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Pierre Hadot (1922‑2010), In memoriam
Revista Archai, núm. 18, pp. 291-316, 2016
Universidade de Brasília



Recepção: 01 Julho 2015

Aprovação: 01 Agosto 2015

DOI: https://doi.org/10.14195/1984-249X_18_8

Resumo: Este artigo oferece uma apresentação biográfica e bibliográfica da vida e da obra de Pierre Hadot, a qual traça as etapas da sua carreira acadêmica (no CnRS, na École pratique des hautes études e no Collège de France) e as diferentes áreas e fases da sua pesquisa: a patrística latina (ambrósio e Santo agostinho), a história do neoplatonismo (Porfírio, mário Vitorino e em seguida Plotino), o estoicismo (Epícteto e marcos aurélio), a compreensão geral do fenômeno da filosofia antiga como modo de vida, com uma atenção particular aos “exercícios espirituais”.

Palavras-chave: Filosofia antiga, Antiguidade tardia, estoicismo, neoplatonismo, exercícios espirituais.

Abstract: This paper provides a bio-bibliographical survey of the life and works of Pierre Hadot, following the main steps of his academic career (at the CnRS, the École pratique des hautes études and the Collège de France), and the various periods of his research : Latin Patristic (ambrosius and augustine), History of neoplatonism (Porphyry, marius Victorinus, then Plotinus), Stoicism (Epictetus and marcus aurelius), general interpretation of the phenomenon of ancient Philosophy as a way of life, with a special focus on the “Spiritual Exercises”.

Keywords: Ancient Philosophy, Late Antiquity, stoicism, Neoplatonism, spiritual exercises.

Na noite de 24 para 25 de abril de 2010, falecia Pierre Hadot, figura eminente da filosofia francesa do século XX, historiador do pensamento antigo e de sua tradição, mas também modelo vivo de “sábio” para todos aqueles que o conheceram, para todos aqueles que o leem. nascido em 21 de fevereiro de 1922 em Paris, criado em Reims, segundo suas palavras, “nas saias da Igreja”, e destinado desde cedo ao sacerdócio, como seus dois irmãos Henri (1907-1990) e Jean (1912-2010), por uma mãe excessivamente piedosa, Pierre Hadot devia, aos seus estudos de juventude no “Petit séminaire” e depois, no “Grand séminaire” de Reims, segundo ele mesmo, seu amor pela Antiguidade, graças aos excelentes professores de grego e de latim e a uma formação filosófica sólida que, ao lado do tomismo, dava também lugar ao Bergson da obra As duas fontes da moral e da religião1.

Ordenado padre em 1944, ele estuda na Sorbonne e no Institut catholique, frequenta cursos, conferências, círculos filosóficos parisienses (Henri-Irénée marrou, nicolas Berdiaev, albert Camus, Gabriel marcel...) e, sobretudo, encontra o padre Paul Henry, jesuíta, professor de teologia no Institut catholique e famoso especialista e editor (com Hans-Rudolf Schwyzer) de Plotino. Depois de ter hesitado entre uma tese sobre Rilke e Heidegger sob a orientação de Jean Wahl e uma pesquisa, sugerida por Paul Henry, sobre a teologia de mário Vitorino (retórico cristão do século IV) e suas fontes neoplatônicas, Pierre Hadot escolhe a segunda opção (para grande decepção de Jean Wahl) e dá início, em 1946, à pesquisa que levou a uma série de grandes publicações sobre Vitorino, a teologia trinitária e Porfírio.

Em um volume de entrevistas publicado em 2001, que é ao mesmo tempo uma autobiografia pessoal, espiritual, intelectual, e uma introdução límpida e esclarecedora às várias partes da sua obra, ao seu método e ao seu pensamento (Hadot, 2001), ele mesmo descreve as diversas etapas de sua carreira (a maior cisão foi em 1952, com a ruptura com a Igreja e com o sacerdócio), a evolução de seus interesses, como também os princípios de unidade que permitem compreender a coerência do seu percurso, da sua obra e da sua vida.

Filósofo, filólogo e sobretudo latinista num primeiro momento, ele deu uma atenção cada vez maior à filosofia grega (especialmente neoplatônica e estóica), se voltando em seguida para pesquisas consagradas à descrição geral do fenômeno da filosofia como um “modo de vida” na antiguidade greco-romana, e para a história dos “exercícios espirituais” absorvidos pela tradição cristã (até os Exercitia spiritualia de Inácio de Loyola), aos quais ele se dedicou a identificar a presença até a época moderna: seu último livro publicado em 2008 é dedicado a Goethe e contém um comentário impressionante do Segundo Fausto (Hadot, 2008).

Sua carreira de pesquisador e de professor se desenvolveu inicialmente no CnRS (1949-1964), em uma época em que os investigadores não conheciam a estabilidade de emprego, depois na École pratique des hautes études (EPHE), onde ele assistiu sobretudo às conferências de Pierre Courcelle, andré-Jean Festugière, Henri-Charles Puech, e onde ele ocupa, a partir de 1964, na Seção das Ciências da Religião, um cargo de “directeur d’études” cujo título da cadeira foi mudado de forma muito significativa.

Eleito primeiramente, por causa de seu trabalho sobre Vitorino e com o apoio de René Roques, de Paul Vignaux e de Henri-Charles Puech para uma disciplina de “Patrística Latina”, ele começou estudando e comentando em suas conferências os sermões de Santo ambrósio e as Confissões de Santo agostinho. Em seguida, seu crescente interesse pelos gregos (Plotino, Porfírio e os neoplatônicos post-plotinianos mas também marco aurélio e os estóicos) e pela compreensão do fenômeno da mística (que há muito tempo o preocupava), se traduziu no novo título da sua cadeira: “Teologias e místicas da Grécia helenística e da antiguidade Tardia” (a partir de 1972). Foi nessa época, em 1976, que ele se tornou diretor do Centre d’études des religions du Livre, fundado em 1970 na quinta seção da EPHE pelas grandes figuras de Henry Corbin, Georges Vajda e Paul Vignaux2. Seu encontro, e depois seu casamento em 1966 com a filóloga e filósofa alemã Ilsetraut marten, autora de uma tese dedicada à direção espiritual em Sêneca (I. Hadot, 1968)3 – desenvolvida na Freie Universität de Berlin sob a orientação de Paul moraux – desempenharia um papel intelectual decisivo e estimularia seu interesse pelo estoicismo e pela história das técnicas e práticas existenciais e espirituais4, além do engajamento constante do casal nos estudos neoplatônicos5.

Eleito em 1982 no Collège de France, por consequência de uma iniciativa de michel Foucault, para a cadeira de “História do pensamento helenístico e romano” (tendo sido Paul Veyne quem lançou sua candidatura), Pierre Hadot pode dar então ao seu ensino uma visibilidade crescente na direção de um público mais amplo do que apenas helenistas e latinistas, especialistas em antiguidade, que frequentavam suas conferências na EPHE.

Ele permaneceu numa intensa atividade de pesquisa e de escrita, que provocou a admiração de todos, nos vinte últimos anos de sua vida, desde o momento da sua aposentadoria (1991) até sua morte em 2010. Este período viu o surgimento da coleção Les Écrits de Plotin nas edições do Cerf6, e a publicação de importantes livros, amadurecidos ao longo dos anos de ensino, e aos quais seus ouvintes tiveram, ao longo dos anos, acesso em primeiro lugar: La Citadelle intérieure. Introduction aux Pensées de Marcus Aurelius (Hadot, 1992) e Qu’est‑ce que la philosophie antique? (Hadot, 1995)7, onde é apresentada sua interpretação geral da filosofia antiga, que será desenvolvida ao longo de sua carreira, como exercício espiritual visando o atingimento da sabedoria, ao invés de apenas uma simples sucessão de doutrinas teóricas e de sistemas; e na editora Gallimard, Le Voile d’Isis. Essai sur l’histoire d’idée de Nature (Hadot, 20041), culminância de longas pesquisas, obra muito complexa inspirada por Bergson e Goethe, onde se encontra um estudo completo sobre a história das interpretações do aforismo de Heráclito “a natureza gosta de se esconder” e também, por exemplo, a distinção entre as duas atitudes opostas face à natureza (“prometeiana” e técnica de um lado e, “órfica” e contemplativa de outro).

Depois de ter publicado uma edição do livro I das Meditações de marco aurélio precedida de uma rica introdução (Hadot, 19982), e de ter publicado uma tradução comentada do Manual de Epícteto (Hadot, 2000), Pierre Hadot deu prosseguimento e concluiu na primavera de 2010 – pouco antes de nos deixar – a tradução completa dos livros I-VII das Meditações, acompanhado de notas as quais ele continuou a completar e a aprimorar até seis dias antes de sua morte. Esta última realização será publicada nos volumes que constituirão a continuação da edição de marco aurélio, na CUF8.

Pierre Hadot, com efeito, ao longo dos anos, se distanciou um pouco de Plotino (especialmente de sua mística) e de outros neoplatônicos, preferindo um convívio mais íntimo com os estoicos e, especialmente, com marco aurélio (Hadot, 2001, p. 135-141). Ele julgava a doutrina mais humana, mais praticável, e a leitura mais proveitosa para si próprio e para nós. Era possível, segundo ele, distinguir entre as duas abordagens: por um lado efetuar objetivamente o trabalho filológico e histórico (editar cientificamente os autores antigos, por exemplo, marco aurélio), assim como o trabalho exegético (interpretar e comentar as Meditações a partir da perspectiva do gênero literário da meditação por escrito, dos dogmas mobilizados nesses exercícios, do contexto histórico e intelectual da antiguidade); e, por outro lado, realizar uma espécie de “desmitologização” (no sentido introduzido por Rudolf Bultmann no campo da exegese do novo Testamento), ou seja, delimitar, reativar, reatualizar um “núcleo” de significação bem distinto de seus condicionamentos históricos, e assim avaliado como sempre vivo e válido – para além das particularidades e tecnicidades ultrapassadas das doutrinas antigas – para o homem contemporâneo. Foi então que o filósofo Pierre Hadot tomou o lugar do historiador da filosofia, pois para ele – e esta citação é crucial: “[...] as pesquisas sobre o passado devem ter um sentido atual, pessoal, formador, existencial” (Ibid., p. 113-118 e p. 251-252). Vemos se articular aqui com precisão, e sem qualquer confusão, por um lado a competência de filólogo e de historiador e, por outro lado, a busca filosófica e espiritual da sabedoria: “[...] ao esforço de objetividade [científica] se adiciona um suplemento, um algo mais, que é de encontrar aí nosso alimento espiritual”.

Assim, os exercícios espirituais de marcos aurélio (admitir apenas representações “objectivas”, orientar suas ações na direção de servir a comunidade humana, limitar nossos desejos àquilo que depende de nós, situando todas as coisas na perspectiva de um Todo) se apresentam como exercícios praticáveis ainda hoje e fazem parte do belo conjunto de exercícios espirituais (como o “pensamento da morte” e “a concentração sobre o presente”, que intensificam o sentimento de existência ou ainda “ver todas as coisas segundo um olhar do alto” que conduz a uma universalização) que a tradição clássica nos legou, que estavam ainda vivos numa outra época (como o mostra o exemplo de Goethe) e cuja prática sempre possível traça o programa de uma busca pela sabedoria no seio de nossa vida humana atual9. o título do último livro publicado por P. Hadot soa assim como a mais bela exortação: Não se esqueça de viver (Hadot, 2008).

Uma relação particular uniu durante muito tempo Pierre Hadot ao Institut d’Études augustiniennes e sabemos de sua longa e fiel amizade com o padre Georges Folliet (falecido em junho de 2011). Esta amizade é mencionada por ele no livro de entrevistas já citado. Foi aos “Études augustiniennes” que Pierre Hadot deu a responsabilidade (antes de se voltar para outros editores, mais orientados para o grande público) de publicar as importantes obras da história da filosofia que se destacaram em sua trajetória científica e que, cada uma à sua própria maneira, fez brilhar suas diferentes facetas. Em sua magistral tese de doutorado, Porphyre et Victorinus (Hadot, 1968), ele teve por objetivo identificar as fontes porfirianas dos escritos de mário Vitorino, e fornecer ao mesmo tempo uma edição comentada de um comentário anônimo sobre o Parmênides de Platão, conservada em um palimpsesto de Bobbio destruído em 1904, e que ele atribuiu a Porfírio: em razão de sua amplitude, este trabalho é ainda hoje uma obra magistral e fundamental sobre a história do neoplatonismo pós-plotiniano10.

Pouco depois foi publicada, ainda nos “Études Augustiniennes”, a segunda tese que ele realizou a fim de completar a sua primeira tese sobre Porfírio, ou seja, um volume de 424 páginas dedicado a Marius Victorinus. Recherches sur sa vie et ses oeuvres (Hadot, 1971). Estes livros foram a culminância das longas pesquisas realizadas desde 1946 sob o estímulo de Paul Henry, e já marcadas por duas publicações fundamentais: a edição e a tradução dos Traités théologiques sur la Trinité na coleção “Sources chrétiennes” (Hadot, 19602)11 e, em paralelo, uma tradução alemã (com comentário) publicada sob o título Christlicher Platonismus. Die theologischen Schriften des Marius Vitorinus (Hadot, 1967).

Em 1973, é aos “Études augustiniennes” que ele entrega para a publicação a segunda edição de uma pura obra de arte: Plotin ou la simplicité du regard, escrito febrilmente, no espaço de um mês, e inicialmente publicado pela Plon na coleção “La Recherche de l’Absolu” (Hadot, 1963, reeditado em 1973 e em 1997), dirigida pelo filósofo e antropólogo Georges-Hubert Radkowski. Este pequeno livro, várias vezes reeditado, introduzia com força e clareza – sem uma tecnicidade enfadonha e se baseando somente em novas traduções francesas – aos grandes temas do pensamento de Plotino e à sua mística. Ele é ao mesmo tempo uma introdução vigorosa a Plotino e, para os especialistas, a oportunidade de voltar ao essencial, para além dos meandros técnicos da pesquisa. Esta obra mostra brilhantemente as três qualidades maiores de inúmeros livros de Pierre Hadot, até seus últimos escritos: rigor da abordagem histórica na história da filosofia, clareza e simplicidade absolutas de expressão (sem tecnicidade inútil nem jargão desnecessário), preocupação em conjugar tanto o estilo “científico” quanto o estilo de umaexplicação ad extra, voltadaparaumpúblicoculto.

Se Plotin ou la simplicité du regard é um momento inicial e privilegiado da série de pesquisas consagradas por P. Hadot à mística, um outro volume publicado nos “Études augustiniennes” com o apoio do padre Folliet marcava, em 1981 (no momento da sua candidatura à cadeira do Collège de France), uma etapa fundamental dos seus trabalhos sobre a tradição dos exercícios espirituais antigos: trata-se da coletânea Exercices spirituels et philosophie antique (Hadot, 1981)12, organizada a partir do artigo introdutório “Exercices spirituels”, publicado em 19772 na abertura de um volume do Annuaire de la Ve Section de l’École pratique des hautes études. a partir deste texto, sobre o qual Pasquale Pasquino, então auditor das conferências da EPHE, chamou imediatamente a atenção de michel Foucault (cuja História da sexualidade foi publicada nos anos 1976-1984), Pierre Hadot não cessou de aprofundar a sua reflexão sobre a essência da filosofia antiga (citemos ainda seu livro: Qu’est‑ce que la philosophie antique? [Hadot, 1995]). Este aspecto da sua obra lhe valeu uma atenção especial por parte do público culto nas duas últimas décadas.

Ele destacou, sem jamais minimizar a importância das doutrinas, a natureza fundamentalmente prática e “existencial” da filosofia antiga: pôr em prática uma escolha de estilo de vida radical e inaugural que é, ao mesmo tempo, decisão ética e modificação da percepção do mundo, “maneira de viver” . “exercício espiritual”, a filosofia é irredutível aos sistemas teóricos dos discursos que ela produz, que a acompanham (discurso interior que regula a conduta, discurso de ensinamento doutrinário ad extra), e a pesquisa científica ela mesma é, enquanto vida teorética (por exemplo, em aristóteles), uma dimensão da filosofia como vida filosófica. (Devemos distinguir claramente entre o discurso “teórico” e a vida “teorética”). Pierre Hadot estudou assim as diversas técnicas existenciais da vida filosófica nas suas relações de reciprocidade (mas também de distinção) com o discurso filosófico: numerosos exercícios espirituais eram comuns, com certas nuances, às diversas “escolas” da antiguidade, para além das diferenças doutrinais e institucionais.

Paralelamente, Pierre Hadot sempre prestou uma grande atenção – ao mesmo tempo filológica e hermenêutica – aos textos produzidos pelos filósofos da antiguidade: a tradução e o comentário estiveram no centro do seu trabalho. Para ele, a interpretação de um texto, apoiado sobre um fundamento filológico impecável (começando com a qualidade das edições!) e sobre o ascetismo da tradução (uma forma de exercício espiritual, dizia ele), deveria procurar uma forma de objetividade fundamentada particuliarmente sobre a filologia e a lingüística (o sentido das palavras), a contextualização histórica e a consideração dos gêneros literários e das exigências que eles impõem aos filósofos-escritores. Segundo ele, é preciso sempre ter em mente que uma obra filosófica, na antiguidade, visa menos informar e transmitir um sistema de pensamento, do que formar o leitor ou o ouvinte e produzir nele uma modificação, uma certa disposição do pensamento e da alma.

Pierre Hadot não apreciava o método dos filósofos “analíticos”, puramente lógico e indiferente à filologia, à história, à contextualização, assim como aos aspectos existenciais dos textos e das proposições. Uma vez que os discursos filosóficos são frequentemente as teorizações ou os protocolos dos exercícios espirituais praticados pelo filósofo e por seus destinatários – o que explica bem as particularidades de sua estrutura literária –, a interpretação de tais textos requer uma explicitação das situações de comunicação (consigo mesmo e com os outros), de transformação (de si mesmo e dos outros), e dos “jogos de linguagem” no sentido de Wittgenstein (que permitem compreender as aparentes incoerências na composição das obras): nesse aspecto o método vai ao encontro do desenvolvimento contemporâneo dos estudos sobre a retórica antiga, a compreensão da dimensão retórica dos textos filosóficos sendo crucial para apreciar a natureza do exercício espiritual (“se persuadir”, “mudar a si mesmo”, como no caso das Meditações de marco aurélio que são muitas vezes fórmulas breves e marcantes, literariamente “esculpidas”, visando produzir um efeito sobre si mesmo) ou a natureza do discurso psicagógico (fazer o outro realizar, o estudante ou o leitor, um certo caminho espiritual que o conduza a uma mudança interior – experiência mística ou busca da sabedoria).

Pierre Hadot estava também atento a todos os aspectos concretos e sociais do fenômeno da filosofia na antiguidade: como testemunha o prefácio escrito na abertura do primeiro volume do Dictionnaire des philosophes antiques de Richard Goulet (Hadot, 19942). Todos os documentos sobre a vida material e real das escolas e sobre as práticas pedagógicas, assim como a prosopografia dos homens que, sem ter professado doutrinas, simplesmente viveram “filosoficamente”, podem ser plenamente, nesta perspectiva, o objeto de um estudo da vida filosófica na antiguidade.

Para melhor compreender a obra de Pierre Hadot é preciso, contudo sair um pouco do domínio exclusivamente erudito da filologia clássica, da história antiga, da história da filosofia greco-romana, e restituir o horizonte que confere a esta obra sua respiração, suas amplas perspectivas e sua profunda significação.

Para Pierre Hadot, a experiência filosófica é fundamentalmente uma mudança radical em nossa percepção do mundo. Convém então sublinhar antes de tudo a importância do ambiente dos seus anos de formação filosófica, sua familiaridade com a filosofia francesa e alemã contemporânea, a fenomenologia, o existencialismo e especialmente Bergson, que Jankélévitch aproximava de bom grado de Plotino, e para quem a filosofia é uma “transformação da percepção”, como a realização dos pintores13; depois de Bergson, outro filósofo da percepção, merleau-Ponty, cuja Aula inaugural no Collège de France nutriu a meditação de Pierre Hadot sobre a figura do “filósofo”, e segundo o qual a filosofia reaprende a ver o mundo14; o Wittgenstein do Tractatus logico‑philosophicus que fala do “indizível”, do “místico”, e de as Investigações Filosóficas que propõe a noção de “jogos de linguagem” (essencial ao desenvolvimento da reflexão de P. Hadot sobre a composição literária das obras filosóficas antigas e sua dimensão de exercícios espirituais)15; Heidegger, conhecido primeiramente através do livro do fenomenologista belga alphonso de Waehlens16 e cuja diferença entre o “ser”-infinitivo e o “sendo”-particípio deve ser situado na longa história da distinção entre o ser e o sendo, remontando ao Comentário de Porphyre ao Parmênides e ao De hebdomadibus de Boécio17.

Por esta conivência com o pensamento dos modernos, por sua meditação constante sobre filósofos, escritores, poetas, sobretudo alemães (Goethe, Hölderlin, novalis, nietzsche, Hofmannsthal, Rilke...) que fazem muitas vezes ressaltar o vigor de alguns temas proveniente da antiguidade, Pierre Hadot – que era também um grande leitor de montaigne, cuja curiosidade o levou a se interessar até pelo pensamento chinês, e que prestou sempre uma grande atenção à pintura18 – escreveu assim uma página da história da filosofia francesa do século XX: como testemunham o interesse dado às suas pesquisas sobre os exercícios espirituais por Foucault, seus encontros com os filósofos arnold I. Davidson e Sandra Laugier, mas também o congresso organizado em 01 de junho de 2007 na École normale Superieure (EnS), por a. I. Davidson e o especialista de Bergson, Frédéric Worms (Centre international d’étude de la philosophie française contemporaine). a esse propósito é muito comovente lembrar que Pierre Hadot participou pela última vez em um evento cientifico, em 12 de abril de 2010, na biblioteca da EnS na rue d’Ulm, na ocasião da apresentação do primeiro livro dedicado ao seu pensamento, e que é devida à iniciativa dos especialistas, mencionados nas linhas anteriores, do pensamento francês contemporâneo19.

Mas existe um outro núcleo ativo fundamental do pensamento e da vida de Pierre Hadot, que é de ordem irredutivelmente individual e foge à história da sua formação intelectual. Trata-se de experiências, feitas desde a sua juventude e sem ligação, segundo ele, com a prática de exercícios espirituais cristãos nem com a mística cristã das três “vias”, codificadas por João da Cruz (vias “purificadora”, “iluminativa”, “unitiva”), elas mesmas de origem neoplatônica – esta prática parece, aliás, ter sido muito pouco encorajada na época pela Igreja. Pierre Hadot manterá sempre uma admiração pela espiritualidade de João da Cruz e a beleza de seus poemas (ele falava dele em suas conferências, e lia alguns trechos de suas obras), mas ele jamais conheceu esse tipo de experiência, nem também a experiência do tipo plotiniano. o que ele viveu várias vezes, no entanto, foi uma experiência “mística” muito intensa, puramente existencial e não-religiosa, um estado de encantamento perante o mundo: ao mesmo tempo um sentimento puro de existência (uma “pura felicidade de existir”, tal como descrito pelo Rousseau da “Cinquième promenade” das Rêveries) e, segundo as palavras de Romain Rolland, um “sentimento oceânico”, que ele aproxima das análises de michel Hulin em La Mystique sauvage20:

Eu sentia, disse P. Hadot, um sentimento de estranheza, de admiração e de encanto por estar lá. ao mesmo tempo, eu tinha a sensação de estar imerso no mundo, de fazer parte dele, o mundo se estendendo desde a menor das folhas até as estrelas. Este mundo era presente a mim, intensamente presente21.

Uma tal experiência da presença indescritível do mundo devia torná-lo sensível tanto ao Wittgenstein do Tractatus quanto ao Damácio do Tratado dos primeiros princípios. Por outro lado, falando da Náusea de Sartre e da experiência da existência que é aí descrita, ele exprime toda uma outra percepção:

[...] víamos bem que existia aí uma experiência, uma espécie mesmo de êxtase, tendo por objeto a existência. mas a propósito dessa náusea, eu sempre pensei que era um sentimento próprio à psicologia de Sartre. Nós também poderíamos falar de encantamento, e não de náuseas, diante da existência22.

E uma frase da “Sétima Elegia” de Rilke resume essa experiência de encantamento: Hiersein ist herrlich, “Estar aqui é um esplendor.” a característica do pensamento hermenêutico e filosófico de Pierre Hadot se deve ao encontro, sempre mantido, entre esta experiência “mística” originária e um trabalho científico, fundado sobre o método histórico e filológico aplicado aos textos e a todos os fenômenos da filosofia.

Filósofo de formação cristã, profundamente marcado pelo existencialismo e pela fenomenologia, convertido desde cedo à disciplina exigente da história e da filologia (leitura de manuscritos, edição, tradução, comentário)23, latinista e helenista, Pierre Hadot permanecerá para nós um modelo de rigor intelectual: a filologia constrói o alicerce sobre o qual a reflexão filosófica, de modo algum entravada ou atrasada pela erudição, mas sustentada verdadeiramente por ela, pode se desenvolver.

Sua considerável obra guia de maneira duradoura os estudos da história da filosofia antiga e da patrística24. E, como já mencionado, ele foi uma figura eminente da filosofia francesa do século XX. mas além de tudo ele é, para todos aqueles que o conheceram, que tiveram o privilégio de ser seus ouvintes, seus alunos, ou ainda seus amigos ou seus colegas de trabalho, um modelo de vida e de sabedoria cuja lembrança vive em nós – como vive em nós a lembrança do seu olhar, da sua gentileza, da sua atenção para com os outros, de sua constância face à doença, e também a lembrança do seu ensinamento oral, na Quinta Seção da EPHE ou nos anfiteatros do Collège de France. Sua imensa obra de historiador e de filósofo é ainda reforçada pelo traço, vibrante e ativo como um modelo, que ele deixa nas nossas memórias e que é uma injunção cotidiana e, incessantemente repetida, a ir em direção à sabedoria, nos encantando cada dia diante da deslumbrante existência do mundo e trabalhando para nos tornarmos melhores.

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_(2010). Jean Irigoin et la paleographie grecque. In: Garc ía, A. B.; Mart ín Pérez, I. (eds.). The Legacy of Bernard de Montfaucon: Three Hundred Years of Studies on Greek Handwriting. Brepols, Turnhout, Bibliologia 31 A, p. 601‑ 611.

RABBOW, P. (1954). Seelenfuhrung. Methodik der Exerzitien in der Antike. Munique, Kösel Verlag.

TARDIEU, M.; HADOT, P. (1996). Recherches sur la formation de l’Apocalypse de Zostrien et les sources de Marius Victorinus suivi de P. Hadot ≪Porphyre et Victorinus. Questions et Hypotheses≫. Peeters, Leuven, Res Orientalis IX.

VOELKE, A.‑ J. (1993). La Philosophie comme therapie de l’ame. Fribourg‑Paris, Vestigia.

WAEHLENS, A. de (1942). La Philosophie de Martin Heidegger. Louvain, Éditions de l’Institut Supérieur de Philosophie.

Notas

1. A tradução para o português do artigo foi realizada por Luciana Gabriela Soares Santoprete (Alexander von Humboldt Research Fellow) durante seus anos de pesquisa na Rheinische Friedrich‑Wilhelms‑Universitat Bonn, Institut fur Philosophie, Bonn, Alemanha, e no Institut d’Etudes Avancees de Nantes, Nantes, França. A referência bibliográfica do artigo original em francês é : Philippe Hoffmann, « Pierre Hadot (1922‑2010), In memoriam, Annuaire Ecole pratique des hautes etudes, Sciences religieuses, t. 119 (2010‑2011), p. xxxi‑xl ». Esse artigo original é uma versão aumentada do texto publicado na Revue d’etudes Augustiniennes et patristiques 57 (2011), p. III‑ XII.
2. Convém igualmente relembrar que Pierre Hadot, muito atento à vida institucional da Quinta Seção da EPHE exerceu também a função de secretário da seção de 1972 a 1974, sob a presidência do orientalista Paul Levy (titular da cadeira “Religiões Comparadas da Ásia do Sudeste”). O Anuario 1973‑1974 da seção informa que ele era encarregado das tarefas academico‑administrativas relativas aos estudantes bem como das publicações ligadas a Quinta Seção.
3. É preciso lembrar que Ilsetraut Hadot possui uma importante obra consagrada à história do pensamento antigo. Seus trabalhos fundamentais são o comentário de Simplicius ao Manual de Epicteto que ela editou e comentou (Hadot, editio maior, 1996 e editio minor, 2001); mas também a obra coletiva Simplicius: sa vie, son oeuvre, sa survie (Hadot, 1987), assim como um livro essencial sobre o ensino antigo (Hadot, 2005) resultado de conferências dadas na Quinta Seção nos anos 1980‑ 1981 e 1981‑ 1982.
4. Antecipemos um pouco. Segundo o próprio Pierre Hadot, dois livros o inspiraram muito em suas reflexões sobre os exercícios espirituais: aquele, já mencionado, de sua esposa sobre Sêneca, e a obra anterior de Rabbow (1954). Mas ele reconhece também uma dívida essencial com Wittgenstein e sua noção de “jogos de linguagem” (ver infra), e ele cita as análises de Louis Gernet ou de Jean‑Pierre Vernant sobre os “exercícios” relativos a certas técnicas de concentração ou de rememoração na Antiguidade (ver Hadot, 2001, p. 143‑ 144 e p. 152). Suas pesquisas caminharam na mesma direção das de Voelke, 1993, e de Domanski, 1996.
5. Uma bela obra comum assinada por Ilsetraut e Pierre Hadot (Hadot e Hadot, 2004) surgiu de uma iniciativa do meu falecido estudante Stéphane Diebler, “agrege‑ répétiteur” de grego na École Normale Supérieure e doutorando na EPHE, que morreu tragicamente em novembro de 2002 enquanto preparava uma tese sobre A vida de Isidoro de Damascius.
6. Devemos ao próprio Pierre Hadot a tradução comentada do Traite 38 (VI, 7), do Traite 50 (III, 5) e do Traite 9 (VI, 9), respectivamente P. Hadot, 1988, 1990, 19941. Entre os numerosos textos nos quais P. Hadot estuda Plotino citamos um dos mais belos: “Être, Vie et Pensée chez Plotin et avant Plotin” (Hadot, 19601), reimpresso em Hadot (1999).
7. Para a edição em língua portuguesa de 2004 cf. Hadot, 1995 (NdT).
8. Pierre Hadot tinha previsto confiar a conclusão desta tradução comentada a Jean‑Baptiste Gourinat, “directeur de recherche” do CNRS, um dos melhores especialistas do pensamento estoico, e a edição do texto grego a Matteo Ceporina, jovem filólogo italiano especialista em tradição textual das Meditacoes. Ambos agora estão trabalhando juntos para completar essa edição.
9. Ibid., p. 179‑ 180 e p. 253‑ 271 (capítulo 10: “Le présent seul est notre bonheur”).
10. P. Hadot retornou mais tarde este assunto – sempre discutido pelos especialistas – em uma frutífera colaboração com Michel Tardieu (Titular da cadeira “Gnose e maniqueísmo” na EPHE [1976‑ 1991] e professor no Collège de France, da cadeira “História dos sincretismos do fim da Antiguidade [1991‑2008]”). Em uma obra assinada por ambos os autores (Tardieu e Hadot, 1996), a questão é retomada de novo à luz de pesquisas recentes sobre os documentos gnósticos em língua copta e sobre a literatura médio e neoplatônica. [Uma tradução em língua portuguesa dessa importante obra está sendo preparada por Luciana Gabriela Soares Santoprete e será publicada em breve pela editora Annablume – NdT]. P. Hadot mantém a atribuição do comentário anônimo a Porfírio.
11. Mencionamos também na mesma coleção: Hadot, 19771.
12. Exercices spirituels et philosophie antique é uma coletânea que compreende um conjunto de artigos já publicados anteriormente (como “La figure de Socrate”, “La physique comme exercice spirituel, ou pessimisme et optimisme chez Marc Aurèle”, “Une clé des Pensees de Marc Aurèle: les trois topoi philosophiques selon Épictète”) e outros estudos inéditos. Ele foi em seguida reeditado com um prefácio de Arnold I. Davidson (Professor da Universidade de Chicago), pela Albin Michel. Nesta obra e em suas entrevistas (Hadot, 2001, p. 214‑ 215) P. Hadot explicita as diferenças (de método e de interpretação histórica) que distinguem suas concepções daquelas de Michel Foucault, suas reticências em relação por exemplo à noção de Foucault de “estética da existência” ou sobre a importância atribuída à “ética do prazer”. Em particular, Foucault “não destaca suficientemente a tomada de consciência do pertencimento ao Todo cósmico e a tomada de consciência do pertencimento à comunidade humana, conscientizações que correspondem também a uma transcendência de si mesmo”. No fundo, Hadot suspeita de Foucault estar reativando o dandismo.
13. Hadot, 2001, p. 155‑ 157, p. 199‑ 202, p. 204.
14. Ibid., p. 193‑ 194, p. 201, p. 207‑ 208, p. 220.
15. Hadot, 20042 e Hadot, 2001, p. 100‑ 101, p. 132, p. 209‑213.
16. Waehlens, 1942. Ver Hadot, 2001, p. 203 e ss., e p. 86‑ 87 (sobre Heidegger e Rilke).
17. Hadot, 1962.
18. Seus ouvintes se lembram dos cursos onde ele incitava a leitura das obras de Panofsky e analisava algum quadro renascentista (como O amor profano . O amor sagrado de Tiziano), ou ainda, para falar sobre o tema do “olhar a partir do alto”, comentava o expressivo quadro de Altdorfer, conservado em Munique, A Batalha de Alexandre, onde vemos se enfrentarem Alexandre e Dario em Issos em uma paisagem cósmica, dominada pela lua e o sol, que oferece um ponto de vista do alto e panorâmico (e orientado) sobre o Mediterrâneo e seu entorno. Mas Pierre Hadot também se referia a Cézanne, a Paul Klee, à pintura chinesa ou ainda à música: “[Beethoven] considerava sua arte como uma missão: favorecer a ascensão da humanidade ao universo da felicidade, à aceitação do mundo e à harmonia do universo” (Hadot, 2001, p. 224‑ 225). Ele amava e ouvia Bach, Wagner, Strauss, César Franck, Gabriel Fauré...
19. Davidson, Worms, 2010.
20. Hadot, 2001, p. 23‑ 28, p. 128‑ 129, p. 133 (ver também p. 132 sobre o “indizível” e o “místico”, segundo Wittgenstein).
21. Ibid., p. 23.
22. Ibid., p. 207‑ 208 (“Surpresa, encantamento diante de uma manifestação inexplicável, eu concordo, mas porque uma náusea?”).
23. Deve‑ se acrescentar que Pierre Hadot, na EPHE como no Collège de France, manteve relações de diálogo e de estima mútua com outro grande helenista, mestre no âmbito da filologia grega, Jean Irigoin, “directeur d’études” na quarta seção da EPHE e professor no Collège de France, que morreu em 2006, cuja personalidade e trabalhos foram mencionados na bela homenagem que lhe dedicou Brigitte Mondrain (2007) e podemos ler também o retrato científico que ela apresentou no fechamento do Setimo Congresso Internacional de paleografia grega (Mondrain, 2010). De forma significativa, muitos ouvintes na EPHE tiveram assim a feliz oportunidade de assistirem sequencialmente as conferências destes dois mestres, que se succediam na segunda‑ feira à tarde, entre 15 e 19 horas, durante anos, de um lado e do outro do corredor que reunia as duas seções da EPHE na Sorbonne.
24. Três coletâneas reúnem os principais artigos de P. Hadot: cf. respectivamente P. Hadot, 19981; 1999; e, mais recentemente um volume de 2010 que contêm principalmente os resumos das conferências dadas na École pratique des hautes études. [Uma quarta coletânea foi publicada após a redação desse artigo em 2014, NdT].


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