Book Review
James OTTESON. Os Fundamentos do Capitalismo, o essencial de Adam Smith. 2019. Barueri. Faro Editorial. 129pp. |
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Recepção: 14 Abril 2020
Aprovação: 16 Abril 2020
Citado por praticamente todos os professores de esquerda quando se referem a um teórico do capitalismo que não leram, Adam Smith é considerado o pai da ciência econômica. Mas, afinal, o que realmente Adam Smith ensinou? O termo “mão invisível” é o seu legado mais importante? A maximização do lucro deve prevalecer às custas de nossos valores morais?
São questões como essas que James R. Otteson busca responder no livro Os Fundamentos do Capitalismo: O essencial de Adam Smith. Filósofo e economista, o autor possui no currículo passagem como docente nas instituições Yeshiva University, New York University, Georgetown University e University of Alabama. Ele escreve de forma clara e objetiva, quais foram as contribuições de Adam Smith para o conhecimento humano, que superam, por óbvio, a famosa “mão invisível”, indo além das Ciências Econômicas.
Faço aqui uma ressalva: o objetivo do livro, nas palavras de Otteson, é:
(...) apresentá-lo ao próprio Adam Smith. A melhor forma de aprender sobre Smith é ler Smith, isso serve para qualquer autor, inclusive ele. Quero introduzir o pensamento de Smith em seus aspectos mais relevantes (...). (OTTESI, 2019, p. 12)
Adam Smith, escocês de Kirkcaldy, nasceu em 1723. David Hume (1711 - 76) foi seu amigo, confidente e influência filosófica. Além disso, Smith conheceu o filósofo e estadista irlandês Edmund Burke (1729 - 1797) - considerado o pai do conservadorismo -, Voltaire (1694 - 1778), além dos fisiocratas franceses como François Quesnay (1694 - 1774) e Jacques Turgot (1727 - 1781). Smith foi professor de Lógica na Universidade de Glasgow e, posteriormente, professor de Filosofia Moral, na universidade na qual viria a se tornar vice-reitor (1761 - 1763) e reitor (1787 - 1789) -, e levou dez anos para concluir sua magnum opus, A riqueza das Nações, publicada em 09 de março de 1776. Por fim, faleceu aos 67 anos em Edimburgo.
Embora A riqueza das nações seja considerada a grande obra e contribuição de Adam Smith, ele ficou conhecido em vida por outra obra, e em outra área.
A obra, que tornou Smith conhecido em vida, teve como foco a filosofia moral. Sim, meu amigo leitor, o pai da economia moderna era um estudioso dedicado dos sentimentos morais e da felicidade humana. Nesse sentido, escreveu a obra A teoria dos sentimentos morais, publicada em 1759, que o tornou popular na sociedade britânica.
Ao longo de 12 capítulos, Otteson destrincha sobre a filosofia, a moral, a antropologia e a economia de Adam Smith, evidenciando ao leitor que Smith era um pensador que buscava apresentar ao mundo uma ciência econômica descritiva, baseada em evidências, mas sem deixar de lado as questões morais, fundamentais para o ser humano.
Para o autor, não há qualquer contradição entre o pensamento moral, apresentado por Smith em A teoria dos sentimentos morais, e o funcionamento do mercado, apresentado em A riqueza das nações. De fato, ambas as obras se complementam, pois, para Smith, a moralidade não só integrava as transações entre os indivíduos, como também estabelecia quais eram seus parâmetros aceitáveis.
Para tanto, como bem explica Otteson, Smith nos apresenta três argumentos:
Em resumo, para conquistar seus próprios objetivos, os indivíduos têm de cooperar com os outros, trocando valor por valor. Isso os incentiva a tomar decisões benéficas para todos. Portanto, a economia não é uma relação de soma-zero, mas sim uma relação ganha-ganha.
Curiosamente, a expressão “mão invisível” aparece apenas uma vez em A riqueza das nações. No entanto, aponta Otteson, ela “é absolutamente central para o pensamento de Smith” (2019, p. 83).
Adam Smith propõe algumas explicações para o sucesso de sociedades baseadas em um sistema econômico de mercado, em oposição a sistemas econômicos centralizados. Assim sendo, a sua evidência mais latente era a divisão do trabalho. Smith parte da premissa de que as nações eram ricas em razão da oferta de bens e serviços. Quanto mais bens e serviços ofertados, mais satisfação a sociedade poderia atingir. Mas o que isso tem a ver com divisão do trabalho?
Ora, quanto mais pessoas envolvidas na fabricação de um produto, com tarefas individualizadas e especialidades diferentes, maior e mais barata a produção desse bem.
Faça um exercício mental: pense no quão barato é um simples sanduíche: duas fatias de pão, uma folha de alface, duas rodelas de tomates, ovo frito e hambúrguer. Agora, tente imaginar se você, sozinho, tivesse que produzir todos esses insumos: plantar o trigo, a alface e o tomate, criar a galinha para colher os ovos, matar a vaca e cortar a carne. E a produção das ferramentas necessárias para produzir os insumos que citamos?
Ao pensar nisso, é fácil perceber que Smith estava certo: é a divisão do trabalho que leva à especialização, além de aumentar a produção e, consequentemente, de baratear os bens e serviços.
E a mão invisível? Abra a sua geladeira, olhe para o aparelho que você está utilizando para ler esta resenha, ou as tantas coisas que existem para melhorar a vida das pessoas - seja para o lazer ou o uso profissional -, e você nem conhece quem produziu cada um desses itens, levou até o supermercado ou entregou em sua residência.
Você nem precisa conhecê-los.
Dia após dia, indivíduos trabalham para produzir algum bem ou ofertar algum serviço, utilizando seu conhecimento específico, com o intuito de atingir os seus próprios interesses. E, no processo, ofertam algo que é do seu interesse.
Importante ainda destacar a importância da virtude moral em Adam Smith. Nesse sentido, Adam Smith a separa em duas categorias: Justiça e Beneficência.
A Justiça está vinculada a não causar danos injustamente aos outros - uma virtude negativa - que consiste em três regras: a) proteger a vida; b) proteger a propriedade; c) proteger as promessas aos outros, ou, em linguagem atual, proteger os contratos voluntariamente celebrados entre as pessoas.
A Beneficência está vinculada a uma ação voluntária para melhorar a vida das pessoas, ou seja, uma virtude positiva. Essa ação deve envolver o uso de recursos próprios, do contrário, deixa de ser uma virtude. Logo, não há qualquer crédito moral em “ajudar” os outros pela força.
A conclusão que chego, após a leitura agradável proporcionada por James Otteson, é o quão pouco sabemos sobre Adam Smith e sua obra. Temos agora a oportunidade de corrigir esse erro.
Por fim, em tempos de crise, desespero ou desesperança, entender Os Fundamentos do Capitalismo é urgente, para não cairmos nas trapaças do Leviatã e seus controles sobre os preços, sobre a produção, bem como suas violações à liberdade de contrato e movimento.
Autor notes
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