History of Economic and Political Thought
Ludwig von Mises e as Organizações Libertárias: Lições Estratégicas*
Ludwig von Mises and Libertarian Organisations: Strategic Lessons
Ludwig von Mises e as Organizações Libertárias: Lições Estratégicas*
MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 4, núm. 1, pp. 161-181, 2016
Instituto Ludwig von Mises - Brasil
Resumo: O autor apresenta a história do envolvimento de Ludwig von Mises em organizações em prol da liberdade, desde a defesa do livre comércio nos anos 1920 até sua participação na fundação da Sociedade Mont Pèlerin em 1947. Dessa maneira, o autor ilustra o papel central desempenhado por Mises no desenvolvimento do pensamento liberal/libertário no século XX.
Palavras-Chave: Ludwig von Mises, Liberalismo, Libertarianismo, Organizações libertárias.
Abstract: The author presents the history of Ludwig von Mises’s participation in organizations devoted to liberty, since his defense of free trade in the 1920’s until his participation in the foundation of Mont Pèlerin Society in 1947. Hence, the author illustrates the central role played by Mises in the development of the liberal/libertarian thought in the 20th century.
Keywords: Ludwig von Mises, Liberalism, Libertarianism, Libertarian organizations.
I - Introdução
Ludwig von Mises (1881-1973) se envolveu, em três diferentes momentos da vida, em organizações libertárias: na década de 1920, foi membro de várias organizações defensoras do livre comércio; em 1938, foi um participante proeminente do colóquio organizado por Walter Lippmann (1889-1974) em Paris; e, depois da Segunda Guerra Mundial, colaborou com a Foundation for Economic Education (FEE) de Leonard Read (1898-1983), com a Libertarian Press de Frederick Nymeyer (1897-1981), e se tornou membro fundador da Mont Pèlerin Society. Para posicionar sua interação com essas organizações em contexto histórico, começaremos por considerar brevemente como a produção acadêmica libertária era organizada no século XIX. Passaremos, então, à defesa de Ludwig von Mises no século XX, primeiro caracterizando suas contribuições gerais à produção libertária e depois discutindo seu envolvimento nas organizações mencionadas. Concluiremos destacando a continuidade histórica entre Mises e os defensores do laissez-faire no século XIX.
II - Organização da produção acadêmica libertária no século XIX
A história política da civilização ocidental é, em grande medida, a história da batalha entre os defensores do poder do governo - os intelectuais de corte - e os defensores da liberdade1. Para a maior parte da história ocidental, as linhas de frente nesta batalha não têm nenhuma relação com a economia. A defesa da liberdade foi feita em termos da providência divina que ordena a ética e a justiça para o homem. No século XVI, então, a convicção de que havia critérios teológicos inabaláveis para a arbitragem de conflitos políticos desmoronou sob o impacto das insurreições protestantes. Daí em diante, o debate se tornou cada vez mais secularizado e situado em termos da prudência natural. Um produto intelectual dessa abordagem foi a nova ciência da Economia Política, que surgiu no século XVIII e ofereceu o suporte científico para o liberalismo político.
O liberalismo clássico, no apogeu, caracterizou-se por um grande número de economistas inovadores que continuaram e ampliaram os escritos dos fisiocratas franceses, de Adam Smith (1723-1790) e de David Ricardo (1772-1823). Os escritos inspiraram um movimento internacional liberal clássico liderado por homens como Richard Cobden (18041865) e John Bright (1811-1889) na Inglaterra, Frédéric Bastiat (1801-1850) na França e John Prince-Smith (1809-1874) na Alemanha. Por volta da década de 1860, esse movimento varreu os Estados Unidos e todos os países da Europa Ocidental, incluindo a Alemanha. O ponto central de suas percepções era que as condições materiais da humanidade somente poderiam ser melhoradas pela produção e pela da troca, e qualquer coisa que estivesse no caminho da produção e do intercâmbio era suscetível de ser abolida sem prejuízo para a sociedade. Assim, o governo só era justificável à medida que prestasse os serviços que as associações livres de particulares não podiam prestar. De acordo com Adam Smith e muitos outros, ele precisava proporcionar serviços policiais e militares, estradas, pontes e vias marítimas, bem como todo um pacote do que mais tarde seria chamado de bens públicos. De acordo com a escola francesa dos industrialistas no início do século XIX - Charles Comte (1782-1837), Charles Dunoyer (1786-1862) e outros -, o único papel do governo seria fornecer serviços de segurança. Esperavam que esse papel diminuísse constantemente como consequência do aumento da cultura humana; o futuro utópico da civilização ocidental seria uma sociedade sem governo. Os pensadores mais radicais dentre os liberais clássicos não viam razão alguma para justificar a existência do governo. A seus olhos, a produção de segurança poderia ser confiada a empresas privadas, assim como todos os demais ramos da produção. Nas famosas palavras de Gustave de Molinari (1819-1912): “Ou isso é lógico e verdadeiro, ou os princípios sobre os quais a ciência econômica está baseada são inválidos”2.
Em suma, a agenda liberal clássica visava a uma redução mais ou menos dramática do papel do governo e, por volta da na década de 1850, essa agenda se tornou explícita. Os pensadores mais corajosos - homens como Gustave de Molinari, Herbert Spencer (1820-1903), Max Stirner (1806-1856) e Paul Émile de Puydt (1810-1891) - chegaram a conquistar o respeito pelo empreendimento intelectual de pensar a respeito de uma sociedade sem Estado3.
Os economistas do liberalismo clássico foram, em grande parte, impedidos de entrar nas instituições públicas tradicionais de ensino superior, que cultivavam o raciocínio nos moldes antigos a respeito das questões políticas sob o controle do governo. Isso não era uma grande desvantagem naqueles dias, porque, de qualquer maneira, havia poucos economistas empregados publicamente. A competição das teorias econômicas e das propostas de políticas ocorreu em um mercado verdadeiramente livre para ideias. Seus protagonistas eram homens ricos independentes; não tinham de se curvar diante dos poderes existentes. Para difundir sua nova ciência, construíram uma série de instituições de pequena escala que variava desde redes soltas de contatos literários e pessoais, passando por periódicos e revistas acadêmicas até campanhas políticas mais ou menos organizadas e associações de livre comércio4.
O livre mercado de ideias foi decisivo para a vitória arrebatadora que os liberais clássicos alcançaram em meados do século XIX. Por volta dos anos 1860, o establishment político e intelectual de todos os países ocidentais percebeu o avanço liberal como uma ameaça mortal à sua posição, e com razão. Os governos do Ancien Régime [Antigo Regime] haviam estabelecido uma resposta estratégica baseada em dois pilares: por um lado, surgiu uma coalizão antiliberal entre o establishment conservador e o nascente movimento socialista5; por outro lado, a criação de um mercado para economistas profissionais com o objetivo de controlar o mercado de ideias. Os governos começaram a criar um grande número de cátedras de Economia Política em suas universidades e a preencher a maioria desses novos cargos com estadistas convincentes. Especularam que a autoridade venerável das universidades superaria a autoridade dos pioneiros da nova ciência. Isto se mostrou correto. O próprio significado da ciência econômica - sua natureza e importância, bem como suas implicações políticas - veio a ser redefinido sob o impacto de um processo de contratação estabelecido pelo governo em grande escala.
Começaram a surgir escolas inteiras de Economia, cujo caráter “nacional” foi determinado pelos que controlavam as nomeações. A estratégia foi aplicada primeiramente na Alemanha, onde as autoridades aplicaram a Escola Historicista Alemã de Economia, sob o rígido controle de Gustav Schmoller (18381917), no lugar da ciência econômica em praticamente todas as universidades do Reich6. E de lá se difundiu para outros países. Na França, as autoridades da Terceira República “instalaram uma escola rival em cadeiras universitárias recém-criadas e altamente prestigiadas por toda a França, profissionalizando os economistas franceses e despojando a Escola Liberal, principalmente não-acadêmica, de sua autoridade intelectual sem paralelos”7. Nos Estados Unidos, a American Economic Association (AEA) [Associação Econômica Americana], fundada em 1885 por economistas treinados na Alemanha, também seguiu o caminho do schmollerismo8. Na Rússia, as autoridades aparentemente sentiam que o schmollerismo era muito brando e começaram a contratar professores marxistas para suas cadeiras de Economia Política, cavando assim o túmulo do regime czarista9.
Alguns anos antes, um ataque mais sutil, porém igualmente terrível contra o liberalismo clássico foi lançado na Grã-Bretanha. O ímpeto inicial veio de John Stuart Mill (18061873), que, sob a influência de Harriet Taylor (1807-1858), sua esposa socialista, começou a praticar a arte mortífera do comprometimento intelectual10. Tornou intelectualmente palatável usar a palavra “liberalismo” para designar programas políticos do mais puro tipo social-democrata. O ápice do absurdo dessa onda dos millianos foi alcançado em 1934, quando o economista da University of Chicago, Henry Calvert Simons (1899-1946), fez circular um manuscrito com o título promissor de A Positive Program for Laissez-Faire [Um programa positivo para o laissez-faire], no qual pediu a nacionalização de empresas que não poderiam suportar a concorrência do mercado.
A redefinição da Economia Política pelo poder dos números absolutos e da tributação, juntamente com a redefinição autoritária de Mill do liberalismo clássico, combinaram-se em um poderoso golpe que inverteu completamente os ideais e a agenda política. Enquanto na era do liberalismo clássico o objetivo tácito da reforma política fora a redução do poder do governo, agora era o oposto. O novo ideal não era mais uma sociedade que se emanciparia da intervenção governamental, mas um governo abrangente que governaria uma sociedade socialista projetada por ele mesmo. Sobraram alguns liberais clássicos, homens como Gustave de Molinari, Vilfredo Pareto (1848-1923), Julius Wolf (1862-1937), Ludwig Pohle (1869-1926) e Edwin Cannan (1861-1935). No entanto, lutaram de maneira reativa contra uma multidão esmagadora de intelectuais contratados pelo governo e que adoravam o empregador. O novo ideal socialista-estatista varreu as mentes e monopolizou a imaginação da nova geração emergente. Ao final da Primeira Guerra Mundial, o movimento do liberalismo clássico estava quase morto.
III - O significado intelectual do libertarianismo misesiano
Nessa altura, surgiu Ludwig von Mises e, dentro de três anos gloriosos, criou uma reação monumental contra a estatolatria. Entrou em cena com o artigo Die Wirtschaftsrechnung im sozialistischen Gemeinwesen [O cálculo econômico em uma comunidade socialista], de 1920. A argumentação simples e elegante foi devastadora. Afinal, o argumento em prol do socialismo tinha por base uma suposta produtividade maior. Mas como poderia ser mais produtivo do que o capitalismo se o conselho de planejamento socialista não disporia dos próprios termos com os quais poderia indicar as alternativas de investimento? Dois anos mais tarde, em 1922, Mises publicou Die Gemeinwirtschaft: Untersuchungen über den Sozialismus11 [A economia coletiva: estudos sobre o socialismo], um verdadeiro tratado sobre todos os aspectos relevantes do socialismo. Trabalhou na tese da impossibilidade do cálculo socialista, demoliu a ideia de que havia algo tal como uma tendência inelutável para o socialismo, criticou a defesa moral do socialismo e, em seguida, elucidou muito bem que verdadeira natureza do socialismo era a destruição de vidas individuais e de instituições sociais. No final do livro, nada restou do ideal formidável do Estado socialista. Conforme afirmou, posteriormente, o historiador e jornalista William Henry Chamberlin (18971969), um admirador do economista austríaco, Mises provou ser uma versão moderna de São Jorge, brandindo sua lança contra um dragão aparentemente invencível12. Em 1922, o monstro estava morto; o ideal inquestionável da comunidade socialista tinha sido demolido para sempre.
Entretanto, Ludwig von Mises fez mais do que isso. Cinco anos depois, no livro Liberalismus [Liberalismo] de 1927, defendeu uma versão radicalizada do liberalismo clássico, que sob sua pena fez ressuscitar como uma fênix a partir das cinzas. Dois anos mais tarde, em 1929, Mises fechou seu sistema de análise social, na já citada obra Kritik des Interventionismus: Untersuchungen zur Wirtschaftspolitik und Wirtschaftsideologie der Gegenwart [Crítica ao intervencionismo: estudo sobre a política econômica e a ideologia atuais], ao lidar com os argumentos em prol da “terceira via” - cujas variantes atormentam a civilização ocidental até os dias atuais, mais recentemente sob a forma do blairismo. Nesses trabalhos, Mises não somente defendeu descaradamente os princípios centrais da Escola de Manchester, que até então tinham caído em descrédito geral, mas até os superou. Mostrou que qualquer sistema de terceira via seria inerentemente instável porque não poderia resolver os problemas que pretendia resolver e, assim, motivaria intervenção governamental cada vez maior, até que o sistema intervencionista se transformaria em socialismo absoluto. Mas o socialismo não era viável. Restava apenas um item significativo no cardápio político: 100% de capitalismo.
Repetidas vezes, Mises insistiu que não havia escolha envolvida nesse assunto. Era ridículo especular sobre alguma política particular de terceira via que se encaixasse nas sensibilidades de uma determinada sociedade. A sociedade era viável apenas à medida que os direitos de propriedade privada fossem respeitados, e pronto.
IV - O envolvimento de Mises nos movimentos europeus em prol do livre comércio
Durante a década de 1920 e início dos anos 1930, Mises foi o representante da Câmara de Comércio Austríaca nas reuniões internacionais e, em particular, nas convenções da International Chamber of Commerce (ICC) [Câmara de Comércio Internacional]. Esta experiência provou ser satisfatória e o pôs em contato com uma rede de estrangeiros com interesses semelhantes. Finalmente, consentiu em uma participação de curta duração em certas organizações europeias dedicadas à promoção do livre comércio.
Ficara muito relutante em se envolver em qualquer campanha política organizada. Em uma carta de novembro de 1924, recusou um cargo executivo honorário em uma associação austríaca de livre comércio, afirmando que, por questão de princípio, não queria aderir a qualquer organização política ou político-econômica13. Esta atitude mudou no transcurso de 1925, quando assistiu e desfrutou do seu primeiro congresso da ICC, em Bruxelas, como representante oficial austríaco. No outono do mesmo ano, participou de uma conferência da International Free Trade Organisation [Organização Internacional de Livre Comércio] em Viena e, novamente, aproveitou os discursos ali proferidos14. Devido a essas experiências positivas, por fim, acabou por se envolver mais formalmente com outros europeus partidários do livre comércio.
Naqueles dias, o Atlântico era ainda um obstáculo grande demais para uma cooperação mais estreita entre europeus e norte-americanos. Entretanto, não era o único obstáculo. Mises e vários de seus correspondentes sentiram certa hipocrisia por parte de determinados participantes norte-americanos das reuniões do ICC e de outras instituições. Antes de partir para o seu primeiro congresso da ICC em junho de 1925, na cidade de Bruxelas, na Bélgica, Mises compartilhou essas apreensões com Eric Voegelin (19011985), que residia nos Estados Unidos como bolsista da Rockefeller Foundation. Mises escreveu que esperava encontrar muitos homens do exterior, mas não sabia “que tipo” de norte-americanos que encontraria15. O tempo confirmaria tal julgamento e não o dissiparia. Em 1927, depois de participar da Conferência Econômica Mundial da Liga das Nações em Genebra, na Suíça, no mês de maio, e da reunião do ICC em Estocolmo, na Suécia, em julho, escreveu a seu amigo Fritz George Steiner em Paris:
Desta vez, o congresso não foi tão interessante como o de Bruxelas. As conversações transcorreram visivelmente sob a fadiga e a exaustão que permaneceram após a Conferência Econômica Mundial. Os norte-americanos perderam muito do entusiasmo pelo livre comércio europeu dado que temiam que o movimento de livre comércio pudesse se espalhar para os Estados Unidos16.
Steiner não ficou surpreso, respondendo que também poderia relatar inúmeras anedotas sobre o tema “os norte-americanos em casa e no exterior” ou “recomendando água e bebendo vinho”17.
No entanto, Mises envolveu-se mais formalmente com as organizações de livre comércio. Em maio de 1927, ingressou na comissão de imprensa da Europäische Wirtschafts-Union (EWU) [União Econômica Europeia], de Christian Günther (1886-1966), com sede em Haia, na Holanda18. Günther liderou o comitê holandês de uma organização europeia de livre comércio chamada Europäischer Zoll-Verein (EZV) [Associação Alfandegaria Europeia]. Durante os próximos dois anos, outros comitês nacionais seriam criados e, por volta de 1929, o EZV contava com muitos políticos e acadêmicos proeminentes entre seus membros, tais como Aristide Briand (1862-1932), Paul Mantoux (1877-1956), Gustav Stresemann (1878-1929), Franz Oppenheimer (18641943) e Norman Angell (1872-1967). Dado o forte envolvimento de alguns desses homens na política partidária, não era de surpreender que o EZV tenha se orientado para objetivos bastante moderados, tais como a harmonização das tarifas dentro da Europa. No início de 1928, no entanto, essa ineficácia mal era visível. Assim, quando o Comitê Internacional do EZV pediu a Mises para que se juntasse às fileiras e também para a criação de um comitê austríaco, ele aceitou. Não levou muito mais do que um ano para que ficasse completamente desencantado com a decisão.
As pessoas do EZV queriam que Mises fosse o presidente do comitê austríaco, mas ele propôs outro homem para o cargo, alguém que conhecia tanto por negócios na Câmara quanto de modo particular, por muitos anos. O dr. Ernst Geiringer (1892-1978) era um executivo da Oelindustrie-Gesellschaft em Viena e casado com Trude Geiringer (1890-1981), que Mises conhecera na Primeira Guerra Mundial19. Por volta de 1928, os dois homens encontraram um secretário adequado, dr. Robert Breza, também da Câmara. Voltaram-se, então, para a arrecadação de fundos e, por fim, ganharam o apoio de influentes empresários da Alemanha e da Áustria em setembro daquele ano20.
Nesse ponto, Ludwig von Mises deve ter tido uma imagem um pouco mais clara da mentalidade dos novos associados internacionais. Vira o nepotismo e a dedicação a outras metas puramente pessoais se desenvolverem à custa da causa da liberdade. Em julho, retirou-se do comitê de imprensa do EWU quando Christian Günther se desassociou do EZV. Mises explicou sua decisão afirmando que temia a proliferação de organizações de livre comércio21. Na verdade, em um congresso europeu sobre livre comércio realizado em Praga no início de outubro de 1928, havia menos de dezessete associações presentes22. É possível que, nesse momento, Mises já não tivesse mais vontade de investir seu tempo desfilando em um circo de egomaníacos e apenas esperou por uma oportunidade conveniente para se despedir.
A oportunidade surgiu depois de alguns meses, quando membros do Comitê Internacional e membros da comissão francesa fizeram campanha contra a adesão da Áustria ao Reich alemão (a questão Anschluß). Em carta para Ernö Bleier (1897-1969), Mises exortou o Comitê Internacional a recuar publicamente dessa posição, a menos que a EZV não pudesse encontrar apoio na Áustria23. O que isso significava, em particular, que nem ele, nem seus associados austríacos, podiam se dar ao luxo de se associarem a qualquer um dos lados dessa disputa altamente partidária - eles eram, afinal, executivos de organizações semigovernamentais24. Quando a EUV não se retirou da campanha, Mises e Geiringer deixaram a organização em fevereiro de 1929.
Esse foi o fim do interlúdio de Mises com o movimento organizado de livre comércio. Daí, passou a se concentrar mais na batalha das ideias.
V - Mises e os neoliberais
O desacordo a respeito da questão do cálculo socialista era apenas sintoma de uma dissidência maior entre Ludwig von Mises e os antigos companheiros de armas.
Não somente Mises defendia descaradamente os princípios centrais da Escola de Manchester, que até então caíra em descrédito geral, mas foi além. Mostrou que qualquer sistema de terceira via seria inerentemente instável porque não poderia resolver os problemas que pretendia resolver e, assim, motivaria intervenção governamental cada vez maior até que o sistema intervencionista se transformasse em socialismo absoluto. No entanto, o socialismo não era viável. Restava apenas uma opção significativa: 100% de capitalismo. Novamente, Mises insistiu que não havia escolha nessa questão. Era ridículo especular sobre alguma política particular de terceira via que se encaixaria nas sensibilidades de um determinado grupo. A sociedade só era viável uma vez que os direitos de propriedade privada fossem respeitados e pronto.
Essa mensagem ecoou bem nos antigos liberais, que ficaram maravilhados com essa esplêndida reformulação dos ideais de juventude. Os pontos de vista de Mises, todavia, foram recebidos com menos entusiasmo pela geração emergente, que havia sido criada em um ambiente intelectual embebido pelo estatismo. Os professores nas escolas e faculdades chegaram a endossar todas as ideias principais subjacentes ao argumento em favor do socialismo: a doutrina do conflito e da luta de classes, a noção do empobrecimento das classes trabalhadoras sob o capitalismo e a crença de que um sistema capitalista descontrolado tendia para o monopólio.
No lado positivo, Mises definitivamente destronou o socialismo como ideal da política. As energias de F. A. Hayek (1899-1992), Fritz Machlup (1902-1983), Gottfried Haberler (1900-1995), Lionel Robbins (1898-1984), François Perroux (1903-1987) e Wilhelm Röpke (1899-1966) - homens que desempenhariam um papel significativo na formulação das políticas após a Segunda Guerra Mundial no mundo ocidental - não serviam mais ao ídolo do governo onipotente. Isso se mostrou de importância decisiva para o curso da história. Entretanto, a influência de Mises se mostrou demasiado fraca para inspirar neles a coragem necessária para um retorno sincero ao tipo de liberalismo vibrante que caracterizou a Escola de Manchester e o movimento mundial de laissez-faire do século XIX.
Mises ainda não havia publicado o tratado sistemático sobre Ciência Econômica que teria esclarecido o argumento científico para um capitalismo sem restrições. Apresentara alguns elementos importantes de sua teoria econômica geral dos sistemas sociais, mas antes de 1940 ainda não estava claro como esses elementos se interrelacionavam e sobre qual estrutura analítica geral se baseavam. Em 1940, Mises finalmente publicou um tratado geral sob o título de Nationalökonomie: Theorie des Handelns und Wirtschaftens [Economia: teoria da ação e da atividade econômica]. Nessa época, Hayek tinha 41 anos de idade e era um acadêmico bem estabelecido; para ele e para o restante de sua geração, o livro chegou tarde demais - para Röpke, Machlup, Robbins e todos os outros, Mises os afastara do socialismo nos anos 1920. Na mente desses homens, os primeiros trabalhos de Mises sobre a impossibilidade do socialismo e a ineficácia do intervencionismo criaram um paradoxo. Mises os convencera de que o socialismo pleno não era viável nem desejável; também foram persuadidos de que os sistemas da terceira via tinham sido superestimados. Muitos deles, no entanto, ainda não questionavam a afirmação de que o liberalismo do século XIX falhara porque seu programa econômico, o capitalismo de laissez-faire, não proporcionara os bens. Acreditavam ser uma simples questão factual o livre-mercado tender ao monopólio e que as classes trabalhadoras do século XIX haviam vivido na miséria por causa do capitalismo laissez-faire25.
Para esses homens, a teoria refutara a viabilidade do socialismo, e a história provara os defeitos do capitalismo. O que era necessário era uma terceira via - uma terceira via que poderia, de alguma forma, contornar a demonstração de Mises de que o intervencionismo era necessariamente contraproducente.
A solução que surgiu na década de 1930 teve por base uma construção intelectual que dividiu a economia social em dois elementos: 1) um marco institucional; e 2) os processos que se desenvolveram dentro desse arcabouço, principalmente os processos de precificação. Segundo esse novo credo, o governo não deveria se intrometer nos processos, mas sim estabelecer e manter a estrutura institucional. Tal conjunto de suposições é característico do que veio a se chamar neoliberalismo.
Encontramos uma expressão clara da cosmovisão neoliberal em um artigo que F. A. Hayek escreveu em 1935. Comentando a teoria do intervencionismo de Mises, Hayek observa que não decorre do argumento misesiano que “a única forma de capitalismo que pode ser racionalmente defendida é a do laissez-faire pleno no sentido antigo”. Prosseguiu:
O reconhecimento do princípio da propriedade privada não significa necessariamente que a delimitação particular dos conteúdos desse direito, tal como determinado pelas leis existentes, seja a mais apropriada. A questão de saber qual é o arcabouço permanente mais apropriado para assegurar o funcionamento mais suave e eficiente da concorrência é da maior importância e devemos admitir que foi tristemente negligenciada pelos economistas26.
As raízes da ideologia neoliberal remontam pelo menos as décadas de 1880 e 1890, quando economistas alemães da Escola Historicista Alemã de Economia e seus discípulos norte-americanos se convenceram de que a concentração industrial tem efeitos nocivos e exigiram moderação via intervenção governamental. Uma das consequências visíveis dessa mentalidade foi a Lei Sherman, que até hoje substitui o poder dos consumidores pelo dos burocratas. Na Alemanha, a filosofia da terceira via tornou-se penetrante na Sozialpolitik instigada sob o Kaiser Wilhelm II (18591941). A França seguiu, invocando a necessidade de uma terceira solução, como fizeram os Estados Unidos sob o New Deal.
Ainda assim, as primeiras declarações programáticas do neoliberalismo foram publicadas apenas na década de 1930 - novamente, sem surpresa, na Alemanha e nos Estados Unidos. A declaração mais influente veio de um economista de Chicago, o supracitado Henry Calvert Simons, que, em 1934, distribuiu o já mencionado documento de trabalho com o título “The Nature and History of the Problem” [Um programa positivo para o laissez-faire] - em que a palavra “positivo” indicou que esse programa justificava uma ampla intervenção governamental, ao passo que o laissez-faire clássico era um programa “negativo”, visto que não proporcionava tal justificação. Simons apelou ao governo para regular a moeda e os bancos, impedir a formação de monopólios e proporcionar uma renda mínima para os desamparados - uma verdadeira saída do liberalismo laissez-faire27.
Essas ideias expressavam perfeitamente os sentimentos de uma geração de economistas que haviam sido criados em um ambiente intelectual completamente estatista, mas que ainda conheciam os ensinamentos dos liberais clássicos. F. A. Hayek, Wilhelm Röpke, Fritz Machlup, Milton Friedman (1912-2006), Michael Polanyi (1891-1976), Walter Eucken (1891-1950) e muitos outros receberam formação universitária e os impulsos intelectuais decisivos durante os anos 1920 e início dos anos 1930. Durante a década de 1930, começaram a ocupar posições mais altas e, após a guerra, assumiram a liderança intelectual da direita28. Seu neoliberalismo animava o trabalho das instituições do pós-guerra que conteriam a maré do estatismo crescente, em particular a Mont Pèlerin Society e o Institute of Economic Affairs (IEA) em Londres. Nos anos mais recentes, a agenda neoliberal é levada adiante por uma nova onda de instituições educacionais, como o Institute for Humane Studies (IHS), o Cato Institute e a Atlas Economic Research Foundation. Esses indivíduos e instituições moldaram as políticas neoliberais no mundo ocidental desde o final da Segunda Guerra Mundial.
VI - O colóquio Walter Lippmann
Sete semanas depois do casamento, Ludwig von Mises participou de um encontro histórico dos paladinos do “velho” liberalismo de Manchester e do neoliberalismo. Margit von Mises (1890-1933) provavelmente o perdoou e até se juntou a ele na viagem. Não é de admirar, pois a conferência ocorreu em Paris.
O neoliberalismo era, no início, um fenômeno puramente informal. Praticamente todos os proponentes eram economistas que cooperavam em uma rede espontânea dentro de algumas instituições como a International Chamber of Commerce (ICC) em Paris. Em meados da década de 1930, a rede atingiu a massa crítica necessária para uma organização mais formal sob a bandeira da nova terceira via. Um passo importante para a aparência organizada da rede neoliberal emergente foi dado quando, em 1937, o jornalista norte-americano Walter Lippmann publicou um manifesto neoliberal com o título Inquiry into the Principles of the Good Society29 [Investigação sobre os princípios da boa sociedade].
O livro atraiu os neoliberais europeus, porque Lippmann expressou de maneira eloquente as próprias opiniões sobre as raízes da atual crise política e econômica. Aqueles que ainda se chamavam liberais rejeitavam o socialismo, mas não queriam ser fortemente associados à doutrina do laissez-faire de Manchester. Lippmann se colocou em oposição tanto aos antigos liberais como aos agitadores socialistas contemporâneos. A posição intermediária de Lippmann correspondia à mentalidade pragmática de seus compatriotas. Os norte-americanos tendem a adotar uma abordagem empresarial dos conflitos políticos, buscando resolvê-los por meio de negociações e compromissos. Lippmann apresentou de maneira perspicaz tanto os socialistas quanto os manchesterianos como teimosos doutrinários. Contrastava esses “extremistas” com o próprio esquema prático. Isso repercutiu nos economistas europeus neoliberais continentais do período Entre Guerras, que diferiam de Lippmann apenas nos detalhes vislumbrados para a boa sociedade.
Um desses foi Louis Rougier (1889-1982), filósofo da Universidade de Paris e diretor de um “Centre Danubien”. Rougier considerou o livro de Lippmann uma brilhante exposição de um consenso surgido entre os estudiosos liberais no passado recente, de modo mais notável nos livros de Ludwig von Mises, Lionel Robbins, Bernard Lavergne (1884-1975), Louis Marlio (1878-1952) e Jacques Rueff (18961978)30. Rapidamente, Lippmann arranjou uma edição francesa de seu livro, intutulado La cité libre31 [A Cidade Livre], e aproveitou a ocasião para convocar um colóquio de cinco dias em Paris “para rever o processo do capitalismo e tentar definir a doutrina, as condições necessárias para sua implementação e as novas responsabilidades de um verdadeiro liberalismo”32.
O evento aconteceu em 26 a 30 de agosto de 1938 no Commission Internationale de Coopération Intellectuelle (CICI) [Instituto Internacional de Cooperação Intelectual] e reuniu representantes de liberalismos muito diferentes. Esses homens recaíram em pelo menos quatro grupos, com visões distintamente diferentes sobre a história, a teoria e a agenda política do liberalismo moderno.
O primeiro grupo, que representava a corrente dominante do neoliberalismo, promovia não apenas um compromisso prático, mas também teórico, com o socialismo coercitivo. Estavam dispostos a se comprometer sobre qualquer item em particular para tornar a agenda geral mais palatável para o eleitor. Sua posição pode ser considerada como socialdemocracia “pró mercado”.
Em segundo lugar, houve um pequeno grupo de homens, como F. A. Hayek, que estavam insatisfeitos com vários aspectos do liberalismo clássico e endossaram um âmbito de certo modo um pouco maior para a intervenção do governo. Em contraste com o primeiro grupo, porém, sua preocupação fundamental era com a liberdade individual e, com o tempo, assumiram uma postura cada vez mais radical, aproximando-se cada vez mais da posição liberal clássica.
Terceiro, havia um grupo igualmente pequeno de homens, como Alexander Rüstow (1885-1963), relutantes em endossar completamente o liberalismo clássico, porém a principal objeção era contra o igualitarismo, tal como era, dos defensores. Argumentavam que a hierarquia era absolutamente necessária para a manutenção de uma sociedade livre, porque somente a autoridade nela implícita transmitiria com eficácia a tradição cultural da liberdade. O grande erro da Revolução Francesa foi que não só aboliu a hierarquia coercitiva do Ancien Régime, como também desprezou o princípio da hierarquia per se. Em seu fervor igualitário, jogara fora o bebê da hierarquia natural com a água do banho da hierarquia coercitiva.
Em quarto lugar, e por último, Ludwig von Mises manteve as políticas do laissez-faire do século XIX sobre bases teóricas refinadas que ele mesmo desenvolvera ao longo dos últimos dezoito anos. Na década de 1930, o economista austríaco foi reconhecido dentro e fora dos círculos libertários como o mais importante representante contemporâneo da Escola de Manchester33.
O colóquio de Lippmann mostrou que três das percepções de Mises exerceram impacto profundo sobre os neoliberais. Em primeiro lugar, sua demonstração de que o cálculo econômico socialista era impossível os liberou de todas as noções de que uma comunidade socialista plena seria viável ou mesmo desejável por razões econômicas. Em segundo lugar, o argumento do cálculo socialista os convenceu de que a fixação de preços competitivos é da maior importância e uma característica definidora do mercado livre. Terceiro, endossaram a defesa original de Mises do liberalismo, que enfatizava que uma ordem de propriedade privada seria o único sistema viável para a divisão do trabalho.
As duas últimas percepções, no entanto, foram distorcidas, de modo a acomodar a agenda intervencionista neoliberal. Enquanto Mises simplesmente declarara que uma divisão do trabalho baseada no cálculo só poderia ocorrer na presença da propriedade privada, os neoliberais se propuseram a manipular os sistemas jurídico e judicial para “melhorar” a divisão espontânea do trabalho que teria resultado do laissez-faire político. Para esses homens, o mercado era extremamente importante, mas acreditavam que a intervenção do governo poderia melhorar a “eficiência” e “justiça” no processo de mercado. Ao contrário dos socialistas, os neoliberais acreditavam que o mercado conduzia a sociedade na direção correta, mas, ao contrário dos liberais clássicos, acreditavam que o mercado sem entraves estava aquém do seu verdadeiro potencial.
Em um prefácio à primeira edição alemã do livro de Walter Lippmann, lançada em 1945, Wilhelm Röpke enfatizou a orientação das políticas neoliberais para a otimização da máquina social:
Assim, a questão não é: a favor ou contra o laissez-faire? Em vez disso, qual é a ordem jurídica (Rechtsordnung) que se enquadra numa constituição econômica justa, livre, da mais alta produtividade e baseada numa sofisticada divisão do trabalho?34
Como consequência dessa interpretação particular da teoria de Ludwig von Mises sobre os sistemas sociais, os neoliberais também reinterpretaram o significado das percepções do economista austríaco sobre a importância dos preços competitivos. Mises argumentou que uma divisão racional do trabalho poderia se basear apenas nos preços de mercado para os fatores de produção, o que, por sua vez, exigia a propriedade privada desses fatores. Em contrapartida, os neoliberais se concentraram exclusivamente nos próprios preços, negligenciando as condições sob as quais ocorrem os preços livres. Para eles, a conclusão prática do argumento do cálculo socialista não era o da não interferência do governo na propriedade em geral, mas sim que deveria evitar de se intrometer especificamente nos preços. No colóquio, Lippmann foi elogiado por sua distinção entre “intervenções compatíveis com o mercado” e intervenções incompatíveis com o funcionamento de uma economia de mercado35. Apenas a interferência direta no funcionamento do mecanismo de preços seria ilegítima. Se o governo se limitasse a controlar apenas o marco jurídico no qual os participantes no mercado ficariam livres para prosseguir com seus projetos à vontade, esta intervenção não seria condenável de um ponto de vista neoliberal.
O princípio unificador das teorias neoliberais do pós-guerra foi uma tentativa de justificar a liberdade em alguns casos e a violência patrocinada pelo Estado em outros, por intermédio de uma mesma teoria. Os produtos mais importantes desses esforços foram a teoria dos bens públicos e a teoria de Chicago para o Direito e a Economia de Ronald Coase (1910-2013).
Mises criticou de maneira implacável a interpretação neoliberal do significado do argumento do cálculo socialista. Do seu ponto de vista, a distinção arbitrária entre o “papel do mecanismo de preços” e o “arcabouço do mercado” era absurda. É da natureza da intervenção governamental violar os direitos de propriedade privada, afetando assim o mecanismo de preços em todos os casos. Embora seja verdade que certos fenômenos resultam apenas de uma interferência direta no processo de fixação dos preços - a escassez e os excedentes, sobretudo -, a grande questão do cálculo econômico permanece. Em última análise, é irrelevante se a intervenção do governo se intromete diretamente com os preços ou indiretamente pela da “estrutura” de formação de preços; em ambos os casos, os preços de mercado são pervertidos.
VII - Leonard Read e a Foundation for Economic Education (FEE)
Aproximadamente um ano após o início das palestras de Ludwig von Mises na New York University (NYU), foi criada outra instituição que se mostraria um pilar do renascimento do liberalismo clássico e que daria mais força às ideias do economista austríaco. Leonard Read chegara à conclusão de que seu engajamento com a diretoria da National Industrial Conference Board (NICB) [Conselho da Conferência Nacional das Indústrias] era um desperdício de tempo e de dinheiro. Uma das principais razões para essa ineficácia era o comprometimento da diretoria com uma política de “ouvir os dois lados”. Na prática, isso significava, por exemplo, que nas conferências públicas bimestrais que a instituição patrocinava no hotel Waldorf-Astoria, os defensores do livre-mercado e os defensores da intervenção do governo recebiam tempos iguais para apresentar os argumentos. Read acreditou que essa política estava baseada em um mal-entendido severo a respeito do que “ouvir ambos os lados”, verdadeiramente, significaria no contexto atual. Nas palavras de sua biógrafa Mary Sennholz:
O “outro lado” estava em toda parte - no governo, na educação e na imprensa. Mesmo os empresários passaram a confiar no governo para restrições de concorrência, para contratos e ordens públicas, assim como dinheiro e crédito fáceis, além de outros favores. [...] Como você apresenta “ambos os lados” quando “um lado” está ao seu redor, antecipando a discussão pública, e o “outro lado” é apenas audível no ruído ensurdecedor do outro?36.
Direcionar mais fundos para apresentar a opinião estatista era dinheiro escoando pelo ralo e sentiu que não poderia, em boa consciência, justificar essa despesa. No final de 1945, renunciou o posto que detinha e começou a visitar os doadores para pedir desculpas37. Um deles, o empresário Pierre F. Goodrich (1894-1973), de Nova York, incentivou Leonard Read a pensar na criação de sua própria organização. Dois meses depois, Read estabeleceu a Foundation for Economic Education (FEE), que, em julho de 1946, iria para as instalações bucólicas em Irvington-on-Hudson, várias milhas ao norte de Manhattan, onde ainda está localizada38.
Read mobilizou apoio empresarial importante para esse empreendimento. Possuía uma caderneta repleta de endereços e estava pessoalmente familiarizado com muitos executivos e proprietários de grandes corporações, alguns dos quais também se juntaram à FEE como administradores.
A principal atividade da FEE era emitir panfletos e cartas explicando as “teses da liberdade” para aproximadamente 30.000 famílias39. O próprio Read proferiu um grande número de palestras públicas e, juntamente com seu outro grupo de pessoas, logo começaria a oferecer seminários de fim de semana e outros programas educacionais. Os panfletos e conferências colocaram estudantes de todo o país em contato com os escritos de Mises e outras luminárias do liberalismo clássico. Mises foi um dos primeiros economistas contratados para palestras e seminários nas instalações da FEE, e permaneceria como seu centro intelectual por mais de duas décadas40.
Seria difícil exagerar a importância do aparecimento de FEE. Embora suas atividades não fossem notadas por um público nacional maior, a própria existência dessa organização deu às forças liberais clássicas, que se encontravam dispersas, foco e orientação. Dera-lhes o que não tinham desde o auge do liberalismo do século XIX: um lar. A FEE forneceu o material e a infraestrutura para um retorno entusiasmado aos ideais dos liberais do laissez-faire do século XIX. Para a pergunta-chave sobre as funções apropriadas do governo, a resposta manchesteriana da FEE era que o governo deveria ser estritamente limitado à prevenção da “força agressiva” ou violência física41.
Mais importante ainda, atraiu jovens interessados na defesa intelectual da liberdade e, em última análise, colocou Mises em contato com um grupo autosselecionado de estudantes, que eram muito mais receptivos às consequências políticas de suas ideias do que muitos dos participantes do seminário na NYU. Vários alunos que conheceu pela primeira vez em conferências da FEE mais tarde se juntaram ao seminário semanal na universidade, onde Mises poderia entrar em muito mais detalhes.
Por último, mas não menos importante, a FEE forneceu algum contrapeso intelectual à ortodoxia neoliberal que estava prestes a surgir no departamento de economia da University of Chicago. Em 1947 e 1948, respectivamente, Frank H. Knight (1885-1972) e o já citado Henry Calvert Simons (postumamente), publicaram coleções de artigos defendendo um libertarianismo tão ralo que não se distinguia da social-democracia42. Outros membros da Escola de Chicago foram Aaron Director (1901-2004) e Milton Friedman. O impacto da FEE era, é claro, comparativamente menor, contudo, sem ele, a Escola de Chicago teria dominado totalmente o cenário do livre-mercado norte-americano.
VIII - Frederick Nymeyer
Mais ou menos na mesma época em que Leonard Read estava criando a FEE em Irvington-on-Hudson, no estado de Nova York, Ludwig von Mises travou conhecimento com outra pessoa que por fim se transformaria em um aliado de longo prazo. Em maio de 1946, o empresário de Chicago, Frederick Nymeyer, terminou de ler a Theorie des Geldes und der Umlaufsmittel43 [A Teoria da Moeda e dos Meios Fiduciários], o que o levou a escrever ao autor e a perguntar a respeito de outros escritos sobre o assunto44. Durante os meses seguintes, Nymeyer leu Omnipotent Government45 [Governo Onipotente] e outros escritos em inglês do professor austríaco que estavam disponíveis. Era o leitor ideal para Mises. Recebera educação econômica no início da década de 1920, depois trabalhara por algum tempo como representante de campo do Harvard Business Cycle Index. Estava bem familiarizado com o pensamento monetário que prevaleceu nos Estados Unidos. O livro Theorie des Geldes und der Umlaufsmittel, conforme descobriu, “era radicalmente diferente da abordagem mecanicista Teoria Quantitativa da Moeda” e, portanto, “tive alguma dificuldade para ajustar todo o meu pensamento à sua exposição”. Parte da dificuldade parecia ser o uso diferente de termos, e Nymeyer, em seguida, passou a levantar questões sobre um dos conceitos cruciais da teoria: a demanda por moeda46. Mises concordou que a maneira como a expôs - a demanda por moeda como demanda por poder de compra - era ambígua, e que uma maneira melhor de dizer isso era que os participantes do mercado demandavam a retenção de dinheiro. Prometeu rever seus escritos de modo adequado e considerar esse ponto em seu próximo tratado sobre Economia.
Essa troca foi o início de uma aliança duradoura (embora nunca uma amizade mais pessoal). Nymeyer logo começou a ler outras obras de economistas austríacos disponíveis em inglês, em particular Kapital und Kapitalzins47 [Capital e Juros] de Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914). Lentamente, tornou-se um admirador dedicado da Escola Austríaca. Também era um calvinista devoto e afirmou: “Böhm-Bawerk foi demasiado longe, além de Adam Smith, como João Calvino (1509-1564) foi além de Martinho Lutero (1483-1546)”48.
O agnosticismo de Ludwig von Mises não diminuiu a admiração de Frederick Nymeyer pelo economista austríaco. E não impediu o próprio Mises de cooperar aberta e produtivamente com os libertários cristãos nos Estados Unidos. Na Áustria, tal cooperação era praticamente impossível, porque os socialistas cristãos haviam empurrado a Igreja Católica para um beco intelectual sem saída. Somente personalidades destacadas como o monsenhor Ignaz Seipel (1876-1932) poderiam superar os ressentimentos socialistas contra o liberal Mises. Entretanto, nos Estados Unidos as coisas eram diferentes. Muitos clérigos protestantes no país amavam a liberdade individual e o livre-mercado, e consideravam que esse amor resultava naturalmente de sua religião cristã. Muitos desses homens achavam que as teorias de Mises eram complementares à sua fé.
Em correspondência com um clérigo da Igreja Anglicana, no Canadá, que havia lido o livro Human Action: A Treatise on Economics49 [Ação Humana: Um Tratado de Economia], Mises escreveu:
Concordo plenamente com sua afirmação de que os Evangelhos não defendem políticas anticapitalistas. Lidei com esse problema há anos em meu livro Socialismo [...]. Além disso, concordo inteiramente com sua proposição de que não se encontra, em Ação Humana “uma só palavra que esteja em oposição à fé cristã”50.
Mises acolheu com entusiasmo a publicação do periódico mensal Faith and Freedom da Spiritual Mobilization, uma organização baseada em Los Angeles, em dezembro de 1949. Claro que sabia muito bem que a maioria dos líderes protestantes defendia alguma forma de socialismo ou intervencionismo, e que embora a Igreja Católica “lute valentemente contra o comunismo”, não se opõe ao socialismo. Mas esses problemas estavam fora de seu campo: “Creio que só os teólogos são capacitados para lidar com a questão”.
Essa também foi a opinião de Frederick Nymeyer. Um dos principais motivos do estímulo para divulgar os escritos de Ludwig von Mises foi precisamente a relação complementar que percebeu entre o capitalismo do laissez-faire e o cristianismo.
Mises e Nymeyer provavelmente se encontraram pela primeira vez no final de janeiro de 1948. Nymeyer começou, então, a pensar sobre por que a Escola Austríaca de Economia não era preponderante nos Estados Unidos e chegou à conclusão de que obras austríacas não eram suficientemente conhecidas. No outono daquele ano, estava pronto para agir, contando especialmente com a volumosa caderneta de endereços (“conhe ço vários dos grandes empresários do país, onde participo de alguns importantes conselhos de administração”51). E, no final de janeiro de 1949, depois de mais alguns encontros com Mises, Nymeyer desenvolveu um plano: a ideia era criar um “Instituto Liberal” sob a liderança de Mises na Chicago University - Nymeyer era amigo do reitor da Escola de Negócios - ou de alguma outra universidade adequada na área de Chicago52. Nymeyer já havia conquistado seu sócio Robert W. Baird (1883-1969) e o amigo John T. Brown (1876-1951), vice-presidente da J. I. Case Company. Em maio de 1949, conversaram com vários outros empresários da região.
No final de abril, a universidade dissera a Nymeyer que prefeririam “presentes irrestritos” para serem usados com “liberdade acadêmica” - o que significava que a instituição selecionaria a equipe do Instituto Liberal proposto. Mises comentou:
Com base nesse slogan [“liberdade acadêmica”], as universidades estão boicotando todos os economistas que se atrevem a levantar objeções contra o intervencionismo de outro ponto de vista que não seja o do socialismo. Atualmente, a questão da liberdade acadêmica não é se os professores comunistas devem ser tolerados. Melhor: só devem ser nomeados comunistas, socialistas ou intervencionistas?53
Entretanto, a resistência não veio apenas do interior das universidades. Alguns anos mais tarde (e muito mais sábio), Mises reconheceu a existência de outro fator:
Uma das piores características do atual estado de coisas é a lealdade equivocada dos ex-alunos. Assim que alguém se atreve a criticar algo relativo a uma universidade, todos os ex-alunos vêm em socorro de sua alma mater. Então, temos o espetáculo das grandes empresas defendendo o boicote lançado pelas faculdades contra todos aqueles que não simpatizam com o intervencionismo, o planejamento e o socialismo54.
Em todo caso, o plano para um “Instituto Liberal” baseado em Chicago sob a liderança de Mises não se materializou. Mas Nymeyer e seus amigos tiveram provavelmente alguma influência ao levar F. A. Hayek para a Chicago University, além de desempenharem no início dos anos 1950 um papel significativo para levantar fundos para as reuniões da Mont Pèlerin Society55.
IX - Uma conferência em Mont Pèlerin
Exatamente um ano após a fundação da Foundation for Economic Education (FEE) em Nova York, outra organização foi criada para suprir um fórum para a mudança e o desenvolvimento de ideias relevantes a partir de uma perspectiva liberal clássica. Ao contrário da FEE, essa organização não tinha sede permanente; foi concebida como uma sociedade de acadêmicos, e a vida dessa sociedade consistia principalmente em reuniões anuais, que ocorreram em diferentes cidades por todo o mundo. Mais importante ainda, porém, essa sociedade foi fundada no espírito do neoliberalismo; e os acadêmicos, políticos e jornalistas neoliberais representam, desde então, a maior parte dos membros.
A sociedade deu prosseguimento ao colóquio de Walter Lippmann de 1938 que Louis Rougier (1889-1982) organizou em Paris. Desta vez, a iniciativa recaiu naturalmente nas mãos de F. A. Hayek, bem conhecido em ambos os lados do Atlântico - devido ao sucesso do livro The Road to Serfdom56 [O Caminho da Servidão], de 1944, e, também, porque estava entre os primeiros intelectuais ocidentais a renovar os contatos com os homólogos continentais depois da Segunda Guerra Mundial57. Nessas reuniões, surgiu lentamente a ideia de uma associação libertária. Hayek certamente discutiu o assunto quando encontrou Mises no fim de julho de 1946 no México, mas nesse ponto ainda não se transformara em nenhum plano concreto. Da Cidade do México, voou para Oslo, na Noruega, onde Trygve Hoff (1895-1982) organizou uma reunião preparatória para discutir o plano, um pouco vago, para o estabelecimento de uma associação neoliberal com vários intelectuais europeus, e foi ali que o plano de uma “Sociedade Acton-Tocqueville”58 deve ter tomado forma59. Até o final do ano, encontrara os fundos necessários para patrocinar o evento com fontes suíças, por intermédio de Albert Hunold (18991980), e norte-americanas, via William Volker Fund60, bem como escreveu uma carta circular de convite para cerca de cinquenta pessoas, para uma conferência de dez dias nos Alpes suíços, na parte inferior do Monte Pèlerin, perto da cidade de Vevey, no Lago Genebra.
F. A. Hayek provavelmente antecipou algum problema com Ludwig von Mises, porque pediu desculpas escritas à mão nessa mesma carta, dizendo que não tivera tempo para discutir o plano com Mises em detalhes. Sua apreensão acabou se mostrando acertada. Mises respondeu, escrevendo para Hayek que não poderia deixar a New York University (NYU) em abril e que “abomino a ideia de ir para a Europa. Já vi decadência suficiente”61. A pedido de Henry Hazlitt (1894-1993), havia escrito um memorando de quatro páginas contendo suas “Observations on Professor Hayek’s Plan” [“Observações sobre o plano do professor Hayek”]. Neste documento, afirmou que muitos planos semelhantes para conter a maré do totalitarismo tinham sido tentados nas últimas décadas - ele mesmo estava envolvido em alguns desses projetos - mas os planos fracassavam porque esses amigos da liberdade já haviam sido infectados pelo vírus estatista: “Não perceberam que a liberdade se encontra inextricavelmente conectada à economia de mercado. Apoiaram, em geral, a parte crítica do programa socialista. Comprometeram-se como uma solução de terceira via, o intervencionismo”. No final do memorando, afirmou sua principal objeção:
O ponto fraco do plano do professor Hayek é que se baseia na cooperação de muitos homens que são conhecidos pelo apoio ao intervencionismo. É necessário esclarecer esse ponto antes do início da conferência. Do modo como entendo o plano, não é tarefa desta conferência discutir novamente se um decreto do governo ou a determinação de um sindicato tem ou não a capacidade de elevar o padrão de vida das massas. Se alguém deseja discutir esses problemas, não é necessário que faça uma peregrinação ao Monte Pèlerin. Poderá encontrar, em sua própria vizinhança, muitas oportunidades para fazer isso62.
Em sua carta a Hayek, foi mais específico:
Estou preocupado sobretudo com a participação de Wilhem Röpke, que é um intervencionista declarado. Creio que o mesmo vale para Karl Brandt (1904-1948), Harry Gideonse (1901-1985) e Max Eastman (18831969). Todos os três contribuem para a New Leader, uma revista puramente socialista - embora decididamente antissoviética63.
Ainda assim, Mises não descartou sua participação, mas sugeriu um adiamento da conferência até setembro. Isso acabou sendo impraticável, e Hayek empreendeu outra tentativa de convencer o velho mentor no início de fevereiro. Minimizou a importância das conexões de Brandt, Gideonse e Eastman com a New Leader, mencionando que ele próprio já escrevera para essa revista. Contudo, o mais importante foi o argumento de que o programa da conferência ainda era bastante aberto e que o principal objetivo da reunião de Vevey e dos encontros subsequentes seria conquistar especialmente aqueles historiadores e cientistas políticos que ainda abrigavam ideias equivocadas sobre uma série de questões, mas que estavam dispostos a aprender64. Isso foi, aparentemente, bastante convincente. Por sugestão de Hayek, Mises entrou em contato com o principal patrocinador da conferência, o já citado William Volker Fund, com sede em Kansas City, no estado de Missouri, e, dentro de uma semana, os arranjos de viagem foram feitos por intermédio da FEE.
* * *
A conferência da Mont Pèlerin começou em 1º de abril de 1947 e consistiu em dez dias de sessões. Ludwig von Mises saíra de Nova York em 25 de março, animado e curioso para ver a Europa novamente depois de quase sete anos. Provavelmente viajou para a conferência via Paris e Genebra, onde conheceu William Rappard (1883-1958) e o já citado Paul Mantoux65. A reunião teve apenas uma agenda mínima e deixou grande margem de manobra para que os participantes determinassem os temas que desejariam discutir nos próximos dias.
Ludwig von Mises e os outros seis nova-iorquinos - Leonard Read, F. A. Harper (1905-1973) e Vernon Orval Watts (1898-1993) da FEE, bem como o jornalista Henry Hazlitt, Harry Gideonse, que na época era presidente do Brooklyn College, e John Davenport (19041987), da Fortune Magazine - representaram a guarnição manchesteriana da reunião. F. A. Hayek, Milton Friedman e Fritz Machlup eram neoliberais; pessoas como Walter Eucken, Bertrand de Jouvenel (1903-1987), Frank H. Knight, Michael Polanyi, Karl Popper (19021994) e George J. Stigler (1911-1991) já eram social-democratas bastante liberais; e Maurice Allais (1911-2010), Wilhelm Röpke e Lionel Robbins representavam a extrema-esquerda da conferência. Allais não foi capaz de endossar a vaga “declaração de objetivos” que todos os outros participantes aprovaram em 8 de abril.
No discurso de abertura, Hayek estabeleceu a agenda para a reconstrução ideológica no Pós Guerra do movimento do liberalismo clássico. Isso sugeria, por um lado, “purgar a teoria liberal tradicional de certos acréscimos acidentais que a ela se uniram no transcurso do tempo” e, por outro lado, “enfrentar alguns problemas reais dos quais o liberalismo supersimplificado se esquivou ou que se tornaram aparentes somentea partir o momento em que se transformou em credo, de certo modo, estacionário e rígido”66. Como os desdobramentos posteriores devem mostrar, o significado concreto desse programa foi: 1) absolver o liberalismo clássico de certas críticas amplamente difundidas, por exemplo, de que as políticas que inspirara haviam levado à miséria das massas; 2) distinguir o liberalismo “moderno” de seu predecessor mais antigo, o laissez-faire.
Algumas das outras palestras programadas, contudo, foram suficientes para justificar as premonições negativas de Ludwig von Mises. Por exemplo, o economista alemão Walter Eucken explicou que a legislação antimonopólio não era suficiente para combater os monopólios. Maior inferência legislativa seria necessária nos campos do direito corporativo, bem como do direito de marcas e patentes. Defendeu, também, duas máximas da política econômica. Em primeiro lugar, embora houvesse liberdade de contrato, esta liberdade não devia se limitar de modo algum à liberdade de contrato para demais. Em segundo lugar, os participantes monopolistas do mercado deveriam ser forçados a se comportar como se estivessem sob “concorrência” - produzir as mesmas quantidades e vendê-las aos mesmos preços que prevaleceriam na “concorrência”.
Eucken resumiu a mesma agenda intervencionista que já dominara o colóquio de Lippmann em 1938. Na época, Mises estava em lua-de-mel na cidade de Paris, o que pode explicar por que suas contribuições às discussões haviam sido excepcionalmente tranquilas. Agora era nove anos mais velho, mas a lua-de-mel tinha terminado. Reagiu com grande determinação e defendeu sua posição pelo laissez-faire tão vigorosamente que, muitos anos depois, seu amigo Lawrence Fertig (1898-1986) ainda recordava o debate.
O intercâmbio entre Ludwig von Mises e os opositores neoliberais estabeleceu o tom na Mont Pèlerin Society nos próximos anos. Embora os libertários em torno de Mises fossem apenas uma pequena minoria, eram os que tinham o apoio financeiro dos principais patrocinadores norte-americanos, como o William Volker Fund, sem o qual a Mont Pèlerin Society teria morrido muito rapidamente naqueles primeiros anos. Desde que Mises tomou parte ativa nas reuniões, portanto, ficou impossível simplesmente discutir os detalhes técnicos do intervencionismo governamental. O laissez-faire havia retornado. Não era a opinião da maioria, mas era uma opção política discutível e debatida - demais para alguns membros iniciais, como Maurice Allais, que logo abandonou a Sociedade precisamente por essa razão67.
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Notas
Autor notes
**Jörg Guido Hülsmann. E-mail: jgh@guidohulsmann.com