Artigo

A Teoria Monetária Moderna: Uma Avaliação de suas Premissas e suas Consequências Políticas

Modern Monetary Theory (MMT): An Evaluation of its Premises and its Political Consequences

La Teoría Monetaria Moderna: una evaluación de sus premisas y sus consecuencias políticas

Antony Peter Mueller
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Samuel Fernandes Lucena Vaz-Curado
Universidade Federal de São Paulo, Brasil

A Teoria Monetária Moderna: Uma Avaliação de suas Premissas e suas Consequências Políticas

MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 7, núm. 2, pp. 355-374, 2019

Instituto Ludwig von Mises - Brasil

Recepção: 30 Abril 2019

Aprovação: 14 Maio 2019

Resumo: A Teoria Monetária Moderna (MMT) ganhou o centro do debate econômico com as recentes propostas de grandes projetos de bem-estar social e ambiental nos EUA. Este artigo tem como objetivo apresentar os pressupostos básicos da MMT e posicioná-la na teoria econômica. As raízes da MMT estão associadas ao economista neomarxista Michal Kalecki, que afirma que os déficits não importam. Os representantes da MMT argumentam que projetos como Medicare para todos, “Green New Deal” e garantia de emprego não enfrentam restrições fiscais. Para o governo enquanto criador soberano da moeda nacional como meio de pagamento oficial, déficits orçamentários não importam porque pode-se sempre criar a quantidade de moeda necessária para financiar seus gastos. O artigo discute as principais propostas políticas da Teoria Monetária Moderna e elabora críticas e limitações de sua agenda.

Palavras-chave: Teoria Monetária Moderna, Kalecki, Dívida pública, Desemprego, Intervencionismo.

Abstract: The Modern Monetary Theory (MMT) has gained center stage of economic debate with proposals for major social and environmental welfare projects in the United States. This article aims to present the basic assumptions of MMT and its position in economic theory. The roots of MMT are associated with the neo-Marxist economist Michal Kalecki, who asserts that deficits do not matter. The adherents of MMT argue that projects such as Medicare for All, Green New Deal, and job security face no major fiscal restraint. For the government, as the sovereign creator of national currency as a legal tender, budget deficits do not matter, once it can always create as much money as necessary to finance its expenditures. The paper discusses the main policy proposals of Modern Monetary Theory and elaborates the critique and limitations of its agenda.

Keywords: Modern Monetary Theory, Kalecki, Public debt, Unemployment, Interventionism.

Resumen: La Teoría Monetaria Moderna (MMT) ha ganado un lugar central en el debate económico con proyectos de bienestar social y ambiental en los Estados Unidos. Este artículo presenta las suposiciones básicas de MMT y su posición en la teoría económica. Las raíces del MMT están asociadas con el economista neo-marxista Michal Kalecki, quien afirma que los déficits no importan. Los adherentes de MMT argumentan que los proyectos como Medicare para todos, Green New Deal y garantía de puesto de trabajo no enfrentan restricciones fiscales. Para el gobierno como creador soberano de la moneda nacional como medio legal de pagos, los déficits públicos no importan porque el gobierno siempre puede crear tanto dinero como sea necesario para financiar sus gastos. El artículo analiza las principales propuestas políticas de la Teoría Monetaria Moderna y elabora la crítica y las limitaciones de su agenda.

Palabras clave: Teoría Monetaria Moderna, Kalecki, Deuda pública, Desempleo, Intervencionismo.

Introdução

A Teoria Monetária Moderna (Modern Monetary Theory - MMT) ganhou destaque recentemente quando a ala socialista do Partido Democrata dos Estados Unidos se referiu a essa teoria para justificar grandes projetos de gastos públicos, como o “Green New Deal”, garantias de emprego público e sistema de saúde (Medicare) para todos. Os promotores desses projetos se referem à MMT para atestar que “déficits não importam” e que a dívida nacional não é um fardo para as gerações futuras.

A MMT encontra seus promotores em um grupo pequeno, mas muito ativo. As publicações remontam à década de 1990, mas aceleraram nos últimos anos e levaram a um livro-texto de Macroeconomia de Mitchell, Wray e Watts (2019). Representantes proeminentes da MMT incluem Mitchell e Muysken (2008), Mosler (2010), Wray (2015) e Murray e Forstater (2017). Contudo, revisões da abordagem da MMT em periódicos acadêmicos ainda são raras (PALLEY, 2014).

Os princípios básicos da MMT não enfrentam grande disputa, uma vez que suas posições são tautologias da contabilidade macroeconômica. Não se discute que o emitente da moeda fiduciária de um país não enfrente restrições financeiras e que um déficit no setor público tenha sua contrapartida no superávit financeiro dos outros setores da economia. Há concordância, também na teoria econômica, de que uma economia enfrenta restrições para sua expansão pelos limites de sua capacidade produtiva dados pela escassez dos fatores de produção.

Além dessa concordância, no entanto, a MMT afirma fornecer uma teoria única de uma economia baseada em moeda fiduciária e crédito. As economias modernas usam o dinheiro do Estado. O dinheiro, na perspectiva da Teoria Monetária Moderna, não surge espontaneamente no mercado (MENGER, 1892) e não serve primeiramente como meio de pagamentos, mas é uma criação do Estado e sua primeira função é um servir de pagador de dívidas. A origem dessa ideia se encontra no chamado “cartalismo” de Friedrich Knapp (1924). Essas ideias influenciaram Keynes em sua Teoria Geral (1936), que, no entanto, advertiu contra a negligência da inflação e das ameaças de déficits governamentais permanentes. Para posições políticas, como “déficits não importam”, a MMT não pode reivindicar John Maynard Keynes como seu ancestral. Sua origem repousa no ramo radical e “híbrido” dos keynesianos, mais notavelmente no protagonista do Pós-Keynesianismo, Michal Kalecki.

A Teoria Monetária Moderna é sedutora para aqueles que veem no Estado o principal promotor de prosperidade e justiça. A MMT justifica gastos governamentais, promete uma garantia de emprego público e subestima os riscos da inflação. A MMT representa a teoria da “anti-austeridade” por excelência.

No Brasil, a grave crise financeira nos anos de 2015 e 2016 escancarou a fragilidade das políticas econômicas da última década. Com a lei que impõe um teto aos gastos públicos, aprovada em 20161, e o projeto sobre a reforma da previdência em 20192, a política fiscal e a trajetória da dívida pública estão no centro do debate brasileiro. Nesse contexto, a MMT veio a público com a proposta de que o governo não deve se preocupar com restrições financeiras (RESENDE, 2019), apesar de considerações sobre restrições externas (DE CONTI; PRATES; PLIHON, 2014; VERGNHANINI; DE CONTI, 2017; VIEIRA FILHO, 2018).

O artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira seção apresenta os fundamentos teóricos da MMT. Na segunda seção, mostra-se a origem neomarxista da MMT, que tem suas raízes em Michal Kalecki. A terceira seção discute as restrições aos gastos do governo. A quarta seção trata da política orçamentária e da solvência do governo. A quinta seção mostra o equívoco da MMT ao afirmar que o governo é capaz de dirigir a economia.

1. Fundamentos teóricos da MMT

Sob um regime de moeda fiduciária, um governo pode financiar seu déficit e gastar mais do que ganha como receita, não apenas vendendo títulos, mas também emitindo dinheiro. O financiamento de uma parte dos gastos do governo através da emissão da moeda de uma nação é bem conhecido na economia, onde é discutido sob o conceito de “senhoriagem” (WRAY, 2002).

No entanto, os defensores da MMT vão um passo além e afirmam que impostos e a venda de títulos estão em segundo plano. A emissão de moeda “soberana” serve não apenas para financiar um déficit orçamentário, mas entrega moeda ao setor privado. A dívida pública é equivalente aos ativos financeiros no setor privado. Além disso, uma vez que não há limite para o governo emitir dinheiro novo, também não há limite fiscal para os gastos do governo.

Com referência ao conceito de “finanças funcionais” (LERNER, 1943), que surgiu da Revolução Keynesiana, os defensores da MMT veem os impostos não como um instrumento necessário para financiar o governo, mas como uma ferramenta de controle macroeconômico, como um instrumento para absorver um excesso de criação de dinheiro, se necessário. Embora Lerner tenha sido influenciado por Keynes, sua proposta de que o equilíbrio orçamentário não tem importância o distancia de Keynes, que defende um orçamento equilibrado no longo prazo (CARVALHO, 2018).

O conceito de finanças funcionais surgiu em contraposição às finanças saudáveis (VIEIRA FILHO, 2017). De um lado, as finanças saudáveis pregam que o governo mantenha seu orçamento equilibrado para evitar a elevação da taxa de juros e o afastamento do setor privado. Do outro lado, as finanças funcionais defendem que o governo use a política fiscal de maneira flexível, para manter o pleno emprego e controlar a inflação.

Os promotores da MMT distinguem entre o governo como o “emissor de moeda”, por um lado, e as famílias e empresas como “usuários de moeda”, por outro. Como o governo federal não está limitado por restrições financeiras, pode usar a dívida pública para levar o país ao seu potencial máximo de capacidade e mesmo cumprir demandas sociais.

A MMT também faz distinção entre “dinheiro bancário”, como crédito criado por bancos comerciais, e “moeda”, que somente o soberano pode criar. Como o único emissor de moeda, o governo federal não precisa de dinheiro para seus gastos, de maneira que o objetivo primário da tributação não é financiar os gastos do governo, mas incentivar o público a usar a moeda soberana. Para esse fim, o governo estipula o uso da moeda soberana como o único tipo de moeda que pode servir como um meio para honrar as obrigações fiscais.

Desta abordagem, segue a conclusão de que “é possível ter um pleno emprego sem causar inflação” (WRAY, 1999, p. 8). Tal promessa claramente soa como música aos ouvidos de políticos que querem mais gastos públicos para realizar seus planos de proteção ambiental e justiça social. Para os patrocinadores da MMT, sua política não apenas garantiria o pleno emprego, mas também estabeleceria a base para um sistema de saúde pública abrangente e para a proteção ambiental.

Essas propostas e argumentos não seguem uma fórmula secreta. Pelo contrário, os proponentes da MMT promovem a ampla distribuição da teoria para convencer o mundo de que um déficit orçamentário tem como contrapartida um superávit de poupança privada. A fórmula básica da MMT serve para justificar a afirmação de que os déficits não importam porque são autofinanciados.

Com base na equação macroeconômica para demanda agregada com os componentes consumo (C), investimento (I), governo (G) e exportações líquidas (NX) e uso de renda para consumo (C), pagamento de impostos (T) e poupança (S), o equilíbrio macroeconômico de uma economia aberta com a atividade do Estado se torna:

Equacao 01

Caso não haja saldos de contas externas, a equação é reduzida a:

Equacao 02

Logo, gastos do governo (G) que excedem a receita tributária (T) têm como contraparte um excesso equivalente de poupança privada (SPR) sobre investimento privado (IPR):

Equacao 03

Os defensores da MMT interpretam esse resultado como uma “prova” de que um déficit do governo (G>T) é automaticamente autofinanciado porque necessariamente vem com um excesso de poupança no setor privado (SPR> IPR).

A partir disso, a principal tese da Teoria Monetária Moderna diz que o emissor de uma moeda que goza do status de moeda legal não enfrenta restrições financeiras e que, consequentemente, não há limite inerente à dívida pública. Os proponentes da MMT reconhecem que gastos demais podem causar inflação. No entanto, eles não veem o problema na oferta monetária, mas sugerem que qualquer excesso de demanda poderia ser desviado por meio de uma política de contribuições e impostos. Como o governo tem autoridade sobre o dinheiro e, portanto, pode gastar o quanto quiser sem enfrentar uma restrição financeira, o problema da tributação como forma de financiar os gastos públicos cai a segundo plano.

Os representantes da MMT argumentam que a relação causal vai do déficit do setor público à poupança (MOSLER, 2010). A equação básica desta teoria diz que um déficit do setor público, ceteris paribus, implica o equivalente em poupança nacional. Considerando a Teoria Monetária Moderna, o investimento cria a poupança pela qual é financiado. A teoria estipula que, no mercado de crédito de moeda fiduciária, os empréstimos criam depósitos. Em contraste à teoria convencional, os representantes da MMT enfatizam que não é necessário primeiro ter depósitos como resultado da poupança. Eles também argumentam que os déficits orçamentários não levam a uma taxa de juros mais alta, mas que em um mundo de moeda fiduciária pura, a taxa “natural” de juros seria zero.

O mix de políticas da Teoria Monetária Moderna incluiria uma taxa permanente de juros zero (FORSTATER; MOSLER, 2005), garantia de emprego público, saúde pública para todos (Medicare for all) e ampla proteção ambiental (Green New Deal). A principal posição da MMT se resume à afirmação de que, além do risco de inflação, os gastos públicos não sofrem entraves.

Para chegar a essa conclusão, a MMT parte das seguintes proposições:

Para os adeptos da MMT, a dívida nacional não é problema, porque sua contrapartida representa riqueza financeira. Como Stephanie Kelton, assessora de Bernie Sanders, explica:

A dívida nacional nada mais é do que um registro histórico de todos os dólares que o governo gastou na economia e não taxou de volta e que estão atualmente sendo mantidos na forma de títulos seguros do Tesouro americano. É isso que a dívida nacional é. Assim, a questão sobre se a dívida é muito grande ou muito pequena (ou se ela pode ficar muito grande em algum momento no futuro) é realmente uma questão sobre se há muitos ativos seguros para as pessoas manterem suas dívidas daqui a 10, 20 ou 50 anos (KELTON, 2019).

2. O Modelo Kaleckiano

A tese de que “déficits não importam” não remete ao famoso economista inglês John Maynard Keynes, mas ao muito menos conhecido economista polonês Michal Kalecki (1899-1970). Este economista marxista preparou a base teórica para a expansão dos gastos do governo, particularmente nos países do terceiro mundo. No entanto, enquanto a maioria dos países em desenvolvimento abandonou essa teoria, ela celebra seu retorno disfarçado de “Teoria Monetária Moderna” nos Estados Unidos.

Keynes era a favor de um orçamento equilibrado no longo prazo e via os déficits persistentes como uma ameaça. Para ele, o déficit público é um remédio temporário quando a economia é atingida por demanda agregada insuficiente. Para Kalecki, em contraste, os déficits são uma característica permanente de uma política econômica que quer manter o pleno emprego. Embora Keynes tenha enfatizado que a acumulação da dívida pública não deve sair do controle e, portanto, a dívida deve ser liquidada nos tempos do boom, a posição kaleckiana diz que a dívida pública pode ser acumulada sem enfrentar um limite.

As raízes da Teoria Monetária Moderna remontam à teoria do valor-trabalho e à análise marxista de Estado e de classes. Junto com algumas conexões com a velha economia institucional, a principal base da Teoria Monetária Moderna é pós-keynesiana e seu principal proponente é Michal Kalecki.

O modelo kaleckiano postula que o gasto deficitário é autofinanciado. Para provar seu argumento, Kalecki (2013) fez uma distinção entre o consumo dos capitalistas e o dos trabalhadores. Diferente do modelo keynesiano, em que o consumo é uma parte da demanda agregada junto com investimento, gastos do governo e exportações líquidas, Kalecki postula que o consumo dos capitalistas depende dos lucros, enquanto o dos trabalhadores depende dos salários que eles ganham. Para Keynes, o consumo é uma função da renda nacional. Para Kalecki, o consumo do capitalista (CK) depende dos lucros (Π) e o consumo dos trabalhadores (CW) é uma função da soma dos salários (W). Mais especificamente, Kalecki postula que os trabalhadores não poupam, mas consomem totalmente o que ganham (CW= W).

Como marxista, Kalecki vê a economia a partir da ideia de que o capitalismo é uma sociedade de classes. Para ele, a sociedade é composta de duas classes: os capitalistas e os trabalhadores. Enquanto Keynes argumenta que a poupança é aquela parte da renda nacional que não é consumida, a hipótese macroeconômica kaleckiana diz que os trabalhadores consomem toda a sua renda. Os trabalhadores têm uma taxa de consumo marginal de um e uma taxa de poupança de zero. Todo o seu salário é gasto em consumo. Para os capitalistas, a situação é diferente. Sua renda existe sob a forma de lucros e, conforme diz a teoria kaleckiana, lucro é a diferença entre a renda nacional e os salários (Π = Y - W).

Como o consumo dos trabalhadores é igual aos seus salários (CW= W), o investimento (I) e o consumo do capitalista (CK) são residuais. Baseado em um modelo de economia capitalista como uma sociedade de classes, Kalecki conclui que os lucros são determinados pelo investimento dos capitalistas e seu consumo. Joan Robinson (1966, p. 341), amiga e colega de Keynes e Kalecki em Cambridge, resumiu a teoria kaleckiana na frase: “os trabalhadores gastam o que recebem e os capitalistas recebem o que gastam”.

Michal Kalecki (1944, p. 40) explica:

(…) the budget deficit always finances itself - that is to say, its rise always causes such an increase in incomes and changes in their distribution that there accrue just enough savings to finance it. (…) In other words, net savings are always equal to budget deficit plus net investment. (…) any level of private investment and the budget deficit will always produce an equal amount of saving to finance these two items.

Assim como no modelo keynesiano básico, em que a renda é composta de consumo, investimento, gastos do governo e exportações líquidas, Kalecki determina a poupança privada como a parte da renda que resta após impostos e consumo (S = Y - C - T). A poupança privada é, de acordo com o modelo kaleckiano, igual ao investimento (I) junto com a balança comercial (EX - IM) e o déficit orçamentário do governo (G - T).

Esse resultado é o mesmo com o qual os adeptos da MMT justificam suas proposições e implica o mesmo resultado de que os déficits públicos automaticamente criam seu próprio financiamento. No modelo kaleckiano, os investimentos e os déficits orçamentários têm a poupança privada como contrapartida. Esta tese é também o ponto focal da Teoria Monetária Moderna. Eles usam o mesmo raciocínio de que, de acordo com sua modelagem macroeconômica, a poupança privada (S) é igual ao investimento (I), ao saldo orçamentário (G - T) e à balança comercial (EX - IM).

A macroeconomia está em equilíbrio, pois as contas, embora mostrem individualmente um déficit ou superávit, se equilibram como um todo. A soma da diferença entre investimento (I) e poupança (S), do déficit orçamentário (G - T) e da balança comercial (EX - IM) é zero. Os investimentos dos capitalistas e os déficits do governo geram ao mesmo tempo a poupança para financiar esses gastos. De acordo com esse modelo, os déficits orçamentários permanentes e a acumulação incessante da dívida pública não representam ameaça, porque, com o déficit orçamentário, o superávit de poupança aumentará e, assim, fornecerá automaticamente os recursos para financiar o déficit.

Em resumo, o modelo básico de Kalecki define renda (Y) como composta por lucro bruto (Π) e salários (W):

Equacao 04

A renda (Y) é determinada pelos gastos em investimentos (I), consumo dos capitalistas (CK), consumo dos recebedores de salários (CW), gastos do governo (G) e balança externa (NX):

Equacao 05

Simplificando a equação ao eliminar G e NX, tem-se a seguinte equação para uma economia fechada e sem governo:

Equacao 06

Em contraste a Keynes, a propensão a consumir dos trabalhadores é igual a um no modelo de Kalecki. Logo, o consumo dos trabalhadores (CW) é igual aos salários (W):

Equacao 07

A partir de Y = Π + W, tem-se:

Equacao 08

Tomando CW = W e Y = I + CK + CW, resulta em:

Equacao 09

Como CW = W, lucros são definidos como:

Equacao 10

Transformando a equação da renda na fórmula para renda disponível (Y - T), resulta em:

Equacao 11

Rearranjando essa fórmula, tem-se:

Equacao 12

A poupança privada é dada por:

Equacao 13

Logo:

Equacao 14

O conjunto de equações do modelo kaleckiano mostra que a poupança privada agregada (SPR) é determinada pelo investimento (I), pelo resultado do comércio externo (EX - IM) e pelo resultado do orçamento do governo (G - T). De acordo com a teoria kaleckiana, não é a poupança que financia os investimentos, mas a poupança é um fluxo de renda resultante do investimento.

De forma similar à teoria de Keynes, o modelo macroeconômico de Kalecki é baseado no “princípio da demanda efetiva”. O princípio da demanda efetiva afirma que, em uma economia monetária, o dispêndio total determina a receita de igual magnitude (também chamada de “anti-lei de Say”). Assim como na teoria de Keynes, Kalecki afirma que o investimento é igual à poupança em uma economia fechada.

De acordo com Kalecki, o capitalista é dinamicamente instável. Diferente de Keynes, a função consumo não importa no modelo kaleckiano porque o investimento, e não o consumo, determina o nível de atividade econômica. Essa teoria coloca a decisão de investimentos do “capitalista” no centro do processo econômico. Nesse modelo macroeconômico, há uma relação causal unilateral no sentido de que os investimentos dos capitalistas automaticamente criam o próprio financiamento na forma de poupança de igual valor. Na teoria kaleckiana, os lucros dos capitalistas são determinados pelos investimentos e por seu consumo.

Na macroeconomia convencional, a poupança fornece os fundos para financiar o investimento e um déficit orçamentário reduz a poupança nacional. A Teoria Monetária Moderna, nos passos de Michal Kalecki, a coloca de cabeça para baixo: quanto mais os capitalistas investem e quanto maior o déficit de gastos do governo, maior é a poupança nacional.

Com base nas equações mostradas no modelo de Kalecki, os representantes da MMT promovem o déficit desmedido de gastos como motores do crescimento econômico. Seu slogan de que “déficits não importam” e de que os gastos do governo não têm limites foi abraçado pelos democratas socialistas dos EUA. A Teoria Monetária Moderna serve como uma ferramenta intelectual para justificar o governo ilimitado e os gastos abrangentes com o bem-estar público.

O modelo kaleckiano nunca se instalou nos países industrializados, onde a receita política keynesiana também foi abandonada após os resultados desastrosos que essa política trouxe consigo durante a estagflação dos anos 1970. A teoria kaleckiana era mais influente para a política de desenvolvimento e ainda serve como uma pedra angular da variante pós-keynesiana da teoria da demanda agregada.

A macroeconomia kaleckiana promove políticas de déficits orçamentários sistemáticos, sem levar em conta suas consequências para o ônus da dívida pública e para a estabilidade de preços. Este modelo favorece o investimento, independentemente de qualquer orientação empreendedora. A macroeconomia deste tipo opera exclusivamente com agregados e negligencia completamente os fundamentos microeconômicos. Como o modelo keynesiano, Kalecki desconsidera não apenas os preços relativos, mas também o nível de preços.

Apesar de seu nome, a Teoria Monetária Moderna é desprovida de preços e dinheiro. Não é de surpreender que os países que seguiram o modelo kaleckiano como diretriz foram devastados por um maciço desperdício de capital e alta inflação. Na América Latina, onde esse tipo de raciocínio ainda está em voga em alguns círculos, as políticas de gastos públicos desimpedidos e substituição de importações criaram uma economia marcada pela baixa produtividade e miséria.

A economia kaleckiana favorece o investimento em termos puramente quantitativos, porque essa teoria sustenta que, da mesma forma que os déficits orçamentários criam seu próprio financiamento, o investimento automaticamente significa receita mais alta. Na macroeconomia kaleckiana, o capitalista cria automaticamente seus lucros e seu consumo. A conclusão é que, se o governo pudesse se tornar o capitalista de estado, o governo colheria os lucros que de outra forma cairiam nas mãos dos capitalistas privados. Logo, o governo poderia entrar na posição da classe capitalista e ser capaz de consumir o que gasta.

A teoria da política econômica kaleckiana demanda que a função de investimento seja tirada do capitalista no setor privado e transferida para o estado. Por meio do investimento do estado, o consumo do estado pode ser aumentado. A combinação de políticas sugerida pede mais gastos estatais financiados por déficits para investimentos, o que aumentaria o potencial de consumo do estado e da população ao mesmo tempo.

No entanto, a promessa de que os déficits orçamentários se financiariam por meio de economias maiores nunca aconteceu. Em vez disso, os países que seguiram o modelo kaleckiano sofreram estagflação crônica e permaneceram presos no subdesenvolvimento da armadilha da renda média3.

Os países em desenvolvimento abandonaram a abordagem fracassada de Kalecki depois de seus desastrosos casos de amor com déficits e dívida pública. Após as décadas perdidas que vieram com a crise da dívida internacional dos anos 1980, a nova orientação veio mais de acordo com o chamado “Consenso de Washington”. Por algum tempo, assim pareceu, a tese de que “déficits não importam” era uma coisa do passado. Enquanto os países em desenvolvimento abandonaram essa abordagem fracassada e recorreram a políticas econômicas sólidas, o oposto acontece nos Estados Unidos.

3. Política orçamentária

Os proponentes da MMT afirmam que o emissor da moeda do país não pode ir à falência porque o Estado soberano pode sempre criar o máximo de dinheiro necessário para honrar sua dívida. A tributação não é necessária para obter receita, mas serve como um instrumento para obrigar o público a usar a moeda soberana como dinheiro.

Toda despesa pública poderia ser financiada pela dívida pública porque os títulos do governo são tão bons quanto a moeda que o Estado soberano emite. A dívida pública não é problema, porque tem sua contrapartida como riqueza financeira no setor privado.

O argumento central da MMT é de que o próprio governo impõe restrições financeiras a si mesmo. Se o governo tem poder de criar a moeda fiduciária, então ele não tem restrições financeiras. O ponto de partida dessa análise é de que a essência da moeda é ser unidade de conta nacional, em contraste à visão dominante na academia que dá ênfase ao papel da moeda como meio de troca. Assim, a moeda não é um meio de troca abstrato que elimina a necessidade da dupla coincidência de desejos (MINSKY, 1986). A principal função da moeda é servir como unidade de conta. As funções de meio de troca e reserva de valor são apenas subsidiárias (RESENDE, 2017).

Como todos os agentes têm ativos e passivos com o Estado, a moeda se torna sua unidade de contabilização. A moeda é uma criação do Estado, a unidade da dívida pública e sua aceitação está condicionada ao seu uso para o pagamento de impostos.

Segundo o Cartalismo, a moeda não é uma geração espontânea dos mercados para facilitar as transações, mas sim, uma criação do soberano ou do estado nacional. A moeda é uma unidade de crédito contra o Estado, ou seja, uma unidade de dívida do Estado, que é legalmente aceita para o pagamento de impostos (…). É o fato de ser a unidade de valor para o pagamento de impostos que a torna a unidade de referência de valor na economia (RESENDE, 2019, p. 11).

Essa constatação implica que o governo não precisa adquirir moeda, seja recolhendo impostos, aumentando a dívida ou vendendo ativos, para poder gastar, isto é, o governo não tem restrição financeira.

Para explicar a inexistência de restrição financeira ao governo, Resende (2019) inverte a causalidade entre moeda e gasto preconizada pela ortodoxia. O governo e os bancos não precisam adquirir moeda antes de gastar, mas criam moeda sempre que gastam. De um lado, o governo gasta e credita unidades monetárias equivalentes nas contas da contraparte. Do outro lado, o aumento dos empréstimos dos bancos força o aumento das reservas ou da base monetária.

Ao gastar e criar moeda, o governo muda a composição de seu passivo. Na essência, não há diferença entre moeda e dívida, ambos são passivos do governo. Logo, a opção de emitir moeda é uma questão de gestão do passivo e não de financiamento (RESENDE, 2019). A emissão de títulos de dívida do Tesouro é uma operação de política monetária, e não de financiamento. Por isso, a divisão entre Banco Central e Tesouro se torna artificial (VIEIRA FILHO, 2018).

Há, entretanto, uma diferença fundamental entre o sistema bancário e o governo. A expansão do crédito pelo sistema financeiro pode levar a uma valorização excessiva dos ativos, que ao se reverter, leva a uma contração do crédito, o que reforça a desvalorização dos ativos e pode provocar graves crises financeiras. Bancos, como bem se sabe, podem se tornar insolventes e quebrar, já o governo que emite a sua moeda, não, pois pode sempre “emitir” para se financiar, o que nada mais é do que aumentar o valor do registro contábil do passivo do banco central (RESENDE, 2019, p. 12-13).

Os proponentes da MMT ampliam a ideia de que não há restrição financeira ao governo para além da criação de moeda. Segundo a MMT, a demanda por títulos públicos é infinita. Sempre que o governo gasta, ele cria moeda adicionando unidades contábeis nas contas dos bancos comerciais que viabilizarão a troca. Essa moeda que chega aos bancos aumenta suas reservas. As reservas, porém, não dão nenhum rendimento ao seu detentor, de maneira que será mais vantajoso ao banco alocar essa riqueza em outros ativos que ofereçam algum retorno.

O título público é tido como o ativo mais seguro, de modo que qualquer rendimento acima da inflação oferecido pelo título atrairá as reservas dos bancos comerciais. Tem-se então um mecanismo em que a moeda criada pelo governo ao gastar retorna ao próprio governo através da venda de títulos públicos.

Quando os tempos são normais e quando há negócios como de costume, o investidor pode considerar os títulos do governo como moeda. Manter títulos é como economizar em moeda. Em vez de emprestar dinheiro a bancos comerciais, o poupador empresta seus fundos ao governo. Quando o mercado de títulos é líquido, e o mercado de títulos é geralmente o mais líquido dos mercados financeiros, os títulos são um substituto total da moeda, com a vantagem adicional de render juros.

Enquanto os juros sobre os títulos excederem a perda devido à inflação de preços, o investidor pode se sentir seguro. Porém, quando a inflação de preços excede as expectativas, o cálculo que foi feito ao decidir comprar títulos não se sustenta mais. Quanto mais a taxa de inflação esperada ultrapassar a expectativa anterior, menos favorável será o resultado do cálculo. O investidor começa a vender títulos e o novo investidor só comprará títulos a uma taxa de juros mais alta. A equivalência de títulos à moeda se quebra.

Equivalência ricardiana significa que o financiamento da despesa pública por dívida pública é equivalente ao financiamento por impostos. Caso o governo opte por financiar seus gastos com emissão de dívida, mais cedo ou mais tarde o governo terá que aumentar os impostos para pagar suas dívidas. Em outras palavras, há um trade-off entre cobrar impostos no presente ou no futuro. Logo, despesas públicas financiadas com emissão de dívida serão respondidas com aumento da poupança privada através da aquisição de títulos públicos.

Então, quando há quebra da equivalência entre títulos e moeda, verifica-se que a garantia da Teoria Monetária Moderna de que o governo pode gastar sem levar em conta seu recebimento, de que “déficits não importam”, se torna uma promessa falsa.

Uma vez que as expectativas inflacionárias começam a subir e as projeções encontram sua confirmação na realidade, o governo se torna um devedor comum e, como tal, é apenas tão digno de crédito quanto pode fazer crer ser capaz de honrar sua dívida. O privilégio do Estado como emissor da moeda, como dinheiro soberano da nação, chega ao fim. Este fenômeno é chamado de “perda de confiança”. Em termos econômicos, isso significa que os investidores não mais enxergam os títulos do governo como tão bons quanto moeda.

Outro argumento dos aderentes da Teoria Monetária Moderna é de que, embora não haja restrições financeiras ao governo, existem limites de recursos impostos pelo lado real da economia. Resende (2019) chama esse limite de restrição da realidade. Quando a criação de moeda pelo Estado leva a um excesso de demanda agregada, ocorrerá inflação de preços.

Nesse argumento, a inflação não é causada por excesso de moeda, mas por excesso de demanda agregada ou por expectativas inflacionárias. Resende (2017) explica que, desde os anos 1990, a teoria macroeconômica aceitou que a moeda não causa inflação e que os bancos centrais controlam a demanda agregada através da taxa de juros. O experimento do Quantitative Easing (QE) nos países desenvolvidos foi a constatação empírica de que a moeda não causa inflação. Ainda que os bancos não tenham expandido os empréstimos, o fato de a moeda ter ficado acumulada e isso não ter causado inflação foi a prova de que a teoria convencional no século XX estava equivocada.

Contudo, os proponentes da MMT desconsideram o conceito de velocidade de circulação presente na teoria quantitativa da moeda. A equação da TQM toma a seguinte forma:

Equacao 15

Conforme a equação acima, a criação de moeda leva ao aumento do nível de preços apenas se a velocidade da moeda se mantiver inalterada, ou subir. Caso ela caia, como foi o caso nos países em que houve QE, a expansão monetária será refreada e não causará aceleração dos preços. Assim, as expectativas inflacionárias já haviam sido consideradas na equação quantitativa, dentro de V.

Ademais, conforme explica Mueller (2018a), a velocidade da moeda é o elo fraco da política monetária. Ela não está sob controle dos bancos centrais, mas tem o poder de amplificar ou mesmo anular os efeitos de políticas expansivas ou restritivas.

Uma unidade monetária serve a várias transações ao longo do tempo dentro de uma economia. A velocidade de circulação da moeda se refere à frequência dessas transações e representa a conexão entre o estoque de moeda e a moeda em circulação. Ela pode fortalecer, enfraquecer ou mesmo anular os efeitos de uma mudança na quantidade de moeda. Expectativas inflacionárias aumentam a velocidade da moeda, enquanto expectativas deflacionárias ou desinflacionárias a diminuem.

A frequência das transações monetárias depende das decisões dos usuários individuais de moeda na economia. Quando as pessoas decidem usar moeda mais rapidamente, a velocidade aumenta e há aceleração dos efeitos de expansão do estoque monetário. Em contraste, quando o público usa a moeda disponível mais lentamente, a velocidade cai. Isto pode anular o efeito de expansão do estoque de moeda, ou, no caso de redução da quantidade de moeda, acelerar a contração.

Além disso, a velocidade de circulação de moeda está sujeita a fortes variações, de maneira que mudanças na oferta monetária possuem efeitos incertos. Não há ferramentas para as autoridades monetárias controlarem a velocidade da moeda. Tampouco podem as autoridades monetárias prever sua mudança, ainda que tenham à disposição dados e estatísticas. Ainda que a tendência histórica da velocidade da moeda seja longa e pareça estável, ela pode mudar abruptamente.

Portanto, o governo não pode controlar a velocidade com que o público transaciona a moeda disponível ou antecipar variações nas informações relevantes para tomar decisões de políticas econômicas. As teses de que o governo não enfrenta restrições financeiras e de que o excesso de moeda não causa consequências no nível de preços podem, no limite, causar uma situação de hiperinflação, quando as expectativas inflacionárias saem do controle.

4. Solvência governamental

A relação entre moeda e títulos públicos levanta questionamentos acerca da solvência do governo. Para tratá-los, analisamos os principais determinantes da dívida pública e do déficit orçamentário, de acordo com o modelo da dívida de Evsay Domar (1944). O argumento da MMT é de que os déficits orçamentários não importam se a taxa de juros for menor que a taxa de crescimento da economia (RESENDE, 2019). Esse argumento esbarra, contudo, no conceito de taxa de juros.

Para prosseguir com a discussão de política orçamentária, faz-se necessário definir os coeficientes da dívida pública e do déficit orçamentário. O coeficiente do déficit orçamentário anual (k) de um país é dado pela variação da dívida pública (B) no período em relação ao PIB anual (Y):

Equacao 16

O crescimento da dívida em fixa relação com o PIB nominal (kY) é igual ao coeficiente da dívida (D) multiplicado pela taxa de crescimento do PIB nominal (g) ou multiplicado pela taxa de crescimento do PIB real (g*) mais a taxa de inflação (π):

Equacao 17

O coeficiente da dívida pode ser reescrito como:

Equacao 18

Dada uma taxa de juros constante, o coeficiente da dívida convergirá para a relação do coeficiente do déficit e da taxa de crescimento de PIB nominal. Se o coeficiente do déficit e a taxa de crescimento forem constantes, o coeficiente converge para um valor estável:

Equacao 19

O coeficiente da dívida vai aumentar quando o coeficiente de déficit sobe ou quando a taxa de crescimento cai. De maneira análoga, o coeficiente da dívida diminui quando o coeficiente de déficit anual cai ou quando o crescimento do PIB nominal sobe. Se os valores forem constantes, o coeficiente da dívida convergirá para um determinado valor.

Por exemplo, suponha que o coeficiente do déficit seja 3%, o crescimento real 2% e a taxa de inflação anual também 3%. Neste caso, a dívida se estabilizaria em 60% do PIB:

Equacao 20

No caso em que a taxa de crescimento do PIB nominal cai a 3%, no entanto, o coeficiente da dívida subiria para 100%. Da mesma forma, isso aconteceria se a taxa de crescimento do PIB nominal permanecesse constante em 5%, mas o quociente do déficit subisse para 5%.

Assim, o espaço de manobra fiscal depende da diferença entre o valor do serviço da dívida e o resto do orçamento. Para se entender essa relação, tem-se que o chamado superávit primário representa a receita pública (T) menos os gastos do governo sem o pagamento de juros (G’): T - G’.

O peso da dívida de longo prazo em relação ao superávit primário é:

Equacao 21

Essa fórmula mostra o tamanho do superávit primário necessário para manter a solvência. Na medida em que a taxa de juros real (r) excede a taxa de crescimento real (g*), o governo deve gerar um superávit primário para manter-se solvente. Caso contrário, o peso da dívida se tornaria insustentável.

Na equação acima, o crescimento real da economia (g*) depende do progresso tecnológico e da acumulação de capital físico e humano, que são fatores de longo prazo. Além disso, mesmo que o banco central seja capaz de manipular a taxa nominal de juros, a taxa real de juros (r) está ancorada à taxa natural, que é determinada pela preferência temporal na sociedade (IORIO, 2011).

O coeficiente da dívida pública cai quanto maior o superávit primário e o crescimento real da economia e quanto menor a taxa real de juros. Para a política econômica surge assim a tarefa de gerar um superávit primário pela política orçamentária e implantar uma política macroeconômica orientada ao aumento do crescimento natural da economia.

Assim, facilitar o progresso tecnológico e promover a acumulação de capital físico e humano são os passos necessários para melhorar a produtividade econômica e aumentar a taxa natural do crescimento econômico, enquanto uma política de boa governança contribuirá a estabelecer confiança e assim reduzir a taxa natural de juros.

No Brasil, a proposta da MMT de que o resultado primário do governo não importa foi defendida por Resende (2019) a partir da suposição de que a taxa de juros estipulada pelo banco central seja menor que a taxa de crescimento da economia. A política fiscal expansionista só se torna um problema se a taxa de juros for maior que a taxa de crescimento da economia. Como a taxa básica de juros está sob controle do banco central, o governo não sofre restrições financeiras.

O Brasil pratica o regime de metas de inflação, em que o Banco Central tem como objetivo manter a taxa de inflação dentro de um determinado intervalo e utiliza a taxa de juros como instrumento de política monetária4. Para alcançar o objetivo da MMT, esse regime daria lugar a um controle da inflação por meio da política fiscal, aumentando os impostos quando o excesso de demanda agregada pressionasse a oferta agregada.

Seguindo os passos de Lerner (1943), que defende uma taxa de juros que produza o nível mais desejável de investimentos, Resende (2019) propõe que o banco central tire o foco do controle da inflação e adote como objetivo a maximização do investimento e do crescimento da economia. Para tanto, a taxa de juros deve ser mantida abaixo da taxa de crescimento, o que representaria trajetória decrescente da dívida no longo prazo e implicaria em liberdade para o governo de incorrer em déficits orçamentários.

Os proponentes da MMT desconsideram que a taxa de juros relevante para a solvência do governo a longo prazo está atrelada à taxa natural de juros, que depende da preferência temporal dos indivíduos na economia. A teoria austríaca dos ciclos argumenta que, quando a taxa de juros de mercado é mantida abaixo da taxa natural, há desequilíbrios na estrutura produtiva que suscitam, eventualmente, uma crise econômica. Logo, a proposta de Resende implicaria em um mecanismo causador dos ciclos.

Enfrentar a dívida pública com a tentativa de gerar receita pelo aumento do imposto inflacionário (aceleração do g pela elevação do π nas fórmulas acima) não é uma solução racional. A chamada senhoriagem só funciona quando as taxas de inflação ficam baixas. Enquanto mais inflação reduz a dívida pública em termos reais, uma hiperinflação que eliminasse a dívida pública na forma da redução do coeficiente da dívida pelo aumento inflacionário do PIB nominal arruinaria a economia inteira. O efeito, no limite, seria a renúncia ao uso da moeda governamental. Em outras palavras, a dívida pública seria eliminada com o empobrecimento do país.

5. Pretensão do conhecimento

Diferentemente da abordagem agregada dos gastos deficitários keynesianos, os promotores da MMT desejam ajustar os gastos governamentais e visar áreas específicas para eliminar oportunamente os gargalos da produção - seja trabalho ou capital (MITCHELL; MUYSKEN, 2008).

O cerne da questão para a MMT não é o aumento dos gastos públicos, mas a qualidade do gasto e da tributação. Uma reforma tributária, por exemplo, não deve visar o equilíbrio do orçamento, mas a simplificação e racionalização dos impostos. Logo, o governo deve olhar para os gastos pelo prisma de custos e benefícios e não pelo financiamento.

A principal contribuição da MMT no debate macroeconômico brasileiro é a proposta de que o governo não deve se preocupar com equilíbrio orçamentário. Isso não dá ao governo a liberdade de expandir seus gastos indefinidamente, mas justifica a continuidade de projetos desenvolvimentistas. O que se propõe é aumentar a qualidade dos gastos, identificando as áreas mais importantes para o bem-estar social: saúde, educação, segurança pública, infraestrutura etc. Políticas desse tipo são uma repetição dos projetos de planejamento da década de 1960 na França e na Grã-Bretanha, os esquemas de liberação dos programas econômicos do movimento estudantil radical da época.

Como Keynes também havia insinuado em suas Notas Sobre o Ciclo Econômico (1996), o plano é tirar a “função de investimento” das empresas privadas para o governo.

Portanto, em condições de laissez-faire, talvez seja impossível evitar grandes flutuações no emprego sem uma profunda mudança na psicologia do mercado de investimentos, mudança essa que não há razão para esperar que ocorra. Em conclusão, acho que não se pode, com segurança, abandonar à iniciativa privada o cuidado de regular o volume corrente de investimento (KEYNES, 1996, p. 298).

Keynes achava mais seguro para manter o nível de investimentos e, consequentemente, evitar o desemprego, que o governo dirigisse a economia. Para ele, as causas do subemprego são uma baixa propensão a consumir e um fluxo de investimento particularmente sensível. Sua resposta é que a economia seja planejada e dirigida, afastando da eficiência marginal do capital a decisão de investir.

Os defensores da Teoria Monetária Moderna não negam a escassez como tal. No entanto, embora reconheçam que existe um limite de recursos, ele está muito mais distante do que a teoria econômica convencional assume. Com as políticas certas, a MMT alega que a chamada taxa natural de desemprego pode ser muito mais baixa do que a convencionalmente conhecida como NAIRU (taxa de desemprego não aceleradora da inflação).

Os partidários da MMT parecem acreditar que, com mais gastos do governo e um plano abrangente de emprego governamental, a política pode reduzir a taxa de desemprego natural para o pleno emprego. O objetivo é criar uma maciça reserva de trabalhadores empregados no serviço público, que esteja disponível para o setor privado quando eventualmente necessário. A essa reserva, que se comporta como uma espécie de amortecedor, chama-se buffer stock. A nova taxa “natural” de desemprego estaria relacionada a esse buffer de trabalhadores e seria chamada NAIBER (buffer de reservas de emprego não acelerador da inflação).

Os economistas da MMT vislumbram uma economia em que o governo implementará uma política estatal de administração de emprego com uma garantia geral de emprego. Eles afirmam que, com a ajuda de um buffer stock para capital e trabalho, a política poderia escapar do trade-off entre inflação e desemprego da curva de Phillips de curto prazo e mover a taxa natural de desemprego da curva de Phillips de longo prazo para pleno emprego (MITCHELL; WRAY; WATTS, 2019). Essa política de empregador de última instância é defendida, inclusive, por autores neo-marxistas (HIDALGO; MORUNO; PRECIADO, 2019).

A Teoria Monetária Moderna ignora a ignorância. Ninguém sabe a posição exata da taxa de desemprego natural, por exemplo. Os proponentes da MMT podem usar um conceito como o NAIBER, como uma construção teórica em um modelo. No entanto, aplicá-las à política é outra questão. A fim de cumprir a tarefa que a MMT estabelece para o estado realizar, os governos teriam que saber muito mais do que poderiam e agir de forma mais racional do que a política permite.

Ainda que o governo consiga identificar as áreas em que há ociosidade, perde-se o poder de controle sobre a moeda uma vez que ela entra na economia através dos gastos governamentais. Como o excesso de demanda agregada causa pressões inflacionárias e os gastos do governo são parte da demanda agregada, o governo deve identificar as áreas ociosas na economia para evitar a inflação. Contudo, uma vez que a moeda entra na economia, ela foge do controle do governo, o que torna inviável qualquer objetivo de controle da demanda agregada.

A economia está dividida em inúmeros setores, cada qual com sua própria relação de oferta e demanda e, consequentemente, sua própria lógica de preços e produto. Ainda que se identifiquem os setores mais ociosos ou mais relevantes para o desenvolvimento de uma nação, não se pode controlar o destino da moeda que o Estado dirigente aplicou nestes setores. Dadas as relações econômicas entre os diferentes indivíduos, a moeda tende a se espalhar por toda a economia e a causar distorções nos preços relativos.

Com relação ao plano governamental de garantia de emprego, algumas implicações negativas exigem maior detalhamento. Ao supormos que o governo pratica um plano de emprego e diminui a taxa de desemprego abaixo da NAIRU, levando-a por exemplo ao nível NAIBER, tem-se que o mercado de trabalho atinge um novo equilíbrio. O governo se comporta como uma imensa firma, capaz de empregar uma quantidade muito grande de trabalhadores. O objetivo dessa política é que os trabalhadores sejam empregados pelo governo até que o setor privado os absorva. Isso, contudo, tem como implicação que, dado que a demanda por trabalho é maior, os salários tendem a subir.

Assumimos que o governo é capaz de absorver uma parcela maior de trabalhadores e, com isso, diminuir a taxa de desemprego. Além disso, assumimos que a taxa de desemprego não aceleradora da inflação, NAIRU, é menor do que se acredita convencionalmente, de maneira que a absorção desses trabalhadores pelo governo não causará pressões inflacionárias. Essa segunda suposição carece de conexão com a realidade. O conceito de NAIRU mostrou-se inviável de se aplicar em políticas econômicas. O governo não tem como determinar a taxa de desemprego que não causa inflação, por mais sofisticados que sejam seus modelos.

O argumento se estende. O governo, ao aumentar a demanda por trabalho, faz com que o salário exigido por trabalhadores para sair de sua posição no setor público para o setor privado, se eleve. O trabalhador já empregado deve exigir uma compensação salarial para trocar de emprego, que é análogo, na teoria neoclássica dos salários, a um aumento do salário de reserva.

Portanto, a questão não é se atingir uma nova e menor taxa de desemprego que não acelere a inflação, que a MMT propõe chamar de NAIBER. Como o objetivo da política é criar uma reserva de trabalhadores, o resultado é uma pressão altista sobre os salários quando o setor privado aumentar sua demanda por trabalho. Em outras palavras, a política do governo se dá em dois passos: no primeiro passo, o governo contrata até a economia operar no NAIBER, e isso não causa pressões inflacionárias; no segundo momento, o setor privado demanda trabalho e recorre aos trabalhadores empregados pelo governo, que exigem salários mais altos para trocar de emprego.

Isso acarreta consequências à produção do setor privado. Por um lado, o encarecimento do trabalho, que se dá num segundo momento da política, faz com que as empresas contratem menos trabalhadores e, dada uma função de produção, atinjam um nível de produto inferior àquele que atingiriam caso operassem com mais trabalhadores. Por outro lado, caso as empresas decidam empregar o mesmo nível de trabalho pagando salários mais altos, a consequência seria uma diminuição dos lucros das empresas. A queda dos lucros, por sua vez, pode ser respondida pelas empresas com aumento dos preços dos produtos que elas vendem.

Além disso, a política do governo teria como objetivo empregar aqueles trabalhadores de classe mais baixa, como política social e não apenas econômica. Ao supormos esse objetivo, temos que as pressões salariais se darão justamente naqueles setores em que a produtividade do trabalho é baixa. Acontece que as empresas não estarão dispostas a empregar trabalhadores a salários mais altos que sua produtividade, justamente porque incorreriam em prejuízos ou seriam levadas a aumentar os preços.

A política do governo de absorver temporariamente uma parcela de traba-lhadores desempregados terá como resultado uma dificuldade do setor privado de contratar os trabalhadores empregados pelo governo e um aumento dos custos das empresas. Consequentemente, o governo acabará por afastar as empresas privadas.

Nessa suposição, o governo se torna uma enorme empresa, que demanda trabalho e determina o nível de salários. Note que o salário mínimo é determinado pelo próprio governo. Adicione-se a proposição da MMT de que o governo não tem restrições financeiras aos seus gastos. Na prática, isso significa que o governo pode pagar qualquer salário aos trabalhadores que emprega. Trata-se, portanto, de uma fonte de crowding-out do investimento privado, porque aumenta os custos das empresas. Se assumirmos que o setor privado é quem determina os preços de seus produtos, um aumento salarial resultará em aumento do nível de preços.

Com relação à crença dos proponentes da MMT de que o governo é capaz de identificar as áreas ociosas e dirigir a economia rumo ao pleno emprego, trata-se de uma suposição incompatível com a realidade. Além do fato de que, uma vez que a moeda tenha entrado na economia, perde-se o controle das áreas para onde ela vai, há críticas quanto a própria organização do governo e quanto ao papel da ciência econômica em desenvolver políticas.

Qualquer corpo burocrático é composto por indivíduos, o que significa que para se compreender as ações desse corpo burocrático deve-se compreender as ações de seus membros. Não há entidade social concebível que não seja operativa pela ação dos indivíduos que a compõem. “Portanto, a maneira de compreender conjuntos coletivos é através da análise das ações individuais” (MISES, 2010, p. 70).

Em defesa do individualismo meto-dológico, Ludwig von Mises critica especialmente aqueles economistas preocupados em analisar coletivos sociais em detrimento do indivíduo. Ao expandirmos essa crítica, podemos aplicá-la à própria existência de corpos burocráticos que objetivam dirigir uma sociedade. Quando os proponentes da MMT pregam a intervenção do governo na economia como a solução do problema do subemprego, eles desconsideram que o governo nada mais é do que um grupo de indivíduos. Por mais bem-intencionados que sejam, o governo e os indivíduos que o compõem são falíveis e suas decisões serão, por definição, sempre subjetivas.

Isso nos leva a um outro problema. O conhecimento necessário para tomar decisões não está disponível em sua totalidade a nenhum indivíduo. Não é possível concentrar esse conhecimento porque ele está disperso em frações entre cada pessoa (HAYEK, 1945). A impossibilidade de concentrar conhecimento inviabiliza a formulação de políticas econômicas, ainda que os modelos usados sejam os mais rigorosos possíveis. Os dados utilizados em modelos de análise econômica são fatos que o pesquisador sabe ou acredita que existem e não fatos objetivos no sentido estrito, isto é, são fatos subjetivos aos pesquisadores (HAYEK, 1937).

Na realidade, a tentativa de decifrar o indecifrável é mais antiga do que possa parecer à primeira vista. Cientistas econômicos formulam equações complexas para determinar valores e preços há décadas em todos os países. A teoria econômica por trás da sofisticação dos modelos aplicados por bancos centrais e tesouros nacionais repousa sobre a hipótese de que é possível concentrar o conhecimento necessário para coordenar a atividade econômica.

Os dados usados em cálculos econômicos nunca estão à disposição de uma única mente, ou de um grupo de mentes, que poderia aplicar os resultados da análise. O conhecimento das circunstâncias não existe de maneira concentrada ou integrada, mas apenas como partes incompletas e frequentemente contraditórias de conhecimento que cada indivíduo possui (HAYEK, 1945).

As disputas tanto na teoria quanto na política econômica têm origem na concepção equivocada da natureza do problema econômico da sociedade, qual seja, a dispersão do conhecimento. Em outras palavras, trata-se do problema da utilização do conhecimento que não está dado a ninguém em sua totalidade (BARBIERI, 2013).

O problema da divisão do conhecimento é análogo ao problema da divisão do trabalho. O que se pretende resolver é como a interação espontânea de um número de pessoas, cada uma com apenas frações de conhecimento, leva a uma situação que poderia ser atingida pela direção deliberada de alguém que possui o conhecimento combinado de todos esses indivíduos. O aspecto mais amplo do problema do conhecimento é o conhecimento do fato básico de como as diferentes mercadorias podem ser obtidas e usadas e sob quais condições elas são de fato obtidas e usadas, isto é, a questão geral de por qual motivo os dados subjetivos às diferentes pessoas correspondem aos fatos objetivos (HAYEK, 1937).

A tendência de se utilizar de modelos cada vez mais elaborados tem afastado a ciência econômica da realidade. A ciência econômica tem se preocupado mais com o desenvolvimento de pesquisas rigorosas do que com a solução de problemas reais. Essa crítica de Friedrich von Hayek ficou conhecida como pretensão do conhecimento.

A ciência econômica se aproximou das ciências naturais e está mais preocupada com a elegância de seus modelos. Isso leva ao desenvolvimento de estudos que “confirmam” teorias falsas, justamente por serem mais científicas. Enquanto isso, as explicações válidas para os fenômenos econômicos são rejeitadas pois carecem de evidências quantitativas (HAYEK, 1989).

O que se observa, portanto, é que o trade-off entre rigor e realidade na ciência econômica deu origem a modelos extremamente elaborados e, ao mesmo tempo, completamente alheios a soluções viáveis. A ascensão da Teoria Monetária Moderna, que pouco tem de moderna, se dá nesse contexto. A MMT é apresentada de maneira elegante para mascarar aquilo que a experiência já provou equivocado. O resultado, caso a MMT seja aceita pela classe política, será um passo para longe da liberdade individual, rumo ao socialismo e à miséria.

Considerações Finais

A Teoria Monetária Moderna ganhou relevância no debate econômico com as propostas políticas dos socialistas democráticos dos EUA. As ideias mais importantes da MMT e que dão força aos políticos são de que:

Com relação às origens da MMT, além do Cartalismo de Friedrich Knapp (1924), suas ideias são fortemente influenciadas pela Revolução Keynesiana, mais notavelmente em seu ramo neo-marxista. Embora a Teoria Monetária Moderna não possa ser caracterizada como uma teoria econômica kaleckiana em seu núcleo, a influência da economia de Kalecki na MMT é difícil de ignorar. De fato, foi Kalecki quem impulsionou a noção de que “déficits não importam” e que os gastos do governo criam, por si só, o excedente de poupança no setor privado.

Os principais pontos de crítica à origem kaleckiana da MMT são de que não há causalidade em agregados estatísticos e de que poupança, em modelos macroeconômicos, não é apenas poupança privada, mas poupança nacional, o que inclui a poupança pública. Se a poupança pública é negativa, a poupança macroeconômica diminui enquanto a formação de capital é reduzida. Se os investimentos são iguais à poupança privada e há déficit público, isso implica, ceteris paribus, em um déficit na balança comercial. Nesse caso, um déficit público não aumentaria a poupança macroeconômica. O modelo macroeconômico da MMT é epistemologicamente, teoricamente e praticamente (causalidade, modelagem de atores e aplicação da política econômica) deficiente.

A Teoria Monetária Moderna nega a complexidade da economia que opera hoje em escala global. A coordenação da ação individual entre os consumidores e os produtores em uma rede tão complexa precisa de mercados para os quais o planejamento de políticas não é um substituto. Mais ainda do que antes, uma nova onda de planejamento econômico baseada na arrogância da pretensão de conhecimento não traria prosperidade e estabilidade, mas miséria e caos. Uma vez iniciados, os planos de política econômica da Teoria Monetária Moderna levariam o país ao socialismo.

A MMT serve como um álibi acadêmico para uma política utópica. Se não houver restrição fiscal para os gastos públicos, a oposição a enormes programas de gastos públicos perde sua legitimidade e projetos como o Medicare, universidade gratuita para as massas, o Green New Deal e uma modernização completa da infraestrutura do país podem ser lançados. A MMT fornece o discurso para a agenda dos socialistas democratas de que a escassez poderia ser abolida com a política correta.

Parte da razão pela qual a MMT se tornou popular é resultado do fracasso da chamada economia mainstream ou mainline. A tendência de sacrificar a relevância pela elegância, de colocar a matemática antes do insight e testar os resultados antes do conhecimento, levou a uma desconfiança popular da economia. Enquanto mais economistas obtiveram posições poderosas no governo e se tornaram importantes formuladores de políticas, o papel do economista, como representante das verdades econômicas, diminuiu.

Cada vez mais, a economia tradicional eliminou o empreendedor e o papel do capital de seus modelos. Agregados estatísticos substituíram a ação humana. O cientismo substituiu o conhecimento. Desta forma, o portão se abriu para os charlatões. Seria um grave erro subestimar o potencial da Teoria Monetária Moderna de se tornar uma forma popular de abordar questões econômicas e se transformar em um movimento politicamente importante.

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Notas

1 Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016.
2 PEC 6/2019.
3 Sobre armadilha da renda média, ver MUELLER (2018b).
4 No regime de metas de inflação, sempre que a inflação está alta (baixa), o banco central eleva (reduz) a taxa de juros para causar um choque no produto e levar a inflação de volta à meta. Resende (2017) argumenta que, em uma situação de dominância fiscal, uma taxa de juros elevada para controlar a inflação é ineficaz e acaba causando tanto uma inflação elevada quanto uma paralisia dos investimentos.

Autor notes

* Antony Mueller é doutor em Economia pela Universidade de Erlangen-Nuremberg da Alemanha (FAU) e professor de Economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS).
** Samuel Vaz-Curado é mestre em Economia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e economista pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

E-mail:antonymueller@gmail.comE-mail:samuelvazcurado@gmail.com

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