ARTIGO
Recepción: 12 Febrero 2024
Aprobación: 24 Abril 2024
Publicación: 04 Junio 2024
DOI: https://doi.org/10.25053/redufor.v9.e12695
Resumo: O presente estudo objetivou 1. refletir sobre a avaliação de fluência em leitura dos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental, 2. descrever como a Avaliação Diagnóstica da Fluência em Leitura é organizada e 3. analisar os resultados de participação e desempenho da avaliação na rede pública pertencente à Diretoria de ensino de Presidente Prudente, São Paulo, no ano de 2023. Ancorou-se o estudo na Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky (2001, 2007, 2017), por sua contribuição para o desenvolvimento humano. A pesquisa é de natureza quantiqualitativa, de técnicas bibliográfica e documental, e contou como categorias principais de análise: a) avaliação, b) processo de alfabetização e c) fluência leitora. Contemplou o período de 2008 a 2023. As conclusões apontaram que a avaliação da fluência pouco considera a relação das múltiplas competências que a tarefa de ler contempla, direcionando-se para a decodificação e compreensão linguística.
Palavras-chave: Avaliação, processo de alfabetização, fluência leitora.
Abstract: The present study aimed to 1. reflect on the current educational interest in reading fluency of students in the initial years of Elementary School, 2. describe how the Diagnostic Assessment of Reading Fluency is organized, and 3. analyze the results of participation and performance of the assessment in the public network belonging to the Education Board of Presidente Prudente, São Paulo, in the year 2023. The study was anchored in Vygotsky's Historical-Cultural Theory (2001, 2007, 2017), due to its contribution to human development. The research is qualitative-qualitative nature, using bibliographic and documentary techniques and included the following main categories of analysis: a) assessment, b) literacy process, and c) reading fluency. It covered the period from 2008 to 2023. The conclusions showed that the assessment of fluency little consider the relationship between the multiple skills that the task of reading contemplates, focusing on decoding and linguistic understanding.
Keywords: Evaluation, literacy process, reading fluency.
Resumen: El presente estudio tuvo como objetivo 1. reflexionar sobre el interés educativo actual por la fluidez lectora de los estudiantes de los primeros años de Educación Primaria, 2. describir cómo se organiza la Evaluación Diagnóstica de la Fluidez Lectora y 3. analizar los resultados de la participación y realización de la evaluación en la red pública perteneciente al Consejo de Educación de Presidente Prudente, São Paulo, en el año 2023. Se ancló el estudio en la Teoría Histórico-Cultural de Vygotsky (2001, 2007, 2017), por su aporte al desarrollo humano. La investigación es de naturaleza cualitativa-cuantitativa, utilizó técnicas bibliográficas y documentales e incluyó las siguientes categorías principales de análisis: a) evaluación, b) proceso de alfabetización y c) fluidez lectora. Abarcó el período de 2008 a 2023. Las conclusiones mostraron que la evaluación de la fluidez poco considera la relación entre las múltiples habilidades que contempla la tarea de lectura, centrándose en la decodificación y la comprensión lingüística.
Palabras clave: Evaluación, proceso de alfabetización, fluidez lectora.
1 Introdução
A Avaliação Diagnóstica da Fluência em Leitura (ADFL) visa verificar a capacidade do estudante de ler palavras, pseudopalavras1 e textos voltados à sua etapa escolar de forma fluida e no ritmo adequado. Nesse modelo de avaliação, o estudante realiza uma leitura para um professor e tem o seu desempenho associado a um perfil de leitor (pré-leitor, iniciante e fluente). Foi estruturada em nível nacional a partir de instrumentos avaliativos pensados para mapear as dificuldades dos estudantes quanto à aquisição do código alfabético de língua portuguesa já consolidado em países como Estados Unidos, Portugal e França (São Paulo, 2021). Em 2017, essa troca de experiências entre os países promoveu a implementação desse instrumento de avaliação digital da leitura e aplicação de um projeto-piloto no Brasil. Em 2018, o Conselho Superior da Universidade de Juiz de Fora (Consu/UFJF), no estado de Minas Gerais (MG), por meio da Resolução Consu/UFJF nº 27/2018, aprovou a concordância com o pedido de credenciamento do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd) destinado a prestar apoio especializado à execução de projetos e serviços relacionados à avaliação educacional em larga escala e ao desenvolvimento de tecnologias de avaliação e gestão da educação pública.
Para avaliar a fluência leitora dos estudantes, o CAEd/UFJF respaldou-se na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018), que definiu a alfabetização como foco pedagógico para os 1º e 2º anos do ensino fundamental, bem como a criação de um novo modelo de avaliação da aprendizagem dos estudantes mediante a interface entre os eixos leitura e oralidade: a oralização, objetivando, assim, complementar os diagnósticos já realizados pelas avaliações de proficiência escritora. Atendendo a esses quesitos, o CAEd/UFJF tornou-se responsável pela criação, aplicação e realização da análise de leitura em muitos estados brasileiros, dentre os quais, o estado de São Paulo.
Diante da nova avaliação implantada na educação básica, buscamos respostas para os seguintes questionamentos: como surgiu o atual interesse nacional pela fluência em leitura dos estudantes? Como a ADFL está organizada? O que os resultados gerais da avaliação diagnóstica da rede pública de ensino do estado de São Paulo, em específico, na diretoria de ensino da região de Presidente Prudente, São Paulo (SP), no ano de 2023, apontaram?
Ao iniciarmos os estudos, constatamos que o interesse pela habilidade leitora fluente é recente, ganhando força a partir da publicação do National Reading Panel (NRP) no ano de 2000, conforme descreve Dossena (2022, p. 71-72):
O documento foi produzido pelo National Institute of Child Health and Human Development (NICHD) em conjunto com a Secretaria dos Estados Unidos, o qual apresentou dados de pesquisas referentes a pontos importantes relacionados à alfabetização, sendo eles: consciência fonológica, instrução fônica, fluência em leitura, vocabulário e compreensão textual (Pikulski & Chard, 2005; Coelho, 2010; Kuhn, Schwanenflugel; Meisinger, 2010).
Logo depois da publicação do NRP, a fluência em leitura se destaca no âmbito educacional em vários países, considerando os efeitos no desempenho escolar dos estudantes nas avaliações de larga escala e sua ligação direta com a compreensão leitora. Em meio a esse contexto, o CAEd/UFJF (2023b) se apoia em Rasinski (2004, 2006) para conceituar fluência leitora. Para o pesquisador, a fluência refere-se à habilidade do leitor em desenvolver autorregulação sobre os elementos superficiais do processamento textual, de maneira que ele consegue focar nos sentidos mais profundos que emergem do texto. Nesse sentido, a fluência é um meio para a compreensão e é composta por três elementos centrais: a precisão, a automaticidade e a prosódia. Numa extremidade dessa via, a fluência se conecta à precisão e à automaticidade na decodificação; no outro extremo, à compreensão, por meio da prosódia ou da interpretação expressiva.
Dos conceitos encontrados na literatura, aproximamos o nosso interesse aos de Daane et al. (2005), que afirmam ser a compreensão a parte mais relevante da definição da fluência na leitura, destacando que a prosódia da leitura oral reflete essa compreensão. A importância dada a esse aspecto reflete também nosso interesse no estudo, pois somente assim a linguagem assume o caráter de ferramenta cultural responsável por garantir ao indivíduo o domínio sobre si e sobre a realidade em que está imerso, seguindo os preceitos da Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky (2001), na qual encontramos as bases do entendimento do processo de desenvolvimento humano, bem como da relação de mutualidade entre o homem e o mundo. Para o autor, aprendizagem e desenvolvimento estão interligados desde os primeiros dias de vida da criança, contribuindo com a tese de que todas as funções superiores se originam das relações reais entre indivíduos humanos. Dessa forma, um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal e assim ocorre a apropriação do conhecimento. O estudioso também nos chama a atenção para o fato de que ensinar a uma criança aquilo que é incapaz de fazer é tão inútil como lhe ensinar a fazer o que é capaz de realizar por si mesma. Tal aspecto não só se relaciona com o estudo apresentado por nós como nos oferece direcionamentos da relevância nas escolhas dos procedimentos didático-pedagógicos que necessitam ser considerados no ato de ensinar.
Continuadamente, nos subitens deste texto, discorreremos sobre os principais aspectos da avaliação: indicadores, estrutura, aplicação, correção e perfil do leitor. Apresentaremos a análise dos resultados entre os meses de junho e julho de 2023 aferidos aos estudantes do 2º ano do ensino fundamental das escolas da rede pública de Presidente Prudente/SP, conforme dados do CAEd/UFJF (2023b).
2 Metodologia
Para investigar, descrever e analisar a ADFL, ancoramos a pesquisa quantiqualitativa nas técnicas bibliográfica e documental. Justificamos a escolha da abordagem bibliográfica pelo fato de ser aquela que se realiza a partir do “[...] registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. [...]” (Severino, 2007, p. 122). Iniciamos a pesquisa pelo acesso ao catálogo de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e, posteriormente, por meio da Scientific Electronic Library Online (SciELO) Brasil. O tipo de material investigado nessa etapa da pesquisa centrou-se em dissertações e teses publicadas on-line no período de 2008 a 2023. Para o recorte temporal, usamos como critério as décadas mais próximas da atualidade, as quais evidenciaram o interesse mundial pela fluência em leitura.
Após estudo sobre a produção bibliográfica, realizamos a pesquisa documental, que se deu por meio da análise de dados primários advindos de websites e base de dados da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo fundamentados em Gil (2002, p. 47), que descreve a pesquisa documental como “[...] a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica”. Dada a relevância citada, este estudo objetivou complementar os conhecimentos por meio da pesquisa bibliográfica, auxiliando a revelação de novos aspectos sobre o ensino e a aprendizagem da leitura no ensino fundamental. Foram explorados documentos provindos de fontes primárias, tais como: relatórios com o resultado da ADFL divulgados pelo Centro de Políticas Públicas de Avaliação da Educação (CAEd-SP) e pelo software Power BI, entre outros.
Para a análise dos documentos, a organização e o tratamento dos dados apresentados, realizamos a descrição interpretativa. Utilizamos as etapas propostas por Bardin (2011), organizadas em três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, que culminaram nas interpretações inferenciais, fazendo aflorar momentos de intuição, análise reflexiva e crítica. Contou como categorias principais de análise: avaliação, processo de alfabetização e fluência leitora, que deram sustentação na busca e apontaram outros elementos que puderam se somar aos estudos.
3 Da fluência à avaliação
A ADFL visa verificar a capacidade de o estudante ler palavras, pseudopalavras e textos voltados à sua etapa escolar de forma fluida e no ritmo adequado.
Para a aplicação da prova, é necessário que secretários municipais e técnicos das Diretorias de Ensino Regionais perpassem pelas seguintes etapas: adesão, preparação, realização, resultados e planejamento. Em relação à adesão, é necessário que os responsáveis acessem o site da Secretaria Escolar Digital (SED), caracterizada por ser uma plataforma on-line com vários módulos, aceitem participar da ADFL e indiquem um coordenador para ser responsável pelo monitoramento do processo. A etapa de preparação diz respeito à comunicação dos profissionais dos anos iniciais do ensino fundamental, participação de formações e replicabilidade entre os professores aplicadores, além da organização das escolas para realizar a prova. Os organizadores sugerem que a sala de aplicação possa ser no laboratório de informática, na biblioteca ou até no refeitório, desde que o ambiente esteja silencioso. Em seguida, ocorre a realização, que conta com a impressão de cadernos de provas utilizados pelos estudantes. Os discentes são retirados da sala de aula, um por vez, e levados à sala de aplicação - o teste tem previsão de duração média de dez minutos por aluno. Nesse momento, recebem o caderno de provas e as instruções de leitura do professor aplicador. Os áudios de leitura são gravados pelo aplicativo instalado em um celular que precisa usar sistema operacional Android, no mínimo 6.0, ou versão superior. O teste também pode ser realizado por tablet, portanto, dependendo da configuração deste, pode afetar o uso do aplicativo. Ao final dos testes, o professor deve conectar-se à internet para que o aplicativo faça upload dos áudios gravados. Posteriormente, os arquivos são direcionados ao portal de correção do CAEd/UFJF. De posse dos áudios, os corretores fazem a análise.
Além desse momento inicial de organização, a escola precisa também coordenar seu calendário, definir a quantidade de dias necessários para a aplicação, de acordo com o número total de estudantes de 2º ano que vão à escola e à quantidade de professores aplicadores disponíveis. Essa quantidade é sugestionada nos materiais de tutoria da seguinte forma: para cada grupo de 15 estudantes, um aplicador. Oportunamente, ocorre a etapa da divulgação dos resultados e organização do planejamento com foco nos resultados, em que os participantes são orientados a estruturar um plano de ação para melhoria da aprendizagem. A leitura é avaliada em larga escala e vários aspectos são considerados no instrumento: indicadores, estrutura, aplicação, correção e perfil do leitor. A avaliação foi aplicada nos meses de junho e julho do ano de 2023 aos estudantes matriculados nas turmas de 2º ano do ensino fundamental das escolas da rede pública de Presidente Prudente/SP. Ressaltamos que os aspectos considerados na leitura são os mesmos em todas as escolas, seja ela no centro da cidade, nos bairros, nos assentamentos, nos quilombos e em outros lugares diferentes que o estado possui.
Aprofundamos a análise da ADFL ancorados na concepção de avaliação a partir da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que é a distância entre o que a criança pode fazer, de forma independente, e o que pode realizar com o apoio do professor:
[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança que conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não-naturais [sic], mas formadas historicamente (Vygotsky, 2001, p. 115).
Em relação à aprendizagem da língua materna e à aquisição da habilidade leitora, a ZDP efetiva-se na colaboração, na mediação e na relação dialética, ou seja, o professor, ativo no percurso, identifica a possibilidade de aprendizagem do estudante, planeja e intervém de forma que a aprendizagem se transforme em desenvolvimento humano (Vygotsky, 2017). Dessa forma, a ADFL se distancia dessa epistemologia da aprendizagem da língua. Daí a importância de se pensar a mediação enquanto relação dialética nos processos avaliativos para a promoção da aprendizagem.
3.1 A organização da ADFL
Os indicadores investigados na avaliação se referem à participação e ao desempenho. A análise entre os participantes previstos e aqueles que se fizeram presentes no dia da avaliação gerou os dados referentes ao indicador de participação. Quanto ao desempenho, foram definidos três perfis de leitor: pré-leitor, que se subdivide em quatro níveis (1, 2, 3 e 4), leitor iniciante e leitor fluente, os quais possibilitam descrever um padrão de leitor. Desses padrões de leitor são gerados dados para compor o Índice de Fluência Leitora (IFL). O IFL, conforme descrito pelo CAEd/UFJF (2023b), foi desenvolvido para quantificar, numa escala de 0 a 10, o nível de fluência leitora dos estudantes. É calculado a partir dos percentuais de alunos em todos os perfis, atribuindo pesos maiores para os perfis de maior fluência leitora. Segundo o CAEd/UFJF (2023b), o IFL permite o acompanhamento da evolução histórica da alfabetização da rede pública nos níveis estadual e municipal ao longo dos anos.
Outro aspecto relevante da avaliação é em relação à análise de leitura. Ela é composta pela precisão (número de erros/acertos), fluidez (velocidade/palavras por minuto) e prosódia (cadência, entonação e ritmo). A precisão é o primeiro componente a ser analisado. Segundo Basso et al. (2018), esta refere-se à habilidade de reconhecer as palavras de forma correta, isto é, de realizar adequadamente a decodificação grafema-fonema. Concerne à habilidade de reconhecer ou decodificar as palavras corretamente. De acordo com Hudson, Lane e Cols (2005), para que isso aconteça, é necessário que o estudante tenha pleno conhecimento do princípio alfabético, saiba relacionar grafema e fonema e possua um longo repertório de palavras. Na ADFL realizada pelo CAEd/UFJF (2023b), a precisão foi medida pelo número de erros e acertos na leitura de 60 palavras em um tempo de 60 segundos. As palavras escolhidas seguiram os critérios de extensão, tonicidade, complexidade silábica, familiaridade e correspondências regulares e irregularidades. Hudson, Lane e Cols (2005) afirmam que ler uma palavra, algumas vezes, assegura essas conexões, e esse é o evento crítico para a aprendizagem da leitura automatizada de palavras. Para os autores, a leitura imprecisa pode levar à compreensão inadequada de um texto.
Assim como na precisão, o presente teste considerou como segunda dimensão a fluidez (velocidade/palavras por minuto). Esta é a capacidade de fazer uma leitura sem grandes pausas e dificuldades. Armbruster, Lehr e Osborn (2001, p. 22) afirmam que a fluência:
[...] consiste na habilidade de ler um texto com precisão, rapidez e expressão adequada. Quando um leitor fluente lê em silêncio, ele reconhece automaticamente as palavras. Ele agrupa as palavras rapidamente de maneira a extrair o sentido do que lê. O leitor fluente também lê em voz alta sem esforço e com expressão. Sua leitura soa natural, como se ele estivesse falando.
Nessa definição, a fluidez articula precisão, automaticidade e prosódia de leitura oral. Tais componentes facilitam a construção de significados pelo leitor (Kuhn; Schwanenflugel; Meisinger, 2010).
A terceira e última dimensão a ser avaliada é a habilidade de ler com prosódia. Para Kuhn, Schwanenflugel e Meisinger (2010), a prosódia constitui a capacidade de ler com expressão adequada e entonação. O componente entonação é a frequência da fala. Diante dos apontamentos dos literatas, as crianças aprendem a ler com boa prosódia observando os padrões utilizados pelos adultos quando eles leem, ou seja, aprendem com um bom modelo de leitor, contudo, a prosódia costuma ser, muitas vezes, negligenciada no âmbito escolar. Outro elemento prosódico é o padrão de acentuação tônica (Hudson; Lane; Cols, 2005). É a dimensão da fluência que mais evidencia se o leitor entendeu o texto, uma vez que o uso apropriado dos elementos prosódicos reflete a compreensão. Caracteriza-se como um elemento relevante da pronúncia e pode ser utilizado para discriminar formas gramaticais. De acordo com Puliezi e Maluf (2014), a duração também configura uma propriedade da prosódia e se refere ao tempo de articulação de um som, sílaba ou enunciado, além de diferenciar-se de acordo com o ritmo de cada língua. Além da duração, há o elemento pausa, considerada por alguns pesquisadores como uma unidade de tempo, portanto não há consenso na literatura sobre sua real interferência, como descrito por Kuhn, Schwanenflugel e Meisinger (2010, p. 64): “[...] não devemos considerar uma pausa no meio de uma unidade de significado como um erro”.
Na ADFL aplicada pelo CAED/UFJF em meados de 2023, a prosódia foi descrita como o uso correto dos aspectos tônicos e rítmicos do discurso, como a pausa na vírgula e a entoação interrogativa em uma pergunta. Compreendemos que, na edição da avaliação, a pausa foi considerada como um elemento avaliado. Assim como a fluidez e a precisão, a prosódia foi aferida pelo teste através da leitura pelo estudante de 60 palavras em um tempo de 60 segundos, considerando a cadência, a entonação e os ritmos.
Para a organização, a aplicação e a leitura dos dados, o CAEd/UFJF aparentemente fundamenta-se na Visão Simplificada de Leitura (VSL), de Gough e Tunmer (1986). Para os autores, a compreensão de leitura resulta do produto de duas habilidades: decodificação e compreensão linguística. Destacaram que, nesse modelo, a compreensão de leitura (CL) é vista como o produto da compreensão oral (CO) x decodificação (D), logo CL = CO x D. Portanto, há na literatura muitos questionamentos sobre a VSL, como aponta Mota (2015, p. 348): “[...] se a leitura é um construto multidimensional, sua avaliação deveria envolver suas diferentes dimensões. No entanto, não há uma definição única do que se constitui uma compreensão de leitura que seja de fato proficiente”.
3.1.1 Estrutura
O CAEd/UFJF desenvolveu um aplicativo capaz de capturar e avaliar a leitura dos estudantes tendo como base um parâmetro de cálculo mediado por um instrumento avaliativo preparado para mensurar o nível de capacidade leitora dos estudantes. A aplicação do teste é realizada de forma individual, dividida em três blocos de leitura de 60 segundos para cada leitura (60 palavras dicionarizadas2, 40 pseudopalavras e o texto narrativo, caracterizado no nível de complexidade 1).
Na primeira etapa, é apresentada ao estudante uma lista de palavras selecionadas seguindo os critérios de: extensão, tonicidade, complexidade silábica, frequência na língua portuguesa e correspondências grafofonêmicas3 regulares e irregulares. No teste, é avaliada a quantidade de palavras lidas corretamente com base no indicador fluidez. Alguns exemplos: CAMA, MENINO, SETE, POMADA, JOGO, GIRAFA (CAEd/UFJF, 2023b).
A etapa 2 acontece logo após a primeira etapa, portanto a leitura corresponde a 40 pseudopalavras, ou seja, palavras sem correspondência de significado, centrando-se, exclusivamente, no processamento fonológico, havendo a manutenção do pressuposto linguístico básico da língua portuguesa de que todas as sílabas do vocábulo apresentam, no mínimo, uma vogal. Os critérios linguísticos para a construção de pseudopalavras são os mesmos das palavras dicionarizadas, com exceção da frequência na língua portuguesa, por exemplo: NIRA, FEPINO, VONA, LIBITE, GETO, VORENO (CAEd/UFJF, 2023b).
A terceira e última etapa abordam a leitura pelo estudante de um texto narrativo (CAEd/UFJF, 2023a) intitulado “Os atletas”, de Mary França e Eliardo França (2007). O tempo de leitura é o mesmo; apresenta estruturas sintáticas compatíveis com o nível de leitura esperado dos estudantes matriculados nas turmas de alfabetização, com uma quantidade média entre 150 e 180 palavras. Quando o professor aplicador ativa o cronômetro da gravação, o estudante inicia a leitura do texto parando a gravação assim que se encerra o tempo. Nesse momento, é proporcionando ao aluno realizar o término da leitura, mesmo sem gravação, para ter condições de responder às questões que servirão para a análise da compreensão. Para responder aos questionamentos, o avaliador realiza a leitura e, ao ouvir a resposta do estudante, assinala uma das cinco opções. As questões são objetivas, com caráter interpretativo, e perpassam por temáticas explícitas no texto.
Nos três momentos de leitura aplicada pelo professor (palavras, pseudopalavras e texto narrativo), “[...] a gravação é única e não poderá ser refeita” (CAEd/UFJF, 2023b, p. 3), fato este que não permite nem ao estudante, nem ao aplicador cometimento de erro ou a possibilidade de refazer o teste. Esse aspecto contraria nossa concepção que se fundamenta na Teoria Histórico-Cultural, pois compreendemos o “erro” como parte do processo da apropriação do conhecimento e, dessa forma, como positivo. A partir dele, podemos buscar outras formas de levar a efeito o processo de ensino, aprendizagem e desenvolvimento, oferecendo aos alunos a possibilidade de aprender mediante estratégia para a apropriação do conteúdo escolar. Nessa perspectiva, a avaliação é uma categoria que ajuda a retomar conceitos, e não forma de controle para mensurar a eficácia.
3.1.2 Correção dos áudios
Após a aplicação da avaliação, as escolas executam alguns procedimentos: os arquivos são direcionados para o portal de correção do CAEd/UFJF. De posse dos áudios, sem dados de identificação dos estudantes, da escola ou vínculo estabelecido, os responsáveis fazem a análise. Os corretores são profissionais graduados na área de linguagens e/ou alfabetização com licenciatura em Letras, Pedagogia e/ou Normal Superior4. Assistidos por um supervisor que dirime dúvidas, monitora a correção e remete à Coordenação do CAEd situações adversas. Em todas as tarefas, é avaliado apenas o que o estudante leu no intervalo da gravação. As listas de palavras e pseudopalavras possuem um quantitativo significativo de termos, visando atender a todos os perfis de leitores.
Segundo o CAEd/UFJF (2023b), ao fazer a medida da fluência, são considerados os seguintes critérios para cada modalidade de teste: palavras e pseudopalavras (são consideradas as medidas de fluência e precisão). Para o teste de leitura do texto, consideram-se a fluência, precisão e prosódia. A fluência é igual à leitura de palavras corretas por minuto (FLUÊNCIA = PALAVRAS CORRETAS / 1 MINUTO). Já a precisão considera as palavras corretas divididas pela somatória das quantidades de palavras corretas e erradas (PRECISÃO = PALAVRAS CORRETAS / (PALAVRAS CORRETAS + PALAVRAS ERRADAS)).
De acordo com os organizadores, a chave de correção prevê análises específicas para estudantes que apresentam problemas de fala passíveis de identificação e que situações específicas de uso da língua portuguesa como segundo idioma e/ou deficiências de fala não possuem correção específica. Além desse apontamento, justificam que os critérios de avaliação para estudantes com necessidades específicas encontram-se em fase de estudo. Em relação a essa temática, foi possível constatar, durante a pesquisa, que a Plataforma oferece, dentre os cadernos disponíveis, cadernos ampliados para estudantes com baixa visão, porém nenhuma outra acessibilidade foi ofertada aos estudantes elegíveis aos serviços da educação especial, necessitando de ajustes para atender também aos alunos que integram esse público. Não tivemos acesso, por exemplo, a texto escrita em braile, a recursos audiovisuais, a textos e palavras diferenciadas para alunos que apresentam diferenças, dessa forma podemos afirmar que o teste foi elaborado somente para alguns perfis de discentes.
3.1.3 Perfil leitor
Após obter os resultados de desempenho, são tracejados os perfis de leitores: pré-leitor, leitor iniciante e leitor fluente. O perfil pré-leitor é caracterizado pelo estudante que não consegue realizar uma leitura oral e, quando a faz, necessita de muito esforço. Segundo os organizadores:
Nesse perfil, encontra-se, portanto, o estudante com dificuldades nas aprendizagens iniciais da alfabetização relacionadas ao processo de decodificação. Essas dificuldades revelam-se de diferentes tipos, mas, especialmente, na decodificação de palavras formadas por padrões silábicos não canônicos e menos familiares, pois encontra-se em nível de reconhecimento de letras, apresentando também dificuldades relacionadas à associação de consoantes e/ou vogais aos seus valores sonoros, principalmente no caso de correspondências irregulares entre fonemas e grafemas (CAEd/UFJF, 2023b, p. 1).
Esse perfil está subdividido em quatro níveis: nível 1: o estudante não realizou a leitura ou disse letras, sílabas ou palavras que não constavam no item; nível 2: o estudante nomeou letras isoladas das palavras constantes no item, ou seja, identificou letras; nível 3: o estudante silabou ao realizar a leitura das palavras constantes no item; e nível 4: o estudante leu até dez palavras e cinco pseudopalavras constantes no item.
O perfil iniciante é apontado pela análise quando o estudante leu corretamente, no tempo de 60 segundos, 11 ou mais palavras e seis ou mais pseudopalavras; ainda que consiga ler fragmentos de texto, não chega a 65 palavras com até 90% de precisão. Isso significa que esse estudante demonstra já ter se apropriado das regras que organizam o sistema de escrita alfabética, mas ainda apresenta dificuldades com a base ortográfica, o que faz que ele leve mais tempo no processo de decodificação das palavras (CAEd/UFJF, 2023b).
O discente classificado como leitor fluente é aquele que leu corretamente no tempo de 60 segundos mais de 65 palavras com precisão superior a 90%, considerando o texto narrativo do teste. Esse aluno é aquele que já venceu os desafios relacionados à decodificação das palavras, revelando já ter automatizado os processos relativos ao reconhecimento das palavras e dominado o princípio alfabético que organiza a escrita em língua portuguesa na variante brasileira (CAEd/UFJF, 2023b). Verificamos que o tempo é cronometrado e os alunos são cronometrados, assim como nas fábricas, onde as pessoas são cronometradas em suas tarefas e sua forma de fazer.
Após conceituarmos fluência leitora e contextualizado a imersão da avaliação de fluência no âmbito educacional, apresentaremos, no excerto a seguir, os resultados da avaliação aplicada em junho e julho de 2023 em estudantes do 2º ano do ensino fundamental da rede pública do estado de São Paulo, região de Presidente Prudente/SP.
4 Resultados da ADFL: participação e desempenho
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), coordenada pelo secretário Renato Feder, divulgou, em agosto de 2023, os resultados da ADFL. Os dados foram publicados por meio de uma plataforma5 do Programa de Alfabetização em Regime de Colaboração (Parc). A plataforma é responsável por divulgar os resultados da avaliação de diversos estados brasileiros por meio de uma parceria entre as redes de ensino, Associação Bem Comum e CAEd/UFJF. Na página da internet, encontram-se disponíveis6 para os envolvidos no processo, os indicadores de participação e desempenho de estudantes da rede pública nas avaliações da fluência.
O primeiro indicador analisado na pesquisa foi o percentual de estudantes por perfil e nível de leitor na rede pública, redes municipais e estadual. Na avaliação, estavam previstos 466.990 estudantes para a rede pública, sendo 346.661 alunos das redes municipais, e 120.328 participantes da rede estadual de ensino. Participaram efetivamente da avaliação 284.851 da rede pública, 177.157 das redes municipais e 107.694 da rede estadual, totalizando a respectiva porcentagem de participação: 61%, 51% e 89%. Os analisadores não justificaram as ausências apontadas, mas, em estudo sobre a temática, deparamo-nos com a Nota Técnica nº 1, de 2023, proferida pelo Conselho de Representantes da União dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado de São Paulo em 7 de junho do mesmo ano, manifestando algumas preocupações como: “[...] 2) reorganizar o cronograma de implementação, sobretudo, no que diz respeito às datas [...]” (Undime, 2023, p. 1). Além da observação de considerar o calendário letivo, os representantes do órgão também chamam a atenção para a realização da avaliação no final de junho, período “[...] que coincide com o final de semestre, avaliações bimestrais, festejos juninos e vários feriados, o que pode gerar resultados distorcidos e que não sejam condizentes com a realidade” (Undime, 2023, p. 1).
Além de fazer apontamentos, o Conselho, no mesmo documento, elencou algumas diretrizes. Foram sugeridas alterações nas datas de aplicação para o início do semestre (agosto de 2023), bem como a necessidade de divulgação dos resultados e sua utilização para ajustar o gradativo início do programa Alfabetiza Juntos SP7. Em resposta à nota emitida, a data de aplicação foi ampliada para 10 de julho de 2023 apenas para as redes municipais, ficando a rede estadual incumbida de aplicar a prova no prazo previamente estabelecido. Diante dos números apresentados, inferimos que tal prorrogação não surtiu efeito, visto que, na data mensurada, os estudantes já estariam em período de férias escolares.
O contexto apontou, conforme externa Sordi (2002), a centralidade que a avaliação de larga escala assumiu: um instrumento de verificação que passou a ser respaldado pelas mídias, possibilitando entender como as avaliações sedimentam, no Brasil, a avaliação como um “[...] vigoroso instrumento técnico a conferir credibilidade e legalidade às medidas de caráter administrativo e políticos promovidas pela alta burocracia estatal” (Dias Sobrinho, 2002, p. 40). Nessa direção, os fatores apontados pelo Conselho foram de relevância, visto que a aplicação de uma avaliação externa deve considerar as particularidades, especificidades e diferentes contextos culturais, sociais e estruturais das instituições de ensino para aproximar, com naturalidade, o instrumento do calendário escolar, e não distanciar ou interferir negativamente em seus resultados.
Além da porcentagem não satisfatória na participação dos estudantes, os dados apontaram outro fator preocupante: o número de estudantes classificados no perfil pré-leitor, em que o estudante não dispõe de condições para realizar uma leitura oral e, quando faz, isso exige muito esforço. Os resultados na rede pública de ensino foram de 45% de estudantes nesse perfil. Nas redes municipais, 43%, e a rede estadual de ensino apresentou resultado preocupante, com 47% dos estudantes no perfil pré-leitor (CAEd/UFJF, 2023b).
Em relação ao perfil leitor iniciante, a avaliação apontou os seguintes resultados: 42% na rede pública, 44% nas redes municipais e 39% na rede estadual. Novamente, a rede estadual apresenta pior resultado em comparação às demais. Quanto ao perfil leitor fluente, as redes municipais e estaduais externaram, respectivamente, o mesmo resultado: 13% (CAEd/UFJF, 2023b).
A diferença de desempenho entre as redes fez emergir algumas reflexões, como, por exemplo: por qual motivo a rede estadual de ensino apresentou piores índices e quais seriam as razões para as redes municipais terem demostrado melhor desempenho? Tais aspectos não são respondidos pelos organizadores, logo inferimos tratar-se de contingências educacionais e fatores endógenos que impactaram a avaliação, trazendo alteridades para os resultados.
No tocante às parcerias que os entes federados têm aderido na implementação da ADFL, como, por exemplo, a Associação Bem Comum, preocupa-nos, pois podem revelar a restrita participação do Estado em seu papel básico de estar à frente de políticas públicas voltadas à educação.
5 Considerações finais
O presente estudo abrangeu um recorte de pesquisa realizada no mestrado. Objetivou investigar o atual interesse nacional pela fluência em leitura dos estudantes, descrever como a Avaliação da Fluência em Leitura é organizada, bem como o que foi considerado na análise dos resultados gerais da avaliação. Ancoramos o estudo na Teoria Histórico-Cultural por destacar a interconexão entre o desenvolvimento individual, o contexto social e cultural, além de enfatizar o papel fundamental da linguagem, da interação social na construção do conhecimento e na formação das capacidades cognitivas dos indivíduos. Realizamos uma pesquisa de natureza quantiqualitativa, de técnicas bibliográfica e documental, que contou como categorias principais de análise: avaliação, processo de alfabetização e fluência leitora, em um período de 2008 a 2023.
A ADFL ganhou destaque a partir da publicação do NRP, no ano de 2000, o qual apontou dados de pesquisas referentes à alfabetização, com destaque da importância da fluência em leitura para a compreensão. A partir daí, foi estruturado, pelo CAEd/UFJF, um instrumento que pudesse mapear as dificuldades dos estudantes quanto à aquisição do código alfabético de língua portuguesa. Apesar de o CAEd/UFJF demonstrar respaldo na exigência da BNCC (Brasil, 2018) em garantir que a criança esteja alfabetizada até o final do 2º ano do ensino fundamental, esse aspecto diverge do nosso entendimento por diferentes motivos: o tempo de alfabetização plena pode sofrer mudanças e a BNCC (Brasil, 2018) diverge dos documentos de política pública de estado, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997), o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Brasil, 2013b), a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (Brasil, 2013a) e o Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014-2024), conforme a Meta 5 da Lei nº 13.005/2014: “[...] alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental” (Brasil, 2014, p. 58). Dessa forma, vemos a Meta 5 do PNE ser contrariada pela política de governo no quesito do tempo para alfabetização (3º ano) diminuindo-o em um ano, todavia atendendo ao descrito no item Estratégia 5.2: “[...] instituir instrumentos de avaliação nacional periódicos e específicos para aferir a alfabetização das crianças, aplicados a cada ano, bem como estimular os sistemas de ensino e as escolas a criarem os respectivos instrumentos de avaliação e monitoramento” (Brasil, 2014, p. 10). Notadamente, vemos a política de governo divergir em suas ações, ora atendendo, ora contrariando metas do PNE (2014). Compreendemos que o monitoramento, indissociável da avaliação, precisa ter uma função preventiva e formativa, permitindo que a ação docente seja redirecionada para que o estudante resgate a oportunidade de aprender e não configurar um instrumento para monitorar apenas os resultados dos sistemas educativos em relação às competências e habilidades exigidas pelos documentos norteadores curriculares, conforme aponta Castro (2009).
No que tange aos resultados da avaliação dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental, em meados de 2023, a nível estadual e regional (escolas jurisdicionadas à Diretoria de Ensino de Presidente Prudente/SP), traçaram um panorama da alfabetização, sinalizando o IFL de 4,8 pontos, de uma escala de 0 a10, ou seja, menos de 50% de estudantes no perfil “ideal” de leitor. Em nível regional (Presidente Prudente/SP), os 11 municípios apontaram o seguinte resultado: participação de 2.960 estudantes (89%), classificados entre 35% no perfil pré-leitor, 48% no perfil leitor iniciante e 16% no perfil leitor fluente. Apesar de o nível regional demonstrar superioridade nos resultados comparados à rede estadual de ensino, a defasagem na aprendizagem da leitura, segundo a avaliação, persiste. A Avaliação da Fluência de Leitura apresenta falhas, todavia poderia utilizar os resultados para rever a política de formação continuada de professores, oferecer maior apoio acadêmico aos alunos, ofertar espaço físico de melhor qualidade a todos, combater a desigualdades sociais, dentre outras.
Apesar de os resultados da avaliação terem apontado defasagem, a pesquisa demonstrou que o teste não considera a coordenação das múltiplas capacidades que a tarefa de ler contempla, à medida que está direcionada apenas para a decodificação e compreensão linguística da língua. Essa lacuna nos fez indagar se o instrumento avaliativo em discussão seria qualificado para mensurar a capacidade leitora dos estudantes e sua compreensão sobre ela. Compreendemos que necessita de adequações, pois a leitura é um processo complexo que envolve diferentes habilidades cognitivas e deveria considerar o processamento de aspectos gráficos, sintáticos e semânticos do texto, bem como o conhecimento de mundo que o discente possui, tendo em vista as contribuições de Vygotsky (2007) sobre a linguagem como uma ferramenta capaz de moldar a forma como os indivíduos pensam e resolvem problemas, capaz de influenciar a forma como as pessoas processam informações e constroem sua compreensão do mundo.
Problematizamos também o fato de não haver a possibilidade de refazer o teste. Nesse cenário, a avaliação é seletiva, pois trata-se de crianças entre 7 e 8 anos de idade que não podem errar, retomar e refazer a leitura, nem o professor aplicador caso se depare com alguma circunstância atípica. Apreendemos que esse aspecto é incompatível com o sentido de avaliação à luz de Vygotsky (2017). Para o estudioso, o “erro” é positivo, podendo ser utilizado de diversas formas como nova oportunidade de aprender ou um medidor (diagnóstico) das dificuldades do aluno, sendo considerado então não mais o fim, mas uma estratégia que deve ser aproveitada para retomar conceitos. O erro não deveria ser forma de ranqueamento daquilo que não se sabe, e sim de buscar forma de trabalho adequada.
Outro aspecto relevante na pesquisa diz respeito à forma como a avaliação foi corrigida e os estudantes classificados em um perfil leitor. A análise e classificação do perfil dos estudantes é realizada por corretores externos qualificados pelo CAEd/UFJF. Entendemos que a avaliação deveria levar em consideração a ZDP, que é a distância entre o que a criança pode fazer de forma independente e o que pode realizar com o apoio do professor. O docente, ativo no percurso, identifica o potencial de aprendizagem do discente e adapta seu ensino a favor da aprendizagem significativa para o desenvolvimento humano (Vygotsky, 2007). Por isso, esse processo de análise também deveria ser realizado no âmbito escolar, possibilitando ao professor se apropriar desse conhecimento como parte integrante da ação, visto que ele é quem ensina e estimula a leitura, que conhece as especificidades e características individuais de seus estudantes, tendo propriedade para qualificar a análise e o resultado do teste e redirecionar sua prática didático-pedagógica. Ao contrário disso, os docentes recebem os resultados prontos.
Percebemos ser importante também retomar o papel que as parcerias, como Associação Bem Comum, têm junto aos entes federados no processo de implantação da ADFL. Elas escancaram a mínima participação do Estado na educação, deixando essa função fundamental para as coparticipações que estabelece, e revelam os resultados deploráveis em que a educação pública se encontra, tendenciando a sociedade a descartar a educação pública como patrimônio cultural.
Mediante o exposto, constatamos que a ADFL, da forma como foi implementada, está sendo direcionada à decodificação e compreensão linguística, abstraindo as múltiplas habilidades que o ato de ler contempla; evidencia defasagem, suprimindo os fatores endógenos e exógenos e as contingências educacionais que podem impactar os resultados, bem como pouco considera o professor na análise dos resultados. Por esses motivos, interpretamos que necessita de ajustes significativos para uma implementação favorável à aprendizagem da leitura.
Entendemos que as pessoas precisam aprender a ler, não dentro do tempo estabelecido, mas que seja a leitura um dos instrumentos para obter mais instrução, maior participação democrática e mais cultura.
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Notas
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