ARTIGO

Demandas e principais desafios da Educação Especial e Inclusiva em face dos compromissos da Agenda 2030 em Angola

Demands and main challenges of special and inclusive education in face with the commitments of the 2030 agenda in Angola

Demandas y principales desafíos de la educación especial e inclusiva ante los compromisos de la agenda 2030 en Angola

António António
Gabinete Provincial da Educação de Malanje, Angola
Geovana Mendonça Lunardi Mendes
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil

Demandas e principais desafios da Educação Especial e Inclusiva em face dos compromissos da Agenda 2030 em Angola

Revista Educação & Formação, vol. 9, e12528, 2024

Universidade Estadual do Ceará

Recepción: 08 Febrero 2024

Aprobación: 12 Abril 2024

Publicación: 28 Mayo 2024

Financiamiento

Fuente: Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Santa Catarina

Nº de contrato: 06/2023

Financiamiento

Fuente: Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Pós-Graduação

Nº de contrato: 38/2022

Nº de contrato: 2023tr000952

Resumo: A garantia do direito à educação de qualidade a todos, incluindo o público-alvo da Educação Especial, é um dos compromissos presentes na Agenda 2030 sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Daí que este estudo objetiva analisar os desafios atuais da Política Nacional de Educação Especial Orientada para a Inclusão Escolar em face dos compromissos da Agenda 2030. Foi realizado um estudo qualitativo do tipo documental que enfatizou as legislações sobre o Sistema Educativo, Planos Nacionais de Desenvolvimento e relatórios do Ministério da Educação, ao passo que, para os internacionais, junto da Agenda 2030, foram consideradas declarações e relatórios das agências especializadas da Organização das Nações Unidas, através da análise temática latente. Os resultados indicam que Angola tem avançado bem no quesito dos marcos normativos sob influência das organizações multilaterais, porém os avanços registrados pouco se refletem nos resultados esperados no contexto da prática.

Palavras-chave: Educação especial, educação inclusiva, Agenda 2030, Angola.

Abstract: Guaranteeing the right to quality education for everyone, including the target audience for special education, is one of the commitments present in the 2030 Agenda on the Sustainable Development Goals. Therefore, this study aims to analyze the current challenges of the National Special Education Policy Oriented toward School Inclusion in light of the commitments of the 2030 Agenda. A qualitative study of the documentary type was carried out that emphasized the legislation on the Educational System, National Plans for Development, and reports from the Ministry of Education, while, for international studies, along with the 2030 Agenda, statements and reports from specialized agencies of the United Nations were considered, through latent thematic analysis. The results indicate that Angola has made good progress in terms of regulatory frameworks under the influence of multilateral organizations, however, the advances recorded are little reflected in the expected results in the context of practice.

Keywords: Special education, inclusive education, Agenda 2030, Angola.

Resumen: Garantizar el derecho a una educación de calidad para todos, incluido el público objetivo de la educación especial, es uno de los compromisos presentes en la Agenda 2030 sobre los Objetivos de Desarrollo Sostenible. Por lo tanto, este estudio tiene como objetivo analizar los desafíos actuales de la Política Nacional de Educación Especial Orientada a la Inclusión Escolar a la luz de los compromisos de la Agenda 2030. Se realizó un estudio cualitativo de tipo documental que puso énfasis en la legislación en el Sistema de Educación, Planes Nacionales de Desarrollo e informes del Ministerio de Educación, mientras que, para los estudios internacionales, junto con la Agenda 2030, se consideraron pronunciamientos e informes de organismos especializados de la Organización de las Naciones Unidas, a través de análisis temáticos latentes. Los resultados indican que Angola ha logrado buenos avances en términos de marcos regulatorios bajo la influencia de organizaciones multilaterales, sin embargo, los avances registrados poco se reflejan en los resultados esperados en el contexto de la práctica.

Palabras clave: Educación especial, educación inclusiva, Agenda 2030, Angola.

1 Introdução

Este estudo visa a analisar os desafios atuais da Política Nacional de Educação Especial Orientada para a Inclusão Escolar (Pneeoie) em face dos compromissos da Agenda 2030 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, que consiste em garantir uma educação de qualidade baseado na acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa e em promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, considerando que “[...] as transformações sociais vividas em alguns contextos atuais alertam para a facilidade de violação dos direitos da criança, sendo essa uma temática amplamente abordada nos contextos científico e midiático” (Nascimento; Sobral; Carvalho, 2022, p. 2), sobretudo quando se trata do princípio da obrigatoriedade da educação básica, que deveria ser acessível a todas as crianças em idade escolar.

Como aponta António (2023), a implementação da Modalidade de Educação Especial, que se deu em 1979, quatro anos após a independência de Angola, não marcou imediatamente a construção da atual política, o que viria a acontecer a partir de 2015, período em que o Instituto Rodrigo Mendes (IRM), sob o convite do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), passou a assessorar tecnicamente o Instituto Nacional de Educação Especial (INEE) e, consequentemente, a elaborar o texto da atual política, promulgada em 2017. Como se pode ver mais adiante, os principais avanços da política angolana de Educação Especial e Inclusiva estão diretamente ligados às intervenções de organizações multilaterais, porém essa não é uma realidade exclusiva de Angola. Como pontuam Lobo e Castro (2023, p. 2), “[...] desde os anos finais do século XX, os Estados Nacionais já não decidem as suas políticas nacionais de educação sem seguir orientações e direcionamentos de organizações internacionais interessadas na ampliação dos mercados educacionais”.

Contando com uma marcada e ativa participação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Banco Mundial (BM), Unicef e do IRM, a política educativa angolana, especificamente, a Modalidade de Educação Especial, está rigorosamente alinhada aos principais direcionadores filosóficos e conceituais da Organização das Nações Unidas (ONU), que promove uma agenda global da educação.

Atualmente, a semelhança do que acontece com a maioria dos países e seus Estados, as políticas públicas angolanas estão voltadas nos ODS da Agenda 2030, demandando grandes desafios por se tratar de uma agenda global que nem sempre é compatível com as condições sociopolíticas, econômicas e culturais do país. Por conta disso, achamos pertinente e oportuno refletir em torno de uma política educativa local e seus contornos na adoção de recomendações que promovem uma pauta educativa global. Embora seja indispensável o estabelecimento de parcerias com os governos dos países em desenvolvimento (Rodrigues; Andrade, 2022), os termos definidos precisam atender às idiossincrasias locais e solucionar os reais problemas.

O estudo foi realizado a partir de uma abordagem qualitativa de alcance exploratório-descritivo assumida desde Gil (2008), valendo-se da análise documental complementada em fontes bibliográficas no processo de coleta de informações. O alcance exploratório da pesquisa justifica-se por se tratar de uma problemática que carece de estudos nacionais, já o descritivo justifica-se para situar e caracterizar o panorama da Modalidade de Educação Especial. A análise documental deu-se sobre documentos de referências nacionais e internacionais que definem diretrizes e pautas sobre a Educação Especial e Inclusiva em consonância com o ODS 4 da Agenda 2030 e outros documentos atinentes da ONU. A análise dos dados deu-se através da análise temática fundamentada em Braun e Clarke (2006, p. 5), que o consideram como “[...] um método para identificar, analisar e relatar padrões (temas) dentro dos dados”. Para garantir o maior alinhamento teórico do estudo, enveredou-se pela análise temática latente, ou seja, aquela que vai além do sentido semântico dos temas, considerando as ideias, suposições, conceitualizações e ideologias subjacentes que são teorizadas como formatação ou informação do conteúdo semântico dos dados. Sem necessariamente obedecer a uma ordem linear, a análise temática começou com a leitura dos dados, seguiram-se depois a geração inicial de códigos, a busca pelos temas, a revisão dos temas, a nomeação dos temas e, finalmente, a produção do texto. Como qualquer pesquisa, o estudo teve suas limitações do ponto de vista das informações necessárias, que não são de fácil acesso, e, do outro lado, os poucos estudos locais relacionados à temática em análise.

O texto está estruturado em três itens. Num primeiro momento, faz-se um enquadramento geral da Educação Especial e Inclusiva no horizonte das agendas globais, buscando apontar as organizações internacionais mais influentes e como estas influenciam nas políticas públicas locais. Num segundo momento, traz-se uma reflexão sobre a educação especial e inclusiva em Angola e como os marcos normativos elaborados conforme as recomendações das agências especializadas da ONU nem sempre solucionam os problemas concretos no contexto da prática. Em terceiro lugar, apresenta-se um olhar sobre a garantia do direito à educação do público-alvo da Educação Especial através das orientações e marcos de ação da ODS 4. Importa referenciar que a construção dos itens resultou das leituras dos documentos pela análise temática latente ou emergente, que permitiu estabelecer um alinhamento teórico entre o relatório desse resultante e a produção acadêmica sobre o contexto local, assim como a produção internacional, que reflete uma realidade paralela à de Angola. No fechamento do texto, apresentam-se as considerações finais, conforme o objetivo proposto e os resultados evidentes.

2 Educação Especial e Inclusiva no horizonte das agendas globais

O direito à educação de qualidade a todos é, atualmente, uma das principais questões sobre as quais o mundo debate. Com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948, a ONU, através da sua Assembleia Geral, adota e reconhece o direito à educação a todo o ser humano (ONU, 1948). Em 1990, a mesma organização promulgou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, reiterando o compromisso da DUDH, porém, indo um pouco mais além, ao enfatizar um enfoque que pudesse satisfazer às necessidades básicas de aprendizagem para todos, independentemente de qual fosse a condição do aluno.

No cerne das discussões sobre as políticas públicas voltadas à educação, encontra-se a Educação Especial e Inclusiva, que visa a responder às necessidades de aprendizagem do seu público-alvo, fundamentalmente, pessoas com deficiência, transtornos do neurodesenvolvimento, altas habilidades e grupos minoritários vulneráveis e marginalizados. Nesse quesito, a ONU, por meio de suas agências especializadas, foi criando e promovendo uma pauta global que busca proporcionar uma educação cada vez mais inclusiva e humanizada.

Um dos pontos mais altos da Educação Especial e Inclusiva na Agenda Global da ONU acontece com a ratificação da Declaração de Salamanca, resultante da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais (NEE), organizada pela Unesco em colaboração com governo da Espanha. Como afirmam António, Mendes e González (2021), foi igualmente um evento determinante da Educação Especial na perspectiva inclusiva em Angola; em decorrência desse, elaborou-se e implementou-se o Projeto 534/Ang/10 sobre Promoção de Oportunidades Educativas para a Reabilitação das Crianças Vulneráveis com o apoio da Unesco.

Através do princípio fundamental das escolas inclusivas, a conferência exortou para que todos os alunos aprendessem juntos, sempre que possível, na medida em que aos governos locais cabia assumir o compromisso de elaborar políticas locais concentradas na educação para todos (Unesco, 1994). Ficou igualmente patente o relançamento dessa campanha mundial quando, além do apelo aos governos a aderirem programas cooperativos internacionais, ficou o desafio das agências financiadoras internacionais, especialmente os patrocinadores da Conferência Mundial de Educação para Todos, a Unesco, o Unicef, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) e o BM, para que apoiassem programas educativos que promovessem o desenvolvimento da educação de alunos com necessidades especiais.

Com os compromissos assumidos e desafios lançados nessa conferência, fica evidente que existem, do lado da ONU e suas agências especializadas, interesses em jogo na disseminação de uma agenda globalizada da educação que, além dos avanços que permitem nas políticas públicas de governança, às vezes são incompatíveis com as realidades locais. Conforme Barbosa, Silva e Alves (2023, p. 3):

Consoantes à política econômica e à lógica gerencialista, sob os preceitos da Nova Gestão Pública, recomendam e difundem orientações político-pedagógicas de alcance global com base em um conjunto de habilidades e competências adequadas às exigências da nova conjuntura ocupacional, orientadas pelos princípios de competitividade, flexibilidade e eficiência, que passam a ocupar centralidade na agenda da política educacional de sistemas nacionais, em nome de uma suposta melhoria da qualidade da educação.

Sob o argumento de que a educação é o meio pelo qual se alcança o desenvolvimento sustentável por intermédio do investimento pelo capital humano, as intervenções das agências especializadas da ONU, no âmbito das políticas públicas sobre Educação Especial e Inclusiva, manifestam seus interesses e suas preferências por uma escola inclusiva que eduque todos os alunos juntos (António, 2023). Para o autor, as propostas de parceria entre os países em desenvolvimento e as agências especializadas da ONU em que a educação é definida como uma das áreas com foco especial, como acontece em Angola com o World Bank Group (GBM), não se limitam ao financiamento e monitoramento dos investimentos; eles identificam as necessidades, definem as metas e as prioridades dentro do marco político do país.

Os discursos humanitários assumidos nos meandros dessas agências pregam o caráter produtivo da educação, em que a mensagem da educação para aliviar a pobreza nos países em desenvolvimento passou a ser a estratégia para a regulação social, combate à pobreza e garantia da segurança pelos constantes alinhamentos ao longo dos tempos, para responder às demandas neoliberais, que primam mais pelo capital humano do que pelo ser humano (Leher, 1999; Oliveira, 2016). Outrossim, as recomendações advindas dessas agências nem sempre são sugestivas, às vezes assumem o que Souza e Pletsch (2017) consideram de caráter mandatório, por não considerarem a fundo as características e as necessidades específicas da nação, sobretudo quando dos acordos com países mais empobrecidos.

No seguimento da trama que busca consolidar as pretensões e o avanço da política educativa global, em 2015, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, foi definida a Agenda 2030, constituída por 17 ODS. Assumem-se uma visão comum para a humanidade, um contrato entre os líderes mundiais e os povos e uma lista das coisas a fazer em nome dos povos e do planeta. A Agenda 2030 é uma agenda alargada e ambiciosa, que aborda várias dimensões do desenvolvimento sustentável (social, económico, ambiental) e que promove a paz, a justiça e as instituições eficazes.

Dos 17 ODS definidos nessa agenda, o quarto consiste em assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos (ONU, 2015). Para a reflexão a que nos propusemos, importa olhar para esta pauta mundial e como se torna exequível considerando as acentuadas diferenças entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos no quesito da Educação Especial e Inclusiva. Na educação, segundo a ONU (2020, p. 7), “[...] inclusão significa garantir que todos os estudantes se sintam valorizados e respeitados, e que possam desfrutar de um verdadeiro sentimento de pertencimento”, um desafio que se reconhece de difícil alcance por conta de todos os dilemas e tensões resultantes de crenças e convicções enraizadas, peculiaridades culturais e, fundamentalmente, condições financeiras, materiais e humanas para dar respostas ao paradigma da Educação Inclusiva que se debate com práticas segregativas e excludentes nos contextos da prática.

A “aprendizagem ao longo da vida para todos”, que é uma matriz e compromisso da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, consiste em não deixar ninguém para trás, o que seria o sentido pleno da inclusão sem exceção. Segundo a ONU (2020, p. 9), a agenda promete “[...] um mundo justo, equitativo, tolerante, aberto e socialmente inclusivo, no qual as necessidades daqueles em maior desvantagem sejam atendidas”.

Embora seja desejável o ideal da diversidade de estudantes nas salas de aula e nas escolas regulares pela possibilidade de impedir os estigmas, os estereótipos, a discriminação e a alienação, importa reconhecer que não resultaria numa tarefa fácil para os profissionais que lidam diretamente com esses alunos. Entendemos, porém, que a justificativa económica alegada pela ONU (2020) como um dos benefícios da inclusão possibilita brechas para que governos liberais/capitalistas adotem as escolas inclusivas sob o argumento da poupança de recursos, ou seja, por que construir escolas especiais se podemos juntar todos os alunos nas mesmas escolas? Tal como reconhece a Unesco (2017, p. 7):

A educação, portanto, é crucial para a consecução do desenvolvimento sustentável. No entanto, nem todos os tipos de educação apoiam o desenvolvimento sustentável. A educação que promove o crescimento económico por si só pode também levar a um aumento de padrões de consumo insustentáveis.

De qualquer dos modos, a educação deveria ser um bem imprescindível para qualquer pessoa, “[...] é tanto um objetivo em si mesmo como um meio para atingir todos os outros ODS. Não é apenas uma parte integrante do desenvolvimento sustentável, mas também um fator fundamental para a sua consecução” (Unesco, 2017, p. 1). Pode-se dizer que a educação é um fim na medida em que é também o meio para o seu próprio alcance. Seria impossível a erradicação da pobreza sem a educação. Seria igualmente impossível cultivar a consciência de paz e cuidado do nosso meio ambiente sem a educação. A educação pode e deve contribuir para uma nova visão de desenvolvimento global sustentável (Unesco, 2015).

Para o alcance desses ODS, a Unesco (2017) propõe a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS), um instrumento que visa a desenvolver competências que capacitem as pessoas a refletirem sobre as próprias ações, tendo em conta seus impactos sociais, culturais, económicos e ambientais atuais e futuros, a partir de uma perspectiva local e global.

Como apontam vários estudos, a ONU, em consonância com suas agências especializadas, exerce uma importante influência sobre o que Verger (2019, p. 16) chama de Política Educacional Global (PEG), um “[...] poder que também é sobre a capacidade de definir as principais prioridades e objetivos da mudança educacional, bem como quais os principais problemas que os sistemas educacionais devem tentar abordar”. Independentemente dos avanços que essas organizações internacionais possam proporcionar na elaboração e tradução de políticas públicas voltadas à educação, os Estados Nacionais que se beneficiam dos seus financiamentos perdem certo poder de decisão e se submetem ao escrutínio dos financiadores. Como consequência, algumas orientações advindas delas são incompatíveis com a realidade local.

3 Educação Especial e Inclusão Escolar em Angola: normativos versus demandas

A educação, como afirmam António, Mendes e Lukombo (2023, p. 15), embora seja “[...] um direito fundamental inerente a todo ser humano conforme consagrado mundialmente pela ONU, o acesso à escola nos países menos desenvolvidos é um desafio vigente que ainda exige políticas e ações firmes localizadas”. Para esses autores, o direito à educação presente nas Declarações Mundiais resultantes das conferências internacionais organizadas pela Unesco em Jomtien (1990) e Dakar (2000) constituem um compromisso de todos os governos mundiais, que, para além de assegurar o acesso, deve igualmente garantir as condições necessárias para que o processo de formação de valores aconteça com a qualidade necessária. Esse desafio torna-se cada vez mais exigente quando é voltado ao público-alvo da Educação Especial em Angola.

A Educação Especial e Inclusiva, como instrumento de garantia do direito à educação em Angola, é um desafio que remonta a 1979, ano em que foi implementada oficialmente a Modalidade da Educação Especial no Sistema de Educação e Ensino angolano. A situação socioeconômica e política instáveis no momento, porém, não permitiram significativos avanços nesse quesito.

À semelhança do que aconteceu com a maior parte dos países alinhados às principais recomendações da Unesco atinentes à elaboração e implementação de políticas públicas voltadas à educação, a grande virada sobre a problemática da inclusão escolar dos alunos público-alvo da Educação Especial acontece com a participação de Angola na Conferência Mundial sobre NEE, que, conforme António, Mendes e González (2021), resultou no mais importante documento no marco da Educação Especial e da Inclusão Educativa, a Declaração de Salamanca.

Importa referenciar que a participação e assinatura de Angola da Declaração de Salamanca permitiu a elaboração e implementação do projeto 534/Ang/10 sobre a “Promoção de Oportunidades Educativas para a Reabilitação das Crianças Vulneráveis, permitindo a integração de crianças com NEE nas escolas do ensino geral, em salas especiais e integradas” (INEE, 2006, p. 10). Esse projeto compreendeu duas fases, sendo a primeira (fase piloto), em 1994, em três províncias, Luanda, Benguela e Huila e a segunda fase, iniciada no ano 2000, nas províncias do Huambo, Cabinda e Bié, entretanto os serviços só alcançavam as zonas menos afetadas pela guerra civil naquele momento.

A partir de 2011, sob influência da ONU, que tinha promulgado a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência em 2006, o Estado angolano avançou consideravelmente no quesito do ordenamento jurídico para garantir o direito à educação às pessoas com deficiência e todo o público-alvo da Educação Especial. Com a promulgação do Decreto Presidencial nº 20/11, de 18 de janeiro, foi aprovado o Estatuto da Modalidade de Educação Especial; suas disposições aplicam-se aos alunos com NEE1 da Educação Pré-Escolar, do Ensino Primário e do I e II Ciclos do Ensino Secundário. Esse documento definia as principais áreas de intervenção de acordo com o tipo de deficiência, os equipamentos especiais de compensação, as adaptações necessárias para garantir condições de acesso e as condições de matrícula, adequação curricular e avaliação, destacando o Plano Educativo Individual (Angola, 2011a).

No mesmo ano de 2011, no intuito de alinhamento aos preceitos da ONU, foram simultaneamente promulgados os Decretos Presidenciais nº 237/11, de 30 de agosto, e nº 238/11, de 30 de agosto, que aprovam a Política para a Pessoa com Deficiência, que estabelece:

O conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais da pessoa com deficiência, através da execução de ações coordenadas, multissetoriais e multidisciplinares do Executivo, visando o [sic] cumprimento das suas obrigações legais no domínio da prevenção, tratamento, reabilitação e integração (Angola, 2011b, p. 4090).

No mesmo dia e mês, foi promulgada a Estratégia de Proteção à Pessoa com Deficiência, que:

Define as bases gerais e linhas de orientação para prestação de diferentes serviços destinados à pessoa com deficiência, nomeadamente a reabilitação física, assistência médica e medicamentosa, formação técnico-profissional, trabalho e emprego, educação e ensino, habitação, acessibilidade, VIH/SIDA, orientação e mobilidade com ajudas técnicas, cultura, desporto, apoio social, justiça e acompanhamento psicossocial (Angola, 2011c, p. 4096).

A Política para a Pessoa com Deficiência e a Estratégia de Proteção à Pessoa com Deficiência serviram de antecedentes que sustentaram a promulgação, no ano seguinte, da Lei da Pessoa com Deficiência, que “[...] estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência na vida social” (Angola, 2012, p. 3256). Importa referenciar que, até a promulgação dessa lei, Angola não tinha ainda ratificado a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), o que veio a acontecer em 2014.

Antes da ratificação da Lei da Pessoa com Deficiência, a CDPD suscita curiosidades por ter parecido um procedimento invertido da lógica habitual, porém o Estado angolano justificou-se argumentando que tal ocorrência, segundo aponta António (2023, p. 108), “[...] deveu-se a um mecanismo de fortalecimento da parceria de Reforço Institucional entre PNUD e o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos”, indicando, cada vez mais, a importância da ONU, através de suas agências especializadas no processo de elaboração da Política de Educação Especial e Inclusiva em Angola.

Em 2014, ano da ratificação de Angola da CDPD, foi promulgado o Decreto Presidencial nº 312/14, de 24 de novembro, que aprovou o seu Estatuto Orgânico do INEE, considerando-o como o Instituto Público vocacionado à implementação e execução da política educativa relativa às pessoas com deficiência, dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial (Angola, 2014). Esse decreto foi revogado em 2021 pelo Decreto Presidencial nº 63/21, de 12 de março, que buscou alinhar-se ao Decreto Presidencial nº 187/17, de 16 de agosto, que aprovou a Pneeoie.

No atual Estatuto, a natureza jurídica do INEE contempla também a autonomia científico-pedagógica especial e, além disso, fez-se uma atualização do seu público-alvo, que sai de “crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais” para “crianças e alunos com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades/sobredotação”, como procedimento de alinhamento aos preceitos e direcionadores conceituais da ONU. Todavia, os serviços do INEE estavam centralizados a parir de Luanda, daí que a necessidade de fazer-se representar a nível local pelos serviços provinciais previstos no ponto 1 do artigo 21 do Decreto Presidencial nº 312/14, de 24 de novembro, levou à criação dos Serviços Provinciais do INEE, designados de Gabinetes Provinciais de Atendimento aos Alunos com Necessidades Educativas Especiais (Gpaanee), a partir do Decreto Executivo Conjunto nº 144/16, de 7 de março, entre os Titulares dos Departamentos Ministeriais responsáveis pelos setores da educação e da administração do território, conforme previsto no ponto 3 do artigo 21 do Estatuto de 2014 (Angola, 2014, 2016a).

Em 2016, um ano antes da atual Política de Educação Especial e Inclusiva, foi promulgada a Lei nº 17/16, de 7 de outubro, Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino, que revogava a Lei nº 13/01, de 31 de dezembro. Entre ambas as leis, no quesito da Modalidade Educação Especial, verificam-se importantes diferenças, não só do ponto de vista conceitual, como também do ponto de vista paradigmático.

Na Lei nº 13/01, a modalidade da Educação Especial é tratada no artigo 43, subseção I da seção VIII, sobre Modalidades de Ensino. Nessa Lei, a educação especial é entendida como:

Uma modalidade de ensino transversal, quer para o subsistema do ensino geral, como para o subsistema da educação de adultos, destinada aos indivíduos com NEE, nomeadamente deficientes motores, sensoriais, mentais, com transtornos de conduta e trata da prevenção, da recuperação e da integração socioeducativa e socioeconômica dos mesmos e dos alunos superdotados (Angola, 2001, p. 16).

Já na Lei nº 17/16, de 7 de outubro, posteriormente alterada pela Lei nº 32/20, de 12 de agosto, a Modalidade da Educação Especial é tratada no artigo 83, seção II do Capítulo IV, sobre Objetivos e Organização das Modalidades Diferenciadas de Educação2. Nessa lei, a Educação Especial é entendida como “[...] uma modalidade de ensino transversal a todos os subsistemas de ensino e é destinado aos indivíduos com deficiência e os educandos com altas habilidades, sobredotados, talentosos e autistas, visando a sua integração socioeducativa” (Angola 2016b, p. 4445). Em 2020, essa mesma definição foi atualizada e retirada a denominação “indivíduo com deficiência” para “pessoa com deficiência”.

Entre a Lei nº 13/01, de 31 de dezembro, e a Lei nº 17/16, de 7 de outubro, podemos apontar três diferenças importantes que indicam um alinhamento mais atualizado. Enquanto a primeira limita a transversalidade da modalidade para o Subsistema do Ensino Geral e o Subsistema da Educação de Adultos, a segunda estende essa responsabilidade para todos os Subsistemas de Ensino. Quanto ao público-alvo da Educação Especial, a primeira faz menção aos “indivíduos com necessidades educativas especiais”, uma terminologia atualmente considerada inadequada para designar os destinatários da Educação Especial, ao passo que a atual lei, mais alinhada às recomendações de uma pauta global, utiliza-se da terminologia “pessoa com deficiência. Finalmente, na medida em que a primeira faz referência à prevenção e recuperação dos transtornos, indicando uma concepção biomédica e capacitista da deficiência muito criticada atualmente, a segunda aponta apenas a finalidade de sua integração socioeducativa. Essas diferenças apontadas, mais do que terminológicas, demandam uma mudança de paradigma do nosso olhar sobre os desafios da Educação Especial e Inclusiva ancorado no modelo clínico da deficiência para o modelo social e educativo.

Passado todo esse processo regulamentário e de alinhamento teórico e filosófico da Educação Especial e Inclusiva em Angola, chega-se ao que António, Mendes e González (2021) consideram o recente ponto mais alto da política educativa angolana no quesito da Educação Especial e da inclusão, que é a promulgação da Pneeoie pelo Decreto Presidencial nº 187/17, de 16 de agosto, considerada como:

Um dos instrumentos da Política Educativa do executivo Angolano orientado para a inclusão escolar e tem como objetivo definir diretrizes e estratégias de ação para que as redes de ensino e formação angolanas assegurem o direito de acesso, participação e permanência dos alunos com deficiência no Sistema Nacional de Educação Formal (Angola, 2017b, p. 3674).

Hoje, pode-se afirmar que, do ponto de vista do ordenamento jurídico, Angola conta com uma política de Educação Especial e Inclusiva alinhada às principais recomendações internacionais advindas da ONU e suas agências especializadas que financiam projetos atinentes desde a sua elaboração até o escrutínio das ações desenvolvidas na sua implementação. Mas os grandes desafios sobre os quais se debruçam a Educação Especial e Inclusiva atualmente têm a ver com resultados dessas medidas, que não se refletem na prática, ou seja, falar que as nossas escolas são inclusivas e que atendem à demanda do público-alvo da Educação Especial resultaria numa utopia exacerbada sob o risco de ser gerado um comodismo alimentado pelo discurso político e legal dos principais documentos normativos e relatórios que maquilham panoramas reais.

Além do importante avanço verificado no quesito da promulgação de leis e decretos sobre a problemática em tela, é imprescindível que avancemos para ações concretas de uma Educação Inclusiva, passando por um processo comprometido de abertura das escolas do Ensino Geral para a diversidade. “O conceito de diversidade sugere que todos os alunos têm necessidades educativas individuais próprias e específicas a fim de acessar as experiências de aprendizagem necessárias à sua socialização estabelecidas no currículo escolar” (António; Lara; González, 2021, p. 3). Conforme previsto em Angola (2017b, p. 3674), uma escola aberta à diversidade “[...] é uma escola regular que luta para eliminar as barreiras que dificultam o acesso, permanência e conclusão, o que constitui um desafio para toda a sociedade angolana”.

Outrossim, os resultados da atual política de Educação Especial e Inclusiva que se mostram deslocados dos reais anseios podem ser explicados devido a uma hegemonia das orientações advindas de uma pauta educativa global que nem sempre são compatíveis com necessidades e demandas locais. Conforme apontado por Werning et al. (2016), transferir políticas educativas indiscriminadamente de uma concepção internacional para a implementação local, sobretudo quando os modelos de governança educacional e o contexto sociocultural seguem uma dinâmica diferente, pode acarretar consequências negativas.

Tal como são inegáveis as contribuições das organizações multilaterais nos avanços verificados na política educativa angolana, é igualmente irrefutável que as particularidades culturais junto dos contextos socioeconômico e político locais têm sua importante quota de influência na materialização das políticas públicas.

A crença tradicional de associar a deficiência às forças sobrenaturais do mal, a não existência do Ensino Especial até antes de 1979, a intensa guerra civil de 27 anos que viria a causar danos humanos e materiais nefastos, a falta de professores e escolas suficientes para garantir a inclusão educativa, a falta de recursos financeiros suficientes nos períodos pós-independência e pós-guerra, caracterizam as posteriores políticas de educação especial orientadas para a inclusão (António; Mendes; González, 2021, p. 4).

O descompasso que existe entre o discurso político e a tradução das políticas públicas da educação ancoradas nas diretrizes da ONU deve-se, em muitos casos, ao não retrato real das diversidades e complexidades dos contextos nos quais as políticas internacionais e nacionais são concebidas e aprovadas (Werning et al., 2016). Uma reflexão importante feita por Artiles e Kozleski (2019) considera que, se a Educação Inclusiva aspira a mudar sistemas educativos buscando melhorar o acesso, a participação e os resultados para todos os estudantes, independentemente de qualquer forma de diferença que os estudantes supostamente incorporem, é paradoxal que reformas educativas politicamente propostas para atender a todos os alunos sejam implementadas com foco nas pessoas com deficiência. Este é um apontamento que vale a pena considerar, se na inclusão todos entram, sem exceção, o sistema deveria ser pensado para todos, e não dividido em grupos maioritários e minoritários, em que uns sejam os incluídos e outros os includentes.

3.1 ODS 4 e Educação Especial e Inclusiva em Angola: o direito à educação de qualidade sem exceção

O Estado angolano em colaboração com a ONU tem trabalhado para atingir os ODS da Agenda 2030. Por conta disso, o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) 2018-2022, alinhado aos ODS, contou com o apoio da ONU na sua elaboração. Entre as mais diversas áreas contempladas dentro dos ODS, nosso foco vai para o ODS 4. Dentro deste, faz-se uma ênfase à Educação Especial e Inclusiva para saber como o país tem lidado com esses desafios. Para saber como e onde estamos e para onde vamos, dois documentos merecem toda a nossa atenção: o Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE) 2017-2030 e o PND 2018-2022.

Entre os vários dados importantes presentes no PNDE 2017-2030, alguns deles, apesar do otimismo que provavelmente venham a gerar, merecem nosso olhar realístico e crítico. Na Tabela 1, observam-se os seguintes dados:

Quadro 1
Distribuição de escolas especiais e inclusivas na Rede de Ensino Angolano
Distribuição de escolas especiais e inclusivas na Rede de Ensino Angolano
Fonte: Angola (2017)

Os dados da Tabela 1, por animadores que possam parecer, precisam de um olhar menos romantizado dos profissionais e investigadores do setor. Segundo esse documento, o país conta com 775 escolas inclusivas e 28 Salas de Recursos Multifuncionais (SRM). Analisemos o seguinte: segundo Angola (2017b), SRM são espaços onde o professor com formação continuada em Educação Especial realiza o Atendimento Educativo Especializado (AEE). Estas salas estão compostas, segundo o Decreto Presidencial nº 187/17, de mobiliários, materiais didáticos, recursos pedagógicos de acessibilidade e equipamentos específicos e se localizam nas escolas do Ensino Geral que possuem matrículas de alunos público-alvo da Educação Especial. Já o AEE é um dos serviços que a Modalidade da Educação Especial garante ao seu público-alvo e tem como objetivo pesquisar, planificar, organizar e disponibilizar recursos e materiais pedagógicos que promovam o acesso ao currículo e, consequentemente, à aprendizagem efetiva (Angola, 2017b). Para o seu funcionamento, são necessários três técnicos: um psicoterapeuta, um especialista de escrita e leitura em Braille, e um intérprete tradutor da Língua Gestual Angolana (LGA).

Do outro lado, estão os Núcleos de Apoio à Inclusão (NAIs), que, segundo o Angola (2017b, p. 3686), “[...] são espaços que têm como objetivo oferecer apoio pedagógico à rede de escolas da educação geral por meio de formação continuada, formação em serviço, produção de materiais, meios de ensino e modos de comunicação”. Ou seja, para que escolas inclusivas funcionem, são imprescindíveis os NAIs e o AEE oferecido em SRM. Embora o AEE aconteça nas escolas do Ensino Geral através das SRM, a produção de materiais, meios de ensino e modos de comunicação e a formação continuada e em serviço são da responsabilidade dos NAIs, então, como se explica que o país tenha 775 escolas inclusivas e apenas 28 SRM? Esse questionamento não visa a pôr em xeque os dados animadores apresentados no PNDE 2017-2030, porém pretende-se uma análise realística para que as soluções sugeridas atendam ao verdadeiro cenário da Educação Especial e Inclusiva em Angola.

O PNDE 2017-2030, além do diagnóstico, faz um prognóstico do setor da educação, apontando fortalezas e debilidades seguidas de um conjunto de sugestões e projeções. Corroborando a nossa visão, o documento destaca algumas referências positivas, como: aprovação do Estatuto Orgânico do INNE, Estatuto da Modalidade de Educação Especial, Promulgação da Pneeoie, disponibilização, apesar de intermitente, dos serviços especializados da Educação Especial denominados AEE, a existência de 22 escolas especiais em todo o país e de uma LGA.

Outrossim, ficam referenciadas algumas condicionantes, como: insuficiente número de professores capacitados, pouca informação e falta de conhecimentos por parte de gestores escolares sobre Educação Especial e Inclusiva, um pormenor que também ficou confirmado na tese de doutoramento de António (2023), carência de intérpretes de LGA e inexistência de uma lei sobre ela e difícil acesso aos dados de alunos público-alvo da Educação Especial em todos os níveis (das escolas, dos gabinetes municipais da educação, dos Gabinetes Provinciais da Educação e do próprio INEE, que não conta com site onde profissionais e investigadores da área teriam acesso facilmente).

Por conta desses handicaps e de olho no ODS 4, o PND 2018-2022 definiu algumas metas e prioridades que visaram a responder aos desafios da Educação Especial e Inclusiva. Dentro dos objetivos definidos para o Programa de Formação e Gestão do Pessoal Docente, concretamente na Meta 2.1, foi estabelecido que, entre 2018 e 2022, seriam formados mais 149 professores de Educação Especial e Educação de Adultos, um dado que não podemos confirmar por falta de acesso aos relatórios de execução. Já no domínio do ensino primário, na Meta 2.3, foi assumido o compromisso de que, em 2022, pelo menos 1.316 escolas do Ensino Primário disponham de salas de inclusão, assumindo como prioridades a criação salas de inclusão nas escolas do Ensino Primário, a operacionalização do Gabinete Psicopedagógico e Profissional e a produção e distribuição de manuais escolares, em especial os específicos para o ensino especial (Angola, 2018).

Como forma de reiteração do seu compromisso internacional para com a implementação da Agenda 2030, Angola divulgou, em 2021, o Relatório Nacional Voluntário 2021 sobre sua implementação, em que ficou reconhecido, como um dos marcos importantes, a criação de um quadro regulamentar para as crianças com deficiência, neste caso, destacam-se a Política, Estratégia e Lei da Pessoa com Deficiência, já referenciados nas abordagens anteriores, e, junto a esses, a Pneeoie. Apesar desses avanços, o relatório aponta que a inclusão escolar continua sendo um desafio.

No entanto, continua a ser um desafio para as escolas ter as adaptações físicas para permitir o acesso às crianças com deficiência, mas também para criar as condições para que as escolas regulares estejam abertas à inclusão de crianças com deficiência, com o apoio dos núcleos de orientação e de recursos para a inclusão que sensibilizem e apoiem as famílias, forneçam orientação e recursos para o diagnóstico atempado da deficiência e o acesso à educação das crianças à escola regular (Angola, 2021b, p. 40).

São visíveis os avanços que Angola vem dando no quesito da elaboração de políticas públicas voltadas a uma educação mais inclusiva, sobretudo a adoção das principais recomendações advindas da ONU e o estabelecimento de normativos locais evidenciam este compromisso. Precisa-se, porém, avançar agora para as questões mais práticas e de empoderamento técnico das escolas regulares. Se os NAIs não funcionarem, não haverá SEM; sem as SEM, não haverá AEE, ou seja, as escolas regulares só funcionarão como inclusivas caso haja recursos humanos preparados (equipes multidisciplinares para diagnóstico e orientação, intérpretes e tradutores da LGA, especialistas no modelo de escrita e leitura Braille e o professor que estará sujeito a formações contínuas). Associada ao fator humano, há a questão das adaptações físicas para a garantia de acessibilidade e a educação de qualidade a todos.

4 Considerações finais

Como um tema caraterizado por poucos estudos locais, a Educação Especial e Inclusiva, no campo da pesquisa e de atuação profissional, são ainda incipientes e sem tradição sólida. Embora a Educação Especial, como modalidade de ensino, tenha sido incrementada mais que implementada em 1979, os principais avanços remontam a 1994, através da Declaração de Salamanca, da qual Angola é signatária. Tendo a ONU e suas agências especializadas na mentoria e no financiamento dos principais projetos de inclusão escolar do público-alvo da Educação Especial, o Estado angolano foi alinhando toda a sua política pública do setor da educação aos principais direcionadores teórico-filosóficos de uma pauta global da educação.

Em decorrência disso, são notáveis importantes avanços no estabelecimento de um quadro regulamentar que se alinha à Declaração Mundial sobre Educação para Todos, a CDPD, aos preceitos da Declaração de Salamanca e outras recomendações consequentes a ela e, atualmente, aos ODS da Agenda 2030, em que Angola vem recebendo a assessoria de uma missão da ONU para garantir o melhor alinhamento.

Finalmente, embora o país tenha dado importantes passos em resposta aos desafios de garantia do direito à educação ao público-alvo da Educação Especial, principalmente na elaboração do ordenamento jurídico, na prática, o contexto real não acompanha esses avanços, porque os compromissos precisam dar um próximo passo, talvez o mais importante, sair da teoria à prática, dos documentos legais para o interior da escola, do desejado para os resultados trabalhados, do ideal para o real. As escolas regulares não serão inclusivas pela intenção de as transformar como tal; serão inclusivas quando começarem a agir e a funcionar com tal. Isso passa pela criação de condições humanas e materiais, mas também pelo respeito das idiossincrasias locais.

Agradecimento

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Bolsa de Produtividade em Pesquisa; Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Santa Catarina(FAPESC) - Edital de Chamada Pública FAPESC/CAPES N. 06/2023 - Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDPG) - Parcerias Estratégicas Nos Estados III - Edital Capes N.38/2022 Termo de Outorga N. 2023tr000952.

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Notas

1 Neste texto, considerando o estudo ser referente ao contexto angolano, o termo “Necessidades Educativas Especiais” aparece em alguns momentos por ser o utilizado em alguns documentos angolanos. Em Angola, o termo “Necessidades Educativas Especiais” designa, segundo o Estatuto da Modalidade de Educação Especial, as demandas exclusivas do sujeito que, para aprender o que é esperado para o seu grupo de referência, precisa de diferentes formas de interação pedagógica ou suportes adicionais, tais como recursos, metodologias e currículos adaptados, bem como tempos diferenciados, durante todo ou parte do seu percurso escolar. Porém, no texto da atual Pneeoie, são usados para designar o público-alvo da Educação Especial os seguintes termos: alunos com deficiência, alunos com transtornos do espectro autista e alunos com sobredotação ou com altas habilidades.
2 “As Modalidades Diferenciadas de Educação são modos específicos de organização e realização de processos educativos, transversais a vários subsistemas de ensino, adaptados em função das particularidades dos beneficiários” (Angola, 2016b, p. 4445).

Como citar este artigo (ABNT):

ANTÓNIO, António; MENDES, Geovana Mendonca Lunardi. Demandas e principais desafios da Educação Especial e Inclusiva em face dos compromissos da Agenda 2030 em Angola. Educação & Formação, Fortaleza, v. 9, e12528, 2024. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/redufor/article/view/e12528

Notas de autor

Editora responsável: Lia Machado Fiuza Fialho
Pareceristas ad hoc: Adriana Garcia Gonçalves e Ana Paula Cunha dos Santos Fernandes
Doutor em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil, mestre em Psicopedagogia e Educação Especial pela Universidad Católica del Maule, Chile, e licenciado em Ciências da Educação, opção Gestão e Inspeção Escolar, pela Escola Superior Politécnica do Soyo, Universidade 11 de Novembro, Angola. Atualmente pertence ao quadro do Gabinete Provincial da Educação, atuando na Escola Magistério comandante Cuidado, Malanje.
Pós-doutora (2018/2019) na Arizona State University, Estados Unidos. É professora titular do quadro permanente da Universidade do Estado de Santa Catarina, atuando no Centro de Ciências da Educação, no curso de Pedagogia e no curso de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação, na linha de pesquisa Política Educacionais, Ensino e Formação.
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