ARTIGO

Análise da produção científica da região Norte e Nordeste acerca da Educação Integral e em Tempo Integral no Ensino Médio (2020-2022)

Analysis of scientific production in the North and Northeast region about full-time and full-time education in high school (2020-2022)

Análisis de la producción científica de la región norte y noreste sobre la educación a tiempo completo y a tiempo completo en la enseñanza media (2020 a 2022)

Kaila Pricila da Silva Moura
Universidade Federal do Oeste Pará, Brasil
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares
Universidade Federal do Oeste Pará, Brasil
Ledyane Lopes Barbosa
Universidade Federal do Oeste Pará, Brasil

Análise da produção científica da região Norte e Nordeste acerca da Educação Integral e em Tempo Integral no Ensino Médio (2020-2022)

Revista Educação & Formação, vol. 9, e12416, 2024

Universidade Estadual do Ceará

Recepción: 19 Diciembre 2023

Aprobación: 27 Marzo 2024

Publicación: 27 Mayo 2024

Resumo: O presente estudo de revisão sistemática objetiva compreender o que as revistas científicas do Norte e Nordeste do Brasil estão veiculando sobre a Educação Integral no Ensino Médio em Tempo Integral de 2020 a 2022. Para o procedimento de coleta de dados, utilizou-se como fonte documental a produção científica veiculada em periódicos vinculados ao Fórum de Editores de Periódicos da Área de Educação do Norte e Nordeste, indexadas no Educ@ e no Web of Science. Os resultados obtidos permitem identificar, a partir das contribuições científicas sobre a Reforma do Ensino Médio, o debate em torno da privatização e precarização da educação pública, representando parte da agenda neoliberal, a qual intensifica as disparidades sociais e educacionais no país. As questões discutidas formam análise crítica que descreve a tendência em direção a uma educação cada vez mais instrumental, utilitarista e mercadológica em detrimento da formação integral e omnilateral dos jovens para atender às demandas da economia capitalista.

Palavras-chave: Educação Integral e(m) Tempo Integral, Escolas do Ensino Médio Integral, Novo Ensino Médio.

Abstract: The present systematic review aims to understand what scientific journals in the North and Northeast of Brazil are disseminating regarding Comprehensive Full-time Education in High School from 2020 to 2022. For the data collection procedure, the scientific production published in journals affiliated with Forum of Journal Editors in the Education Area of ​​the North and Northeast, indexed in Educ@ and Web of Science, was used as a documentary source. The obtained results allow for the identification and highlighting, based on scientific contributions on the High School Reform, of the critical debate surrounding the privatization and precariousness of public education, representing part of the neoliberal agenda, which intensifies social and educational disparities in the country. In summary, the discussed issues form a critical analysis describing the trend towards an increasingly instrumental, utilitarian, and market-oriented education at the expense of the comprehensive and omnilateral development of young people to meet the demands of the capitalist economy.

Keywords: Comprehensive and Full-time Education, High Schools with Comprehensive Education, New High School.

Resumen: El presente estudio de revisión sistemática tiene como objetivo comprender lo que las revistas científicas del Norte y Noreste de Brasil están difundiendo sobre la Educación Integral en el Bachillerato a Tiempo Completo de 2020 a 2022. Para el procedimiento de recopilación de datos, se utilizó como fuente documental la producción científica publicada en periódicos vinculados al Foro de Editores de Revistas del Área Educativa del Norte y Nordeste, indexados en Educ@ y Web of Science. Los resultados obtenidos permiten identificar y evidenciar, a partir de las contribuciones científicas sobre la Reforma del Bachillerato, el debate crítico en torno a la privatización y precarización de la educación pública, representando parte de la agenda neoliberal, la cual intensifica las disparidades sociales y educativas en el país. En resumen, las cuestiones discutidas conforman un análisis crítico que describe la tendencia hacia una educación cada vez más instrumental, utilitarista y orientada al mercado en detrimento de la formación integral y omnilateral de los jóvenes para satisfacer las demandas de la economía capitalista.

Palabras clave: Educación Integral a Tiempo Completo, Escuelas de Educación Secundaria Integral, Nuevo Bachillerato.

1 Introdução

Ao longo da história da educação brasileira, o tempo de permanência dos estudantes em ambiente escolar tem sido um tema cada vez mais recorrente entre as pautas de discussões de educadores, pesquisadores, legisladores, gerando algumas mudanças positivas, avanços, mas sobretudo inúmeros retrocessos e contradições nas políticas educacionais. Segundo Gadotti (2009), a Educação Integral pressupõe o princípio da integralidade, constituindo a essência da educação, que deve ser completa e não fragmentada. Entende-se que não basta ampliar a jornada dos alunos em espaço escolar, pois o ponto fundamental da educação integral é proporcionar aos sujeitos o desenvolvimento das potencialidades humanas em suas múltiplas dimensões.

Na tessitura deste artigo, compreende-se Educação Integral como uma concepção de educação que possibilite aos sujeitos o desenvolvimento das potencialidades humanas em suas múltiplas dimensões. Corroborando Faria e Aguiar (2023), compreende-se que o direito à educação é mais do que um direito para todos, pressupondo garantia de acesso e permanência para prover uma educação de qualidade para todos os indivíduos.

Diante do exposto, o interesse pela temática e objeto de pesquisa justifica-se pela sua historicidade e contemporaneidade, considerando a relevância social para o campo educacional brasileiro, em defesa da Educação Integral sob o prisma da formação omnilateral de todos os sujeitos.

O critério de escolha do recorte espaçotemporal da pesquisa dá-se em razão de a pesquisa vincular-se a um projeto guarda-chuva aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que articula pesquisas que investigam a temática da Educação Integral e em Tempo Integral na região Norte. Aliada a isso, a presente pesquisa dá prosseguimento a uma investigação que teve como periodização os anos de 2017 a 2020 nas bases de dados do Fórum de Editores de Periódicos da Área de Educação do Norte e Nordeste (Fepae-NNE).

À luz dessas considerações iniciais, o estudo teve por objetivo compreender o que as revistas científicas do Norte e Nordeste do Brasil estão veiculando sobre a Educação Integral no Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI). Assim, delinearam-se como objetivos específicos: a) mapear a produção científica de periódicos vinculados ao Fepae-NNE sobre a temática de Educação Integral e(m) Tempo Integral no Ensino Médio no período compreendido de 2020 a 2022; b) descrever os principais resultados encontrados nas produções; c) categorizar os textos publicados de acordo com suas similaridades, considerando as temáticas, as abordagens, os tipos de estudo e as metodologias. Tendo em vista o escopo da pesquisa, buscou-se responder à seguinte questão norteadora: o que se tem produzido no campo científico sobre a Educação Integral em Tempo Integral no Ensino Médio nas regiões Norte e Nordeste entre 2020 e 2022?

Mediante o exposto, a presente pesquisa fundamentou-se nos estudos de Almeida e Colares (2022); Bernardo, Silva e Felix (2020); Costa e Zoltowski (2014); Gadotti (2009); Melo Neto (2020); Sampaio e Mancini (2007); Silva e Vaz (2021). Ademais, o texto estrutura-se em quatro seções, a saber: a primeira, composta por esta introdução, seguida da metodologia, onde se apresenta os caminhos da pesquisa, bem como os periódicos e artigos selecionados. Na terceira seção, empreende-se a análise e discussão dos dados. Por último, nas considerações finais, levantam-se reflexões acerca do sentido da Educação Integral para a formação no Ensino Médio.

2 Metodologia

Para o desenvolvimento do estudo, optou-se pela metodologia do tipo revisão sistematizada, de natureza qualitativa, bibliográfica, exploratória e descritiva, tendo como recorte temático a Educação Integral em Tempo Integral nas escolas de Ensino Médio.

Nesse sentido, o estudo foi organizado em conformidade com os protocolos elencados por Akobeng (2005 apudCosta; Zoltowski, 2014, p. 56), são eles:

[...] delimitação da questão a ser pesquisada; escolha das fontes de dados; eleição das palavras-chave para a busca; busca e armazenamento dos resultados; seleção de artigos pelo resumo, de acordo com critérios de inclusão e exclusão; extração dos dados dos artigos selecionados; avaliação dos artigos; síntese e interpretação dos dados.

No procedimento de coleta de dados, utilizou-se a pesquisa em fonte bibliográfica da produção científica em periódicos vinculados ao Fepae-NNE, uma vez que reúnem uma vasta quantidade de produções científicas relacionadas à educação, disponibilizadas de forma acessível e gratuita.

A escolha pelo Fepae se dá em razão de se constituir em um fórum permanente e aberto ao diálogo, representando um espaço contínuo e inclusivo para discutir questões relacionadas aos periódicos na área de educação, com o propósito principal de fomentar o intercâmbio, a colaboração e a solidariedade institucional entre editores de periódicos, visando impulsionar as políticas de publicação no campo educacional (Anped, 2023). Além disso, o Fepae-NNE organiza de maneira estruturada os periódicos de alta qualidade na região, facilitando o acesso dos leitores à produção científica, abrangendo uma ampla variedade de tópicos na área de educação.

A seleção dos dados teve como base os critérios organizados em Costa e Zoltowski (2014) e em Sampaio e Mancini (2007), referenciados por Almeida e Colares (2022). Dessa forma, obedeceram-se aos seguintes critérios de inclusão e exclusão, respectivamente, no processo de seleção das revistas e artigos: 1) os periódicos deveriam estar vinculados ao Fepae-NNE e indexados no Web of Science ou no Educ@, da Fundação Carlos Chagas; 2) as revistas deveriam possuir classificação Qualis A; 3) os estudos deveriam ter sido publicados no período de 2020 a 2022 e traduzidos para a língua portuguesa; 4) os descritores “Educação em Tempo Integral”, “Educação Integral”, “Escola do Ensino Médio Integral” e “Novo Ensino Médio” deveriam estar presentes no título, no resumo ou nas palavras-chave do artigo.

Essa organização favoreceu identificar as produções relacionadas ao tema e problemática central e localizar os textos completos para compor o banco de dados, que foi subdividido conforme os descritores estabelecidos no levantamento e organizados em pastas armazenadas em arquivo compartilhado no Google Drive, facilitando o acesso e edição simultânea dos dados pelos autores.

Por último, realizou-se a síntese e interpretação dos dados aplicando a categorização em planilha sugerida por Costa e Zoltowski (2014), sob adaptação de Almeida e Colares (2022). Conforme os autores supracitados, essa categorização envolve a inclusão de informações como o “[...] nome do estudo, referencial teórico, objetivos, localização temporal da intervenção, contexto, instrumentos, descrição dos participantes, principais achados” (Costa; Zoltowski (2014, p. 65), entre outros aspectos. Ainda seguindo o modelo adaptado de Almeida e Colares (2022), personalizou-se a categorização de acordo com os elementos relevantes identificados nas pesquisas selecionadas, o que auxiliou na visualização mais abrangente dos artigos, permitindo organizá-los e compará-los de maneira eficiente, de modo que a classificação teve como base os resultados, perspectivas e desafios destacados pelos pesquisadores, subsidiando, assim, o melhor desenvolvimento da pesquisa para a sistematização e análise crítica dos dados obtidos em estudo.

3 Resultados e discussão

Em levantamento realizado no catálogo de revistas disponibilizadas no site da Anped1, entre os meses de maio e junho de 2023, foi mapeado um total de 174 periódicos vinculados ao Fepae Nacional, distribuídos nas cinco subdivisões regionais do país. Desse quantitativo, 45 revistas pertencem ao Fepae-NNE, sendo identificados seis periódicos incluídos pelo critério dos indexadores: Web of Science e Educ@, dos quais foram localizadas 1.481 produções científicas, com 28 estudos localizados, restando dez artigos distribuídos em cinco periódicos, conforme demonstrativo geral no Gráfico 1.

Levantamento dos periódicos vinculados ao Fepae
Gráfico 1
Levantamento dos periódicos vinculados ao Fepae
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados coletados nos periódicos (2023).

Ao considerar os seguintes critérios de inclusão e exclusão dos periódicos do Fepae-NEE: possuir Qualis A e indexação nas bases de dados do Educ@ e Web of Science, obteve-se o resultado de cinco revistas indexadas no Educ@ e três possuem o indexador Web of Science (Quadro 1).

Quadro 1
Periódicos selecionados pelo Qualis e respectivos indexadores
Periódicos selecionados pelo Qualis e respectivos indexadores
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados coletados nos periódicos (2023).

Para melhor elucidar como se deu o processo de seleção dos periódicos vinculados ao Fepae-NNE e indexados no Web of Science e Educ@, considera-se importante apresentar detalhadamente o quantitativo de artigos publicados pelas revistas identificadas no período de 2020 a 2022 (Tabela 1).

Tabela 1
Demonstrativo da seleção de artigos do Fepae-NNE de 2020 a 2022
Demonstrativo da seleção de artigos do Fepae-NNE de 2020 a 2022
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados coletados nos periódicos (2023).

Através dos dados demonstrados na Tabela 2, é possível observar que em 2022 a Revista Práxis Educacional apresentou redução expressiva no quantitativo de publicações em relação aos anos anteriores. Por outro lado, o mapeamento de todas as revistas também sinaliza baixa gradativa nas produções.

Vale ressaltar que esse impacto pode estar relacionado diretamente com o fator pandêmico causado pela Covid-19, mas sobretudo foi reforçado pelo cenário político do país no período analisado, em que houve aumento dos cortes nos investimentos públicos ligados ao fomento de pesquisas científicas. Nesse contexto de desmonte da ciência, Almeida e Colares (2022) enfatizam a desvalorização na educação que se seguiu a uma série de cortes financeiros anteriores à pandemia. O período de pandemia, portanto, não justifica de forma isolada a redução no número de produções e estudos científicos, “[...] mas revela uma forma de governo que desvaloriza a ciência e se oportuniza de momentos de crise para acentuar a escassez de recurso para a educação brasileira” (Almeida; Colares, 2022, p. 14).

Após leitura dos títulos, resumos e palavras-chave utilizando os termos: “Educação em Tempo Integral”, “Educação Integral” e “Escola de Ensino Médio Integral e Novo Ensino Médio”, selecionaram-se dez artigos publicados em cinco revistas que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão, incluindo o recorte temporal estabelecido entre janeiro de 2020 a dezembro de 2022. Nesta etapa, após leitura dos textos na íntegra, cinco artigos foram excluídos, pois, apesar de tratarem de temas relacionados à Educação Integral ou Escolas de Tempo Integral, apresentaram objetos de pesquisa fora da temática do Novo Ensino Médio, objeto deste estudo. Em vista disso, a etapa final de análise de dados da pesquisa transcorreu da seguinte forma: um artigo na Revista Educação em Questão; dois artigos na Revista Práxis Educacional; um artigo na Revista Exitus; e um artigo na Revista Educação & Formação (Quadro 2).

Quadro 2
Demonstrativo dos artigos selecionados nos periódicos
Demonstrativo dos artigos selecionados nos periódicos
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados coletados nos periódicos (2023).

Mediante análise dos artigos, observam-se aproximações entre os estudos no que se refere ao Novo Ensino Médio, em que os autores apontam de forma unânime para a forte inclinação à privatização do ensino e caráter mercadológico da reforma conduzidas pela racionalidade neoliberal ao incluir temas como empreendedorismo no currículo, sendo este um dos eixos dos itinerários formativos, itinerários estes pensados de cima para baixo, sem considerar as especificidades dos contextos mais diversos e plurais onde as escolas estão situadas, retirando, assim, a autonomia das instituições educacionais na elaboração dos currículos articulados com as demandas, necessidades e interesses da população de cada localidade (Silva; Vaz, 2021).

Dessa forma, a lógica neoliberal produz e reproduz os modos de concepção da escola e da educação, tendo seus alicerces marcadamente sob “[...] os princípios da concorrência, aperfeiçoamento e autopromoção, fazendo com que os alunos se tornem empresários responsáveis por seu sucesso ou fracasso” (Weinheimer; Wanderer, 2021, p. 517). Segundo Bernardo, Silva e Felix (2022, p. 181-182):

O neoliberalismo como teoria das práticas político-econômicas tem seus princípios calcados na defesa da propriedade privada, do livre mercado e do comércio. Ao Estado cabe garantir as condições institucionais para que essas práticas se desenvolvam.

Esse conceito de neoliberalismo remonta aos ideais do antigo liberalismo clássico, ao preconizar a intervenção mínima do Estado na economia visando estimular o desenvolvimento econômico, tendo como uma de suas premissas o desaparelhamento estatal, ou seja, a privatização, cabendo ao Estado garantir a infraestrutura básica para o pleno funcionamento e escoamento da produção nacional.

Dessa maneira, a elite econômica defende a máxima desregulação da força de trabalho, redução da renda dos trabalhadores e flexibilização do processo produtivo, pois acredita que a melhoria salarial dos trabalhadores e o fortalecimento dos sindicatos representam grande ameaça para a economia, mas, na verdade, trata-se de ações empreendidas por essa elite para manter seus privilégios. Tais ideais neoliberais estão por trás das perdas de direitos trabalhistas no Brasil e de diversas práticas de exploração da força de trabalho das camadas populares (Bernardo; Silva; Felix, 2022).

De modo geral, os autores tecem críticas à relação entre a educação e as demandas do mercado, bem como à privatização e influência do modelo empresarial no sistema educacional brasileiro. No conjunto, as problemáticas abordadas pelos autores formam uma narrativa crítica que descreve o movimento em direção a uma educação cada vez mais instrumental, submetida aos ditames da economia capitalista. A privatização é vista como um sintoma desse processo, e a competitividade é considerada uma consequência, especialmente evidenciada em reformas educacionais recentes direcionadas ao Ensino Médio, em que a perspectiva mais ampla e humanística da educação é relegada em favor de uma abordagem utilitarista e orientada para o mercado, o que representa um dos reflexos da influência do neoliberalismo nas políticas educacionais do país.

A respeito da natureza mercadológica assumida pelo currículo através dos itinerários formativos na flexibilização curricular, Costa e Caetano (2021, p. 6) afirmam que a proposta do empreendedorismo, assim como os demais itinerários:

[...] procura se estabelecer, com as reformas, como um eixo da educação, subordinando-o à geração de alternativas para o desemprego. Os componentes centrais são o tripé capital, trabalho e Estado, em que há, nessa inter-relação, a completa sujeição do trabalho ao comando do capital e constitui a questão central da dinâmica do processo de produção e reprodução social.

De acordo com Costa e Caetano (2021), os conceitos de empreendedorismo e formação de empreendedores surgiram durante a reestruturação produtiva do capital e estão sendo revistos com novas bases teóricas sob forte influência dos organismos internacionais e de instituições privadas que atuaram nas reformas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Ensino Médio (EM), com o objetivo de institucionalizar a política de empreendedorismo na educação pública brasileira. Essas propostas inicialmente tinham como objetivo resolver problemas estruturais do capital por meio de políticas e programas educacionais. Atualmente, tais ideias são resgatadas nas reformas recentes, em que o discurso da competência e do desenvolvimento das habilidades empreendedoras dos cidadãos faz parte das políticas em vigor, “[...] que, ao defender a reforma do Estado com base na lógica mercantil, utiliza-se do gerencialismo e das parcerias com o terceiro setor, redefinindo o conteúdo das políticas e o papel do setor público no atendimento das questões sociais” (Costa; Caetano, 2021, p. 6-7).

Ao analisar os artigos selecionados, identificaram-se problemáticas elencadas pelos autores que se inter-relacionam. Os dados demonstram diversos desafios enfrentados na implementação das escolas de tempo integral, sobretudo no que concerne à gestão escolar. Dessa forma, os principais entraves pontuados pelos autores quanto à organização das escolas são: carência de formação continuada; gestão gerencial focada em resultados; precarização na infraestrutura das escolas; esvaziamento da gestão democrática; falta de autonomia das escolas, dentre outros. Lista-se na Tabela 2 a frequência com que os mesmos problemas são relatados nas investigações.

Tabela 2
Demonstrativo dos problemas mais frequentes enfrentados na organização escolar
Demonstrativo dos problemas mais frequentes enfrentados na organização escolar
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados analisados (2023).

Os dados dispostos na Tabela 2 demonstram que o problema com maior recorrência entre os citados nos artigos referentes à organização das escolas reside justamente em seu aspecto de gestão gerencial focada em resultados. Em parte, visando alcançar os melhores índices nas avaliações em larga escala, tornando as escolas “[...] um ambiente competitivo, instaurando disputas internas e externas, tanto nos níveis discente e docente quanto institucional” (Weinheimer; Wanderer, 2021, p. 528), mas sobretudo com o objetivo último de formar a classe trabalhadora para suprir as demandas do capital. Nessa dinâmica gerencial do tempo escolar, é reproduzida “[...] uma organização posta socialmente, pretendendo-se mercadológica, de otimização temporal, em busca de resultados” (Guimarães; Bernado, 2020, p. 13).

Sob essa perspectiva, ao compreender a escola como um meio para alcançar um fim, corre-se o risco de reduzir o propósito da educação a uma métrica de desempenho e classificação, desconsiderando o valor intrínseco da aprendizagem e do desenvolvimento de cada sujeito. A visão de que a qualidade da escola é determinada pelo desempenho dos alunos revela-se limitadora, pois não leva em conta fatores mais amplos, como o contexto socioeconômico dos estudantes, recursos disponíveis, entre outros aspectos que podem influenciar na formação integral dos indivíduos. Vale destacar a interligação entre os problemas elencados pelos autores quanto à gestão escolar com questões relacionadas à atuação do Estado (Tabela 3), descortinando o caráter antidemocrático e utilitarista da Reforma do Ensino Médio, sob influência direta da hegemonia educacional burguesa, que submete as instituições públicas de ensino, gestores, professores, estudantes e comunidade escolar aos ditames da economia capitalista.

Tabela 3
Demonstrativo dos problemas abordados em relação ao Estado
Demonstrativo dos problemas abordados em relação ao Estado
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados analisados (2023).

Observa-se na Tabela 3 que os dados indicam a tendência hegemônica presente na atuação do Estado quanto às diretrizes para a educação pública. Há o consenso entre os estudos de que o Ensino Médio, em lugar de priorizar o desenvolvimento completo dos jovens, foi moldado para atender às demandas do mercado de trabalho, especialmente promovendo habilidades específicas em detrimento de uma educação mais ampla. Os autores apontam para a influência do setor privado e do pensamento neoliberal nas políticas educacionais, destacando a redução da educação a um propósito utilitário e momentâneo, alinhado aos interesses imediatos do capital privado, levando a uma fragmentação da formação dos alunos, servindo exclusivamente aos propósitos hegemônicos em lugar de abranger os aspectos humanos, sociais e culturais essenciais para uma verdadeira educação integral.

Silva e Vaz (2021) explicitam que a Reforma do Ensino Médio, sob a Lei nº 13.415/2017, não foi a primeira reforma educacional executada a nível nacional, estando sempre presente nas agendas governamentais do Brasil, demonstrando que a educação dos brasileiros é tratada como política de governo e seus objetivos são alinhados aos interesses do mercado econômico internacional, alicerçada no modelo neoliberal de Estado mínimo com o seu emparelhamento, o que colabora sobremaneira para a contínua precarização da educação pública.

Um ponto que merece destaque diz respeito à concepção de Educação Integral apresentada em alguns estudos, como o de Silva e Colares (2020, p. 382), em que defendem que a Educação Integral é aquela “[...] que não dissocia o corpo e o intelecto, que considera a formação humana para a emancipação em todos os seus aspectos”. Costa e Caetano (2021, p. 4) corroboram essa premissa e acrescentam:

[...] a educação deve ser, obrigatoriamente, emancipatória. Diante disso, traz-se a importância da concepção do currículo integrado que pressupõe a educação geral como indissociável da educação profissional, na perspectiva da formação integral e integrada, na qual os conhecimentos teóricos e práticos sejam indissociáveis. Assim, existe a possibilidade de superação do caráter dual da educação, que tem acompanhado a constituição do Ensino Médio ao longo da história

Diante de tais conceitos, Melo Neto (2020), em conformidade com a perspectiva de Gadotti (2009), enfatiza que o processo de ensino/aprendizagem e a formação integral dos estudantes acontecem constantemente dentro e fora dos muros da escola. Nesse sentido, a educação integral define-se pela “[...] ampliação de tempos, espaços e atores sociais (saúde, cultura, assistência social)” (Gadotti, 2009, p. 77), o que pressupõe a ampliação de oportunidades de aprendizagens e diálogo entre os saberes formal e informal.

5 Considerações finais

Ao considerar o “Novo” Ensino Médio e a Educação de Tempo Integral, dentro do contexto histórico da sociedade contemporânea mediante a ascensão política do ultraconservadorismo, que disseminou o reducionismo e negacionismo da ciência, além das tentativas de desmonte da educação pública e da ciência, faz-se necessário refletir sobre o papel do Fepae-Anped como um movimento de resistência através do fortalecimento dos laços de cooperação e solidariedade entre os editores. Por ser um fórum permanente e aberto ao diálogo, o Fepae e suas subdivisões regionais, como o Fepae-NEE, materializa-se como instância democrática de participação coletiva em prol da produção científica no Brasil.

Por intermédio da investigação empreendida neste estudo, foi possível identificar nas produções analisadas problemáticas distintas que versam em torno da temática de Educação Integral e em Tempo Integral. Predomina no cerne das contribuições científicas sobre a Reforma do Ensino Médio o debate crítico acerca da privatização e da precarização da educação pública como parte da agenda neoliberal, que aprofunda as desigualdades sociais e educacionais no país.

A análise dos dados também possibilitou observar que a política de educação brasileira, ao longo do tempo, vem moldando os métodos educacionais num movimento constante de avanços e retrocessos, sempre muito bem pensados por uma minoria extremamente rica, com o intuito de manter seus privilégios. Cabe às escolas e às comunidades escolares em seus entornos realizar o exercício crítico de entender o papel social e transformador da educação na vida de cada sujeito.

Apesar de a Educação Integral ter sido idealizada, defendida e amplamente discutida desde o manifesto dos pioneiros como sendo uma educação para todos os cidadãos, sendo um direito que visa à formação integral dos indivíduos independentemente da classe social em que se encontrem, na prática esse direito continua sendo negado e negligenciado pelo Estado. Por outro lado, as políticas educacionais de fomento à Educação em Tempo Integral são moldadas por uma visão de educação compensatória e assistencialista; no caso do Ensino Médio, após a reforma por meio da Lei nº 13.415/2017, que também instituiu a política de fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral e alterou a BNCC, passou a incorporar no currículo uma lógica de Educação Integral ainda mais instrumental, mercadológica e esvaziada de criticidade.

Outro aspecto evidenciado nas pesquisas diz respeito à compreensão do real significado da Educação Integral pela comunidade escolar, que concebe a Escola de Tempo Integral e Educação Integral como sinônimos, o que reforça a necessidade de investimentos públicos na formação continuada dos professores.

Quando pensamos em qualidade na educação, não há como concebê-la dissociada de uma Educação Integral, pois não basta constituí-la em projetos especiais isolados de tempo integral, mas sim transformar a Educação Integral em política pública de Estado como um direito de todos os indivíduos.

Portanto, romper com as visões de educação instrumental de caráter mercadológico e tecnicista, esvaziada de uma formação integral do ser humano, representa grande desafio a ser superado pelas Escolas em Tempo Integral. Essa concepção será transformada e transformadora a partir da mudança de paradigmas que permeiam o entendimento sobre Educação Integral.

6 Referências

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Notas

1 https://www.anped.org.br/news/acesse-catalogo-de-revistas-do-fepae-forum-de-editores-de-periodicos-da-area-de-educacao-da

Como citar este artigo (ABNT):

MOURA, Kaila Pricila da Silva; COLARES, Maria Lília Imbiriba Sousa; BARBOSA, Ledyane Lopes. Análise da produção científica da região Norte e Nordeste acerca da Educação Integral e em Tempo Integral no Ensino Médio (2020-2022). Educação & Formação, Fortaleza, v. 9, e12416, 2024. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/redufor/article/view/e12416

Notas de autor

Editora responsável: Lia Machado Fiuza Fialho
Pareceristas ad hoc: Ulisséia Ávila Pereira e José dos Santos Souza
Pedagoga pela Ufopa. Integrante do grupo de estudos e pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (Histedbr-Ufopa).
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora titular da Ufopa. Docente nos Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGE e PGEDA). Bolsista de produtividade do CNPq. Líder adjunta do grupo de estudos e pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (Histedbr-Ufopa).
Pedagoga e mestra em Educação pela Ufopa. Especialista em Gestão e Docência no Ensino Superior pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Integrante do grupo de estudos e pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (Histedbr-Ufopa).
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