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Recepção: 30 Março 2020
Aprovação: 14 Abril 2020
Publicado: 27 Maio 2020
DOI: 10.25053/redufor.v5i15set/dez.2951
Resumo: A avaliação, processo inerente à vida humana, em meio a transformações econômicas e políticas, assumiu um caráter regulador e compensatório ao longo dos anos, tornando-se o principal instrumento de verificação do desempenho escolar. O presente estudo analisa como os índices educacionais obtidos em avaliações externas, com aplicação de testes em larga escala, refletem em escolas do município de Óbidos-Pará. Adota-se como referencial o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica e pesquisa de campo para comparar dois cenários distintos: escolas com índices positivos e negativos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Os resultados revelam a existência de uma “Política de Resultados”, traduzida em ações de recompensas ou punições e divulgação de imagens boas ou ruins na mídia, bem como a desvalorização profissional dos docentes e gestores, iniciativas que corroboram a precarização do ensino. Como consequência, fomenta-se uma educação a serviço do capital, distante da efetivação da qualidade no ensino público.
Palavras-chave: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, Políticas públicas em educação, Avaliação da educação básica.
Abstract: Assessment, a process inherent to human life, in the midst of economic and political transformations, has assumed a regulatory and compensatory character over the years, becoming the main instrument for verifying school performance. This study analyzes how the education indices obtained in external evaluations, with the application of tests on a large scale, reflect on schools in the municipality of Óbidos-Pará. The Basic Education Development Index and field research are used as a reference to compare two different scenarios: schools with positive and negative indices in the Basic Education Development Index. The results reveal the existence of a “Results Policy”, translated into actions of reward or punishment and dissemination of good or bad images in the media, as well as the professional devaluation of teachers and managers, initiatives that corroborate the precariousness of teaching. Consequently, education at the service of capital is promoted, far from the accomplishment of quality in public education.
Keywords: Basic education development Index, Public policies in education, Basic education assessment.
Resumen: La evaluación, un proceso inherente a la vida humana, en medio de transformaciones económicas y políticas, ha asumido un carácter regulatorio y compensatorio a lo largo de los años, convirtiéndose en el principal instrumento para verificar el rendimiento escolar. El presente estudio analiza cómo los índices educativos obtenidos en evaluaciones externas, con la aplicación de pruebas a gran escala, se reflejan en las escuelas del municipio de Óbidos-Pará. Se utilizan el Índice de Desarrollo de Educación Básica y la investigación de campo como referencias para comparar dos escenarios diferentes: escuelas con índices positivos y negativos en el Índice de Desarrollo de Educación Básica. Los resultados revelan la existencia de una “Política de Resultados”, traducida en acciones de recompensas o castigos y difusión de buenas o malas imágenes en los medios, así como la devaluación profesional de docentes y directivos, iniciativas que corroboran la precariedad de la enseñanza. Como consecuencia, se promueve la educación al servicio del capital, lejos de la realización de la calidad en la educación pública.
Palabras clave: Índice de Desarrollo de la Educación Básica, Políticas públicas en educación, Evaluación de educación básica.
1 Introdução
Ao longo dos anos, a avaliação sempre se fez presente na vida humana, condição inerente em todos os processos de relações grupais e sociais, utilizada como análise e/ou ajustamento ante a melhoria de determinadas realidades (OLIVEIRA, 2018). Nas aldeias indígenas, por exemplo, onde os mais jovens precisam demonstrar inúmeras habilidades para serem considerados legítimos guerreiros, está presente também o ato de avaliar (SUCUPIRA; VASCONCELOS; FIALHO, 2019). O mesmo se mostrava entre os chineses e gregos há milênios de anos na sociedade, pela criterização definida na seleção de sujeitos para determinados tipos de trabalho: na China, com os exames que possibilitavam os cidadãos alcançarem cargos de prestígio; na Grécia, com a autoavaliação sugerida por Sócrates (LANNES; VELLOSO, 2007).
Conforme as mudanças e transformações da sociedade, a avaliação passou a assumir um formato mais estruturado após o século XVIII, período de formação das primeiras escolas modernas, marcado pela utilização de exames educacionais como forma de avaliar, cujo processo ficou associado à ideia de controle e regulação (FIALHO; LIMA; QUEIROZ, 2019). Esse processo originou a docimologia, proposta por Henri Piéron em 1920, que se tratava de um estudo sistematizado de exames - especificamente do sistema de atribuição de notas e comportamentos entre avaliadores e avaliados. Em meados do século XIX, surgiu a psicometria, com o estabelecimento de testes padronizados e definição de objetivos que testavam a inteligência e avaliavam o desempenho das pessoas (LANNES; VELLOSO, 2007).
O ano de 1934 foi marcado pela intensificação da educação por objetivos, cujo princípio pautava-se na formulação e consequentemente verificação de seus alcances, quando surgiu o termo “avaliação educacional”, proposto pelo educador americano Ralph Tyler (LANNES; VELLOSO, 2007). A avaliação da educação inicialmente se incorporou nesta base de definição e cumprimento de objetivos preestabelecidos aos processos educacionais.
Mediante o contexto educacional de épocas distintas da sociedade, a avaliação vem se expandindo e se apresentando como o principal mecanismo de análise, observação, intervenção e transformação das práticas sociais, incluindo a realidade educacional (OLIVEIRA, 2018). No Brasil, consolida-se a figura do Estado como o principal agente formulador de um modelo educacional voltado à formação/instrução de seus indivíduos; a este cabe empregar o uso de avaliação na condução desses processos. Contudo, mesmo na defesa da proposição de um modelo de educação concebido como “ideal” para a sociedade, ainda sim esse sistema, mediante o caráter ideológico e as investidas dos organismos internacionais sobre a educação brasileira, volta-se aos interesses dos órgãos dominantes com a formação de indivíduos preparados unicamente para suprir os anseios do mercado capitalista (FLORENCIO; FIALHO; ALMEIDA, 2017). É nesta perspectiva que se incorpora o Estado avaliador: “[...] a partir da promoção exacerbada da competição imposta às escolas, pela via das avaliações estandartizadas, [...] com a predominância de instrumentalismo mercantil que institui a supervalorização dos indicadores e resultados” (CARNEIRO, 2012, p. 219).
No contexto das transformações econômicas e políticas ocorridas no cenário internacional e no Brasil a partir do ano de 1988, como a orientação de organismos internacionais, a avaliação passou a assumir caráter regulador e compensatório, tornando-se o principal instrumento de verificação do desempenho escolar (FLORENCIO; FIALHO; ALMEIDA, 2017). Destacam-se as mudanças históricas relacionadas à avaliação da educação no Brasil, entendendo que “[...] o modo de regulação neoliberal implicou [...] mudanças no papel e na forma de atuação do Estado, bem como nas políticas educacionais, que passaram a ser orientadas [...] pela lógica do mercado e da competição” (OLIVEIRA, 2018, p. 11). Para Carneiro (2012, p. 228), as políticas instituídas no país pós-década de 1990 apresentaram como pressuposto “[...] a marca da regulação e do controle, [...] resultando no crescimento do setor privado e na consequente redução do público, no fomento à competitividade e na tomada do mercado como [...] referência para a educação”.
Acompanhando a tendência mercadológica empregada à avaliação educacional em âmbito nacional, no estado do Pará, situado na região amazônica brasileira, foi perceptível a influência desse instrumento nas instituições de ensino, especificamente da rede municipal, uma vez que, pela divulgação de índices obtidos em exames avaliativos promovidos pelo governo, propagam-se inúmeras intervenções sobre o trabalho desenvolvido (SANTOS; COLARES, 2019). Quando os índices são bons, significa que a escola está realizando um bom trabalho, do contrário, a escola é associada à condição de fracasso ante as ações desempenhadas, restando a rotatividade entre os dirigentes das instituições (SOARES; COLARES; OLIVEIRA, 2020). Desse modo, “[...] a escola se torna foco principal das políticas, em que se confunde autonomia da escola com culpabilização pelos resultados” (ROTHEN, 2018, p. 33).
Sob um contexto de contradições, a avaliação educacional perde sua essência contínua e processual, tornando-se mecanizada e periódica na realidade escolar. Segundo Oliveira (2018, p. 12), isso ocorre devido ao fato de que “[...] os novos processos de regulação [...] das políticas públicas educacionais passaram a ser conduzidos por uma perspectiva de Estado-mercado, consubstanciando o chamado Estado avaliador”. Em decorrência, é importante atentar para a proposta de privatização sobre a educação, contradizendo o caráter público defendido em documentos constitucionais, tornando-a um instrumento de cunho mercadológico que inconsequentemente compromete o nível e a qualidade real da educação, em termos de desenvolvimento e integração social (BANFIELD; HADUNTZ; MAISURIA, 2016).
Nesse cenário, cresce, portanto, o número de “[...] projetos desenvolvidos, tanto pelo governo federal, através do Saeb , Prova Brasil , Enade e Enem , como governos estaduais e municipais que criaram sistemas próprios de avaliação” (SOLIGO, 2010, p. 1), cujo foco está voltado à obtenção de dados que auxiliem na formulação de novas políticas educacionais que regulem os recursos com base no rendimento apresentado nas avaliações, pois, a partir desse momento, “[...] a avaliação educacional passa a servir, por um lado, para o controle e regulação do Estado e, por outro, como mecanismo de introdução da lógica do mercado, objetivando maior competição e desempenho [...]” (OLIVEIRA, 2018, p. 12), constituindo as matrizes de referências para os níveis e modalidades de ensino.
A avaliação passa, então, a ser denominada em interna e externa. É considerada interna quando é elaborada “[...] pelo professor ou pela instituição de ensino, aplicadas com recorrência no cotidiano das escolas e que têm como objetivo fazer julgamento de valor, a fim de propor alternativas no âmbito da sala de aula ou da escola” (PAR/Plataforma Educacional, 2019). Constitui-se como externa por ser elaborada “[...] por um órgão externo às escolas, com a finalidade de avaliar os alunos de forma a comparar o seu desempenho com o de outros estudantes de diferentes realidades” (PAR/Plataforma Educacional, 2019). Portanto, as avaliações externas fornecem dados que se tornam base para os órgãos públicos e consequentemente para a formulação de políticas educacionais. Assim, estas podem ser: somativas, cujo objetivo é informar ao avaliador o grau de aquisição de conhecimento do avaliado; formativas, processo contínuo de assimilação de novas aprendizagens; diagnósticas, para identificar os conhecimentos dos alunos, um tipo de aferição de conteúdos; e outras classificações (LANNES; VELLOSO, 2007).
Sob essa perspectiva, o estudo analisa como os índices educacionais obtidos em avaliações externas, com aplicação de testes em larga escala, refletem em escolas do município de Óbidos no Pará (PA). Para atender a esse propósito, os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) são utilizados como referenciais. Como objetivos específicos, busca-se: identificar os dados obtidos pelas escolas da rede pública municipal de Óbidos/PA no Ideb; conhecer a percepção de gestores sobre a avaliação educacional; e analisar como esses índices influenciam o trabalho desenvolvido nas instituições de ensino objetos deste estudo.
A pesquisa foi realizada por meio de um estudo qualitativo que permitiu lançar luz às subjetividades de sujeitos envolvidos no processo avaliativo, no caso os gestores, considerando suas realidades. São muitos os autores que desenvolvem pesquisas qualitativas e advogam sua relevância para melhor compreender contextos educacionais singulares (GOMES-DA-SILVA, 2014; DINARTE; CORAZZA, 2016; LIMA; SANTOS, 2018; MORGADO, 2016; REBELO; BORGES, 2010; PEREZ, 2012), logo, acredita-se que essa abordagem possibilita analisar minúcias não contempladas em pesquisas macrossociais.
O estudo de campo, de caráter comparativo, confrontou dois cenários distintos: escolas com resultados positivos (que vêm alcançando e/ou superando as metas fixadas) e negativos (que não conseguem alcançá-las e distanciam-se dos índices definidos) no Ideb. Das técnicas de coleta de dados utilizadas, destacam-se: pesquisas em sites governamentais, que apresentam os índices educacionais das instituições selecionadas; e aplicação de entrevistas semiestruturadas com quatro gestores de escolas da rede pública municipal, sendo dois gestores de escolas com resultados positivos e outros dois de instituições com resultados negativos, visando identificar práticas, desafios e percepções em torno do tema.
Destaca-se ainda que, a partir da sistematização dos dados, as falas dos entrevistados foram representadas na forma de citação com transcrições literais, diferenciando-se pelo uso do itálico nos trechos utilizados. Com o intuito de preservar o anonimato dos sujeitos da pesquisa, os entrevistados foram identificados por meio de letras (A, B, C, D).
Este artigo compõe-se de três blocos temáticos para análise: O panorama educacional de Óbidos/PA no contexto do Ideb, apresentando os índices obtidos e seus efeitos na realidade escolar; A avaliação educacional na percepção de gestores, verificando como estes percebem a avaliação, destacando práticas, desafios e perspectivas em sua realidade; e Uma “Política de Resultados” se faz presente, discutindo o caráter ideológico-mercadológico empregado à avaliação e conferido às escolas.
2 O panorama educacional de Óbidos/PA no contexto do Ideb
O município de Óbidos/PA possui atualmente 107 escolas, sendo: 90 na zona rural e 17 no perímetro urbano, com uma população estimada em 52.137 habitantes (IBGE, 2019). No entanto, pelas dificuldades relacionadas ao difícil acesso às instituições situadas na zona rural, o estudo envolveu apenas a zona urbana. Das 17 instituições existentes, optou-se pela escolha de 12 pertencentes à rede pública municipal, descartando duas que estão em fase de reconhecimento para autorização e funcionamento junto ao Ministério da Educação, uma que não possuía dados referentes ao Ideb em um dos recortes temporais definidos no estudo e outras duas pertencentes à rede estadual.
O primeiro passo do estudo se deu em conhecer as médias obtidas e metas sobrepostas às escolas, por meio de consultas no site do Ideb , no espaço temporal de sete anos (2011-2017), dado que tais resultados somente são divulgados pelo Ministério da Educação a cada dois anos. Os dados de 2019 estão em construção.
Criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Ideb tornou-se um indicador de metas e ações previstas ao sistema educacional. Resulta da combinação de dois fatores: “a) indicadores de fluxo (taxas de aprovação, reprovação e evasão), medidos no Censo Escolar; e b) indicadores de desempenho em exames padronizados” (PAZ, 2009, p. 12-13).
Os exames educacionais, integrantes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicados em larga escala no Brasil a cada dois anos, entre eles a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), também conhecida como Prova Brasil, buscam revelar dados sobre as diversas instituições educacionais públicas, permitindo analisar a qualidade da educação quantificada em valores numéricos.
Inclusas nesse sistema, as escolas recebem uma nota de desempenho. No Quadro 1, apresenta-se um panorama das escolas de Óbidos/PA:

O Quadro 1 retrata os quatro últimos resultados divulgados do Ideb sobre as 12 escolas pesquisadas, das quais nove funcionam na modalidade de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental e três na oferta dos anos finais do ensino fundamental, que são as de número 2, 4 e 12.
A primeira constatação no quadro em análise é que a maioria das escolas de educação infantil e anos iniciais vêm mantendo-se alinhadas às metas propostas a elas, alcançando resultados satisfatórios do ponto de vista governamental. Por outro lado, as instituições que ofertam os anos finais do ensino fundamental não conseguem integralmente cumprir os números estabelecidos, com resultados abaixo da média esperada, acompanhadas do aumento no número de abandono escolar e reprovação, o que pode constituir atraso na perspectiva governamental, que tenta “[...] igualar os resultados da educação brasileira aos dos países desenvolvidos [...]” (SILVA, G.; SILVA, A.; SANTOS, 2019, p. 270), esquecendo-se da inexistência de condições estruturais e sociais para o alcance dessa premissa.
Constata-se ainda a existência de três instituições (de educação infantil e anos iniciais) com resultados elevados quanto à superação das metas definidas no Ideb, sendo: Escola 3, liderando a maior pontuação; Escola 9, ocupando o segundo lugar de resultados positivos alcançados; e Escola 7, na terceira posição. Sobre essa prática classificatória que incita a disputa entre as instituições, reafirma-se o posicionamento de Carneiro (2012, p. 219), em que se contempla hoje “[...] o aumento do controle do Estado sobre as questões curriculares, bem como sobre os recursos financeiros aplicados no setor educacional, alterando [...] as formas de regulação do sistema [...] por meio da avaliação”. Isso ocorre, segundo Bego (2016, p. 9), devido ao fato de que:
Como toda instituição moderna, a escola apresenta componentes sistêmicos que são orientados pelos subsistemas Economia e Estado, responsáveis justamente por viabilizar sua reprodução material e institucional. Esses componentes são dirigidos por ações teleológicas e estratégicas responsáveis por organizar as normas e regras que garantam o funcionamento da instituição. No âmbito da esfera sistêmica, estão contidas as prescrições legais, a definição do quantitativo de verba e recursos, a forma do regime de trabalho dos profissionais [...].
Observa-se que, entre 2015 e 2017, as Escolas 7 e 9 contaram com a mesma equipe de gestão escolar tentando atender às prescrições avaliativas impostas pelo Estado. Tal fato pode ter colaborado para um trabalho mais alinhado às exigências dos exames educacionais, como o controle nas taxas de evasão e reprovação escolar e o esforço pelo aumento das médias nas provas padronizadas.
A instituição com maiores índices obtidos no Ideb em Óbidos/PA foi a Escola 3. Esse fato acarreta o caráter compensatório assumido pela avaliação educacional no país, pois, além de imagens positivas veiculadas na mídia, possibilitou-se o aumento de recursos para esse estabelecimento, dado que o Ideb torna-se hoje o “[...] condutor das políticas educacionais contemporâneas para a educação básica, isso porque todas as referências políticas [...] o têm como referência [...]” (SILVA, G.; SILVA, A.; SANTOS, 2019, p. 274).
As notas altas obtidas pela Escola 3 possivelmente também se justificam pelo reduzido número de alunos nas salas de aula (média de 16 discentes), tornando-se uma condição facilitadora do trabalho docente. De modo diferente dessa condição, as demais instituições de Óbidos/PA enfrentam demandas bem maiores de matrículas, resultando na superlotação de turmas (30 a 35 alunos por sala), como indica o Censo Escolar de 2017 e 2018 . Tal acontecimento não tem um indicador oficialmente comprovado, dado que a instituição disponibiliza o mesmo número de vagas que as demais em períodos de matrículas, porém a procura pela comunidade é menor, no entanto pode-se inferir a questão da localização da escola em área central e próxima de outros três estabelecimentos com prédios maiores situados no mesmo bairro. Aspectos qualitativos, com efeito, não são levados em consideração em avaliações quantitativas, que comparam índices entre escolas sem considerar o contexto social e a realidade em que se inserem (TORRES, 2010).
Outro ponto observado se mostra na condição histórica de três escolas que ficaram abaixo da meta no ano de 2017, visualizando situações distintas entre elas: a Escola 1, apresentando uma melhoria ao longo dos anos, inclusive alcançando a meta no ano de 2015; a Escola 4, que vem oscilando, apesar de manter-se distante das metas; e a Escola 12, com uma decaída sucessiva ano após ano.
No tópico seguinte, apresenta-se como os gestores municipais da educação percebem a prática avaliativa em larga escala e, ao mesmo tempo, como lidam com as exigências provenientes desse sistema.
3 A avaliação educacional na percepção de gestores
As entrevistas com os quatro gestores permitem compreender como eles percebem a avaliação educacional em suas instituições. Estudos dessa natureza permitem levar os gestores a pensar de maneira crítica a práxis educativa, bem como refletir sobre a finalidade da educação e da formação dos professores (COLARES, A.; COLARES, M., 2013; FINO, 2016; LARA, 2016; MORORÓ, 2017; PEREIRA; RIBEIRO, 2017).
Na busca por uma definição sobre o significado do termo “avaliação educacional”, o estudo constata que parte dos entrevistados apenas replicam os discursos governamentais, classificando-a como uma prática importante para a melhoria do ensino e para impulsionar a “qualidade da educação” em âmbito municipal, estadual e nacional. Esse tipo de concepção, geralmente alinhada às intencionalidades dos detentores do poder, torna-se comum no campo educacional, dado que, segundo Bego (2016, p. 11):
[...] há um deslocamento do protagonismo da instituição na definição do trabalho escolar para o protagonismo do processo, isto é, o trabalho da escola passa a ser definido por especialistas em instâncias superiores, cabendo a esta o papel de mera executora. O tecnicismo pedagógico promoveu a supressão da autonomia dos estabelecimentos educacionais ao afixar previamente como devia se dar o processo de ensino e definindo o que professores e alunos deviam fazer.
Soma-se a isso o fato de todos os entrevistados estarem no cargo de gestão por indicação política, o que consequentemente pode promover a aquiescência com as intencionalidades oriundas dos órgãos públicos. Apesar disso, alguns desses profissionais reconhecem que o ato de avaliar vem se constituindo como um instrumento de medição e análise do trabalho desenvolvido perante as exigências legais, conforme explicíto na fala de um dos entrevistados no trecho a seguir: “Eu entendo que o ato de avaliar se tornou uma forma do governo verificar o alcance de seus planos [...]. Todos são avaliados quanto ao rendimento dos alunos. É ruim você depender da nota dos alunos, já que nunca se sabe o que esperar dessas provas” (Gestor Educacional A, 2019).
A afirmativa expressa pelo Gestor A indica a preocupação quanto ao formato em que a avaliação vem sendo concebida na escola, transformando-se em um instrumento de regulação, bem como colocando os alunos à mercê de interesses políticos e mercadológicos, abandonando-se a formação integral e cidadã desses sujeitos em prol da busca por resultados positivos em testes padronizados, o que se contradiz com o princípio democrático, pois, mesmo que “[...] esteja garantido nos instrumentos legais, considera-se que o seu processo de materialização é contraditório, lento e atravessado por conflitos, avanços e retrocessos, pois ainda se vivenciam práticas autoritárias e clientelistas [...]” (CARDOZO; COLARES, 2020, p. 6).
É notável que o gestor, pelo desejo de permanência no cargo, tende a tornar-se propenso a cumprir as exigências postas nas avaliações externas, mesmo caracterizadas como negativas, garantindo a obtenção de bons resultados, refletidos exclusivamente em alcançar e/ou ultrapassar a meta predefinida. Do contrário, esse profissional está fadado ao risco de perdas de recursos para a escola ou mesmo de seu cargo, conforme se observa no relato do Gestor D (2019):
Na escola passada em que trabalhei, chegamos, inclusive, a ter diminuição de recursos perante uma nota baixa que tiramos nessa prova, além de ficarmos com uma imagem negativa perante a sociedade, já que associaram o resultado negativo na avaliação como um fracasso ao meu trabalho enquanto gestor.
Ao exercer a função de regulação, prestação de contas e controle social e governamental sobre as atividades desenvolvidas na escola, a avaliação se caracteriza por uma imposição vertical que gera medo e insegurança para os gestores, que podem ser interpretados como inábeis no desenvolvimento do processo educacional e sofrer maior desvalorização profissional. Não importa, nessa situação, todo o trabalho educativo desenvolvido pelos gestores caso não alcancem índices positivos nos exames em larga escala. É nesse contexto que, ao reportarem-se ao Ideb e às práticas de avaliação adotadas, Silva, G., Silva, A. e Santos (2019, p. 282) afirmam que “[...] esse instrumento é injusto, excludente e não responde aos anseios de uma educação pública referenciada [...]”.
No que tange à organização do ambiente escolar e dos inúmeros processos em torno das avaliações educacionais, é visível que esta se torna o principal foco nas instituições de ensino, preocupação central no trabalho do gestor e cobrança severa ao profissional docente, sendo essas ações compreendidas a partir do caráter ideológico assumido pelos formuladores de políticas educacionais nos últimos anos. Sobre a preparação das escolas para os exames educacionais, destacam-se dois trechos citados pelos entrevistados durante o estudo:
Ao longo de minha vida profissional, eu desconheço qualquer escola que não se preocupe com essa avaliação. Ela vai mostrar se o trabalho realizado está obtendo êxito ou não, além do que é por meio dela que os recursos podem aumentar e diminuir. Nesse momento ocorre uma mobilização de toda a comunidade [...]. (Gestor Educacional B, 2019).
Quando chega o aviso sobre a aplicação da prova sobre e data, tudo se transforma em um caos, pois o desespero é grande perante o medo do fracasso nessa avaliação. Este é um momento onde todos se mobilizam em prol de ajudar os alunos a compreenderem melhor as questões e evitar erros para não prejudicar a nota da escola. (Gestor Educacional C, 2019).
É notável e, ao mesmo tempo, questionável o quanto os profissionais da educação parecem estar engajados nesse processo, ficando aprisionados às exigências educacionais externas oriundas do sistema nacional, inclusive com demandas descontextualizadas à realidade local. A avaliação deveria ser uma atividade natural, para o monitoramento e aprimoramento da educação, entretanto, da maneira como se efetiva, é punitiva e desfoca o fazer pedagógico da sua principal função, educar. Prioriza-se o treinamento de alunos para responder a testes padronizados, enquanto isso minimiza-se o compromisso com o aprendizado efetivo, respeitando suas diferenças e a valorização de seus conhecimentos e vivências como sujeitos em potencial construção (SOUSA; NASCIMENTO, 2018). E não há uma formação docente adequada para os professores e gestores saberem lidar com essas mudanças educacionais (CARVALHO; DAMASCENO; MOURA, 2019; GENÚ, 2018; SANTOS; FERREIRA; SIMÕES, 2019).
Em 2018, ano de aplicação das provas do Sistema Paraense de Avaliação Escolar (Sispae) em escolas municipais que ofertam os anos iniciais do ensino fundamental, destaca-se que esse procedimento deu-se somente para as turmas do 4º ano nas instituições de Óbidos/PA, sobrecarregando o docente não só pela cobrança de bons resultados, mas também o prejudicando emocionalmente pela rapidez e efetividade de ações e decisões em prol do cumprimento dessa premissa. Sobre essa realidade, destaca-se a fala de um dos gestores:
No caso de nossa escola, somente uma turma fez a prova este ano. Logo, acarretou toda a responsabilidade em somente um professor. Querendo ou não, as expectativas são enormes quanto à nota obtida, já que dela depende muita coisa para a escola. Agora imagine como não fica esse professor sabendo das cobranças existentes em seu trabalho. (Gestor Educacional D, 2019).
Pela problemática descrita, a responsabilidade é associada aos professores, visto que estão engajados na tarefa de transmitir os conteúdos e acompanhá-los frente à sua concretização em situações reais, a exemplo das provas avaliativas. Historicamente é o docente o primeiro responsabilizado pelo baixo rendimento do aluno, no entanto não se consideram as condições sociais, econômicas e culturais em que cada educando está inserido (LOPES, 2019; SOARES; VIANA, 2016). Tal situação impossibilita uma educação emancipadora com vistas à liberdade e ao exercício da cidadania (SMYTH; HAMEL, 2016; VASCONCELOS; FIALHO; LOPES, 2018).
A rigor, grande parte das questões aplicadas na Prova Brasil, por exemplo, exigem uma capacidade que vai além, muitas vezes, do nível de conhecimentos adquiridos e experienciados pelos alunos, principalmente daqueles que convivem com a rotina de classes superlotadas, em que o docente não dispõe de tempo para prestar atendimentos individuais que proporcionem a efetividade real e qualitativa do aprendizado. Diante de tais empecilhos internos, destaca-se o posicionamento de Anjos (2012, p. 9), ao afirmar que:
A quantidade de funções que o/a profissional vem acumulando mais o aumento de carga horária que vem sofrendo são paulatinamente incorporados na rotina do professor. Esse profissional que trabalha com o conhecimento, mas que não tem tempo para a reflexão do seu fazer pedagógico, que avalia indiretamente e é avaliado, sendo desapoderado desta ferramenta, que é avaliar como parte de um processo, e não fim, parece tornar-se um instrumento de aplicação da política.
Sobre os meios de preparação dos discentes para a realização dos exames educacionais em Óbidos/PA, o estudo revela a existência de um trabalho técnico, refletindo-se na aplicação de extensos exercícios, simulados de provas anteriores, testes, leituras desinteressadas, instrumentos que objetivam “cravar” os conteúdos exigidos pelos órgãos educacionais no aprendizado dos alunos. Com relação a essas práticas, um dos entrevistados apresenta uma importante reflexão, afirmando que:
Nós temos um problema aqui sobre a preparação dos alunos para essas provas, principalmente a Prova Brasil, pois algumas escolas costumam parar suas atividades por duas ou três semanas antes para ensaiar os alunos para tais avaliações, o que demonstra que não existe uma medição do nível de conhecimento dos alunos naquela série, mas sim a repetição de conteúdos que foram ensaiados com certa antecedência. Isso explica o sucesso no alcance dos índices. (Gestor Educacional A, 2019).
O posicionamento apresentado é crítico, no sentido de revelar práticas que ocultam o conhecimento real dos alunos, dando lugar a propostas que oprimem esses indivíduos e suas potencialidades em prol de demonstrar “habilidades necessárias”, resultantes da base governamental. Fruto de novas exigências e aliada aos interesses do mercado, a escola passa por rupturas entre a sua função social originária e os novos rumos delineados pelo neoliberalismo contemporâneo. Ou, conforme descrevem Silva, G., Silva, A. e Santos (2019, p. 282):
Da forma como as reformas pautaram as políticas educacionais, pode-se analisar que essas se tornaram espaços para padronizar o ensino, quantificar a aprendizagem e avaliar os atores envolvidos no processo pedagógico. A lógica empresarial está presente nas ações educativas e possibilitou que a escola se transformasse um lugar vazio e sem sentido, com ênfase na meritocracia, na competitividade, na eficácia e na eficiência.
Portanto, no que tange à percepção dos gestores sobre a avaliação educacional, prevalece a ideia de obrigatoriedade, eficiência e produtividade, incentivando a meritocracia (com recursos, premiações, reconhecimentos, entre outros), embora se saiba que “A escola, na perspectiva democrática, viabiliza espaços de discussão para que todos possam participar da tomada de importantes decisões e das ações de seu cotidiano” (COLARES; BRYAN, 2014, p. 175). O próximo tópico discute a “Política de Resultados” em Óbidos/PA.
4 Uma “Política de Resultados” se faz presente
O termo “Política de Resultados”, utilizado para descrever os entraves ideológicos e excludentes existentes nas práticas de avaliação educacional, mediante a realidade de Óbidos/PA, sustenta a ideia de uma política suplantada nas escolas referente aos índices educacionais obtidos em avaliações externas, na qual se estipula metas aos usuários, impondo-lhes a obrigatoriedade de cumprimento destas. Os resultados, nesse caso, constroem-se a partir de desempenhos positivos adquiridos nas dinâmicas avaliativas. A priori, os dados tornam-se instrumentos político-ideológicos, cujo tratamento dá-se em prol de interesses individuais, em detrimento de coletivos. Segundo Pacheco e Sousa (2016, p. 72), isso ocorre porque vivemos atualmente “[...] tempos em que a racionalidade neoliberal se torna cada vez mais [...] legitimadora de políticas, processos e práticas de educação e formação homogéneas e, por conseguinte, de propostas curriculares estandardizadas em resultados [...]”.
Os dados analisados à luz das entrevistas evidenciam que a cultura e o uso político dos resultados seguem presentes nas instituições, marcando-se por imposições legais e consequentemente pela meritocracia, minimizando o aprendizado dos alunos e exacerbando a concretização da proposta político-partidária para a escola pública brasileira, tendo como foco a privatização do ensino no país. Sob essa perspectiva, Bego (2016, p. 21) afirma que:
A configuração em espaço executor das ações predeterminadas por outrem faz com que a instituição escolar tenha seu papel reduzido no desenvolvimento da ação educativa. Uma instituição reduzida a esse papel para de se questionar acerca de questões mais amplas, de caráter filosófico, ideológico e político, enfim, questões sobre os fundamentos das ações cotidianas desenvolvidas na escola por seus diversos atores, que, imbuídos da tarefa de executores eficientes tecnicamente, são alijados dessas mesmas discussões e se voltam inteiramente para a resolução pontual individualizada dos problemas e desafios que emergem do cotidiano escolar.
Na Meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024), instituído pela Lei nº 13.005/2014, os interesses em torno da avaliação educacional se tornam visíveis (nas estratégias 7.4, 7.6, 7.9 e 7.36) a partir do delineamento de ações que possam atingir as metas do Ideb, especificamente ao dispor, de acordo com a estratégia 7.9, da necessidade de orientação das demais redes e sistemas de ensino para “[...] buscar atingir as metas [...], diminuindo a diferença entre as escolas com os menores índices e a média nacional, garantindo equidade da aprendizagem [...]” (BRASIL, 2014, s.p.). Junto a isso, segundo a estratégia 7.36, o documento visa ainda “[...] estabelecer políticas de estímulo às escolas que melhorarem o desempenho [...], de modo a valorizar o mérito do corpo docente, da direção e da comunidade escolar” (BRASIL, 2014, s.p.). Outra vez, o jogo de interesses é preservado.
No âmbito dos recursos destinados às instituições de ensino no país, destaca-se o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), cujo objetivo é prestar apoio financeiro às atividades administrativo-pedagógicas necessárias à manutenção e funcionamento das escolas. De acordo com os entrevistados, a distribuição de recursos do programa sofre influência direta dos resultados apresentados nas avaliações educacionais. Por conseguinte, se a escola alcançou as metas, receberá mais recursos, consagrando um meio de “incentivo” (conforme explícito na estratégia 7.36 do PNE) para a melhoria do trabalho desenvolvido. Do contrário, reduzem-se as verbas, deixando o gestor em situações complexas para conduzir a instituição no referido ano letivo. No município estudado, registrou-se em 2017 escolas sem orçamento, sem repasse do programa, exigindo “criatividade” da equipe gestora na angariação de recursos. A fala da Gestora Educacional C ilustra esse processo de distribuição de recursos a nível local:
Se hoje a nossa instituição possui toda essa infraestrutura, é decorrente dos resultados obtidos no Ideb. Com resultados satisfatórios, os nossos recursos aumentaram pelo PDDE e assim investimos na melhoria de nossos espaços, oferecendo melhores condições aos alunos.
Na condição assumida pela avaliação de centralidade nas políticas educacionais, pode ser que esta se torne a maior responsável pela fragilidade dos índices obtidos no Ideb, dentre outros, pela condição descontextualizada, tornando-se desarticulada dos interesses dos alunos e, por conseguinte, figurando um ensino monótono e repetitivo, podendo ser, ainda que não comprovadamente, uma das causas dos expressivos percentuais de reprovação e evasão escolar.
Compreendemos, portanto, que a avaliação educacional vai além de um momento estanque de aplicação de testes para verificar a aprendizagem dos estudantes. Ela perpetua-se como um aparelho ideológico reprodutivista de uma sociedade capitalista, com ênfase na obtenção de resultados positivos, extraídos a partir de uma complexidade de provas elaboradas para aferir o desenvolvimento de competências e habilidades. Sobre a usuabilidade de tais instrumentos ideológicos para verificar a “qualidade do ensino”, compreende-se que:
Esta posição faz com que a cultura da cognição se torne numa matriz para a construção do currículo, na promoção de um conhecimento conceptual ligado às disciplinas, ou, melhor dito, a certas disciplinas, como a matemática, as ciências e a língua materna, que se tornam as principais componentes de uma nova organização curricular que busca a afirmação social de um conhecimento universal, supostamente traduzido pela noção de conhecimento poderoso. (PACHECO; SOUSA, 2016, p. 71).
Diante da reflexão apresentada pelos autores, surgem alguns questionamentos, entre eles: o que seria “qualidade” para o sistema educacional brasileiro? Seriam os índices obtidos ou o desenvolvimento de habilidades necessárias à formação cidadã? Como interpretar essa qualidade defendida nas políticas públicas? Devemos relacionar a qualidade com a mecanização de conteúdos ou confinamos esta ao processo de aquisição e desenvolvimento de habilidades e competências?
Tais questionamentos são válidos ao observar a realidade local, visualizando práticas de preparação técnica dos estudantes para os exames educacionais, cerceando a autonomia discente e docente, confinando o gestor a replicar imposições dos órgãos dominantes, ao mesmo tempo que se privilegiam algumas áreas do conhecimento (geralmente Língua Portuguesa e Matemática), excluindo as demais, corroborando a precarização do ensino, a desvalorização profissional de docentes e gestores e a continuidade de práticas mercadológicas que se fixam, pouco a pouco, sobre a educação pública no país.
Portanto, é notório que vivemos uma dicotomia nas escolas, em que, de um lado, estão as exigências do sistema educacional e, de outro, a realidade dos educandos. Desse modo, apesar de ser um diagnóstico do aprendizado dos estudantes, é inegável o uso político-ideológico das avaliações, finalidade direcionada à consolidação de trabalhos exitosos, desviando-se da condição de fracasso a partir da preterição da qualidade pela quantidade em instituições públicas. Como o próprio tópico anuncia, uma política de resultados se faz presente.
5 Considerações finais
No decorrer do estudo, os resultados revelam a existência de uma “Política de Resultados” sobre a avaliação educacional, traduzida em ações de recompensas ou punições e divulgação de imagens boas ou ruins na mídia, bem como na desvalorização profissional de docentes e gestores, iniciativas que corroboram a precarização do ensino. Como consequência, fomenta-se uma educação a serviço do capital, distante da efetivação da qualidade no ensino público.
Quanto à pergunta central presente no título deste trabalho, afirmamos que a avaliação educacional torna-se oculta mediante seu caráter diagnóstico, sendo substituída por ações ideológicas e mercadológicas que utilizam tais resultados em prol de quantificar práticas e processos educacionais, abandonando a função qualitativa, que permitiria o desenvolvimento efetivo da qualidade no aprendizado dos estudantes, caracterizando-se, portanto, em política de resultados.
Uma das intencionalidades deste trabalho é possibilitar ao leitor não somente o exercício da crítica em torno das ações e práticas apresentadas, mas também a reflexão sobre aspectos presentes no tema avaliação educacional, com vistas à superação de imagens expressas em reportagens e demais articulações em torno de resultados que enfraquecem o trabalho de educadores brasileiros. Em outras palavras, objetiva-se que fique a compreensão de que não se trata do gestor nem do docente, tampouco do desempenho dos alunos, e sim das condições sobrepostas a estes. Veem-se os sujeitos da equipe escolar como “verdadeiros sobreviventes” em meio a um sistema excludente e opressor.
A avaliação, que deveria constituir-se como um processo formativo, contínuo e processual, torna-se um instrumento mecanicista, descontextualizado, ideológico e inapropriado para a preservação do caráter público da escola brasileira, sendo esta acessível, democrática, inclusiva e diversificada. Tempos difíceis nos aguardam (e a crise da educação brasileira já pode estar inclusa nessa condição), porém é preciso resistir para a preservação do compromisso universal de uma educação gratuita e de qualidade, socialmente referenciada. Caminharemos juntos nesta mesma direção.
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Autor notes
https://orcid.org/0000-0002-5915-6742
Pós-Doutora e Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Docente do curso de Pedagogia, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufopa e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Amazônia. Coordenadora adjunta do grupo de estudos e pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil (Histedbr/Ufopa)”. Bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Contribuição de autoria: Segunda escrita da redação e revisão textual.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9671465461954562
E-mail: lilia.colares@hotmail.com
http://orcid.org/0000-0002-5784-8307
Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufopa e graduado em licenciatura em Pedagogia também pela Ufopa, campus Óbidos. Integrante do grupo de estudos e pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil (Histedbr/Ufopa)”. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Contribuição de autoria: Escrita, primeira redação, edição e formatação.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7538516067447773
E-mail: lu.cas.soares@bol.com.br