DOSSIER
APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ (SEGUNDA PARTE). O FÉDON DE PLATÃO. CONFERÊNCIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PLATONISTAS (SBP)
DOSSIER’S PRESENTATION (SECOND PART): PLATO’S PHAEDO. PLATONISTS BRAZILIAN SOCIETY CONFERENCE
APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ (SEGUNDA PARTE). O FÉDON DE PLATÃO. CONFERÊNCIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PLATONISTAS (SBP)
Revista Archai, núm. 17, pp. 39-44, 2016
Universidade de Brasília

É com grande prazer que trazemos à luz a segunda e última parte do Dossiê “O Fédon de Platão” (Sociedade Brasileira de Platonistas-SBP). Este corpus escrito é composto de contribuições apresentadas no XII Simpósio Internacional da Sociedade Brasileira de Platonistas (SBP), realizado no Campus Santa Mônica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), entre os dias 07 e 10 de abril de 2015.
O evento – tal como salientamos já na apresentação da primeira parte do dossiê – foi chancelado pela International Plato Society (IPS) como Regional Meeting e contou com a participação de dezenas de estudiosos brasileiros e estrangeiros, numa teia de colaboração que encontra aqui – mas não apenas aqui, uma vez que se manifesta ainda de outras formas – o seu registro fundamental.
Nesta segunda parte do dossiê, contamos com mais oito artigos.
Em artigo intitulado “Uma insólita mistura de prazer e dor”, Anastácio Borges investiga os efeitos do que no Fédon surge como uma “estranha afecção” (atopon pathos), “uma insólita mistura de prazer e dor”. O autor procura, a partir exatamente do binômio prazer/ dor, elucidar a defesa socrática acerca do desejo e do prazer à luz da proximidade da morte. O artigo tem como fim demonstrar em que medida aquela proximidade implica a esperança de alcançar, após a morte, uma sabedoria que o amante do saber parece não poder experimentar em plano corpóreo.
No artigo “El Fedón y la educación para la (no‑) muerte en la España Quinientista”, Edrisi Fernandes, baseando-se na tradução para o castelhano do Fédon (1446-1447, a partir da versão latina de Leonardo Bruni [Leonardo de Arezzo/Arecio; Leonardo Aretino]) de Pero Díaz de Toledo (c. 1410-1466), sua tradução de Axíoco (c. 1444-1445; a partir da versão latina de Cencio de’ Rustici) e seu Diálogo y razonamiento en la muerte del marqués de Santillana (antes de 1460), analisa o problema da educação para a morte e do ensino sobre a imortalidade da alma na Espanha “quinientista”.
Guilherme Motta, no artigo “Seria o platonismo uma negação da vida?”, argumenta em favor da tese segundo a qual se a “morte” no Fédon significa separação da alma e do corpo, sem que a alma seja com isso aniquilada, tal significa a continuidade da vida contemplativa, a mesma que foi tolhida pelos limites impostos pelo corpo durante a existência corpórea. Assim, a vida contemplativa representaria uma vida de fruição contínua do maior prazer. Motta, porém, acrescenta ainda que é fundamental verificar como Platão tratou nos diálogos a questão da fruição dos prazeres corpóreos tanto no caso do filósofo quanto no caso do homem comum: uma tese que leva à constatação de que o platonismo não é uma negação da vida, mas antes a afirmação da vida, seja na dimensão corpórea, seja espiritual.
Por sua vez, Trindade, em seu “Observações sobre ‘o igual’ e ‘os iguais’: Fédon 72e‑77a”, analisa o Fédon em perspectiva que toma a reminiscência, segundo angulação ontoepistemológica, como forma de aquisição dos diferentes saberes: um captado a partir das sensopercepções, outro “concebido” no pensamento. Segundo o autor, como teoria sobre a cognição e a aprendizagem, a reminiscência consistirá no exercício de recuperação de saber anterior, realizado a partir da experiência do conhecimento de “algo” captado a partir das sensopercepções (76d-e; Men. 82-86; Phdr. 249b-c). O que é percebido não são predicados formados a partir da observação de paus e pedras iguais ou desiguais, mas “os próprios iguais” (74b): imagens do Igual, que “tomam como modelo” e ao qual se referem. Como concepção e teoria sobre a aquisição do saber, iniciada “pelo uso das sensopercepções”, a reminiscência consiste no processo gradual pelo qual a alma recupera o saber que é próprio dela (75e; Phdr. 249b ss.).
No artigo “Alma, morte e imortalidade”, Giovanni Casertano explora a tese segundo a qual diálogos de Platão são grandes representações teatrais. Representações nas quais se põe em cena sobretudo algo que nenhum dos tragediógrafos ou dos comediógrafos gregos se atrevera a tratar antes de Platão: a filosofia. No Fédon, diz Casertano, é possível identificar a perspetiva das ideias contraposta à de um puro e simples empirismo, bem como a proclamação da imortalidade da alma, e, sim, incongruências lógicas e argumentativas. Contudo, para alcançar o sentido disto tudo é preciso abandonar precisamente a pretensão de encontrar nele um tratado de filosofia. Antes de mais, é preciso lê-lo como uma obra teatral que põe em cena uma situação singular, com personagens singulares que discutem filosofia, ou aquilo, entre eles, é a filosofia.
Xavier, em contribuição intitulada “O agnosticis‑ mo platônico no Fédon de Platão”, trata do problema epistemológico que envolve afirmações relativas à alma e ao além no contexto do Fédon de Platão. O autor dedica especial atenção aos dados que, naquele contexto dramático, surgem como elementos teóricos que jogam forte dúvida sobre aspectos considerados essenciais da metafísica do filósofo, tais como: a relação corpo-alma, a morte enquanto bem e/ou mal, a natureza eterna da alma.
Finalmente, em seu “Liberar el alma del cuerpo‑‑prisión: la función de la verdadera filosofía”, Francesc Casadesús analisa o Fédon evocando a presença de um Sócrates “conhecedor do Além”, hábil no uso de terminologia “mistérica” (convertida em conceitos filosóficos), de procedência órfico-pitagórica, quando não, até mesmo, um iniciado. Sendo assim, refere o autor, as noções de imortalidade da alma e de iniciação são reutilizadas para definir o que, em diversas ocasiões, o filósofo diz ser “correta”, orthos, filosofia. Em tal contexto, Platão teria transformado a metáfora órfica do corpo entendido como tumba da alma, soma‑sema, pela imagem do corpo-prisão. Casadesús tenta demonstrar em que medida esta apropriação da metáfora obedece a interesses de Platão, no sentido de “melhorar” a imagem órfica da tumba que, por motivos éticos, epistemológicos e literários, lhe parecia insuficiente.
Não podemos, também nesta segunda e conclusiva parte de nosso Dossiê, deixar de registrar o nosso muito obrigado a todos os colegas que nos alegraram com suas presenças na cidade de Uberlândia. Agradecimento especial devemos, uma vez mais, à CAPES, pelo fundamental apoio e pela gentileza com a qual sempre trata as demandas da SBP. Novamente agradecemos à pesquisadora Ália Rodrigues (Cátedra UNESCO/Archai, UnB) pelo cuidado com a revisão técnica/científica das provas e pela disponibilidade, sempre marcada por irrepetível gentileza. Por fim, mas não menos importante, deixamos, na pessoa do seu Editor, o Prof. Gabriele Cornelli, o nosso agradecimento à Archai: Revista de Estudos sobre as Origens do Pensamento Ocidental, pelo espaço concedido ao dossiê que, agora concluído, a SBP deixa como mais um de seus legados.
Boa leitura a todos!
Autor notes
dennysgx@gmail.com
Informação adicional
COMO CITAR: XAVIER, D. G. (2016). Apresentação do Dossiê (segunda parte). O Fédon de Platão (Sociedade Brasileira de Platonistas – SBP). Archai, n. 17, may-aug., p. 39-44.