorrência dessa obrigação, devem buscar manter a sua imparcialidade e a honestidade, a fim de darem tratamento igualitário às partes, sem qualquer tipo de favorecimento ou de prejuízo. Para além do comportamento pautado pela equidade, os juízes das cortes supremas, justamente por resolverem questões de alta relevância jurídica, política e social, solvendo os grandes dilemas da sociedade, devem evitar, o máximo quanto possível, a propagação de preconceitos, de tendências e de vieses cognitivos.
Como se pôde argumentar, as garantias e os princípios processuais que integram o modelo do justo processo exercem especial influência na estruturação, no funcionamento, no autocontrole e na legitimidade da atuação de uma corte suprema. Apesar do justo processo possuir ampla aplicabilidade nas atividades desenvolvidas na instância de uma corte superior, algumas perspectivas devem ser amplificadas e especificadas, a partir daquilo que se denominou binômios estruturantes de um modelo de corte suprema para países da América Latina, conforme acima destacado.
Internacionalização e integração das cortes supremas na América Latina
As cortes supremas, para além do relevante papel desempenhado internamente, direcionado ao próprio ordenamento jurídico, também assume especial relevância no contexto internacional, ao concorrer para a construção identitária entre os vários países que integram a região da Latinoamérica. Por essa razão, as cortes supremas, no exercício de suas competências regulares, não devem atuar de forma isolada; pelo contrário, devem levar em consideração a interdependência e a interação entre os diferentes organismos internacionais de resolução de conflitos, bem como tomar em atenção os pronunciamentos das cortes dos demais países latino-americanos.
As cortes supremas devem atuar, no espectro de sua funcionalidade internacional, observando os seguintes princípios: 1) a independência nacional do país no qual se encontra inserida; 2) a prevalência dos direitos humanos na tomada de decisões judiciais; 3) a autodeterminação dos povos, especialmente aqueles originários e tradicionais; 4) a igualdade entre os Estados que integram a região da Latinoamérica, bem como aqueloutros que com eles interagem; 5) a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos, quando forem judicializados perante o foro de sua competência; 6) o repúdio ao terrorismo e ao racismo; 7) a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; 8) a busca pela integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
A grande parte desses princípios se encontra expressamente prevista no caput e no parágrafo único do artigo 4.° da Constituição da República Federativa do Brasil, servindo de modelo a ser exportado para a modelagem geral proposta no presente estudo. Sobre esse dispositivo, da Silva (2013), ao tratar da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, anota que "as nações que compõem a organização internacional buscam estimular a construção de uma identidade regional, apoiada em uma história comum e sob os princípios do multilateralismo, respeito às regras jurídicas nas relações internacionais, direitos humanos e a democracia" (p. 28).
Esse conjunto normativo acaba por implicar a adoção de uma abordagem transconstitucional, contribuindo para a resolução de problemas complexos que transcendem as fronteiras nacionais, bem como levando em consideração a interconexão e a interdependência das diferentes ordens jurídicas. A adoção de uma normativa constitucional comum tende a unificar e a harmonizar o conjunto normativo dos direitos previstos nos países que integram a região da América Latina, elaborando-se um novo direito constitucional latino-americano, bem como promovendo a unidade e a integração da região.
Neves (2014), ao discorrer sobre o transconstitucionalismo pluridi-mensional dos direitos humanos na América Latina, ressalta que:
O transconstitucionalismo não se restringe a relações entre duas ordens jurídicas, podendo envolver entrelaçamentos triangulares ou multiangulares entre ordens jurídicas em torno de um mesmo problema constitucional. Especialmente no tocante aos direitos humanos, verifica-se um transconstitucionalismo pluridimensional envolvendo diversas ordens jurídicas, que se desenvolve, igualmente, de formas as mais diferentes, na América Latina. Nessa matéria, a invocação de precedentes a outras ordens jurídicas não se restringe ao direito constitucional de estados estrangeiros, conforme tratado no item 4 deste artigo, mas também às normas convencionais do direito internacional e à jurisprudência de tribunais internacionais (pp. 206-207).
Streck y de Oliveira (2012), ao discorrerem sobre a caracterização do direito constitucional comum latino-americano, assim destacam:
Como antes anotado, um traço do novo constitucionalismo latino-americano e de outras Constituições, como a brasileira, é apostar na formação de uma identidade comum da América Latina, mais ainda talvez da América do Sul, o que transcende as ligações econômicas. A Lex Legum de 1988 é comprometida com esta perspectiva, força do parágrafo único do art. 4°. E esse dispositivo não pode ser meramente retórico (p. 144).
Nesse sentido, Carpizo (2006), à época Presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Constitucional, escreveu:
Así como América Latina es una realidad y una idea que se constitu-cionalizan, el Derecho Constitucional Latinoamericano y el Derecho Constitucional Comparado Latinoamericano son realidades e ideas al servicio de una meta común y mayor: el perfeccionamiento de nuestros sistemas constitucionales dentro de la democracia y la goberna-bilidad, que hacen suya la tendencia de la cohesión y la integración de la región (p. 107).
As cortes supremas, além disso, devem levar em consideração o conjunto normativo constituído pela Convenção Americana Sobre Direitos Humanos -também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, assinada em 22 de novembro de 1969-, bem como a jurisprudência produzida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A referência e a observância ao contexto internacional permitem que as cortes supremas, ainda que por meio de atuação local, contribuam com a efetivação dos direitos humanos no contexto da América Latina, bem como auxiliem com a concretização do ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria.
Por esse motivo, as cortes supremas não podem se desvencilhar da eficácia normativa decorrente do estatuto do homem previsto na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, prevendo direitos e liberdades, tais como: direito ao reconhecimento da personalidade jurídica; direito à vida; direito à integridade pessoal; proibição da escravidão e servidão; direito à liberdade pessoal; liberdade de consciência e de religião; liberdade de pensamento e de expressão; direito de retificação ou de resposta; direito de reunião; liberdade de associação; proteção à família; direito ao nome; direitos da criança; direito à nacionalidade; direito à propriedade privada; direito à circulação e residência; direitos políticos; igualdade perante a lei; proteção judicial e desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Como se pôde perceber, no contexto de América Latina, é fundamental que as cortes supremas se insiram no movimento de internacionalização e de integração, a fim de proteger os direitos humanos previstos na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Essa inserção tem o potencial de contribuir para a constituição de um estatuto harmônico e protetivo dos povos que integram a Latinoamérica.
PROPOSIÇÕES CONCLUSIVAS
La primavera / cruza las montañas / con su traje / de viento / las flores amarillas / llenan de oro fragante / las viejas cicatrices / de la tierra, / todo camina, / todo / vuela, / y van y vienen / las noticias del mundo, / el crecimiento / de la historia, los pasos / de los conquistadores abrumados / por el Trabajo humano, / más altas / que las más altas piedras / está el hombre, / en la cima / de los Andes / el hombre, / el invencible / desarrollo, / el paso de los pueblos. / Y a la altura / nevada, / levantando / la cabeza, dejando / las manos en la pala / mira el chileno, / sin miedo, sin tristeza. / La nieve, el mar, la arena, / todo será camino. / Lucharemos
Pablo Neruda
A existência de uma corte suprema no contexto dos países da América Latina é primordial para o asseguramento e a proteção das garantias constitucionais e dos direitos fundamentais, bem como para a manutenção do Estado democrático de direito e a integração dos países da Latinoamérica. Nesse sentido, as cortes supremas atuam como contrapesos ao poderio político e econômico: assegurando que a vontade do povo seja respeitada e que os direitos democráticos sejam preservados; garantindo que a democracia beneficie a todos, especialmente os mais vulneráveis; promovendo a solidariedade, a cooperação e a justiça social em toda a região.
Em uma região marcada por desigualdades socioeconômicas e por instabilidades institucionais, as cortes supremas representam guardiãs dos direitos dos menos privilegiados, garantindo que as políticas públicas de promoção da justiça social e as promessas decorrentes dos direitos humanos sejam efetivamente cumpridas. Além disso, a corte suprema deve assumir a posição contramajoritária na proteção dos direitos humanos, dos direitos das minorias, dos povos originários, dos trabalhadores e dos consumidores, bem como dos direitos sociais, da natureza e do meio-ambiente, bem como na tutela da igualdade étnico-racial, de gênero, sexual e social.
As cortes supremas na América Latina desempenham um papel essencial como defensoras da justiça social, da estabilidade democrática e da integração regional. Por essa razão, faz-se imprescindível a sua defesa, a sua proteção e o seu aprimoramento por parte de toda a comunidade jurídica, cooperando com a sua missão institucional de promover uma sociedade socialmente mais justa.
Atualmente, a Latinoamérica se distingue dos países europeus que a colonizaram, bem como se distancia culturalmente dos países norte-americanos. Após os inúmeros processos de descolonização e independência, se produziu e se fortaleceu coloridos jurídico-culturais vibrantes e idiossincráticos, próprios de uma extraordinária e independente cultura latino-americana. Nesse sentido, as escolhas que a comunidade jurídica realiza quanto ao funcionamento e à estrutura das cortes supremas não pode prescindir e nem mesmo desconsiderar essas características próprias e estruturantes da sociedade e dos povos latino-americanos. De igual modo, as cortes supremas que atuam em tal contexto devem assimilar esse caldo cultural, para dele extrair características funcionais próprias e poder produzir resultados eficientes e justos.
Das considerações até então formuladas, podem ser retomadas as seguintes ideias, alçadas, agora, a título de conclusão do presente estudo. Um modelo de corte suprema idealizado para os países da América Latina pressupõe a observância das seguintes características, que deverão ser harmonizadas com as particularidades de cada ordenamento jurídico latino-americano:
a corte suprema deve desempenhar as seguintes funções no ordenamento jurídico no qual se encontra inserida: harmonizar os interesses públicos e privados, contribuindo, prioritariamente, para o desenvolvimento do direito, bem como, excepcionalmente, para justiça do caso concreto; uniformizar o sentido do direito, mediante a edição de precedentes judiciais e o exercício da nomofilaquia; representação popular dos diversos segmentos sociais, das inúmeras origens e dos diferentes povos latino-americanos; assegurar a devida estabilidade e harmonização entre os próprios poderes do Estado e a sociedade civil;
possuir um conjunto de garantias e princípios processuais mínimos para realizar o justo julgamento, a partir dos seguintes binômios estruturantes de um modelo de corte suprema para países da América Latina: acesso à justiça-para quem não tem, permitindo que as partes e demais interessados possam efetivamente acionar os serviços judiciários prestados pela corte suprema, especialmente na proteção e asseguramento das garantias constitucionais, dos direitos fundamentais e sociais, que ainda apresentam extrema defasagem na América Latina; participação efetiva-representatividade adequada, viabilizando a participação da comunidade jurídica nos processos de tomada de decisão, por meio de representantes adequados, rompendo os ciclos presentes no contexto latino-americano de marginalização e de sub-re-presentação dos grupos e das classes historicamente excluídos das instâncias de poder, em razão da classe social, da origem étnica ou regional, da raça, da orientação sexual, do gênero e da idade; fundamentação analítica-publi-cidade ampliada, permitindo que as razões e os fundamentos utilizados pela corte suprema sejam dispersados pela comunidade jurídica e pela sociedade civil em geral, a fim de que o direito possa se tornar amplamente conhecido, aumentando o status de cidadania das populações da Latinoamérica, ainda desconhecedoras de seus direitos básicos e fundamentais, bem como promovendo a integração interpretativa dos direitos comuns aos países latino-americanos; independência-imparcialidade, assegurando aos juízes da corte suprema condições estruturais e materiais para atuarem de forma independente e imparcial, com medidas de contenção às retaliações praticadas pelos demais poderes de Estado ou pelo grande poderio econômico, a fim de que possam exercer livremente a função contramajoritária, mediante a proteção das minorias e dos grupos vulneráveis;
promover a internacionalização e a integração da corte suprema a partir do contexto latino-americano e de uma perspectiva descolonizadora, a fim de proteger os direitos humanos previstos na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos.
CONCLUSÕES
Estabelecidas essas conclusões, e considerando o contexto latino-americano, pode-se concluir que, levando em consideração as características gerais referentes à função, às garantias e à internacionalização, um modelo geral de corte suprema pode contribuir para o fortalecimento democrático e para a integração da região Latinoamérica, outorgando a máxima proteção às garantias constitucionais e aos direitos humanos.
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