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Competição, monopólio e antitruste: as limitações da competição perfeita na análise econômica
João Felipe Rodrigues Lanza
João Felipe Rodrigues Lanza
Competição, monopólio e antitruste: as limitações da competição perfeita na análise econômica
MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 8, e202081327, 2020
Instituto Ludwig von Mises - Brasil
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Resenha

Competição, monopólio e antitruste: as limitações da competição perfeita na análise econômica

João Felipe Rodrigues LanzaI
Fundação Getúlio Vargas, Brasil
MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 8, e202081327, 2020
Instituto Ludwig von Mises - Brasil
MACHOVEC FRANK. Perfect Competition and the transformation of Economics. 1995. Londres. Routledge. 391pp.

Recepção: 13 Julho 2020

Aprovação: 19 Julho 2020

Talvez o principal ponto de divergência entre a Escola Austríaca e o atual mainstream seja o tema da concorrência e monopólio. Enquanto os modelos neoclássicos baseiam-se fortemente no mercado em estado de equilíbrio, os autores austríacos apresentam um conceito de competição focado na rivalidade e no mercado com um processo em constante transformação. E essa divergência em relação às definições de concorrência e mercado fazem com que os economistas da EA e do mainstream tenham um entendimento completamente distinto sobre diversos fenômenos do mercado, com destaque para o empreendedorismo e antitruste.

Em seu livro, Frank MacHovec discute a origem dessa divergência. Ele argumenta que a adoção do conceito de concorrência perfeita provocou uma revolução profundamente negativa para a Economia. Além disso, explica como a formalização econômica produzida pela Revolução Marginalista forneceu justificativas para diversos tipos de intervenções estatais como a política antitruste - exatamente o perigo alertado pelos economistas da Escola Clássica.

Ao longo dos 12 capítulos, o autor discorre sobre como os conceitos de concorrência baseado na rivalidade e do monopólio como bloqueio estatal à concorrência foram gradualmente esquecidos em prol de uma visão calcada no equilíbrio e em um estudo puramente mecanicista das relações entre os agentes no mercado. Primeiro, MacHovec apresenta o problema: o fato de que o modelo de concorrência perfeita, visto como o estado ideal de um mercado amadurecido, fruto do equilíbrio de longo prazo, na verdade, é alheio à toda a concorrência do mundo real. Depois, ele mostra as implicações da adoção do modelo de concorrência perfeita, obtido sob as premissas de equilíbrio eficiente, produtos homogêneos e conhecimento perfeito por parte dos agentes do mercado.

A divergência entre a EA e o mainstream tem sua origem na Revolução Marginalista. Enquanto Jevons e Walras estudam como as unidades adicionais de um bem geram valor para um suposto consumidor médio, Carl Menger (1871) se diferencia por rejeitar a concepção de médias coletivas e observar como as unidades adicionais geram valor para o consumidor marginal. Consequentemente, Menger - e os austríacos - rejeitam a noção da economia neoclássica de “equilíbrio competitivo”, considerando-a uma “situação em que nenhuma troca ocorre pois já foi atingido o limite econômico para trocas”. E como mostra MacHovec em seu livro, essa mudança ocorre pelo simples fato de que os autores clássicos e austríacos supõem que o mercado tende ao equilíbrio, enquanto os neoclássicos consideram que o mercado já está em equilíbrio. Dessa forma, a EA concordou com os clássicos de que o mercado tende a um equilíbrio, porém destacou que o empreendedorismo tem um papel essencial na criação de novas oportunidades de forma imprevisível - o que impossibilita a modelagem de equilíbrios matemáticos a partir de condições dadas.

O primeiro ponto abordado pelo autor é o abandono progressivo da figura do empreendedor na teoria econômica moderna decorrente da adoção das premissas de informação perfeita e equilíbrio de mercado. Se antes as mudanças de preços eram atribuídas a atividades dos produtores como a diferenciação de produtos (prática tratada por MacHovec como um componente endógeno dos preços), nos modelos neoclássicos, as mudanças passaram a ser possíveis apenas devido a choques de oferta e demanda (fatores tratados por MacHovec como componentes exógenos dos preços). Dessa forma, os preços passaram a ser considerados como variáveis paramétricas dadas no mercado, ignorando o processo de interação entre produtores e consumidores que forma os preços.

O mercado deixou de ser visto como um processo constante de descoberta das formas mais eficientes de atender às necessidades dos consumidores em que os empreendedores são fundamentais para a alocação de recursos. Como apontado por MacHovec, “na economia neoclássica, a questão do que produzir não é um problema: conhecimento perfeito, preços de liquidação e cálculos lagrangianos de otimização de recursos se combinam para garantir que a combinação de bens maximizadora da utilidade seja produzida a todo instante” (p. 20). Como na teoria neoclássica os preços são paramétricos (isto é, não podem ser modificados pela ação de qualquer produtor) e as empresas aceitam os preços como dados, todo o processo competitivo que forma os preços - o componente mais essencial da concorrência - simplesmente é estranho ao modelo de concorrência perfeita. E como o empreendedor é justamente o indivíduo que age frente às incertezas, deixa de ser agente de transformação do mercado para se tornar, nas palavras do autor, um eunuco nos modelos walrasianos de equilíbrio em que as condições são dadas aos agentes econômicos. O único comportamento que resta aos produtores é realocar o capital de forma mecânica às mudanças que ocorrem de forma homogênea no mercado.

Mesmo incorporando modelos com informação imperfeita, a ortodoxia é incapaz de lidar com a genuína incerteza do mundo real: o teórico do equilíbrio supõe que o tomador de decisão já está cavando no lugar certo, enquanto o teórico do processo competitivo enfatiza que achar o lugar certo para cavar é o verdadeiro problema. Na teoria do equilíbrio, o retorno probabilístico dos resultados já é conhecido, permitindo assim um benefício marginal stigleriano e uma análise de custos marginais para obter um resultado ótimo. A teoria do equilíbrio simplesmente não consegue resolver o verdadeiro problema: onde e o que procurar (p. 171). Isso ocorre porque a abordagem dos economistas matemáticos, conclui MacHovec, negligencia a definição clássica da concorrência como um processo de rivalidade em prol de outra em que a atividade concorrencial no sentido smithiano chegou ao seu limite e foi descartada. A visão clássica de concorrência, que foi o pilar da Economia, é abandonada pelos ortodoxos, enquanto os críticos austríacos da concorrência perfeita, que não aderiram à formalização matemática da disciplina, seguem firmes.

A maior contribuição do livro é sua crítica ao principal impacto da adoção do modelo irreal de concorrência perfeita como ferramenta de análise dos mercados reais: a inversão do papel dos empreendedores e dos políticos na economia de mercado. O abandono da visão do empreendedorismo como motor da inovação na sociedade em prol do equilíbrio de longo prazo, argumenta MacHovec, redefiniu o papel do empreendedor na visão dos economistas. Uma vez que nenhuma prática de diferenciação (produto ou preço) ou de economias de escala é possível nas condições de concorrência perfeita, essas práticas intrínsecas à atividade empresarial e ao processo competitivo deixaram de ser vistas como virtudes da economia de mercado, mas como ameaças potenciais de formação de monopólios.

Os economistas clássicos consideravam o mercado como um ambiente que se autorregula contra monopólios no caso de existir liberdade de entrada. Porém, a adoção da concorrência perfeita levou ao estabelecimento de novos critérios para definir liberdade de entrada, o que, por sua vez, levou a considerar práticas exitosas de diferenciação e de economias de escala como impedimentos não legais à livre entrada de novos concorrentes no mercado. E esse raciocínio abriu caminho para a ideia de que monopólios seriam possíveis em um ambiente de livre mercado, e que talvez regulações estatais fossem necessárias para impedir abusos eventuais de poder de mercado.

Dessa forma, a teoria neoclássica fornecia as bases para a criação das políticas antitruste no final do século XIX, o que explica a sua rápida incorporação pelos governos de forma ex post, como demonstrado por DiLorenzo (1985) em sua revisão histórica sobre a origem do movimento antitruste. Para demonstrar o efeito da adoção da concorrência perfeita nas políticas antitruste, MacHovec cita Coase: “À medida que os modelos estáticos neoclássicos foram adotados pelos juristas, as práticas do mundo dos negócios cujos raciocínios eram sutis - e não compreensíveis de forma tão fácil - passaram a ser rotineiramente entendidos como fontes de poder de monopólio. Mais prejuízos do que benefícios surgiram da aplicação inflexível do benchmark da competição perfeita como a medida com a qual as políticas (particulares) antitruste e suas medidas eram testadas” (p. 201). E a concepção clássica de concorrência foi então abandonada pelo mainstream, permanecendo na Economia moderna apenas no corpo teórico da EA, que não sucumbiu à formalização matemática da disciplina iniciada no século XX.

A principal conclusão do livro é que o resultado da adoção dos modelos matemáticos walrasianos tem contribuído mais para incentivar intervencionismo governamental do que aprofundar a defesa clássica da livre concorrência. Com a formalização matemática, o corpo teórico da economia clássica se perdeu, na medida em que os modelos matemáticos da ortodoxia contemporânea negligenciam a abordagem de processos competitivos dos economistas clássicos do século XIX. E o problema da economia mainstream descrito por Demsetz como “falácia de nirvana” - a comparação de mercados reais com um modelo matemático irreal - permanecerá até que a metodologia austríaca volte a ser a predominante no mundo acadêmico.

A única falha da análise de MacHovec é não aprofundar sua refutação da concorrência perfeita, rejeitando a metodologia positivista do mainstream econômico. Em vez disso, sua principal recomendação é reduzir a ênfase no modelo de concorrência perfeita, o que é insuficiente para atacar a falha fundamental da economia ortodoxa apontada por Hayek no discurso de seu prêmio Nobel em 1974: a adoção do método matemático das ciências exatas (em especial, a Física) na análise de fenômenos sociais. Mas de uma forma geral, Perfect Competition and the Transformation of Economics, é uma peça-chave na compreensão da transformação do pensamento econômico com a formalização matemática da década de 1920 e da importância da retomada do ideal clássico da competição como processo de rivalidade no lugar dos modelos atuais de estruturas de mercados em equilíbrio.

Material suplementar
Referências
BASTOS, J. P. Competição e Monopólio: o mainstream e a Escola Austríaca. Mises Journal, v. 4, n. 2, p. 377-390, 2016. Disponível em: Disponível em: https://revistamises.org.br/misesjournal/article/view/137. Acesso em: 14 jun 2020.
LANZA J. F.R; Di Lorenzo, T. J. The origins of the antitrust movement: An Interest-Group Perspective. Mises Journal, v. 7, n. 2, 2019. Disponível em: Disponível em: https://revistamises.org.br/misesjournal/article/view/1177. Acesso em: 14 jun 2020.
MACHOVEC, F. M. Perfect Competition and the Transformation of Economics. Londres: Routledge, 1995. A pretensão do conhecimento. Disponível em Disponível em https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=222. Acesso em: 14 jun 2020.
MENGER, C. Principles of Economics. Scott Valey: Createspace, 2007.
DEMSETZ, Harold. Information and Efficiency: Another Viewpoint. Journal of Law and Economics, v. 12, p. 11-22, 1969.
Notas
Autor notes
I João Rodrigues é estudante de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas com ênfase em logística e transportes. Em 2018 desenvolveu a iniciação científica Entraves regulatórios e propostas de gestão para o setor ferroviário brasileiro, premiada com a menção honrosa pelo GVPesquisa. E-mail: joaorod95@gmail.com.
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