Ensaios & Insights
Desenvolvendo o Brasil com Zonas de Prosperidade
Developing Brazil with Prosperity Zones
Desarrollando el Brasil con Zonas de Prosperidad
Desenvolvendo o Brasil com Zonas de Prosperidade
MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 8, e202081318, 2020
Instituto Ludwig von Mises - Brasil
Recepção: 19 Junho 2020
Aprovação: 15 Outubro 2020
Resumo: Este documento propõe-se a demonstrar as Zonas de Prosperidade como uma alternativa para melhorar a governança e ajudar a desenvolver o Brasil e suas macrorregiões através da criação de cidades com estruturas legais competitivas. As deficiências dos governos tradicionais são inicialmente examinadas, e então seus problemas subjacentes são analisados. Após uma explicação do modelo de Zona de Prosperidade e sua origem, o documento continua demonstrando como este sistema resolve os principais problemas de economia política presentes nos governos contemporâneos, referindo-se como exemplo à eficácia de jurisdições especiais menos tecnológicas já implantadas no Brasil, como a Zona Franca de Manaus. Finalmente, são apresentadas recomendações e previsões quanto à sua implementação em território brasileiro.
Palavras-chave: Zonas Especiais, Comunidades Privadas, Zonas de Prosperidade, Brasil.
Abstract: This paper proposes to demonstrate Prosperity Zones as an alternative to improve governance and help develop Brazil and its macro-regions through the creation of cities with competitive legal structures. The shortcomings of traditional governments are first examined, and then their underlying problems are analyzed. After an explanation of the Prosperity Zone model and its origin, the document continues to demonstrate how this system solves the main problems of political economy present in contemporary governments, referring as an example to the effectiveness of less technological special jurisdictions already established in Brazil, such as the Manaus Free Zone. Finally, recommendations and forecasts are presented regarding its implementation in Brazilian territory.
Keywords: Special Zones, Private Communities, Prosperity Zones, Brazil.
Resumen: En este documento se propone demostrar que las Zonas de Prosperidad son una alternativa para mejorar la gobernanza y ayudar a desarrollar el Brasil y sus macrorregiones mediante la creación de ciudades con estructuras jurídicas competitivas. En primer lugar se examinan las deficiencias de los gobiernos tradicionales y luego se analizan sus problemas subyacentes. Tras una explicación del modelo de la Zona de Prosperidad y su origen, el documento sigue demostrando cómo este sistema resuelve los principales problemas de economía política presentes en los gobiernos contemporáneos, refiriéndose como ejemplo a la eficacia de las jurisdicciones especiales menos tecnológicas ya establecidas en el Brasil, como la Zona Franca de Manaos. Finalmente, se presentan recomendaciones y previsiones sobre su aplicación en el territorio brasileño.
Palabras clave: Zonas Especiales, Comunidades Privadas, Zonas de Prosperidad, Brasil.
Introdução: O Status Quo da Governança
Os sistemas convencionais de governança estão atingindo seus limites no século XXI. Os estados-nação democráticos ocidentais estão enfrentando questões como incerteza jurídica, instabilidade política, corrupção e compadrio. O Brasil, sendo o país de maior extensão e destaque internacional na América Latina e no bloco Mercosul, certamente é afligido por estes males. Apesar de todo ciclo eleitoral apresentar promessas de desenvolvimento, especialmente direcionadas ao Nordeste brasileiro, o país se depara novamente com uma ‘Década Perdida’1. Com um péssimo ambiente de negócios e o mais complexo sistema tributário do planeta, a iniciativa privada é impedida de desenvolver-se, enquanto o estado brasileiro promete o desenvolvimento que é incapaz de trazer sozinho. De fato, desde 2011 existe uma crescente onda emigratória de trabalhadores qualificados, superando as vinte mil declarações de saída definitivas a partir de 20162, sintoma das crises que assolam o país.
Para entender a razão dessa estagnação, é preciso primeiro entender como funciona o sistema. A administração pública segue o mesmo conjunto básico de regras na maior parte do mundo ocidental. Cidades são governadas por prefeitos, estados por governadores e países por presidentes ou primeiros-ministros, todos eleitos por um certo número de anos. Na parte operacional, os serviços públicos são prestados tanto por servidores públicos quanto por empresas privadas, por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Na parte administrativa, a cidade é a unidade local em um sistema de direito, normalmente incluindo três tipos com competências distintas, nacional, estadual e municipal. As cidades podem fazer suas próprias regras em relação a áreas específicas deixadas a sua jurisdição pela legislação estadual, desde que essas novas regras não infrinjam a competência de outros entes. Os estados podem fazer o mesmo em relação às suas próprias leis, sendo subordinados às leis nacionais. O governo nacional é normalmente livre para legislar sobre qualquer assunto, pois não está subordinado a nenhuma lei, exceto por limites estabelecidos em sua própria Carta Magna ou quando o país está vinculado a organizações supranacionais, como no caso da União Europeia. Com raras exceções, como a Suíça, a maioria dos poderes está nas mãos do governo e do parlamento nacionais.
Quais são as deficiências deste modelo?
1. Problemas estruturais em jogo
As questões que afetam o sistema anteriormente descrito são apenas o resultado de problemas mais fundamentais relacionados à economia política de uma jurisdição. Uma abordagem de economia política trata os funcionários do governo como agentes normais do mercado - pessoas que não têm conhecimento perfeito e que reagem a incentivos. Os problemas derivados desta observação podem ser divididos em dois campos básicos: Problemas de conhecimento e problemas de incentivos (MOBERG, 2017). Por uma questão de clareza, o problema de conhecimento também pode ser dividido em duas áreas: o problema do conhecimento "administrativo" e o problema do conhecimento "operacional". O primeiro trata do conjunto de regras da jurisdição, o segundo, das ações baseadas neste conjunto de regras.
Colocando de forma simples, o problema do conhecimento administrativo poderia ser resumido como "É difícil saber o que constitui boas regras". No sistema jurídico brasileiro, baseado na tradição romano-germânica, a regulamentação é tipicamente aplicada a nível federal, com as lacunas sendo deixadas a cargo dos estados; dessa forma, existe uma uniformidade regulatória que a) não considera as diferenças regionais e b) impede competição entre os entes federativos e, consequentemente, a melhoria regulatória. A mudança do conjunto de regras só é possível através de um processo legislativo, revolução ou secessão. Isso dificulta o teste de novas regras. A primeira opção requer tempo, pois a proposta legislativa precisa passar por muitas etapas dentro do legislativo até ser promulgada e poder ver a luz do dia. Se houver oposição, o processo pode ser adiado indefinidamente. As outras duas opções não são mais fáceis; não só são ilegais e extremamente arriscadas, como na maioria das vezes envolvem conflitos violentos com a nação em questão.
Além disso, adquirir o conhecimento sobre a aplicabilidade de formas de governo ou diferentes tecnologias sociais pode levar gerações, e muitas vezes não pode ser determinado de forma alguma durante a vida das pessoas envolvidas. Como a maioria ou as mais importantes das competências são normalmente decididas em nível nacional, um país geralmente só pode optar por ir em uma direção com seu sistema jurídico. Se regras ruins forem promulgadas, uma correção de rumo necessária pode ser politicamente muito cara, pois os políticos responsáveis podem não estar dispostos a recuar em sua própria legislação e, novamente, todo o processo leva tempo.
Como resultado, mesmo em estados democráticos, falta uma alternativa para que as pessoas experimentem ‘contramodelos’, que mais tarde podem se mostrar superiores. Isso asfixia a inovação.
O que alivia este problema é que existe um grau de competição jurisdicional entre os países. Países com ambientes favoráveis aos negócios e conjuntos de regras eficientes atraem imigrantes qualificados e investimentos, enquanto países hostis às empresas e com conjuntos de regras ineficientes perdem capital e cidadãos de alto desempenho. Essa competição na governança significa que os países podem examinar os casos de sucesso e fracasso para tentar descobrir o que funciona melhor e o que não funciona. Se não o fizerem, correm o risco de ficar para trás e ter seu capital e seus cidadãos indo para outro lugar.
Entretanto, a transposição direta de sistemas de governança estrangeira pode enfrentar problemas se não for adaptada à realidade existente em um país. Países com diferentes culturas, geografias, religiões e níveis de desenvolvimento econômico e tecnológico podem ter um arranjo ideal de regras e estrutura de governança diferentes. Ignorar essas diferenças pode causar outros problemas, como a rejeição do sistema importado pela população.
O segundo problema de conhecimento diz respeito às ações concretas dos diferentes níveis de governo que operam sob um conjunto de regras existentes. Pode ser descrito brevemente como "É difícil como um planejador saber onde fazer o quê". Como os estados não operam sob uma base contratual, com fins lucrativos, o setor público não recebe o feedback do mercado que as empresas privadas recebem. Há menos informação sobre onde, quanto e quando investir. Assim, o pensamento de custo-benefício é prejudicado. Os custos de diferentes projetos normalmente não são claros e os benefícios esperados podem não corresponder à realidade. Os projetos podem ser feitos com base na visão de um político e não na filtragem rigorosa do mercado. Decisões como "onde localizar uma Zona de Comércio Exterior", "quanto investir em infraestrutura pública para esta localização", ou "qual a dimensão deste parque industrial", não são tomadas como decisões normais de mercado, justamente por causa desta falta de informação, o que leva a ineficiências.
Por fim, chegamos ao problema de incentivos. Trata-se das motivações concretas de ação dos responsáveis pelas instituições públicas. Uma breve formulação seria a seguinte: "É difícil para os funcionários públicos agirem em favor do público se os seus incentivos forem para não o fazerem". Como demonstram membros da Escola Austríaca, como Hans Hermann Hoppe (2018), o Estado sofre de uma tragédia dos comuns. Como funcionários públicos e políticos podem usufruir do valor de uso do Estado, mas não possuem o valor de capital dos recursos governamentais, têm pouco incentivo para pensar no crescimento a longo prazo da riqueza total (renda e capital). Pelo contrário, do ponto de vista deles, faz sentido, economicamente, queimar capital para aumentar a renda atual. Outros autores, como Spencer Heath (1957), colocaram esse problema como uma separação entre administração e gestão.
Independentemente de como se opte por abordar o assunto, as implicações práticas são as mesmas - onde as pessoas não estão compartilhando a propriedade e o destino de um empreendimento, elas não têm um incentivo econômico para pensar em sua sustentabilidade a longo prazo. Seus incentivos e os do empreendimento não estão alinhados. Em vez disso, faz mais sentido que elas se beneficiem do sistema através da busca de renda, explorando oportunidades para o compadrio e a corrupção. Como nossas cidades não têm donos - "órfãs", como diz o professor Tom W. Bell (2017), há tentação para a corrupção e pouco benefício na honestidade.
De fato, esta afirmação merece ser seriamente considerada. Vamos considerar a situação atual: Se um prefeito tem um mau desempenho, normalmente não pode ser demitido. A menos que um grande escândalo de corrupção se torne público, ele permanecerá no cargo até o fim de seu mandato, independentemente de sua administração ter sido terrível. Então, ele vai se aposentar com a aposentadoria completa. Por outro lado, se ele se sair incrivelmente bem, seu salário não vai mudar nem um centavo. Se ele transformar uma aldeia no deserto em um oásis de ouro, ele ainda recebe oficialmente apenas seu salário como político, e sua aposentadoria depois também vai ser a mesma. Este é o conjunto de incentivos que fazem com que os políticos concedam contratos a lobistas, coloquem amigos em cargos públicos e aceitem subornos, em detrimento do governo e do público em geral. Se eles podem evitar ser pegos, é assim que podem melhorar sua posição. Isso é um problema de incentivo.
Esses problemas assolam governos de todo o mundo em diferentes graus. Agora é hora de entender como resolvê-los.
2. Duas Tecnologias Sociais
A primeira parte da solução é um instrumento de política: Zonas Econômicas Especiais, ou ZEEs. Estas são jurisdições especiais dentro de um país que podem ter uma estrutura de governança diferente do resto do território nacional. Normalmente, isso significa ter um ambiente melhor para fazer negócios, com isenções tarifárias, impostos mais baixos e simplificados, e menos regulamentações. Esses tipos básicos de zonas são amplamente adotados, sendo que a maioria dos países do mundo os possui. Até mesmo o Brasil implementou a tecnologia em seu favor, em menor grau, através da Zona Franca de Manaus, ainda em 1967, e das Zonas de Processamento de Exportação, a partir de 19883. Todavia, o país ainda não voltou a experimentar com estruturas de zonas mais modernas e autônomas. (BELL, 2017,).
Mas tem mais. As Zonas Administrativas Especiais Chinesas (ZAEs), como Hong Kong, são muito mais avançadas e têm uma autonomia consideravelmente maior, até mesmo tendo seus próprios tribunais para julgar as disputas. Dubai também é outro exemplo similar. Lá, os EAU estabeleceram o Centro Financeiro Internacional de Dubai, onde a lei comum inglesa se aplica ao lado da lei local. Isso significa adotar um sistema jurídico totalmente diferente, incluindo tribunais autônomos próprios. A abordagem de Dubai tem atraído muitas empresas que estão acima de tudo interessadas na estabilidade e previsibilidade das condições gerais. Outras localidades têm seguido o exemplo. O Mercado Global de Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos ou o Centro Financeiro Astana no Cazaquistão são outros exemplos.
A segunda parte da solução envolve um modelo organizacional, o de comunidades proprietárias (ou empreendedoras). O conceito foi originalmente desenvolvido pelo antropólogo Spencer Heath (1957) e foi posteriormente aprofundado por seu neto, Spencer MacCallum (1970). A grande inovação deste modelo consiste em proporcionar um meio para o setor privado entregar contratualmente bens públicos territoriais.
Em uma comunidade proprietária, o locador (ou organização proprietária do terreno) financia os bens públicos territoriais através da renda recebida do aluguel. O preço do pacote de serviços oferecidos é o aluguel que é solicitado aos inquilinos. Isto efetivamente cria um mercado para estes bens públicos territoriais. Os potenciais inquilinos podem escolher entre diferentes pacotes de serviços oferecidos pelos proprietários de terras concorrentes, de acordo com suas preferências. Ao fornecer serviços exigidos por cidadãos e empresas, como segurança, boa infraestrutura, etc., a comunidade proprietária experimenta um aumento no valor de seus ativos e em seu fluxo de renda, seja pela possibilidade de aumentar seu preço de aluguel ou pela atração de mais moradores4. Não prestar esses serviços significa exatamente o contrário - uma diminuição do valor do capital alocado e da receita. Exemplos desses tipos de comunidades são hotéis, shopping centers, associações de proprietários de casas e condomínios.
3. O Futuro das ZEEs: Zonas de Prosperidade
Após examinar estas duas tecnologias sociais individualmente interessantes, é hora de fundi-las no novo conceito único que pode fornecer a solução para os problemas de governança de nossos sistemas atuais. Esta fusão é chamada de Zona de Prosperidade.
Uma Zona de Prosperidade é uma jurisdição especial semiautônoma, administrada por uma empresa operadora, que oferece aos residentes e empresas serviços governamentais dentro de um território definido. Os residentes e as empresas pagam um valor contratualmente definido por esses serviços. Seus direitos e obrigações são estabelecidos em um contrato com o operador, o que também serve como uma garantia de proteção e "constituição pessoal" para eles. Os residentes são livres para sair a qualquer momento, enquanto a operadora só pode rescindir o contrato por violação contratual. Se uma das partes não cumprir com suas obrigações contratuais ou surgirem disputas relativas à interpretação do contrato, uma parte pode levar a outra à justiça. Como é costume no direito privado, estes conflitos vão para um painel de arbitragem independente.
Estas são as bases do modelo, conforme desenvolvido pelo autor e empresário Titus Gebel (2018). Detalhes sobre a estrutura organizacional dependerão da zona específica. Diferentes modelos de propriedade são possíveis, com a literatura apontando três - posse própria, posse arrendada e posse comum. Diferentes mecanismos de engajamento também podem ser considerados. O operador pode ser uma empresa pública, emissora de ações. Pode também ser um empreendimento de propriedade dos cidadãos. Pode ser uma empresa privada compartilhando seu sucesso com a comunidade local através de uma Zona de Dotação (CACERES, 2012). Alternativamente, ela poderia incorporar a participação democrática e a participação acionária em uma dupla democracia.
Como este tipo de jurisdição resolve os problemas de conhecimento e incentivo? Vamos tratar de um problema de cada vez.
Primeiro, vejamos a aquisição de conhecimento do que constitui boas regras. Como mencionado anteriormente, a competição interjurisdicional entre países cria um processo descentralizado de descoberta das melhores práticas, muito em linha com o entendimento de Hayek (2002) sobre o mercado. Hayek vê a competição de mercado como um processo de descoberta no qual diferentes empreendedores tentam diferentes ideias para melhor satisfazer os desejos dos clientes. Neste caso, são os governos competindo por cidadãos e empresas que criam um cenário semelhante na governança. Este cenário coloca uma pressão evolutiva sobre os sistemas existentes. Boas mudanças significam sucesso para um país, e essas mudanças podem ser copiadas. Más mudanças significam o fracasso de um país e, idealmente, outros países ganham conhecimento do que não funciona. As Zonas de Prosperidade intensificam ainda mais este processo, aumentando a competição dentro dos países. Devido a sua maior autonomia para adotar diferentes sistemas de governança, um país pode ter zonas individuais tentando novas práticas inspiradas por diferentes países simultaneamente, ou ter várias zonas tentando implementar reformas similares através de diferentes rotas de implementação. Isso reduz o custo de testar soluções. As zonas com falhas custarão muito menos do que se a reforma tivesse sido introduzida no país como um todo. As zonas bem sucedidas, no entanto, podem servir de modelo para as reformas nacionais. E se elas tiverem um status de autonomia garantida por muito tempo, digamos 50 ou 99 anos, sobreviverão às mudanças de governo e às inúmeras mudanças nas políticas e na legislação que se seguem, criando assim estabilidade a longo prazo.
Em relação ao problema da falta de conhecimento para a tomada de decisões operacionais, o desenvolvimento de zonas privadas garante uma melhor compreensão do que, quando e onde os recursos têm de ser alocados. Como os operadores da zona e os acionistas associados atuam como entidades privadas (empresariais e não políticas) que se posicionam diretamente para ganhar ou perder com investimentos e projetos, há um forte incentivo para o pensamento de custo-benefício envolvido. Além disso, como a zona de prosperidade opera numa base contratual, através do feedback dos preços de mercado, ela pode adquirir informações sobre o valor criado pelos serviços oferecidos.
Como explicado por Randy Barnett (1986), transações consensuais revelam preferências ocultas das partes envolvidas e, assim, extraem as informações necessárias para maximizar a eficiência econômica. O mesmo não acontece com as transações não consensuais, pois elas revelam apenas as preferências de uma das duas partes, aquela que coagiu a outra a participar da transação. Quando uma cidade não pode recorrer à tributação como fonte de renda para seus projetos, tem que prestar serviços que proporcionem aos cidadãos um valor real pelo qual eles estejam dispostos a pagar. Assim, a mudança do financiamento de bens públicos de um paradigma coercitivo para um paradigma contratual terá o benefício de gerar mais e melhores informações que poderão ser utilizadas nos cálculos econômicos do operador.
Por fim, vamos analisar como a situação é diferente para a cidade privada em relação aos incentivos. O operador da zona privada é o proprietário do capital da empresa. Qualquer ação que a operadora empreenda e que proporcione valor de uso à custa do valor do capital será avaliada com muito mais cuidado. Uma contrapartida direta para a administração está agora envolvida. Se não considerar a capacidade de sobrevivência a longo prazo do empreendimento e políticas de conduta prejudiciais para a cidade, o valor de seu empreendimento cairá. Ações que afastam cidadãos e investidores significam uma queda direta na receita operacional e nos preços dos ativos, devido à diminuição da demanda por terrenos.
Embora esta seja uma melhoria no aspecto administrativo de uma cidade, as atividades gerenciais também têm agora diferentes incentivos em jogo. As posições gerenciais não têm mais a "estabilidade" dos órgãos públicos. Como funcionário regular de uma empresa privada, o prefeito não tem um limite de mandato. Enquanto tiver um bom desempenho, há poucos motivos para que seja substituído. Se ele agir de forma incompetente, porém, pode ser destituído imediatamente. Os cidadãos não precisam esperar pelo fim do mandato do prefeito para que ele saia se estiver prejudicando a cidade. O contrário também é verdade - se um prefeito faz um trabalho incrível e tem um desempenho exagerado, não há nada que proíba a empresa de lhe dar um bônus. Ele também pode compartilhar diretamente o sucesso da cidade como acionista da operadora da zona privada.
Com comunidades empreendedoras ao invés de políticas, os interesses do cidadão e do provedor de governança são finalmente alinhados. A correção de falhas vem rapidamente - isso proporciona aos gestores e administradores da cidade o incentivo para levarem seus empregos mais a sério e não desperdiçar dinheiro público. O sucesso beneficia a todos; tanto a empresa quanto os cidadãos compartilham os benefícios de uma comunidade próspera.
4. Fazendo acontecer
Tendo explorado os benefícios das Zonas de Prosperidade, como podemos implementá-las?
A primeira coisa importante a se notar é que ambos os componentes da solução estão experimentando um crescimento surpreendente em todo o mundo nas últimas décadas. Considere as comunidades baseadas em associações - associações de proprietários, comunidades planejadas privadamente, condomínios e cooperativas habitacionais. Em 1970, existiam cerca de 10.000 delas nos Estados Unidos. Em 2010, foram 309.000, um aumento de mais de 30 vezes no período de quarenta anos (BRUNETTA; MORONI, 2012). Estas também estão aumentando em diversidade, desde minúsculas comunidades startup, passando por ecovilas, até associações de âmbito municipal, como a Highlands Ranch Community Association.
A mesma tendência pode ser observada em zonas econômicas especiais e outros tipos de jurisdições especiais. Praticamente inexistentes até a segunda metade do século XX, hoje, ultrapassam 4.000 em números (BRUNETTA; MORONI, 2012). Como brevemente mencionado, o Brasil implementou a Zona Franca de Manaus ainda no ano de 1967, e estima-se que ela tenha adicionado, entre 2010-2017, 0,58% ao PIB nacional a cada ano, além de ter contribuído com o crescimento médio anual do PIB em 0,11%5. De maneira similar, as 19 Zonas de Processamento de Exportação atualmente em implantação no país pretendem atrair investimentos às áreas de mineração, agronegócio, biodiversidade e parques industriais, contando com benefícios fiscais específicos, mas de maneira restrita e pouco autônoma, resultado de um arcabouço regulatório que precisaria ser aprimorado6. Apesar das limitações, essas ZPEs demonstram que o potencial brasileiro poderia ser melhor aproveitado com um regime de zonas de última geração; Nesse sentido, os estudiosos também notam uma tendência para ZEEs maiores e mais avançadas, indo além de meros benefícios fiscais ou isenções tarifárias e abrangendo cada vez mais aspectos de governança (FAROLE; AKINCI, 2011). Como mencionado na introdução do conceito, existem hoje zonas que permitem a adoção de sistemas jurídicos completamente diferentes.
Ambas estas tendências mostram um resultado de mercado. Por um lado, os cidadãos valorizam cada vez mais os benefícios proporcionados pelas comunidades empreendedoras e querem se mudar para elas. Por outro lado, cada vez mais governos do mundo inteiro, que querem se manter competitivos e atrair investimentos estão adotando as ZEEs como uma ferramenta política para atingir esse objetivo. Aqueles que já possuem ZEEs estão atualizando as já existentes.
O próximo passo já foi dado no país de Honduras. Em 2013, o país alterou sua constituição para criar um novo tipo de jurisdição especial, chamada Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico, ou ZEDEs, a sigla em espanhol. As ZEDEs podem ter seu próprio regime jurídico separado das leis do país, estando apenas vinculadas à constituição e aos tratados internacionais, tendo autonomia suficiente para ter até mesmo seus próprios tribunais e força policial independentes7. Mais importante para o propósito deste artigo, estas zonas podem ser operadas por organizações privadas, sob as quais é possível estabelecer uma relação contratual entre cidadãos e operadores. Isso faz de Honduras o primeiro país do mundo a tornar realidade o modelo de Zona de Prosperidade de jurisdições especiais organizadas de forma empreendedora.
A primeira ZEDE acaba de entrar em operação recentemente, e há expectativas positivas em relação ao seu futuro. O país tem colocado um grande esforço na criação de um marco legal para zonas de excelência mundial, no qual a adoção das melhores práticas internacionais é incentivada, com o objetivo claro de trazer níveis de crescimento e desenvolvimento de Hong Kong e Cingapura para o país centro-americano. As previsões iniciais (FERNANDEZ; DIKMAAT, 2019) do desenvolvimento econômico que essas zonas podem trazer para o país fazem o futuro parecer brilhante.
Conclusão
Uma vez que as primeiras zonas em Honduras comecem a ser bem sucedidas, é natural que outros países sigam o exemplo. Além das vantagens teóricas, as tendências apontam para mais autonomia local e mais participação do setor privado na governança como forma de oferecer melhores serviços e aumentar a competitividade. Uma vez que estes dois fatores tenham sido combinados e comprovadamente funcionado, abre-se um precedente para mais tentativas. Os países que querem ficar à frente da curva podem ir ainda mais longe e experimentar modelos mais novos ou ainda mais avançados. Com um caso de sucesso existente à sua frente, outros países, que estão prestando atenção, não vão querer ficar para trás. Já existe um precedente para esta tendência em si - é assim que o experimento inicial da ZEE se desdobrou, afinal de contas.
O Brasil possui uma oportunidade única: embarcar na jornada de experimentação e desenvolvimento que as Zonas de Prosperidade podem trazer, ou assistir da plateia enquanto países menores e mais competitivos atraem investimentos e capital humano. O país do futuro tem o histórico de estar preso ao passado, e enquanto for assim, mais e mais indivíduos, negócios e investimentos escolherão outras nações para assentarem-se. Para mudar esse cenário é necessário apenas mostrar este modelo mais avançado como o próximo passo lógico e comercializar suas vantagens para os representantes do governo, para que a lacuna na legislação possa ser suprida através de uma alteração das leis existentes ou da promulgação de novas leis.
Entretanto, este novíssimo mercado de Governança como Serviço não será impulsionado apenas pelos governos. A navegação nestas águas inexploradas exigirá mentes criativas capazes de lidar com novos desafios complexos. Exigirá um senso para descobrir novas oportunidades de negócios e demandas de mercado insatisfeitas. Isso exigirá empreendedores. E não simplesmente qualquer tipo de empreendedor, mas de construtores de comunidades, que podem fundar não apenas startups, mas sociedades startup.
O estabelecimento bem sucedido das primeiras Zonas de Prosperidade do mundo nos próximos anos dependerá de governos e empreendedores trabalhando juntos para encontrar melhores formas de entregar valor aos cidadãos e empresas. Serão os governos que estabelecerão as estruturas para essas experiências. Os empreendedores podem ajudar informando-os sobre a viabilidade e a conveniência de mudanças legais durante este processo. Os empreendedores serão os que instanciarão essas zonas, que serão supervisionadas e interagirão com diferentes níveis de governo. O governo pode apoiá-los, agilizando os processos e garantindo autonomia e eficiência jurídica nas interações entre zonas e estados. Somente com a cooperação dos setores público e privado poderão ser criadas as novas e prósperas cidades globais do século XXI.
REFERÊNCIAS
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Notas
Autor notes