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Movimento Profissão Docente (PD): concepções sobre a formação inicial de professores
Teaching Profession Movement (PD): Conceptions about Initial Teacher Training
Movimiento de la Profesión Docente (PD): conceptos sobre la formación inicial docente
Revista Educação & Formação, vol. 9, e12713, 2024
Universidade Estadual do Ceará

ARTIGO


Recepción: 19 Marzo 2024

Aprobación: 01 Junio 2024

Publicación: 12 Agosto 2024

DOI: https://doi.org/10.25053/redufor.v9.e12713

Resumo: Este artigo objetiva identificar as concepções do Movimento Profissão Docente acerca da formação inicial de professores/as. Quanto aos aspectos metodológicos, empregou-se uma metodologia de abordagem qualitativa, com procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental, de caráter descritivo, analítico e interpretativo. A fim de caracterizar o Movimento, inicialmente se buscaram informações nos canais oficiais do Movimento Profissão Docente. Dessa forma, verificou-se como ele se configurou, as instituições “parceiras” e a sua vasta produção documental. Assim, elencou-se para análise o documento: O professor que queremos: fatores de qualidade na formação inicial docente. O referencial teórico é representado por Freitas (2024), Hobold (2023), Simionato e Hobold (2021), entre outros. Quanto aos resultados, identificaram-se o embasamento conceitual e ideológico atrelado à pedagogia das habilidades e competências e a intencionalidade de controle sobre a formação inicial docente por parte dos aparelhos privados de hegemonia burgueses.

Palavras-chave: Movimento Profissão Docente, aparelhos privados de hegemonia, estratégias discursivas, BNC - Formação Inicial de Professores.

Abstract: This article aims to identify the conceptions of the Teaching Profession Movement regarding the initial training of teachers. Regarding methodological aspects, a qualitative methodology was used, with bibliographic and documentary research procedures, of a descriptive, analytical and interpretative nature. In order to characterize the Movement, information was initially sought from the official channels of the Teaching Profession Movement. In this way, it was verified how it was configured, the “partner” institutions and its vast documentary production. Therefore, the document was listed for analysis: The teacher we want: quality factors in initial teacher training. The theoretical framework is represented by Freitas (2024), Hobold (2023), Simionato and Hobold (2021), among others. As for the results, the conceptual and ideological basis linked to the pedagogy of skills and competencies and the intentionality of control over initial teacher training by private apparatuses of bourgeois hegemony were identified.

Keywords: Teaching Profession Movement, private apparatus of hegemony, discursive strategies, BNC - Initial Teacher Training.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo identificar las concepciones del Movimiento del Profesión Docente respecto a la formación inicial de los docentes. En cuanto a los aspectos metodológicos, se utilizó una metodología cualitativa, con procedimientos de investigación bibliográfica y documental, de carácter descriptivo, analítico e interpretativo. Para caracterizar el Movimiento, inicialmente se buscó información en los canales oficiales del Movimiento del Magisterio. De esta manera se constató cómo se configuró, las instituciones “socias” y su vasta producción documental. Por ello, quedó para su análisis el documento: El docente que queremos: factores de calidad en la formación inicial docente. El marco teórico está representado por Freitas (2024), Hobold (2023), Simionato y Hobold (2021), entre otros. En cuanto a los resultados, se identificaron las bases conceptuales e ideológicas vinculadas a la pedagogía de habilidades y competencias y la intencionalidad del control sobre la formación inicial docente por parte de aparatos privados de hegemonía burguesa.

Palabras clave: Movimiento de la Profesión Docente, dispositivos privados de hegemonía, estrategias discursivas, BNC - Formación Inicial Docente.

1 Introdução

Este artigo tem como objetivo geral identificar as concepções do Movimento Profissão Docente (PD) acerca da formação inicial de professores/as, a partir da seguinte problemática: quais são as concepções do PD sobre a formação inicial de professores/as? E, como objetivos específicos, caracterizar o PD e elencar as suas estratégias discursivas para a implementação da Base Nacional Comum (BNC) da Formação Inicial (Resolução nº 2/2019 do Conselho Nacional de Educação - CNE).

Com esta intenção, utilizamos os princípios da metodologia de abordagem qualitativa, com procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental, de caráter descritivo, analítico e interpretativo, para caracterizar o Movimento, por meio de informações encontradas nos canais oficiais da instituição. Dessa forma, identificamos como ele se configurou, as instituições “parceiras” e a sua vasta produção documental.

Diante dos limites deste artigo, dedicamo-nos apenas no documento: O professor que queremos: fatores de qualidade na formação inicial docente, produzido pelo PD no ano de 2021, em parceria com outras instituições. Selecionamos este documento porque acreditamos que ele representa as concepções do Movimento acerca da formação inicial de professores e a sua análise permite identificar as estratégias discursivas de implementação da BNC da Formação Inicial (Resolução nº 2/2019/CNE), conforme requerido pelos Aparelhos Privados de Hegemonia (APH).

Este estudo, além da Introdução e da seção que aborda os aspectos metodológicos, está organizado nas seguintes seções: a primeira, “O Movimento Profissão Docente e a sua ofensiva sobre a formação docente”, busca caracterizar o PD, identificar os seus parceiros, bem como seus campos de atuação e influência, além de contextualizar a conjuntura na qual se oficializou.

A segunda seção, “O professor que queremos?”, por sua vez, analisa o documento O professor que queremos: fatores de qualidade na formação inicial docente, produzido pelo PD em 2021, e demonstra as concepções deste APH acerca da formação inicial de professores/as. Por fim, as Considerações Finais sintetizam as estratégias discursivas e o amparo conceitual, jurídico e ideológico do documento e o seu alinhamento à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e à Resolução nº 2/2019/CNE (BNC - Formação Inicial).

2 Metodologia

Conforme já mencionado anteriormente, o objetivo geral deste artigo é identificar as concepções do PD a respeito da formação inicial e continuada de professores. A partir dos objetivos e da problemática, consideramos apropriada uma metodologia de abordagem qualitativa, com procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental, de caráter descritivo, analítico e interpretativo.

De acordo com Minayo (2001, p. 21), a pesquisa qualitativa concentra-se no universo dos “[…] significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”. Em relação aos procedimentos da pesquisa, optamos pela pesquisa bibliográfica, começando pelos materiais já existentes (Gil, 2002) e pela revisão da produção acumulada acerca da temática de estudo (Silva, 2014), bem como pela pesquisa documental, que envolve “[…] materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa” (Gil, 2002, p. 46).

Para caracterizar o Movimento, buscamos informações nos canais oficiais da instituição. Dessa forma, identificamos como ele se configurou, suas instituições “parceiras” e sua vasta produção documental. O documento analisado foi O professor que queremos: fatores de qualidade na formação inicial docente, produzido pelo PD no ano de 2021, em parceria com outros órgãos e instituições citados ao longo do texto. Após leitura e pré-análise, escolhemos esse documento por acreditarmos que ele representa as concepções do Movimento acerca da formação inicial de professores, além de permitir a identificação das estratégias de implementação da BNC da Formação Inicial (Resolução nº 2/2019/CNE) utilizadas pelos APH. Os dados foram analisados à luz do referencial teórico do estudo, representado por Freitas (2024), Hobold (2023), Simionato e Hobold (2021), entre outros.

3 O Movimento Profissão Docente e a sua ofensiva sobre a formação docente

O PD, conforme informações do seu site oficial, apresenta-se como “[...] uma coalizão de organizações do terceiro setor que atuam para a melhoria da educação e uniram esforços para a valorização da carreira docente e para o fortalecimento da atuação dos professores de todo o país” (PD, 2023). Destaca-se ainda na seção “Quem somos” que “[...] fortalecer a profissão docente é o melhor caminho para elevar a qualidade da educação brasileira com equidade” e que os “[...] professores são os principais agentes de transformação da educação” (PD, 2023). Entre as instituições que fazem parte dessa “coalizão”, identificamos: Instituto Península; Fundação Lemann; Itaú Social; Instituto Natura; Instituto Unibanco; Todos pela Educação; e Fundação Telefônica Vivo.

Na seção intitulada “Como atuamos”, há a informação de que, a partir do entendimento de que os professores são fundamentais para a melhoria da qualidade do ensino, o PD baseia sua atuação em evidências nacionais e internacionais, produzindo estudos e pesquisas, construindo propostas e apoiando a implementação de políticas públicas docentes de qualidade que possibilitem uma carreira mais atrativa, reconhecida e valorizada e que contribua para que todos os estudantes brasileiros tenham um ensino de qualidade (PD, 2023).

Ainda de acordo com o site do PD, as políticas públicas apoiadas pelo Movimento compreendem: formação inicial docente de qualidade; estágio eficaz nas licenciaturas; seleção qualificada de profissionais; formação continuada de qualidade e carreiras atrativas que incentivam a melhoria da prática docente (PD, 2023).

A seção “Nossa história” traz informações acerca de como o Movimento se configurou, destacando que o Profissão Docente nasceu em 2017, focando em pesquisas e discussões sobre o que poderia ser feito para transformar e apoiar a “profissão professor”. No ano seguinte, direcionou o olhar para o aperfeiçoamento das políticas docentes e, sobretudo, para a sua implementação. Os anos de 2019 e 2020 foram marcados pela construção de políticas docentes, estruturação e remodelação de um planejamento mais robusto. Já em 2021, o Movimento ampliou seu escopo de atuação e, além de produzir conhecimento, passou a atuar na execução das políticas de formação docente, dentro das secretarias da educação.

Partindo da compreensão de que a escola está atravessada por políticas que “[...] pretendem submetê-la cada vez mais ao mercado e ao neoconservadorismo [e] o controle sobre o cotidiano escolar em muito passa pelo controle da formação docente” (Hypolito, 2019, p. 196), passamos a analisar o percurso histórico do PD.

Ao analisar o percurso histórico do Movimento, cabe mencionar a conjuntura na qual se oficializou. Surgiu exatamente no ano de 2017, contexto no qual o Brasil tinha vivenciado mais uma ruptura democrática, pós-golpe “[...] parlamentar, midiático, jurídico e policial” (Frigotto; Motta, 2017, p. 367), que resultou na destituição da presidente Dilma Rousseff e na ascensão ao poder do seu vice, Michel Temer, durante a qual a burguesia nacional encontrou terreno fértil para o retorno e avanço das políticas educacionais conservadoras. Dessa forma, sem perder tempo, articulou-se a formação de uma coalizão de organizações reconhecidas pela atuação em rede para influenciar políticas públicas voltadas à educação.

O passo seguinte, já no governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, um governo que representou a regressão de direitos e ataque às minorias, foi encaminhar estudos e pesquisas, não só para produzir a legislação necessária, mas também para iniciar a implementação das políticas educacionais defendidas por esse grupo. Nem a pandemia de Covid-19 impediu que as articulações necessárias continuassem, ao contrário, o contexto pandêmico serviu como justificativa para a sua implementação.

Em um momento no qual a prioridade era a manutenção da vida, em que grande parte dos trabalhadores da educação estava enfrentando a realidade do ensino remoto ou híbrido e não tinha como resistir coletivamente, o PD começou a atuar dentro das secretarias de educação Brasil afora. Essa informação é preocupante, considerando que, desde aquele momento, milhões de professores e estudantes brasileiros estão expostos às orientações desse grupo.

A eleição de um governo de frente ampla em 2022, associado às pautas sociais, que conduziu Luiz Inácio Lula da Silva ao terceiro mandato como presidente, significou não só uma derrota à extrema direita nacional e mundial, mas também trouxe novamente a abertura do diálogo e a possibilidade de participação dos movimentos sociais e dos pesquisadores do campo progressista de educação nos temas relacionados à construção de uma educação socialmente referenciada. Contudo, a burguesia brasileira conseguiu enraizar-se no Ministério da Educação e, apesar da correlação de forças, a possibilidade de avanços é limitada, conduzindo a um processo de sobralização da educação brasileira. Freitas (2024) ressalta que no encerramento da Conferência Nacional de Educação (Conae):

[…] o presidente Lula e o Ministro Camilo, da Educação, foram recebidos com um refrão entoado em alto e bom som pelos participantes: ‘Fora Lemann’. A referência à Lemann é uma crítica à proximidade do governo, especialmente na educação, com ONGs e Fundações privadas entre as quais a mais emblemática é a Fundação Lemann. É notória a participação destas entidades privadas na política educacional do Ceará agora importada para o MEC e que pretende ser generalizada para o país.

Este estudo identificou que o PD possui uma quantidade significativa de documentos, pesquisas e livros publicados em seu site oficial, atualizados com frequência, e todos, até o momento de finalização deste artigo, estão disponíveis para consulta e download. Esses documentos abordam uma variedade de assuntos, alguns dos títulos identificados foram: a) “A política de formação continuada de Sobral (CE)”; b) “Professores: recomendações de políticas docentes para o Governo Federal”; c) “Professores: recomendações de políticas docentes para os governos estaduais”; d) “Guia Prático de implementação do estágio de licenciaturas”; e) “Livro: Professores em foco”; f) “O professor que queremos: fatores de qualidade na formação inicial docente”; g) “Temas estratégicos para as carreiras do magistério”; h) “BNC da Formação Continuada na prática”; i) “Seleção de professores: reflexões e boas práticas para aprimoramento de concursos públicos”; j) “Inovação na formação inicial docente”; e k) “Gestores educacionais para o século XXI”.

Os títulos indicam que o Movimento e seus parceiros, numa ofensiva sobre a formação docente, pretendem influenciá-la desde a graduação, mas também miram a formação continuada, a gestão das escolas, os concursos e a carreira docente. Diante dos limites deste artigo, na próxima seção, focalizamos as análises no documento O professor que queremos: fatores de qualidade na formação inicial docente, que fornece importantes elementos para compreender quais são as concepções do PD acerca da formação inicial de professores.

3.1 O professor que queremos?

O primeiro documento analisado é intitulado O professor que queremos: fatores de qualidade na formação inicial docente. Para facilitar a identificação desse documento, será utilizada a sigla PDa quando nos referirmos a ele. Esse documento é um relatório que totaliza 35 páginas e resultou das discussões e estudos realizados pelo Grupo de Trabalho (GT) denominado “Qualidade na formação inicial docente”.

A partir das informações do relatório PDa, identificamos entre as instituições que participaram deste GT: a) o Instituto Península, organização social fundada pela família Abílio Diniz em 2010, que atualmente tem foco na formação de professores; b) a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), fundada em agosto de 1982, que representa entidades mantenedoras de educação superior particular em todo o território nacional; c) a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), presente em todos os estados da federação, o que demonstra a sua massiva atuação no cenário educacional brasileiro; d) o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que se apresenta como uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, que reúne as secretarias de educação dos estados e do Distrito Federal; e) a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), sobre a qual o relatório não traz informações, mas, de acordo com seu site oficial, é uma associação civil sem fins lucrativos, que tem por missão articular, mobilizar e integrar os dirigentes municipais de educação para construir e defender a educação pública com qualidade social; e, por fim, f) o PD, que, no relatório PDa, afirma não receber dinheiro público e ser suprapartidário. Além disso, o relatório menciona que, para transformar as políticas de atratividade, formação e carreira docente, o Movimento atua na produção e disseminação de conhecimento, propostas para avanços de políticas docentes, articulação de políticas e programas e apoio técnico para a efetivação de propostas.

Pelos atores e intelectuais orgânicos que fizeram parte desse GT, podemos adiantar que representam aparelhos privados de hegemonia da burguesia brasileira que se reúnem em torno do Todos pela Educação e que fazem a defesa de uma educação de caráter privatista e economicista. Martini (2021, p. 83) destaca que:

O termo Aparelhos Privados de Hegemonia (APH) tem origem nos escritos de Antonio Gramsci e, na atualidade, comumente é utilizado pelos pesquisadores para designar as instituições empresariais financiadas por indivíduos privados detentores do capital, que agem em rede e utilizam estas instituições para interferir nas políticas econômicas, educacionais e sociais, a fim de garantir seus interesses e propagar a ideologia neoliberal. Exemplos de APHs atuantes no Brasil é o grupo ‘Todos pela Educação’ e a ‘Fundação Lemann’.

As reuniões desse GT ocorreram no segundo semestre de 2021; conforme o relatório PDa (2021, p. 11-12):

As discussões partiram de uma ampla reflexão sobre o impacto da qualidade da prática do professor na vida escolar dos estudantes e sobre o reconhecimento da relevância que esse profissional tem para a melhoria da aprendizagem da nova geração. Com o planejamento de cinco encontros gerais e seis encontros em pequenos grupos ao longo do segundo semestre de 2021, o GT teve a oportunidade de identificar e discutir os fatores de qualidade centrais nos cursos de formação inicial docente. Além disso, aprofundou discussões sobre a Resolução CNE/CP n.º 2/2019, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para Formação Inicial Docente, a partir de debate com a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães de Castro.

O relatório PDa enfatiza que duas experiências exitosas em formação inicial docente serviram de inspiração para as conversas do GT: a primeira, denominada Innova Schools, de Lima, no Peru; e a segunda, a Faculdade Wlademir dos Santos, em Sorocaba, São Paulo. “Ambas reforçaram que a essência do desenvolvimento do currículo deve estar centrada na prática e na reflexão sobre a prática, a partir da vivência de situações reais nas escolas de educação básica” (PDa, 2021, p. 12). A breve descrição a respeito das experiências exitosas nos faz identificar qual é a proposta de formação defendida pelo documento, atrelada à pedagogia das habilidades e competências, ideologia que visa a “[…] ocultar a divisão antagônica de classes, distinguindo competentes e incompetentes pela via da meritocracia” (Spricigo; Martins Filho, 2023, p. 17).

A pedagogia das habilidades e competências compreende a formação humana como advinda do contato do indivíduo com o meio e explica o desenvolvimento humano por meio dos aspectos biológicos e sociointeracionistas, portanto trata-se de “[…] uma concepção de desenvolvimento ambientalista de adaptação aos estímulos oferecidos pela realidade externa” (Spricigo; Martins Filho, 2023, p. 9), mas que desconsidera as questões culturais e históricas e as relações de poder que medeiam a sociedade.

Martini (2021) aponta que concepções formativas amparadas no desenvolvimento de habilidades e competências conduzem a uma formação mecânica, instrumental, que desconsidera os aspectos históricos e não se compromete com a emancipação humana nem com a superação das desigualdades educacionais e sociais. Conceito também discutido por Hobold (2023, p. 54), quando afirma que:

Dentre os indicativos que constituem o conhecimento, a habilidade e a atitude (CHA), esta última, que se refere às ações pessoais do/a estudante e/ou trabalhador/a, permeia a concepção educacional desde a década de 1990, principalmente nos espaços de formação da Educação Profissional (cursos técnicos, tecnológicos etc.). Pode-se inferir que, mais recentemente, o sentido de ‘atitudes pessoais’ se reveste com a roupagem de ‘competências socioemocionais’, com ideias de resiliência, equilíbrio, parceria, autocuidado etc. Dessa forma, considera-se que os conceitos do CHA ‘nortearam’ a concepção de formação e de trabalho, desde a referida década, tendo em vista que programas de carreira e de ascensão salarial das empresas alinharam-se ao viés ideológico capitalista e transpuseram essa concepção, primeiramente, às escolas de educação profissional e, neste século, à educação em geral.

Dessa forma, cabe mencionar a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Formação Inicial de Professores e a instituição da BNC para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC - Formação), alinhada à BNCC, materializadas pelo Parecer CNE/CP nº 22/2019 e pela Resolução CNE/CP nº 2/2019, que, para Simionato e Hobold (2021, p. 74), são:

[…] resultado da emergência atribuída à definição do papel do professor de acordo com o modelo demandado pelo mercado na sustentação de uma sociedade do conhecimento na lógica do capital. […] Nessa perspectiva, a subjetividade docente é alijada do processo formativo, visto que esse implica fabricação de identidades docentes subsidiadas por uma hegemonia discursiva, performática e substitutiva do enriquecimento cultural do professor. A construção desse perfil encontra suporte no alinhamento prescritivo da formação de professores à BNCC, a partir da definição de competências gerais docentes, competências específicas e habilidades […] as quais levam a uma padronização da formação inicial em que a subjetividade e o sujeito docente são paulatinamente solapados por um redirecionamento ideológico que abala as questões epistemológicas fundantes da condição do professor como trabalhador em uma sociedade capitalista.

Importa dizer que essas decisões revogaram a Resolução CNE/CP nº 2/2015, “[...] fruto de conquistas e lutas das entidades nacionais representantes de educadores e pesquisadores em educação” (Simionato; Hobold, 2021, p. 77), normativo legal que nem chegou a ser implementado e avaliado. A partir da BNCC, a padronização e a prescrição curricular foram impostas não somente aos estudantes da educação básica, mas também à formação docente, que, somadas aos testes de larga escala, contribuem para a desintelectualização, a despolitização e a desprofissionalização docente.

O relatório PDa destaca que, após o aprofundamento das discussões, surgiu a “[...] necessidade de pactuar o entendimento sobre o ‘professor que queremos’ e, a partir desse consenso, ampliar a compreensão sobre o currículo necessário para formar esse professor” (PDa, 2021, p. 12, grifos nossos), afirmação que demonstra a intencionalidade de influenciar e manter sob controle a formação inicial docente, com a finalidade de moldá-la de acordo com os ditames capitalista-empresariais. Contudo, o relatório PDa (2021, p. 14, grifos nossos) vai além da formação inicial, indicando que:

[...] alguns países como Austrália, Chile e Singapura focaram os esforços da sua política educacional no fortalecimento da docência. Para isso, entre outras ações, desenvolveram referenciais de atuação docente que permitiram criar um entendimento comum sobre o que o professor precisa saber e ser capaz de fazer, estabelecendo com isso um alicerce importante para guiar a formação inicial, a formação continuada e a carreira docente como um todo. Além disso, esses países consolidaram um estilo de formação docente orientado cada vez mais pela prática, pela reflexão sobre a prática e pela experiência concreta do professor na escola, que é o campo de atuação desse profissional.

Em uma defesa unilateral da necessidade de que os cursos de formação de professores sejam permeados pela prática, o relatório PDa cita um levantamento do Instituto Canoa e do PD, que teve por base as diretrizes para a formação inicial de professores de dez países. De acordo com o relatório PDa, esses países estabelecem uma carga horária mínima de experiências práticas, oferecem orientações quanto à estrutura curricular das licenciaturas e determinam competências mínimas para os concluintes.

Brandt e Hobold (2019) analisam que, para um curso de formação de professores alcançar seus objetivos, aproximando a vivência ao contexto social da educação, são necessários processos formativos que contemplem práticas como componentes curriculares, além de uma ação de ensino e aprendizagem que fomente a transformação da realidade escolar e aproximação da instituição formadora ao universo da educação básica. Isso certamente não implica apartar a teoria da prática, muito menos focalizar somente nas práticas de ensino ou desconsiderar as questões histórico-socioculturais.

O relatório afirma ainda que “o Brasil […] ainda tem muito para avançar”, porque “[...] não basta atender mais crianças e jovens, é preciso garantir a excelência nos resultados de aprendizagem [porque] comparado a outros 70 países avaliados pelo [...] PISA, o país está entre os últimos colocados” (PDa, 2021, p. 15). Contudo, não há nenhuma menção acerca da dualidade e desigualdade educacional (Araújo, 2019) que historicamente permeiam a educação brasileira, assim como nada é declarado acerca das políticas educacionais atreladas às necessidades produtivas de cada período histórico e às orientações de organismos multilaterais e aparelhos privados de hegemonia burgueses. Não há, portanto, a compreensão por parte dos articuladores desse relatório de que o sistema capitalista é produtor das mazelas na educação e na sociedade brasileira.

Por outro lado, percebe-se ainda a apropriação do vocabulário das lutas docentes, da necessidade de garantir condições adequadas de trabalho, oportunidades de desenvolvimento profissional e um processo formativo que articule teoria e prática. Contudo, a valorização proposta pelos aparelhos privados de hegemonia burgueses conduz à responsabilização e à competição meritocrática, implicando a imposição de testes de larga escala, metas a serem cumpridas e programas de gratificação com base nos resultados. Assim, o relatório expressa que:

Para avançar nesse cenário […] será preciso investir na profissionalização e valorização dos professores. Somente medidas objetivas, coordenadas e guiadas por uma concepção formativa que expresse as competências a serem desenvolvidas pelos professores, podem fortalecer a carreira docente. É necessário garantir, entre outras medidas, regime e condições de trabalho adequados, além de oportunidades de desenvolvimento profissional que promovam melhoria da prática e permanência dos professores em sala de aula/ ambientes de aprendizagem (PDa, 2021, p. 15, grifos nossos).

O relatório PDa traz a informação de que, no ano de 2019, foi aprovada a Resolução CNE/CP nº 2/2019 pelo CNE, que definiu as DCN para a Formação Inicial de Professores para a educação básica e instituiu a BNC - Formação. O relatório destaca ainda que as DCN de Formação Inicial estabeleceram:

Definição de competências no perfil esperado do egresso; maior centralidade na prática, contemplando 800 horas, distribuídas em: 400 horas para estágio supervisionado obrigatório e 400 horas distribuídas no currículo aportado na realidade escolar; alinhamento com a Base Nacional Comum Curricular - BNCC; fortalecimento do conhecimento pedagógico do conteúdo (didáticas específicas de acordo com o componente curricular e etapa de ensino); estágio supervisionado com mentoria na escola e orientação na Instituição de Educação Superior (IES); reforço da parceria entre instituições formadoras, redes de ensino e escolas; três dimensões observáveis que compõem a competência profissional docente: conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional (PDa, 2021, p. 16)

Percebemos que o relatório PDa nada mais é do que uma reiteração da BNC - Formação, a qual, conforme Simionato e Hobold (2021, p. 80):

[…] alinha-se ao conceito de competências e habilidades da BNCC, construído na hegemonia discursiva, dentro do projeto de desmonte que vem atravessando as últimas décadas. Isto é, são propostas dez competências gerais docentes, desdobradas em competências específicas e vinculadas a três dimensões fundamentais, a saber: conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional. Não por acaso, as três dimensões finalizam com o termo profissional, ou seja, de que lugar estamos percebendo a formação que está nessa proposta?

Ao retomar aspectos da BNCC, expõe que, a partir da sua elaboração, “[...] o Brasil conquistou um consenso nacional sobre as aprendizagens essenciais” (PDa, 2021, p. 16, grifo nosso), argumento frequentemente utilizado pelos APH, que também aparece na BNC - Formação. Dessa forma, vale lembrar que, na ocasião, “[...] entidades representativas dos professores ficaram ao largo das decisões, enquanto as fundações, organizações e setor privado avançaram nas determinações” (Simionato; Hobold, 2021, p. 79), desconsiderando completamente todas as críticas dos pesquisadores do campo progressista de educação e dos próprios docentes da educação básica sobre a forma antidemocrática em que ela foi elaborada e sobre o seu caráter de prescrição e controle da formação dos/as docentes/as e dos/as estudantes.

Spricigo e Martins Filho (2023, p. 17) criticam a perspectiva do desenvolvimento de habilidades e competências na qual se amparam tanto a BNCC quanto a BNC - Formação, que, para os seus entusiastas, “[…] retrataria uma transformação assertiva no percurso formativo dos estudantes, pois lhes proveria do arcabouço teórico-prático demandado pela sociedade do século XXI”. Em um movimento contrário à crítica, a seção “O professor que queremos” traz uma descrição do professor almejado no século XXI, reforçando que as DCN/2019 para a formação inicial de professores estão alinhadas às proposições do GT que originou o relatório, no qual todo professor deve:

[…] ter compromisso com a aprendizagem de todos: de si, dos estudantes, dos pares e da comunidade escolar; saber relacionar-se e ter competências socioemocionais desenvolvidas para poder desenvolvê-las nos estudantes; saber o quê e como ensinar e, também, como os estudantes aprendem […]; desenvolver senso ético, cultural e social em si e nos estudantes; compreender e conseguir gerir ambientes de aprendizagem […]; garantir as aprendizagens essenciais expressas na BNCC; ter postura pesquisadora […]; saber ler e interpretar dados e fazer escolhas pedagógicas […]; planejar e executar situações de aprendizagens em diversos contextos: presencial, remoto e híbrido; promover espaços colaborativos de aprendizagem dentro e fora da escola; conhecer e respeitar os contextos plurais das crianças e jovens; avaliar a aprendizagem e o ensino, visando formas mais efetivas de desenvolvimento cognitivo, social e emocional; buscar constantemente o desenvolvimento profissional (PDa, 2021, p. 17-18).

No capítulo intitulado “Fatores de qualidade na formação inicial docente”, o relatório PDa indica que o GT buscou o entendimento do que seria um currículo capaz de proporcionar experiências adequadas aos licenciandos, de forma a torná-los “os professores que queremos”. Dessa forma, relacionaram os fatores de qualidade considerados imprescindíveis e inegociáveis para uma formação inicial de qualidade. Apontaram, assim, três fatores: um currículo inovador; um estágio supervisionado efetivo nas redes de educação básica; e o uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) a serviço da aprendizagem.

Amparando-se em autores como Gatti (2010, 2013, 2015), Gatti e Nunes (2009) e Shulman (1987), o relatório PDa ratifica a crítica de que “currículo de formação de professores é extremamente teórico” e novamente defende “uma educação voltada para a prática”, para isso, toma como exemplo o currículo de Singapura, que, segundo o relatório, encontra-se entre os melhores do mundo em aprendizagem no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), para compará-lo ao currículo de formação inicial de professores do Brasil. Ainda de acordo com o relatório, o Brasil tem um dos piores resultados e uma excessiva base teórica.

Conforme o relatório PDa, o GT apresentou recomendações para se alcançar a inovação e avançar na construção do currículo dos licenciandos, são elas: a) atualização dos currículos à luz da BNCC e BNC - Formação Inicial; b) fortalecimento e domínio das habilidades e competências estabelecidas na BNCC; c) desenvolvimento do conhecimento pedagógico do conteúdo; d) garantia do conhecimento sobre o currículo local e as políticas locais e nacionais de educação; e) desenvolvimento curricular voltado ao trabalho colaborativo e ao uso de metodologias ativas; f) utilização de dados da educação básica para monitorar e para saber fazer intervenções pedagógicas qualificadas durante o processo de formação; g) utilização de situações-problema reais da escola para a tematização da prática e discussão das referências teóricas que têm experiências bem-sucedidas; h) garantia de espaços qualificados para reflexão sobre a prática; i) implementação de avaliações de aprendizagem com foco no desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas ao conhecimento, práticas e engajamento profissional. Dessa forma, pelo amparo ontológico e epistemológico que sustenta a Resolução nº 2/2019 e o relatório PDa:

[…] o professor não é um intelectual produtor de conhecimentos, então passa a ser um instrumento de aplicação de conhecimentos, com o agravante do empobrecimento teórico e uma centralidade em uma concepção de prática pedagógica orientada para resultados, semelhantemente a uma ‘auditoria’ verificadora das competências desenvolvidas pelo professor em sua formação inicial. Uma formação que incute a noção de professor-líder, que organiza e gerencia a sala de aula nesse formato (Simionato; Hobold, 2021, p. 80).

Quanto ao estágio, o relatório PDa (2021, p. 23) afirma que:

Desde as primeiras discussões, o GT reconheceu que não há formação inicial de professores sem articulação com a escola e, por isso, o estágio supervisionado curricular obrigatório em ambiente escolar se faz imprescindível. Logo, o estágio precisa contemplar atividades alinhadas ao desenvolvimento das competências e habilidades que compõem o perfil do professor que queremos.

O relatório afirma ainda que, após importantes conquistas, como a “[...] universalização do acesso à escola, orientações curriculares a partir da BNCC, transporte e merenda escolar [...] para garantir uma educação com excelência, será preciso, [...] priorizar os investimentos em melhores políticas docentes” (PDa, 2021, p. 31, grifo nosso). Cabe questionar o que significa priorizar investimentos para os APH burgueses, que, além de influenciar as políticas educacionais, são também os responsáveis pela “[...] apropriação pelo capital dos recursos do fundo público” (Ribeiro; Salvador, 2018, p. 77) e pela propagação do argumento de que “[…] os recursos destinados à educação no Brasil são suficientes e que os problemas educacionais do país estão relacionados à gestão das escolas e sistemas educacionais” (Pinto, 2021, p. 689).

Neste documento, a ênfase recai sobre a necessidade de repensar os currículos dos cursos de licenciatura para adequá-los à Resolução CNE/CP nº 2/2019, o que evidencia a concepção do PD de priorização curricular imposta pela BNCC e pela BNC - Formação.

O que se destaca como novidade é a defesa de um discurso enganoso, que aponta para a necessidade de “reestruturar a carreira docente” e “melhorar as condições de trabalho dos professores”. No entanto, é fundamental um exame detalhado dos documentos e ações desse Movimento burguês para compreender a verdadeira intenção por trás da suavização recente de seu discurso. Por outro lado, suas abordagens fortalecem a narrativa de que “ninguém quer ser professor”, que “há um apagão docente” e que “os jovens com o pior desempenho na educação básica voltam às salas de aula como professores”, afirmações que, sem uma análise aprofundada, acabam por reforçar a desvalorização social da docência.

Parece que o PD busca se aproximar das pautas historicamente defendidas pelos docentes como estratégia de obter apoio e influência para alcançar “a educação voltada para a prática” sem enfrentar a subversão dos professores, enquanto promove políticas que enfatizam os resultados, a meritocracia e a responsabilização docente, o que nos faz concluir que a burguesia nacional já reconheceu que os docentes brasileiros são, ao mesmo tempo, obstáculos e instrumentos para se efetivar uma educação de cunho economicista, que poderá moldar mentes conforme os princípios neoliberais. Assim, direciona esforços consideráveis para controlar a formação inicial e continuada desses profissionais, visando a alcançar milhões de estudantes brasileiros e garantir seus próprios interesses.

4 Considerações finais

A análise do documento PDa (2021) nos permitiu compreender que é embasado na Resolução nº 2/2019/CNE. Esta, por sua vez, compreende uma recente orientação para a formação inicial de professores e é, conceitual e ideologicamente, atrelada à pedagogia das habilidades e competências. Esse documento foi produzido pelo PD em parceria com outras instituições, entre elas, instituições há muito reconhecidas pelos pesquisadores do campo progressista de educação por representarem interesses privatistas e uma visão mercadológica de educação. Por esse motivo, não impressiona que nenhuma instituição pública, federal ou estadual de ensino, também responsáveis pela formação de professores/as no Brasil, tenha sido convidada a participar das discussões que geraram tal documento. Pela lógica em que se assenta tal documento, também não impressiona que, apesar de levantar alguns pontos a respeito das condições de trabalho docente, não as discute profundamente e muito menos as expõe como sendo fruto do sistema capitalista. Prefere utilizar uma linguagem que responsabiliza e culpabiliza os/as professores/as pelos baixos índices de educação, tomando por base os números do Pisa.

Assim, como é comum em documentos dos organismos multilaterais, os/as professores/as são expostos/as como sendo, ao mesmo tempo, os/as culpados/as pelos índices insuficientes e a solução para desenvolver as ditas “competências para o século XXI”. Não houve, porém, a indagação de como é possível realizar este feito diante de jornadas desgastantes, das precárias condições de trabalho e formação e da falta de incentivo à formação em nível de mestrado e doutorado. Além disso, está presente no documento a ratificação do discurso de que a tecnologia é redentora de todos os problemas educacionais, sem mencionar, no entanto, que esse incentivo acaba favorecendo a privatização indireta da educação pública e que inúmeras escolas brasileiras não têm estruturas adequadas para a utilização das TDIC.

A cidade de Sobral, Ceará, é frequentemente citada como um exemplo a ser seguido, o que reforça a ideia de que é um laboratório para os institutos privados e que as ações desenvolvidas nessa cidade são, para os idealizadores do documento analisado, exemplos a serem replicados em outras redes de ensino, reforçando o processo de sobralização da educação brasileira.

A estratégia discursiva e o amparo ideológico ficam evidentes a começar pelo nome do documento PDa, “O professor que queremos”, indicando a intencionalidade de controle sobre a formação inicial docente por parte dos aparelhos privados de hegemonia burguesa. Focando na aprendizagem, e não no ensino, pretendem apagar a atuação docente como ato intelectual e político, com a intenção de produzir subjetividades ajustadas à mentalidade neoliberal. Por isso, direcionam esforços significativos com vistas a manter sob controle a formação inicial docente, a fim de atingir milhões de estudantes brasileiros e garantir seus interesses.

Por fim, vale recordar os motivos de contrariedade às DCN/2019 e à BNC - Formação elencados pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), que afirma tratar-se de uma proposta de formação formatada; centrada apenas na BNCC e nas competências socioemocionais, que desconsidera o pensamento educacional brasileiro e a condição social do licenciando; ignora a indissociabilidade teoria-prática; repagina ideias que não deram certo; estimula uma formação fast food e com pouco recurso; e não reconhece que o professor toma decisões curriculares.

Diante do exposto, reiteramos o posicionamento de profissionais e pesquisadores da educação, associações científicas, sindicatos e organizações estudantis pela revogação da BNC - Formação (Resoluções nº 2/2019 e nº 1/2020) e a imediata retomada da Resolução nº 2/2015, para que tanto a formação inicial quanto a formação continuada, bem como a valorização da carreira dos professores, possam estar inseridas em propostas socialmente referenciadas.

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Como citar este artigo (ABNT):

MARTINI, Tatiane Aparecida; HOBOLD, Márcia de Souza. Movimento Profissão Docente (PD): concepções sobre a formação inicial de professores. Educação & Formação, Fortaleza, v. 9, e12713, 2024. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/redufor/article/view/e12713

Notas de autor

Editora responsável: Lia Machado Fiuza Fialho
Pareceristas ad hoc: Robson Carlos da Silva e Jussara Bueno de Queiroz Paschoalino
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFSC. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Foppe. Mestra em Educação pelo PPGE do Instituto Federal Catarinense (IFC), campus Camboriú. Professora efetiva de História na Rede Municipal de Ensino de Joinville, Santa Catarina. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFSC. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas FOPPE. Membro associada do GT8 da ANPEd, ANFOPE, REDESTRADO, SBPC, ANPAE, ANDIPE e da Ripefor. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


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