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Antifrágil, como se beneficiar do caos?
MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 8, e202081283, 2020
Instituto Ludwig von Mises - Brasil

Book Review

TALEB Nassim. Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos. 2012. Nova Iorque. Random House

Recepção: 12 Novembro 2019

Aprovação: 20 Fevereiro 2020

DOI: 10.30800/mises.2020.v8.1283

Introdução

O conceito de frágil é muito simples. Uma taça de cristal por exemplo, qualquer brinde mal calculado e centenas de pequenos fragmentos estariam espalhados na mesa, sobre a comida, no chão, podendo perfurar o pé de alguém, arruinando assim, não só a taça, mas também todo o jantar. É possível visualizar a cena, a cara de desgosto no rosto de todas as pessoas e alguém mais cauteloso dizendo que a comida foi violada e que o correto, é jogar os cacos no lixo.

O oposto de frágil é robusto, na tríade de Nassim Taleb, uma taça de metal como as da Idade Média, jamais seriam capazes de criar um acidente dessa natureza, portanto, a maioria das pessoas, quando pensa na palavra antifrágil, pensa em algo resistente, robusto, mas antifrágil não é isso.

Na visão de Nassim, portanto, antifrágil seria algo que se beneficia com o caos. Imaginemos, portanto, uma taça feita de cristais de flor de sal. Não sei se isso é de fato possível, mas, em um brinde equivocado, ao se quebrar sobre a comida, tal taça melhoraria a refeição, acrescentando certo refinamento aos pratos. Algo diferente do contexto de uma taça de cristal. Assim, a tal peça de flor de sal seria uma taça antifrágil, em uma situação completamente hipotética, claro.

Essa analogia é apenas um exemplo, mas é o básico da visão de Nassim, que, basicamente, inventou essa palavra, mas como percebemos, o conceito sempre existiu. Contudo, a visão proposta na obra oferece um panorama assertivo de análises.

Levando isso para o lado dos investimentos, por exemplo, como fazer os seus investimentos serem antifrágil? Se beneficiarem da crise? Sabemos que uma crise sempre está chegando, é algo iminente. Porém, não sabemos o mês, nem o ano, nem a década, mas a certeza, é de que uma delas está sempre por vir.

Então, nesse que é o métier principal do nosso autor, esta resenha tentará trazer 4 conceitos fundamentais do livro, que compensaram o tempo despendido tal obra.

1. Frágil, Robusto e Antifrágil: a tríade

Logo no início do livro, Nassim, traz um antigo conto grego sobre o tirano Dionísio II e o cortesão Dâmocles, que acreditava que, ser rei era muito fácil, por sua ideia de que um governante sempre teria tudo à sua disposição. Logo, para demonstrar para Dâmocles, a situação em que vive um rei, Dionísio II concede a ele, um banquete incrível, com todo tipo de bebida e comida disponível, mas coloca sobre a sua cabeça, uma espada, pendurada por um fio cabelo, oriundo da crina de um cavalo. Assim, ele se sentiria literalmente como um rei, ou seja, o reinado estava literalmente por um fio.

Eventualmente, Dâmocles acabaria não só sem o reinado, como morto, se permanecesse, por muito tempo, na posição confortável de desfrutar do banquete, sem refletir sobre seu crescente risco. Com esse conto, Nassim explica o que é frágil, para dar início ao conceito que pretende desenvolver.

Em um segundo mito, ele relembra a história da Fênix, o pássaro mitológico, hoje muito famoso nas mais variadas histórias ficcionais. Uma fênix nunca pode ser morta. Inclusive, quando ela é “assassinada” ou mesmo quando fica velha e morre por causas naturais, ela explode em chamas, e no meio das cinzas que sobrarem após o fogo se dissipar, restará então, um ovo, de onde ela renascerá e voltará à vida. Esse é o conceito de robusto.

O último mito, que encerra a tríade comparativa, seria o do monstro mitológico enfrentado por Hércules. Em determinado momento de suas aventuras, o filho de Zeus na mitologia grega, enfrenta uma Hidra, um monstro de várias cabeças. Todavia, o que acontece é que, cada vez que Hércules corta uma cabeça da criatura, duas novas surgem no lugar, portanto, quanto mais vezes Hércules tentasse destruí-la, mais ele faria a figura monstruosa se tornar poderosa. E para completar a antifragilidade, a Hydra ainda tem uma das cabeças que é imortal. Sendo assim, a única forma de parar o monstro foi colocando uma pedra sobre a esta cabeça, deixando-a imóvel. Isso quer dizer que foi impossível a destruir por completo. E esse é o conceito de antifrágil.

2. Intervencionismo Ingênuo

Muito utilizado por políticos ao redor do mundo, o intervencionismo se compara ao que, na medicina, se define por conceito, chamado iatrogenia, que são os efeitos adversos causados por uma intervenção médica.

Imagine que um paciente tem um sopro no coração. Assim, alguém desavisado, sem o mínimo de conhecimento anatômico, ouve um médico diagnosticar esse problema, e essa pessoa decide, portanto, remover o coração do paciente. Claro, o coração é a causa dos problemas, removendo-o, o problema seria eliminado. Logo, o intervencionista arranca o mal pela raiz e, obviamente, o paciente morre. Revoltado, ele não entende o que causou a fatalidade.

Parece absurdo quando falamos de algo irreversível do âmbito médico, mas é bem simples de acontecer na economia.

Um exemplo histórico é o dos romanos, por exemplo, que conseguiram eliminar os povos bárbaros e criaram um império enorme. Em um dado momento, os romanos decidem por alterar a quantidade de metais usados para cunhar as moedas, uma vez que, assim, poderiam fazer um número maior de moedas, e claro, melhorar a economia que estava se deteriorando. Sem o conceito de inflação, aumentando a oferta de moedas, sem nenhuma mudança na produtividade, o preço das coisas em Roma, diante da tal alteração das moedas, começou a subir assustadoramente.

Com medo de perder seus desgovernos, os imperadores romanos tiveram uma segunda ideia: tabelar os preços, até porque, por fim, os custos de produção se tornaram superiores ao preço de insumos básicos para a sobrevivência da população. Dessa maneira, o que era caro no mercado, como o leite, a carne, o queijo, se tornaram escassos e acabaram por desaparecer completamente. Basicamente, ninguém venderia algo por menos do que gastou para produzir. A população romana, após a segunda medida, então começa a passar fome, e por isso, deixam a cidade, se instalam em feudos. Resultado: o império fracassa e se inicia o feudalismo.

Obviamente, as invasões bárbaras, que antes eram fáceis de se conter com um exército populoso, se tornam mais frequentes. Deste modo, o império romano se finda, com Flávio Rômulo tendo sido o último imperador do Império Romano do Ocidente.

Não está no livro, mas, no Brasil, temos uma história também com o intervencionismo ingênuo muito próxima do caso romano. Os mais velhos, certamente, se lembram do presidente José Sarney, que governou o Brasil de 1985 até 1990. Naquela época, o dragão da inflação era o ser mitológico que mais assombrava os brasileiros, e para a tristeza dos que viviam tal momento, o dragão parecia ser apenas uma ideia mitológica, mas se escondia na inflação, que era real.

Sarney, durante sua gestão, teve várias ideias intervencionistas. Entre elas, tabelar preços, aumentar os salários automaticamente, sempre que a inflação subisse 20%, congelar o câmbio, dispor um seguro inflação e mais algumas medidas similares. Inicialmente, tudo parecia funcionar durante 4 até os 6 meses de tais ideias entrarem em vigor.

No início, Sarney, chegou a ser considerado o novo herói da república, seus índices de aprovação iam de vento em popa, até que, é claro, a realidade chamasse e a inflação do país alcançasse 1620% no fim de 1990. Adiante, foi até 5000% entre 1993 a 1994. (IORIO, s/d)

Assim foi, até que o Plano Real fosse lançado, em 1994, e as coisas enfim começaram a se resolver. O resto é história.

Com esses curtos exemplos, tanto do livro, como as comparações tecidas neste trabalho, fica claro o conceito de intervencionismo ingênuo e o impacto dele seja nas suas finanças pessoais ou nas do Estado.

A conclusão é simples, se um indivíduo, empresa ou governo não compreende o suficiente sobre o ecossistema da estrutura em que irá intervir, é melhor não fazer intervenção alguma.

3. Efeito Lindy

O conceito criado por Albert Goldman, e usado por Nassim Taleb no livro, é também muito interessante. Lindy é o nome de um restaurante que era frequentado por vários comediantes na década de 1960, em Nova Iorque, e ele deu nome à construção de Goldman. Logo, no artigo Lindy’s Law, publicado no The New Republic. Nesse, Goldman defendia que era simples saber, quanto duraria a carreira de um comediante.

Bastava saber, quanto tempo ele já tinha de carreira. Daí, era só presumir que metade desse valor era o tempo que ainda restava, ou seja se tinha 15 anos de carreira, certamente, duraria, com segurança, mais 7,5 anos.

Esse conceito é interessantíssimo a nível de mercado, em especial, por conta do fenômeno das Paleterias Mexicanas, por exemplo, que começou rápido, explodiu, e em pouquíssimos anos, tínhamos, ao menos, uma em cada cidade de médio porte. Contudo, da mesma forma que elas surgiram rápido, o Efeito Lindy também fez com que elas sumissem na mesma velocidade, menos de 1 ano após a expansão, vimos todas elas desaparecerem ou virarem sorveterias convencionais para sobreviver. (BERKUM, 2007)

É simples prever, por exemplo, que Ludwig von Mises, continuará a ser estudado no futuro, já que ele faleceu no ano de 1973, e ainda hoje, serve como base para estudos de economistas e sociólogos no mundo todo. Além de dar nome a essa publicação por exemplo. Em paralelo, não podemos dizer o mesmo de algum best seller deste ano por exemplo, que pode desaparecer completamente em meses, sendo substituído por outro. Não podendo ter garantidamente o mesmo ‘amanhã’ previsto para Mises.

Então, isso pode ser útil para quem deseja investir. Ou seja, na hora de escolher uma reserva de valor, é importante levar em consideração a perenidade, o ouro por exemplo, é valorizado pela sociedade há milhares de anos e a chance dele considerar sendo um dos metais mais preciosos da humanidade por outros milhares de anos, é enorme.

O mesmo vale, é claro, para investimentos em renda variável, grandes bancos, ou empresas centenárias, como a Ford e o Wells Fargo, certamente, durarão mais algumas centenas de anos.

Empresas centenárias também podem falir, mas a chance é inversamente proporcional ao seu tempo de existência, uma empresa que nunca trocou de C.E.O por exemplo, tem mais probabilidade de falir na mão do próximo, que uma que trocou dez vezes de mão em sucessões tranquilas.

A conclusão óbvia, é que o tempo é um dos melhores testes para qualquer coisa que queira se provar ao longo do tempo.

4. Se tornando antifrágil: removendo as fragilidades

Neoplatônicos eram os seguidores das ideias do filósofo Platão. Em suma, eles focavam nas formas de Platão, nos objetos abstratos de existência própria. Um dos grandes neoplatonistas foi Proclo, e ele repetia uma metáfora de que as estátuas são esculpidas por subtração, não por adição. Parece simples, mas é genial.

Taleb cita também uma outra versão mais recente disso, um trocadilho apócrifo: certa vez, o papa perguntou a Michelangelo, qual era o segredo de sua destreza, especialmente, como ele havia esculpido a estátua de Davi, considerada, por muitos, a obra-prima de todas as obras-primas. Sua resposta foi: “É simples. Eu só removo tudo o que não é Davi”.

Então, a lição é de que, para se tornar antifrágil, devemos fazê-lo por subtração, removendo as fragilidades e não por adição.

Exemplificando isso de forma mais prática, Taleb propõe a “lógica de barbell”, a estratégia consiste em alocar 80% do seu capital em um investimento extremamente seguro, como por exemplo, o tesouro nacional, ou talvez múltiplos tesouros de países diferentes e os 20% restantes, em uma aplicação de risco, como por exemplo, as ações.

Sendo assim, 80% do seu capital estaria alocado em algo de risco extremamente baixo. Assim, se o país crescer e a economia permanecer em ascensão, certamente, seus 20% vão se multiplicar rapidamente, aumentando consideravelmente, por outro lado. Contrariamente, se a economia for muito mal, seu dinheiro continuará extremamente protegido e seus títulos conseguirão segurar o período ruim. Em resumo, investidor antifrágil, que seguisse essa estratégia, ganharia de toda forma, talvez não tanto quanto o 100% em investimentos de risco, durante uma boa fase. Todavia, enquanto o outro estiver perdendo, os ganhos do investidor antifrágil continuam consistente.

5. Pele em jogo

Nassim Taleb popularizou esse conceito em outro livro, que leva o nome no idioma original de Skin in the Game (2012). Por que as empresas privadas são mais eficientes que o Estado? Não é difícil encontrar um empresário que perdeu tudo e foi à falência. Por outro lado, não podemos dizer o mesmo de políticos de modo geral. Assim, aqui na América Latina, enquanto a inflação venezuelana mais recente ultrapassava a casa dos 1000%, Nicolás Maduro desfrutava de uma suculenta carne do famoso chef Salt Bae. (BBC, 2018)

A pele dele, nem de longe, estava no jogo, independente da Venezuela amargar a pior crise da sua história recente, afinal, o ditador tinha uma vida de luxo, incluindo ícones onerosos.

Isso explica porque o Estado é ineficiente. Basicamente, políticos não usam serviços públicos, os seus salários não dependem do sucesso ou da diminuição da dívida do país, portanto, por que se importariam tanto assim com atuar com primor?

Nesse conceito, Nassim Taleb diz que jamais, devemos aceitar conselhos de pessoas que não têm a pele em jogo. Ele reitera que, quem se aconselha com um palpiteiro, tende a cometer erros absurdos, justamente porque o interesse dessa pessoa na sua vida ou nos seus negócios, não está atrelada ao lucro dela ou a satisfação pessoal de modo geral.

Conclusão: quem recebe conselhos de investimento em um banco tradicional, por exemplo, onde o gerente ganha no sucesso ou no fracasso, está cometendo um erro gravíssimo, o gerente não tem pele em jogo. É simples, o salário dele cai todo dia 5º útil, seus retornos, não, pois dependem da qualidade do investimento.

Investir em empresas, onde o conselho administrativo ou CEO não tem ações, é a mesma coisa. Só siga conselhos de quem faz ou vive a situação que você está vivendo ou vai viver.

Considerações Finais

Concluo essa resenha parcial do livro, com extrema descrença no nosso sistema político nacional, que parece seguir à risca a coluna de fragilidades, mas com um grande empenho em transformar, ao menos, as nossas finanças pessoais e negócios em antifrágeis. O livro Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos é despretensioso à primeira vista, mas, ao termina-lo, nos deparamos com sua verdadeira complexidade.

É fato que qualquer ser humano, independente dos seus níveis de conhecimento, pode se beneficiar dessa leitura, seja para o mais comum entretenimento, pela leve forma de escrita do autor, ou pelo conhecimento, oferecido através de uma profunda habilidade em tornar palatável suas ideias, inclusive, unindo mitologia, finanças e crises.

Referências

BBC. O polêmico almoço de Maduro. BBC online, 2018. Disponível em Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45568586. Acesso em: 20 fev 2020.

BERKUM, Scott. Mitos da inovação. Rio de Janeiro: Alta Books, 2007.

IORIO, U. Quinta lição: os efeitos dos controles de preços. Disponível em: Disponível em: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1422. Acesso em: 11 dez 2019.

TALEB, N. N. Skin in the game. New York: Random House, 2012.

Autor notes

I Raul Sena é fundador do canal de investimentos Investidor Sardinha e diretor de novos negócios da agência WTF Maison.

Email: raul@wtf.maison



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