Society, Legislation and Politics

Justiça Social no Pensamento de Friedrich Hayek - Parte II*

Social Justice in Friedrich Hayek's Thought

Patrick Coelho Campos Gappo *
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brazil

Justiça Social no Pensamento de Friedrich Hayek - Parte II*

MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 4, núm. 2, pp. 495-521, 2016

Instituto Ludwig von Mises - Brasil

Resumo: Discute-se a questão da justiça social no pensamento de Friedrich A Hayek, começando por um panorama do pensamento liberal, buscando demonstrar como o autor se insere nesse contexto intelectual. Em seguida, apresentamos os principais conceitos da filosofia política de Hayek e finalmente usamos essa base para discutir a negação que o pensador austríaco faz sobre o conceito de justiça social. Concluímos com algumas reflexões sobre os temas abordados e a ordem de mercado.

Palavras-Chave: Libera lismo, Friedrich Hayek, Justiça social, Teoria da justiça, Liberdade, História do liberalismo, Ordem de mercado.

Abstract: We discuss the question of social justice in Friedrich Hayek's thought, beginning with a panorama of liberal thought, trying to show how the author inserts in it. Afterwards, we present the main concepts of Hayek's political philosophy and finally we use this basis to discuss how he denies the concept of social justice. We conclude with some reflections about the subjects discussed and the issue of market order.

Keywords: Liberalism, Friedrich Hayek, Social justice, Theory of justice, Liberty, History of libera lism, Market order.

I - HAYEK E A TRADIÇÃO LIBERAL

1.1. - A vida de um Nobel e breves conceitos hayekianos

Nascido em oito de maio de 1899, numa família de acadêmicos e altos funcionários em Viena, Friedrich A. Hayek (1899-1992) criou uma obra intelectual com contribuições à economia, à filosofia política, ao direito e à psicologia evolutiva, culminando na sua premiação com o Nobel de Economia, em 1974.

Após voltar da Primeira Guerra Mundial, Hayek ingressou na faculdade; inicialmente indeciso entre psicologia e economia1; acabou por escolher a segunda, especializando-se em economia política. Sua visão política, segundo ele mesmo definiu, era bastante distinta do que viria a ser:

Não propriamente um socialista extremado, mas um socialista Fabiano, algo assim como os socialistas americanos, que se denominam 'liberais' nos Estados Unidos atualmente. Foi com os trabalhos de Ludwig von Mises que, por volta de 1922, vi como estava no caminho errado; me convenci de quão falaciosos e equivocados eram os caminhos do socialismo de todos os matizes e, principalmente, de que o socialismo é incompatível com a liberdade.2

Hayek teve seu trabalho reconhecido e obteve vários postos de prestígio em seu país natal. Entre 1927 e 1931 foi diretor do Instituto Austríaco de Pesquisas Econômicas, e professor de economia na Universidade de Viena entre 1929 e 1931. Neste último ano, decidiu emigrar para o Reino Unido, e ocupou uma cátedra da London School of Economics, tendo se tornado cidadão britânico em 1938.

Dada sua personalidade cosmopolita, Hayek não parou em sua nova pátria, emigrando para os EUA para assumir em 1950 a cátedra de pensamento social e moral da Universidade de Chicago. Voltou posteriormente para a Europa e os países germânicos, sendo professor em Freiburg-im-Breisgau de 1962 a 1969, e posteriormente na Universidade de Salzburg, onde ficou até seu retorno a Freiburg em 1977.

A sua premiação, ainda que com um socialista, com o prêmio Nobel de Economia em 1974, foi um marco tanto na sua vida pessoal quanto no pensamento econômico, influenciando o ressurgimento liberal nos anos posteriores. É interessante que essa premiação tenha ocorrido um ano após a morte de Ludwig von Mises (1881-1973), mentor de Hayek.

Vale ressaltar um aspecto pouco explorado da vida de Hayek, que é sua relação com religião. O assunto não é frequentemente abordado quando discutido o liberalismo, e Jesus Huerta de Soto, enquanto estuda a Escola Austríaca, faz a seguinte reflexão sobre Hayek:

Finalmente, abordaremos a relação de Hayek com a religião. Batizado como católico, desde jovem abandonou a prática religiosa e se tornou agnóstico. Não obstante, com o passar dos anos, foi compreendendo cada vez melhor o papel-chave que a religião desempenha para estruturar o cumprimento das normas de conduta que fundamentam a sociedade e, em particular, a importância que os teólogos espanhóis do Século de Ouro tiveram enquanto precursores da moderna ciência econômica e social. Em 1993, o pensador católico Michael Novak surpreendeu o mundo intelectual quando tornou pública a extensa conversa pessoal que o papa João Paulo II e Hayek mantiveram antes do falecimento deste último em 1992. Existem sinais inequívocos da grande influência que o pensamento de Hayek teve na encíclica Centesimus Annus e, em particular, nos seus capítulos 31 e 323.

Nas palavras de Hayek:

Essa [descrença em Deus], de forma geral, se manteve como minha posição desde então, eu busquei evitar ofender sem necessidade outras pessoas religiosas demonstrando minha descrença, caso não fosse questionado. Por outro lado, minha posição em relação às diferentes igrejas cristãs era ambivalente. Eu sentia que se alguém realmente queria religião, deveria ficar com o que me parecia o mais original, isto é, o Catolicismo Romano. O Protestantismo sempre me pareceu um degrau no processo de emancipação de uma superstição, um degrau que se subido deveria levar à completa descrença.4

Para entender a obra de Hayek é importante explicar alguns conceitos presentes em seus trabalhos que contribuem para a compreensão de sua obra; são eles, em especial: nomos, thesis, kosmos e taxis. Colocaremos aqui a explicação do próprio autor e da obra Cambridge Companion to Hayek.

A análise desenvolvida neste livro terá por eixo o conceito de ordem, e particularmente a distinção entre dois tipos de ordem, a que provisoriamente chamaremos de ordem 'feita' ('made') [nomos] e ordem 'resultante de evolução' ('grown') [thesis]. Ordem é um conceito indispensável ao exame de todos os fenômenos complexos, nele desempenhando, basicamente, o papel que o conceito de lei desempenha na análise de fenômenos mais simples.5

Há vários termos disponíveis para designar cada tipo de ordem. A ordem feita, a que já nos referimos como uma ordem exógena ou uma ordenação, pode ainda ser designada como uma construção, uma ordem artificial ou, especialmente quando estamos tratando de uma ordem social dirigida, como uma organização. Por outro lado, a ordem resultante da evolução, a que nos referimos como autogeradora ou endógena, tem sua designação mais adequada na expressão ordem espontânea. O grego clássico tinha uma vantagem: possuía palavras distintas para designar os dois tipos de ordem, a saber: taxis, para uma ordem feita, uma ordem de batalha, por exemplo, e kosmos, para uma ordem resultante de evolução, tendo originalmente significado 'uma ordem correta num estado ou comunidade'.6

Hayek faz uma distinção chave entre o que chama de thesis, a lei da legislação, e nomos, a lei da liberdade. A primeira é imposta pelo soberano, no que Hayek descreve como um processo coercivo de cima para baixo; a segunda é evoluída, surgindo espontaneamente num processo de baixo para cima. Enquanto thesis reflete primeiramente os interesses do soberano (ou da classe dominante em geral), nomos vem da interação humana - das muitas interações de pessoas procurando mais efetivamente coordenar suas ações e resolver disputas pacificamente.7

1.2 - Resgatando a liberdade

Hayek buscou retomar a tradição liberal, como deixou claro na sua obra Fundamentos da Liberdade. Como Mariano Grondona coloca, o economista austríaco busca reencontrar­se com a grande tradição liberal.8 Seu objetivo não era dissertar sobre as instituições e programas políticos dos Estados Unidos ou Grã-Bretanha, mas sobre os princípios que estes países elaboraram. Hayek não queria fazer um programa de política de governo, mas definir critérios para julgar se determinadas medidas se adequavam a um regime de liberdade9

Dessa forma, o pensador austríaco10 começa trabalhando o conceito de liberdade, que define como ausência de coerção. Ela consiste na independência da vontade arbitrária alheia, e apenas pode ser aplicada na relação do homem com outro homem; da mesma forma, só pode ser violada pela coerção de outro homem. Nesse sentido, o economista austríaco rejeita tanto a utilização de liberdade em referência a causas naturais (como estar livre da fome), quanto a relação entre o conceito e a gama de escolhas que o indivíduo pode fazer. A liberdade está restrita assim a determinar se a conduta individual está de acordo com suas próprias pretensões, ou derivadas de alguém cujo poder lhe permite manipular as condições de modo a impor àqueles a sua vontade. Assim como a paz, a segurança e a calma, o conceito de liberdade, para Hayek, é negativo.

O estado no qual o homem não está sujeito à coerção pela vontade arbitrária de outrem é frequentemente chamado de liberdade 'individual' ou 'pessoal' e, sempre que quisermos lembrar ao leitor que é exatamente neste sentido que estamos empregando a palavra 'liberdade', usaremos a expressão 'liberdade individual'. O termo 'liberdade civil' costuma ser usado no mesmo sentido, mas procuraremos não empregá-lo, por ser possível confundi-lo com o que se denomina 'liberdade política' - uma confusão praticamente inevitável, gerada pelo fato de que 'civil' e 'política' derivam, respectivamente, de palavras latina e grega com o mesmo significado11.

Apesar de ter-se tornado comum desmerecer a liberdade de ação, apelidando-a de liberdade econômica, o conceito daquela é muito mais amplo do que desta. Além disso, é duvidoso que existam ações que possam ser consideradas meramente econômicas, ou que as restrições à liberdade possam ser limitadas aos aspectos econômicos.12

Não sei o que significa democracia econômica. Democracia é um método de decidir problemas políticos e mais nada. Gostaria de dizer uma coisa: houve, em certo momento, a crença de que pode existir liberdade política sem liberdade econômica. Isso é um erro fundamental: liberdade política sem liberdade econômica significa liberdade de pensamento sem liberdade de ação: de nada vale. Toda a liberdade depende da liberdade econômica.13

Dada essa definição de Hayek, vamos enfatizar como ela se insere na tradição liberal expressa no capítulo anterior, e compará-la com outras definições dessa tradição. Começando pelo seu professor em Viena, o economista Mises, que também oferece uma definição de liberdade:

Liberdade é um conceito sociológico. Não faz sentido aplicá-lo a certas condições externas ao contexto social (...). Esta, pois, é a liberdade do homem no que concerne à sua vida exterior - o fato de ser independente do poder arbitrário de seus semelhantes14.

Tanto Grondona quanto Paim enriquecem a definição de liberdade com suas leituras de Kant:

A liberdade não consiste em que não haja lei, mas que a lei mande, e não a vontade de outro. Por isso, se me dei a lei, sou livre; se me deram a lei, sou escravo. Isso já estava em Locke, mas os fundamentos estão em Kant. Há autonomia quando essa lei que me manda foi gerada em mim15.

Kant também facultou uma definição precisa de liberdade civil ou jurídica ao estabelecer que consiste na faculdade de fazer tudo aquilo que se quer sempre que não seja feita injustiça a pessoa alguma. A liberdade dos cidadãos está portanto subordinada à lei e termina justamente onde pode interferir na liberdade dos outros.16

Após definir liberdade, Hayek17 passa a contrapor esse conceito com outros tipos de liberdade. Primeiramente, distingue a liberdade política, definida como a participação dos homens na escolha de seu governo. Apesar de ver uma correlação entre ambas, esta não necessariamente garante aquela, como diversos governos autoritários democraticamente eleitos do século XX e XXI demonstram. Em seguida, passa ao conceito de liberdade interior, que seria o indivíduo pautar suas ações pela sua própria vontade e consciência, e não por impulsos momentâneos. A terceira e mais importante distinção é em relação à liberdade enquanto poder, chamada frequentemente de "liberdade positiva", no Brasil. O economista austríaco entende ser essa a confusão mais perigosa, pois traz justamente a associação de liberdade com riqueza, justificando a redistribuição de renda para aumentar a 'liberdade' dos mais pobres.

É importante perceber a sutil alteração de sentido a que se submeteu a palavra "liberdade" para tomar plausível este argumento. Para os grandes apóstolos da liberdade política, essa palavra significava que o indivíduo estaria livre da coerção e do poder arbitrário de outros homens, livre das restrições que não lhe deixavam outra alternativa senão obedecer às ordens do superior ao qual estava vinculado. Na nova liberdade prometida, porém, o indivíduo se libertaria da necessidade, da força das circunstâncias que limitam inevitavelmente o âmbito da efetiva capacidade de escolha de todos nós, embora o de alguns muito mais do que o de outros. Para que o homem pudesse ser verdadeiramente livre, o "despotismo da necessidade material" deveria ser vencido, e atenuadas "as restrições decorrentes do sistema econômico".18

Vendo essas diferenças da ideia de liberdade, vale a pena lembrar a distinção entre liberdade dos antigos e dos modernos, de Benjamin Constant (1767-1830):

[Constant] Assinala que a liberdade não consiste apenas em participar do poder (a exemplo da cidade grega), mas ainda em ser livre do poder do Estado, isto é, em ser detentor de um espaço frente ao Estado e à sociedade, no qual possa o indivíduo realizar­se sem interferência daquelas instâncias.19

O pensador austríaco também discute a concepção de liberdade dentro da lei. Esta se baseia na convicção de que, quando se obedece às leis, entendidas como normas gerais abstratas estabelecidas, não se está submetido à vontade de outro, mas sim, livre20.

Pierre Manent21 mostra que Montesquieu (1689-1755) não define a liberdade como a possibilidade de se fazer o que quer, mas o direito de fazer tudo que as leis permitem. Contudo, não existe contradição com a defesa da liberdade, porque para Montesquieu a lei tende a necessariamente permitir um grande número de coisas ao cidadão.

Uma vez que a liberdade está definida como ausência de coerção, o passo seguinte dado por Hayek22 é defini-la. Para ele, coerção é o controle exercido sobre uma pessoa por outra, a ponto de ela ser forçada a agir para servir aos objetivos desta, e não de acordo com um plano de sua própria elaboração. A coerção ocorre quando um indivíduo é obrigado a colocar suas ações a serviço da vontade de outro. Implica na ameaça de infligir um mal e na intenção de provocar com isso certa conduta.

Hayek diferencia coerção das condições ou exigências negociais. Para o pensador é absurdo chamar de coerção o fato de um comerciante só estar disposto a vender seu produto em troca de um preço escolhido, ou um vizinho apenas conversar com outro se este seguir certas regras de educação. O pensador austríaco admite como coerção apenas o caso de um monopólio em condições de negar aos outros um bem indispensável.23"Em um país em que o único empregador é o Estado, oposição significa morte lenta por inanição. O velho princípio 'quem não trabalha, não come' foi substituído por outro: 'quem não obedece, não come'".24

A verdadeira coerção ocorre, para o economista austríaco, quando um grupo armado de invasores obriga o povo subjugado a trabalhar para ele, quando gangsteres organizados cobram taxas de proteção, quando alguém faz chantagem e quando o Estado ameaça punir ou empregar força física para que suas determinações sejam obedecidas. Hayek acredita existirem gradações de coerção, sendo que as menores causariam uma coerção maior caso o Estado tentasse bani-las. O autor considera que assim como o conceito de liberdade, o de coerção vem sendo constantemente ampliado, sugerindo que a garantia da propriedade individual e a existência de normais gerais e abstratas garante uma proteção contra a coerção. A justificativa para o emprego da ameaça de coerção pelo Estado é impedir a coerção. Esta pode se dar tanto pela violência, ou sua ameaça, como pela fraude e estelionato. Hayek justifica a coerção estatal, além de impedir formas mais graves de coerção, para coletar taxação utilizada para determinadas atividades governamentais.25

Rothbard critica a definição de coerção em Hayek por ser um conceito aberto que não se limita apenas a proibir violência física, mas engloba também a recusa por particulares de participar de trocas ou fazer contratos. O libertário americano defende que se defina coerção tão somente como violência ou ameaça de violência contra uma pessoa ou sua propriedade; caso contrário, propõe que se defina liberdade não como ausência de coerção, mas como ausência de agressão física. Dessa forma, não haveria o problema criticado por Hayek, de ampliação no conceito de coerção, e consequentemente o aumento de restrições à liberdade individual. Por fim, Rothbard também critica a ausência de distinção no pensador austríaco entre violência agressiva e defensiva.26

Outra discussão interessante feita é sobre a moralidade da ação praticada dentro da esfera privada de um indivíduo, que Hayek considera não poder ser objeto de controle coercitivo do Estado. No entanto, o fato de os atos praticados nela não serem objeto da ação coercitiva do Estado não significa que em uma sociedade livre tais atos estejam isentos da pressão ou desaprovação da opinião pública.27

Após definir coerção, Hayek volta para a questão da liberdade, dessa vez discutindo a sua justificativa, que considera estar no reconhecimento da nossa própria ignorância. O economista austríaco entende que se todos os homens fossem oniscientes, conhecendo tudo que influi na realização dos desejos atuais e futuros, não haveria necessidade de se defender a liberdade. Como é impossível conhecermos todos os fatores que influenciam na realização de nossos objetivos, é mais eficiente deixar ao esforço independente e competitivo a criação daquilo que desejamos.28 Uma sociedade livre pode fazer uso de um volume maior de conhecimentos do que aquele que até a mente do mais sábio governante poderia abranger. Dessa justificativa da liberdade segue que não é possível alcançar seus objetivos se for limitado seu uso apenas às circunstancias nas quais seu benefício é conhecido. Ela também deve ser concedida nos casos em que possa parecer indesejável.

O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional se caracteriza justamente pelo fato de que o conhecimento das circunstâncias sob as quais temos de agir nunca existe de forma concentrada e integrada, mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento incompleto e frequentemente contraditório, distribuídos por diversos indivíduos independentes. O problema econômico da sociedade, portanto, não é meramente um problema de como alocar "determinados" recursos - se por "determinados" entendermos algo que esteja disponível a uma única mente que possa deliberadamente resolver o problema com base nessas informações. Em vez disso, o problema é como garantir que qualquer membro da sociedade fará o melhor uso dos recursos conhecidos, para fins cuja importância relativa apenas estes indivíduos conhecem. Ou, colocando sucintamente, o problema é a utilização de um conhecimento que não está disponível a ninguém em sua totalidade.29

Outro ponto importante que Hayek levanta em defesa da liberdade é que sua importância não está na possibilidade de um dia vir a ser utilizada. Nesta linha, argumenta que, ao longo da história, maiorias não livres se beneficiaram com a existência de minorias livres30 e as sociedades não livres de sua época se beneficiaram com aquilo que podiam aprender das sociedades livres. Os benefícios existentes com a liberdade alheia crescem na medida em que aumenta o número daqueles que podem exercer esta liberdade31

O pensador austríaco também fala sobre a inseparabilidade entre liberdade e responsabilidade, que é frequentemente esquecida pelas tentativas de alargar sua definição. Deve-se enfatizar que liberdade significa também arcar com as consequências das próprias ações32, mesmo quando se torna comum evitar responsabilidades pelas próprias ações, preferindo responsabilizar a sociedade ou terceiros. A defesa da responsabilidade que Hayek faz vem em oposição às doutrinas deterministas modernas de negação de uma vontade livre individual.

A liberdade econômica que constitui o requisito prévio de qualquer outra liberdade não pode ser aquela que nos libera dos cuidados econômicos, segundo nos prometem os socialistas, e que só se pode obter eximindo o indivíduo ao mesmo tempo da necessidade e do poder de escolha: deve ser a liberdade de ação econômica que, junto com o direito de escolher, também acarreta inevitavelmente os riscos e a responsabilidade inerentes a esse direito33

Hayek considera que uma sociedade que não reconhece a cada indivíduo valores próprios pelos quais pode se pautar não terá respeito pela sua dignidade. Em uma sociedade livre, o indivíduo será respeitado de acordo com o uso que fizer de sua liberdade. "Isto não significa que se suponha sempre que o indivíduo é o melhor juiz de seus interesses; significa apenas que nunca podemos ter certeza de que outra pessoa os conheça melhor do que o próprio indivíduo (...)"34

Em relação à crítica de que considerar um indivíduo como o único responsável pelo seu próprio sucesso é uma ideia defendida apenas pelos vencedores, Hayek argumenta que, ao contrário, eles venceram por terem tais crenças. Além disso, tais ideias são o incentivo mais eficaz à ação bem-sucedida. Por outro lado, quanto mais alguém atribuir seus fracassos aos outros ou às circunstâncias, mais ficará descontente e ineficiente. As tentativas de criar uma responsabilidade coletiva acabam por destruir o seu próprio conceito, ao eliminar as distinções entre a responsabilidade que exige e a que não exige nossa ação. Assim como a propriedade comum é propriedade de ninguém, a responsabilidade comum é responsabilidade de ninguém.35

Nesse ponto vale a pena fazer um breve comentário sobre a visão do individualismo para Hayek. Para o pensador austríaco, o liberalismo não é individualista, no sentido de cada um por si, entendendo que, pelo contrário, o liberalismo vê com bons olhos a existência de associações voluntárias. O que defende, por outro lado, é privá-las de poderes exclusivos e compulsórios36. Nesse sentido:

Popper sugere, enfim, uma distinção fundamental: individualismo não é sinônimo de egoísmo. Há dois pares de conceitos em contraste: individualismo/coletivismo e egoísmo/altruísmo. Costuma-se acreditar que o coletivismo é altruísta e o individualismo, egoísta, porém são dois gêneros distintos de palavras. Quando digo individualismo, exalto a vocação única e intransferível de uma pessoa por ser ela própria. Quando falo de coletivismo, estou dizendo que a pessoa não é o protagonista, mas o grupo. Tanto o indivíduo como o grupo podem ser egoístas ou altruístas37.

O economista austríaco discute sobre a existência de uma espécie de livre mercado de ideias e valores morais, sem partir do pressuposto de que todos os princípios morais vigentes em todas as sociedades sejam benéficos. As normas morais observadas pelos seus membros podem significar o progresso ou a decadência de um grupo, por isso a melhor opção é que tais membros tenham liberdade. Dessa forma, os princípios ruins tenderão a ser corrigidos na medida em que os grupos considerados moralmente dissidentes prosperarão mais38. Nesse sentido, vale comparar com a posição da moral social no liberalismo clássico, como mostra Paim.

De todo modo, a moral social está, para Tocqueville, no topo da hierarquia das causas que condicionam uma boa sociedade - uma sociedade livre. À moral social, seguem-se as leis. E, em terceiro lugar, aparecem as circunstâncias geográficas e históricas como categorias explicativas da perfeição de uma organização política. Disso deduzimos que a defesa da democracia se coloca, em primeiro lugar, no fortalecimento da moral social39.

1.3 - Igualdade e Democracia

Fechando as discussões sobre liberdade, passamos para a igualdade. Aquela que o economista austríaco defende é a igualdade perante a lei, estabelecida pelas normas legais e de conduta gerais, que considera ser a única que conduz à liberdade, e a única possível de obter sem destruir a liberdade. Apesar de reconhecer que de fato a liberdade produz desigualdade, Hayek a justifica enfatizando as diferenças entre os indivíduos, e que essas diferenças não justificam que os governos os tratem de maneira diferente. Um dos aspectos mais característicos da espécie humana é a ilimitada diversidade da sua natureza. Nos tempos atuais essas diferenças congênitas são minimizadas ao atribuir à influência do meio todas as diferenças relevantes.40

Não haveria divisão do trabalho caso não se admitisse o princípio da desigualdade. Se acreditamos que os homens são iguais, a divisão do trabalho é inadmissível - como vimos, Smith a considerava o pilar do desenvolvimento.41

O receio de Hayek com igualdade está situado na tradição clássica, como Grondona mostra ao discutir igualdade e liberdade em Tocqueville. O pensador francês, enquanto sociólogo, vê a igualdade como um fato, e como ideólogo busca salvar a liberdade diante do movimento em busca da igualdade. A solução americana para Tocqueville está no federalismo, proliferação de associações voluntárias e na liberdade de imprensa.42 Para Hayek:

Do fato de que as pessoas são muito diferentes segue-se que, se dispensarmos a todas tratamento igual, o resultado será a desigualdade das suas posições reais, e que a única maneira de colocarmos essas pessoas em posição de igualdade seria dispensar­lhes tratamentos diferenciados. Igualdade perante a lei e igualdade material não são, portanto, apenas categorias diferentes, mas mesmo conflitantes; podemos obter uma ou outra, mas não as duas ao mesmo tempo. A igualdade perante a lei, que a liberdade exige, conduz à desigualdade material.43

Ainda de acordo com Hayek:

Uma consequência necessária disso - contraditória apenas na aparência - é que essa igualdade formal perante a lei conflita e é de fato incompatível com qualquer atividade do governo que vise a uma igualdade material ou substantiva intencional entre os diferentes indivíduos, e que qualquer política consagrada a um ideal substantivo de justiça distributiva leva à destruição do Estado de Direito.44

Nesse sentido, um instituto frequentemente atacado pelos defensores do igualitarismo é a herança. Apesar do consenso geral de que a família é instrumento útil para a transmissão de tradições morais, gostos e conhecimentos, sua função como transmissão da propriedade material é frequentemente hostilizada. Contudo, aquela função só é possível pela continuidade de padrões e de formas de vida, que só será possível permitindo a transmissão de propriedade. Hayek complementa argumentando que algumas pessoas nascerem em uma família rica não representa maior injustiça do que o de outras terem pais carinhosos ou inteligen tes. A função da família inclui, além da transmissão de modelos e tradições, a possibilidade de transmitir bens materiais. A sociedade não estaria mais bem servida com a limitação do progresso material a uma única geração.45 Walter Block, pensador americano, também faz uma defesa do herdeiro:

São o herdeiro e a instituição da herança que se põem no caminho entre a civilização tal qual a conhecemos e um mundo em que não seja permitido que qualquer talento ou felicidade frustre a igualdade. Se a individualidade e a civilização forem prezadas, o herdeiro será colocado sobre o pedestal que, afortunadamente, merece..46

Finalizando a questão em torno da igualdade, o pensador austríaco traz um argumento interessante contra os defensores do igualitarismo, dizendo que os países se tornarão cada vez mais xenófobos e anti-imigração, uma vez que um imigrante novo corresponderá a um gasto para o sistema de bem-estar social.47 Nesse ponto, Hayek mostra uma vantagem da riqueza de uma minoria que beneficia os pobres, fazendo uma comparação com as relações internacionais. Hoje é possível que as nações menos desenvolvidas alcancem em poucas décadas o progresso que custou séculos para o Ocidente. Dificilmente este caminho seria tão curto se o Ocidente não tivesse sido permitido se desenvolver desigualmente.48

Não há, por outro lado, qualquer evidência prima facie para o atual argumento de que a justiça requer mais igualdade de condições materiais. Justiça significa proporção. Para o individualista, a justiça requer recompensa pessoal proporcional ao esforço pessoal; e para o socialista, a justiça requer recompensa pessoal proporcional aos serviços recebidos pela comunidade. Parece razoável, portanto, negar simultaneamente que nossa sociedade atual seja justa, e que a justiça deva ser alcançada pela equiparação das rendas.49

Passando para a democracia, Hayek faz uma comparação entre o movimento democrático e o liberal. Vê como ponto de interseção o que considera a consequência lógica da igualdade perante a lei, ou seja, a exigência de que todos os homens tenham a mesma participação na elaboração da lei. Quanto às diferenças, o liberalismo visa, sobretudo, limitar os poderes coercitivos dos governos, enquanto aos democratas o único limite aceito é a opinião corrente da maioria. O oposto de liberalismo é totalitarismo, enquanto o de democracia é autoritarismo.50 O liberalismo é visto como uma doutrina que define as características da lei e a democracia como uma doutrina que define o método no qual as leis são aprovadas.

A relação entre democracia e liberdade é um ponto controverso dentro da tradição liberal. Segundo Grondona, Rawls tem uma posição mais compromissória, e oferece uma proposição de democracia que guarda alguns resquícios de mercado:

Qual seria, então, a fórmula para essa convivência? Primeiro, uma base política do pacto liberal, depois que o sistema econômico mantenha resíduos liberais importantes: algo da propriedade privada e da competição. O socialismo não pode avançar até eliminar totalmente os elementos liberais na economia51.

Hoppe, um libertário mais radical, por outro lado, ao mesmo tempo em que critica Hayek por ser leniente com a democracia, possui uma teoria extremamente crítica desta, ressaltando sua incompatibilidade com a liberdade e o livre mercado:

O que distingue uma democracia de uma autocracia, monarquia ou oligarquia não é que a democracia signifique liberdade enquanto os outros significam agressão. A diferença entre eles reside unicamente nas técnicas utilizadas para administrar, transformar e canalizar a resistência popular alimentada pelo desejo frustrado de poder. O autocrata não permite que a população influencie a política por qualquer meio regular formalizado, muito embora ele também deva prestar atenção à opinião pública a fim de firmar a sua existência. Portanto, um autocrata é caracterizado pela ausência de um mercado institucionalizado para potenciais detentores do poder. Por outro lado, uma democracia tem exatamente esse tipo de instituição. Ela permite que as maiorias, formadas de acordo com certas regras formalizadas, influenciem mudanças regulares na política. Consequentemente, se o frustrado desejo de poder se tornar mais tolerável quando houver um mercado para ele, haverá então menos resistência ao governo democrático do que em relação ao poder autocrático.52

Para Hayek, a democracia é um meio e não um fim. Ao questionar a relação entre ampliação do sufrágio com democracia, cita o exemplo de que seria coerente, pelo ideal democrático, vetar o voto aos funcionários públicos e aos que vivem de benefícios governamentais. Na mesma tradição se encontra Ludwig von Mises. Para Grondona:

[Mises] não adota a democracia como um princípio, mas a aceita como uma restrição inevitável à ação humana. Não posso agir de maneira contrária ao que as pessoas creem. (...) A democracia aparece como uma realidade política. O que existe é algo que as pessoas preferem. A atitude de Von Mises é quase uma resignação à democracia.53

Explicando alguns problemas democráticos, Hayek manifesta bastante preocupação com o que considera um legislativo onipotente, afirmando também que quando tem essa característica, o poder legislativo se torna extremamente frágil, por ter necessidade de comprar apoio .54

Agora, um parlamento que se preocupa tanto com a Legislação quanto com o Governo simplesmente não tem conseguido autolimitar-se. Isso é o indício da onipotência dos atuais parlamentos. E essa a sua fraqueza - é o que conduz à tremenda dependência em que ficam dois grupos organizados de interesses.55

Consoante tal preocupação, o pensador austríaco propõe a existência de duas Câmaras, uma destinada a legislar e outra a administrar. Essa poderia seguir o arranjo atual, enquanto a outra deveria ter um mandato de 15 anos, sem reeleição, com renovação gradual e eleita apenas com a idade de 45 anos, e com o voto de pessoas com o mesmo mínimo etário.56 Paim mostra uma ideia similar no pensamento de Constant.

(...) Benjamin Constant propõe como modelo institucional de Estado, na sua época, a monarquia constitucional de governo representativo, embrionariamente parlamentarista e bicameral. Ao lado de uma câmara representativa da opinião popular e periódica, outra de duração longa, incumbida não apenas de frear o progresso, como se imaginaria hoje, mas de evitar retrocessos na marcha segura e pacífica para maior liberdade e igualdade.57

Uma mudança vista em muitos pensado- res ocorre na percepção do Estado com a difusão da democracia. Enquanto antes o objetivo era restringir a autoridade do governo e limitar seus gastos, quando o poder se encontra nas mãos do povo, muitos não enxergam com tanta urgência a necessidade de limitá-lo58 Hayek, em sua visita ao Brasil, afirmou que um grande problema da democracia é a legitimação do governo, pois muitos acham que são desnecessárias as restrições ao poder, já que é exercido pela maioria.59.

Mesmo com as ressalvas apresentadas, o pensador austríaco oferece justificativas que considera válidas para a democracia: (i) é o único método pacífico de mudanças; (ii) é uma garantia da liberdade individual; (iii) promove maior entendimento dos assuntos públicos pela população.60

Creio que a frustração que sentimos não se deve aos princípios da democracia, mas às tentativas de aplicá-la erradamente. Espero poder resguardar os verdadeiros ideais democráticos explicando o erro que cometemos e mostrando como evitar as consequências nocivas de nosso equívoco.61

Pierre Manent oferece outras comparações entre liberalismo e democracia:

Não é certo que seja assim, mas é necessário: a ideia democrática da soberania e a ideia liberal da lei são contraditórias no que cada uma tem de positivo, mas perfeitamente compatíveis no que têm de negativo. Dispõe de uma matriz negativa comum: o homem não tem finalidade ou finalidades inscritas em sua natureza, o elemento da ação humana não é o bem ou os bens. As duas definições, a democrática e a liberal, assumem alternadamente a dianteira, acentuando ora a soberania da vontade coletiva, ora a liberdade legal dos indivíduos. Essa compatibilidade contraditória das duas definições contribui para explicar por que nossos regimes democráticos e liberais são, ao mesmo tempo, extraordinariamente estáveis e passíveis de mudanças sociais perpétuas e rápidas.62

1.4 - Ordem de Mercado e Grande Sociedade

A ordem de mercado para Hayek é o processo responsável pela melhoria do padrão de vida e enriquecimento da sociedade. O processo de elevação do padrão de vida, que se dá por meio do aumento do conhecimento, inicialmente é produzido para uma minoria que pode bancar seus altos custos de produção, estando algum tempo depois acessível para todos. Esse processo pode ser observado hoje nos produtos de tecnologia, viagens aéreas, carros, dentre outros.63

Se, hoje em dia, nos Estados Unidos ou na Europa Ocidental, as pessoas relativamente pobres podem dispor de um carro ou de uma geladeira, viajar de avião ou ter um rádio, ao custo de uma parcela relativamente pequena de suas rendas, isso se tornou possível porque, no passado, existiram outros, cujas rendas eram mais elevadas, que podiam gastar no que, então, era considerado um luxo. O caminho do progresso é bastante facilitado pelo fato de já ter sido trilhado por outros.64

O capitalismo, o acúmulo de capital e a contínua criação de conhecimento fizeram a sociedade contemporânea progredir materialmente a tal ponto que a pobreza pode ser considerada um conceito relativo, e não absoluto. É possível comparar a qualidade de vida de um pobre num país desenvolvido atual com a de um rei na Idade Média. "E o trabalhador não é lesado, já que, numa sociedade assim definida e estimulada pela produtividade do trabalho e pelo direito individual de propriedade, a situação de um agricultor, segundo o exemplo de Locke, é mais confortável do que a de um rei indígena na América”.65

O pensador austríaco66 rebate o mito de que o aparecimento do proletariado surgiu de um processo de expropriação. Antes do surgimento do capitalismo moderno a maioria das pessoas só podia sobreviver e criar uma família se herdasse tanto terras quanto uma forma de cultivá-las. Se o capitalismo criou o proletariado, o fez permitindo que multidões que não poderiam viver anteriormente sobrevivessem. A liberdade do assalariado depende de uma sociedade competitiva. Na sua ausência haveria um único empregador, o Estado, que disporia de poder ilimitado para coagir o indivíduo.

Ninguém sofre necessidade na economia de mercado pelo fato de algumas pessoas serem ricas. As posses dos ricos não são a causa da pobreza de ninguém. O processo que torna algumas pessoas ricas é, ao contrário, o corolário do processo que aumenta a satisfação das necessidades de muitos. Os empresários, os capitalistas e os tecnólogos prosperam na medida em que melhor atendem aos consumidores.67

No campo político, o domínio do governo pelos assalariados causa a adaptação da legislação às suas necessidades, de forma que ser assalariado será cada vez mais atraente. Por estarem acostumados com a garantia de uma renda fixa, aumentos mais ou menos automáticos e aposentadoria, os assalariados isentam-se de algumas das responsabilidades da vida econômica e acreditam que as dificuldades resultantes do declínio ou falência de uma empresa não são de sua responsabilidade, mas de outros. Assim, o conceito de justiça vai sendo aplicado às suas necessidades, enquanto tudo que diz respeito à posse e ao emprego de capital passa a ser considerado interesse particular de um pequeno grupo de privilegiados.68 Essa situação piora quando há um grupo grande de funcionários públicos, pois os privilégios que possuem passam a ser reivindicados pelos demais assalariados, como garantia de estabilidade e de promoção automática por tempo de serviço.

Hayek, apesar da hostilidade atual contra tal ideia, defende a existência de pessoas muito ricas que não trabalham. Lembra que muitas atividades não econômicas tiveram como pioneiras essas pessoas, que podiam dedicar tempo e dinheiro a atividades não pautadas por interesses materiais. Além de sua importância para o desenvolvimento econômico, eles se destacam no campo do pensamento e da opinião, dos costumes e das crenças.69

Os empresários empregam os bens de capital tornados disponíveis pelos poupadores para a satisfação mais econômica das necessidades mais urgentes dentre as necessidades ainda não satisfeitas dos consumidores. Junto com os tecnólogos, na busca de aperfeiçoar os métodos de processamento, os empresários, próximos aos poupadores, desempenham papel ativo no curso dos acontecimentos, o que é chamado de progresso econômico. O resto da humanidade aproveita das atividades dessas três classes de pioneiros. Mas, quaisquer que sejam suas ações, eles apenas se beneficiam das mudanças para as quais nada contribuíram70.

A atitude dos pensadores em relação ao progresso é ilustrativa da mudança de entusiasmo ingênuo para desilusão profunda. Essa mudança pode ser vista também no meio cultural, tanto em obras literárias quanto pelo cinema, que passaram a tratar de futuros distópicos ao invés de utópicos. Apesar de recomendar cuidado com o entusiasmo pelo progresso, o pensador austríaco lembra que não se deve esquecer de todo o progresso da humanidade, que nos últimos três mil anos criou quase tudo o que é característico da existência do homem, abandonando a vida de caçador­coletor71. Paim oferece uma explicação para tal visão sobre o progresso.

(...) ao mesmo tempo em que de fato alargava a camada enriquecida e expandia sucessivamente os benefícios resultantes da difusão do saneamento básico e dos progressos da medicina, a sociedade industrial - presumivelmente pelo contraste que estabelecia - fazia sobressair a pobreza. Tocqueville parece ter sido o primeiro a advertir para semelhante paradoxo.72

Ao progresso citado por Hayek, merece ser comparado o defendido por Robert Nozick (1908-2002). Nas palavras de Grondona:

Nozick também admite a ideia de progresso moral, que existe porque, com o passar do tempo, aquilo que antes admitíamos não admitimos mais. Vamos constatando que é imoral algo que parecia moral. Aristóteles, por exemplo, defendeu a escravidão, algo que hoje é inadmissível. Hoje cresce a consciência de que a guerra é imoral. Há uma série de percepções que começam a difundir-se em um certo momento, e não se tolera mais que algo continue como era antes. Isso quer dizer que há um progresso da consciência moral, que vislumbra horizontes cada vez mais amplos, ainda que não os possa alcançar73.

O efeito moral da ordem de mercado é explicado por Manent corno um abrandamento dos costumes, uma vez que pelo comércio os membros da sociedade aprenderam a se conhecer e perder preconceitos de grupo ou nacionalidade. Nesse sentido, Montesquieu viu a expansão do comércio na Europa corno o fato que obrigou os príncipes e os Estados a se curarem do maquiavelismo.74

Dentro da ordem de mercado, um termo que gera frequentemente confusão é o de "economia". No sentido estrito e original, consiste num complexo de atividades pelo qual um dado conjunto de meios é distribuído entre fins competitivos, de acordo com um plano unitário e segundo sua importância relativa. O que chamam comumente de "economia" é na verdade uma rede de muitas economias compartilhadas. Hayek propõe o uso do termo catalaxia para designar o sistema de numerosas economias inter-relacionadas que constituem a ordem de mercado.75

A sociedade livre substituiu fins concretos obrigatórios por normas abstratas de conduta. Na catalaxia, diferente de uma sociedade planejada, o indivíduo é estimulado a contribuir para a satisfação de necessidades alheias sem ter conhecimento delas. Dessa forma, a coesão social é mantida pela catalaxia. Esta permite a concordância da sociedade nos meios, sendo desnecessária a concordância em relação aos fins. As ordens sociais que buscam um consenso nos fins frequentemente resultam em desagregação do tecido social e perda dessa coesão. O objetivo do governo não pode ser, portanto, buscar o máximo de resultados particulares, mas garantir uma ordem abstrata que permita aos particulares alcançarem seus próprios fins.76 É importante destacar que, na esteira do pensamento liberal, a não exigibilidade de algo pelo Estado não implica na sua desnecessidade, corno esclarece Grondona.

Alguns liberais contemporâneos creem que não há por que fazer aquilo que o Estado não obriga, o que revela que no fundo são estadistas (sic). O que o Estado não obriga é o ponto de partida de nossa atividade moral; deve mover-nos a agir ainda mais para que a nossa sociedade seja benévola. Esse era o espírito do liberalismo clássico.77

Para o pensador austríaco, uma política que faça uso das forças espontaneamente ordenadoras não pode buscar um máximo conhecido de resultados particulares. Deve, na verdade, aumentar para qualquer pessoa a probabilidade de que o efeito global de todas as mudanças exigidas por essa ordem seja aumentar suas oportunidades de alcançar os próprios fins.78

Da mesma forma, Jesus Huerta de Soto79 concorda que o conceito de justiça foi alterado. Ao analisar as situações pelo resultado e não pelo comportamento de cada indivíduo, aplicação objetiva do direito vira a tornada de decisões jurídicas baseadas em impressões subjetivas e emotivas. Essa mudança mina a segurança jurídica e incentiva na sociedade o desejo de litigar. Pode-se traçar um paralelo com a reclamação frequente dos dias atuais da sobrecarga de trabalhos do judiciário.

Hayek termina a defesa da ordem de mercado com um raciocínio similar ao de John Rawls (1921-2002) ao falar do véu da ignorância:

Nossas considerações nos levam, pois, a concluir que deveríamos considerar como a ordem social mais desejável aquela que escolheríamos se soubéssemos que nossa posição inicial seria nela decidida exclusivamente pelo acaso (como o fato de termos nascido numa determinada família). Como a atração que esse acaso exerceria sobre qualquer indivíduo adulto dependeria provavelmente das habilidades, aptidões e gostos que ele já tivesse adquirido, pode-se expressar isso dizendo que a melhor sociedade seria aquela em que preferiríamos colocar nossos filhos se soubéssemos que a posição que estes teriam seria determinada pela sorte. É provável que pouquíssimos preferissem, nesse caso, uma ordem estritamente igualitária80.

Para Hayek, o socialismo e o nacionalismo são comparáveis com a ética da sociedade tribal. A história da evolução do direito se deu pela emergência gradual de normas de conduta justas e universalmente aplicáveis. Seu desenvolvimento recente, por outro lado, foi a destruição da justiça pela justiça social, a substituição das normas de conduta justa por normas de organização.81 Hayek adota os conceitos de sociedade tribal de seu amigo Karl Popper (1902-1994), como Grondona explica:

Há dois tipos de sociedade. A primeira é a sociedade tribal, na qual as leis da sociedade são tidas como se fossem leis da natureza. Por exemplo, o nomos, na tribo, é a physis, por isso suas disposições são absolutas: o homem está impedido de sair delas ou de muda-las. O destino da organização social é inexorável, nele o homem está totalmente mergulhado. A segunda sociedade, surgida na Grécia, é a sociedade aberta, onde o nomos se distingue da physis e as regras se debatem, discutem. A sociedade aberta é um âmbito para a realização de cada um de nós como indivíduo livre e responsável.82

Hayek conclui que a grande sociedade foi responsável por abolir a pobreza absoluta, que é apenas agravada pelos empenhos em realizar a justiça social. A busca pelo lucro beneficia mais pessoas do que o empenho em satisfazer necessidades de pessoas conhecidas.83 Com esse breve panorama do pensamento de Hayek, podemos passar para a análise da justiça social e a relação do autor com esta.

II - JUSTIÇA SOCIAL E SUA NEGAÇÃO

Feitos estes comentários iniciais sobre Hayek, podemos partir para a análise do seu estudo sobre justiça social. Podemos ver as primeiras utilizações do termo ainda no século XVIII, nos escritos de Edward Gibbon (1737-1794), mesmo este usando-o com significado diverso do atual. O significado contemporâneo vem do socialista William Godwin (1756-1836), que descrevia a justiça política nas bases da moderna justiça social: "Na nossa definição de justiça, a nossa dívida com nossos irmãos se estende a todos os esforços que poderíamos fazer para seu bem-estar, e todo alívio que poderíamos oferecer para suas necessidades ".84

O primeiro a usar a expressão 'justiça social' com o seu atual significado foi o filósofo jesuíta Luigi Taparelli D'Azeglio (1793- 1862) em 1840. Diz o jesuíta que "a justiça social é para nós a justiça entre homem e homem". Tem por finalidade aquilo que lhe é devido simplesmente pela sua condição humana.85 Tal influência cristã seria difundida por Antonio Rosmini (1797-1855) em sua obra A constituição segundo a justiça social, e consolidada como expressão legítima da doutrina social católica por Pio XI.

A inserção do conceito em análise no liberalismo começa com John Stuart Mill (1806- 1873), que entende ser função da justiça social a distribuição de bens.86 Para esse novo liberalismo, a justiça social seria sinônimo de justiça distributiva. Esta deixa de ser apenas uma virtude moral individual, e passa a ser um critério para se julgar uma situação social.

A justiça social é caracterizada como igualdade, devendo ser introduzida por medidas indiretas do Estado que respeitem as liberdades individuais e o processo legislativo. Trata-se de uma igualdade reformista e não revolucionária, que atende à mecânica do Estado liberal-democrático, uma igualdade de oportunidades e não de resultados, que tem como principal agente o Estado.

Para o marxismo a justiça social é a imposição revolucionária de uma igualdade material pelo Estado.87 O critério de repartição de riquezas é expresso pela máxima "De cada um segundo sua capacidade, e a cada um segundo as suas necessidades".

Uma nova mudança no paradigma da justiça social surge com John Rawls em sua obra Uma Teoria da Justiça, que passa a tratá­la de forma procedimental. Os princípios de justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do contrato social.88 A ideia deste é criar uma situação hipotética destinada a estabelecer um princípio de justiça social, a partir da decisão racional que cada pessoa tomaria na posição original, atrás de um véu da ignorância.

Surgiu no final do século XX uma crítica a essas concepções, no que Ubiratan de Macedo chama de "justiça social processual".89 Baseada no individualismo metodológico, entende que só as ações dos indivíduos podem ser avaliadas moralmente, criando uma forte conexão entre tal definição e a economia de mercado. Sendo a sociedade um tipo de processo involuntário, esse processo social apenas permite uma forma de justiça social, aquela que se resume a observar regras gerais de comportamento. Essa escola rejeita qualquer pretensão que vá além de meras regras processuais de conduta pública e econômica, sendo a única igualdade admitida a de oportunidades.

Dentro das Nações Unidas o uso da justiça social se tornou hegemónico. Depois de afirmar que o termo se tornou central nas socialdemocracias, o documento90 associa esta forma de justiça à distributiva, e recomenda o seu desenvolvimento junto com a agenda de direitos humanos.

2.1 - De Pio XI a Hayek

A encíclica Quadragésimo Ano (1930) de Pio XI introduz a justiça social na Doutrina Social da Igreja Católica. O §125 do documento diz, por exemplo, que a justiça social juntamente com a caridade são os princípios da reforma social. A encíclica Divini Redemptoris de 1937 define a justiça social nas seguintes palavras: "É precisamente próprio da justiça social exigir dos indivíduos quanto é necessário ao bem comum".91 Surge o debate sobre em qual tipo de justiça esta se enquadraria, ou se seria uma completamente nova.

A primeira vertente entende se tratar de uma nova espécie de justiça, necessária aos novos tempos. Alguns defensores de tal posição foram Bernard Haring (1912-1998) e Johannes Messner (1891-1984). Para eles, a justiça social trata de obrigações naturais anteriores e superiores a qualquer grupo. A segunda posição reduz a justiça social à geral ou legal. Encontra seus proponentes em Jacques Leclecq (1891-1971), Louis Lachance (1899-1963), M. S. Gillet (1875-1951), Georges Renard (1876-1943), Jean-Yves Calvez (1927- 2010) e Joseph Hoffner (1906-1987). Por não ser uma obrigação estrita sem a definição pelo direito positivo, falta uma resolução ao problema da distribuição de bens. A terceira vê a justiça social como a justiça geral ou legal, mais a distributiva. Alguns de seus teóricos são E. Welty (1909-2001), Jeremiah Newman (1926-1995) e Teófilo Urdafí.oz (1912-1987). Mesmo resolvendo os problemas de interpretação, sobram ainda os de obrigatoriedade.92 Assim, de maneira geral, a justiça social para a doutrina católica é uma virtude ou uma regra interna de perfeição moral, e não um estado de coisas, de forma que se trata de uma teoria processual ou procedimental.93

Uma vertente discrepante do pensamento católico é aquela da Teologia da Libertação e Teologia da Revolução, que enxerga a justiça social como um estado futuro da sociedade, em função da qual se deve criticar a ordem vigente para transformá-la revolucionariamente.

Hayek vê a teologia católica que incorporou a meta da justiça social como parte de sua doutrina oficial de forma mais crítica. Entende que o clero, ao perder a fé numa revelação sobrenatural, buscou consolo numa nova religião 'social' para substituir uma promessa celeste de justiça por outra temporal.94

A justiça social passa nas encíclicas do papa João Paulo II a segundo plano, atrás da solidariedade. Ao mesmo tempo, a Doutrina Social Católica perde seu caráter político para voltar a ser teologia. Ao invés de um programa concreto de políticas públicas, a justiça social da Igreja é entendida como um ideal moral.

Saindo da tradição cristã para a liberal, pode-se observar nesta duas correntes sobre a justiça social. O social-liberalismo e a socialdemocracia defendendo uma forma de igualdade de resultados e os herdeiros do liberalismo clássico, ou libertários, partidários da igualdade de oportunidades e uma justiça social procedimental.95 O primeiro grupo vê a justiça social como definida por A. M. Honoré, em 1962:

A asserção de que todos os homens considerados simplesmente homens, sem se levar em conta sua conduta ou escolha, têm direito a uma parcela igual de todas essas coisas, aqui chamadas de vantagens, que são desejadas por todos e propiciam de fato o bem-estar.96

Para eles, a justiça social é a descrição de um estado de coisas, caracterizada por uma situação de mínima desigualdade. Após Rawls, a solução para definir tal estado seria a concepção de que homens e mulheres racionais escolheriam imparcialmente sob um véu da ignorância um único sistema distributivo.

Grondona aponta que apesar de Rawls defender uma igualdade de oportunidades com diversas intervenções estatais para gerá­la, não imagina um estado de igualdade de resultados. No conflito entre igualdade e liberdade, esta prevalece.97

A segunda vertente, encontrada em Hayek e Nozick, partindo do individualismo metodológico e ético, entende que apenas uma conduta [propriamente] humana pode ser justa ou injusta, jamais um processo social ou padrão de distribuição de renda. Ambos têm em comum uma visão processual de justiça social, em que as regras gerais de justiça a constituem, e não os resultados da interação social. Também partem do pressuposto da concepção da sociedade como uma ordem não planejada, resultante de múltiplas interações individuais, donde se segue impossível a existência de objetivos comuns à sociedade humana, anteriores e superiores à sua existência. Por fim, criticam a distinção entre produção e distribuição feita pelos teóricos da justiça social, por entenderem que esta é apenas mental.98

Nozick, ao criticar a justiça distributiva, faz uma distinção entre princípios históricos e de resultado. O primeiro diz respeito a uma distribuição justa ou não dependendo de como ocorreu no passado, enquanto no segundo a distribuição de bens em uma sociedade é justa dependendo da maneira como são agora distribuídos. A segunda distinção se dá entre princípios padronizados e não padronizados de justiça. Nessa definição, a teoria de Nozick é histórica e não padronizada.99 Parte do pressuposto de que a sociedade já existe e não está fazendo um trabalho de engenharia social. Seus princípios históricos são: a) justa aquisição inicial, sem fraude ou uso da força; b) justa transferência, sem fraude ou recurso à força; c) justificativa de todas as propriedades pelos dois princípios anteriores; d) princípio da retificação, no qual a autoridade provocada restabelecerá a titularidade justa.

Grondona explica que, para Nozick, não pode haver redistribuição porque nunca houve distribuição. Toda distribuição é justa se cada um obtiver o que pode por meio de um título justo. Os títulos adquiridos ilegitimamente seriam resolvidos pelo princípio da reparação, devolvendo ao legítimo proprietário.100

2.2 - Normas de Conduta Justa, Lei e Justiça

Antes de começar o seu trabalho de negação da justiça social, Hayek discute e problematiza os conceitos de bem-estar geral, normas de conduta justa, direitos e igualdade. Conforme a tradição liberal levantada no primeiro capítulo, a coerção de indivíduos só é permitida quando necessária à consecução do bem-estar geral ou do bem comum. Este conceito, contudo, sofreu considerável elasticidade durante o último século, de modo que praticamente qualquer interesse pode hoje ser declarado como geral. O bem-estar geral que o governo deve visar não é o somatório das satisfações particulares dos diferentes indivíduos, uma vez que estas não são e nem podem ser conhecidas pelo governo ou por quem quer que seja. 101

Uma ordem definível apenas por certas características abstratas auxilia na consecução de uma multiplicidade de fins, de modo que o melhor método de cooperação exige acordo quanto a meios, e não quanto a fins. As instituições que constituem a base da sociedade brotam da ação humana espontânea e não de um planejamento deliberado. A lei para o autor é natural e não fabricada ou consequência da vontade de governantes.102 Elas são orgânicas e fruto de um processo de descoberta do conhecimento e tentativa e erro. Somente a experiência mostrará qual é a solução mais prática para os diversos conflitos.103''.As características principais dos sistemas legais um pouco mais desenvolvidos são semelhantes, a ponto de parecerem meras elaborações daquilo que David Hume definiu como três leis fundamentais da natureza: a lei da estabilidade da posse, da transferência por consentimento e do cumprimento das promessas ".104

O pensador austríaco entende que na criação da lei o legislador não tem conhecimento dos casos particulares aos quais suas normas se aplicarão, e o juiz que as aplica não tem escolha ao derivar suas conclusões do ordenamento jurídico vigente. A lei, dessa forma, não deve apontar qualquer fato particular ou especificar grupos de pessoas específicas.105

Hayek rejeita a ideia de que qualquer conflito deva ser decidido segundo o modo mais prático na opinião daquele que pode apreender todas as consequências da decisão. Poucas ideias são mais perigosas do que uma norma só ser obrigatória se o efeito benéfico de sua observância puder ser reconhecido no caso concreto. As normas de conduta vigentes na sociedade não são, portanto, intencionalmente criadas para produzir benefícios particulares previstos para pessoas particulares; são instrumentos polivalentes que se desenvolveram como adaptações a certos tipos de ambiente por auxiliarem a enfrentar certos tipos de situação. Assim, o bem-estar geral a que servem as normas de conduta individual consiste na ordem abstrata do todo que não visa à obtenção de resultados particulares conhecidos, mas em auxiliar a perseguição de grande variedade de propósitos individuais.106

Em um mundo de incerteza, os indivíduos devem ter como objetivos não os fins últimos, mas os meios que possam ajudá-los a alcançá-los. Numa sociedade evoluída o meio generalizado para a obtenção da maioria dos fins particulares será o dinheiro107. Por meio dessa escolha de objetivos imediatos, o indivíduo irá usar seu conhecimento particular dos fatos para atender às necessidades dos seus semelhantes e, portanto, processar a utilização do conhecimento disperso por toda a sociedade.

Passando a discussão sobre direitos e justiça, Hayek108 chama de normas de conduta justas as que independem de fins e servem para a formação de uma ordem espontânea. Em sua terminologia, usa o termo nomos, e o opõe às normas dependentes de fins, próprias da organização.

A primeira distinção é entre justiça e legislação criada pelo governo. Apenas a conduta humana pode ser considerada justa ou injusta. Não faz sentido para Hayek qualificar uma situação factual como justa ou injusta, a menos que se acredite que alguém poderia ou deveria ter disposto as coisas de maneira diferente109. Uma vez que apenas aquilo que está sujeito ao controle humano pode ser justo, cria-se um desejo de tornar algo justo ao sujeitá-lo ao comportamento humano. Nota-se, contudo, que tal procedimento pode ser ele próprio injusto, principalmente quando estão envolvidas as ações de outro ser humano.

São incompatíveis com a ordem espontânea as normas que determinam qual deve ser a posição de um indivíduo. Como visto, as normas de conteúdo individual determinam apenas algumas propriedades abstratas da ordem resultante, não seu conteúdo particular. Assim, os elementos de uma ordem espontânea não podem ser justos ou injustos, de forma que a chamada justiça social apenas faz sentido numa organização ou ordem planejada110.

A lei consistente em normas de conduta justa ocupa uma posição que torna desejável conferir-lhe um nome distinto (nomos) e marcar a diferenciação de outras determinações chamadas de lei. Hayek finaliza a distinção entre justiça e legislação dizendo que para preservar a sociedade livre, apenas a parte do direito constituída por normas de conduta justa, como o direito privado e o penal, deve ser obrigatória para os cidadãos.111

Em seguida, propõe-se a tarefa de definir o conteúdo das normas de conduta justa. As características necessárias das normas de conduta justa que constituem o fundamento de uma ordem espontânea são: (i) seu caráter negativo, no sentido de proibirem determinados tipos de ação; (ii) terem o fim de proteger domínios definíveis onde cada indivíduo é livre para agir; (iii) a possibilidade de poder verificar se uma norma particular possui esse caráter aplicando a generalização.112 Para o economista austríaco é possível tratar todas as normas de conduta justa como tendo caráter negativo.

A definição de justiça como uma série de obrigações negativas não é uma tese nova. Marca sua aparição em Heráclito e é claramente enunciada por Aristóteles em sua Ética a Nicômaco. Na Idade Moderna torna-se central em David Hume, Immanuel Kant e Adam Smith, para quem as normas de conduta justa estão a serviço, sobretudo, da delimitação e proteção de domínios individuais, também aparece em Rousseau e em juristas como Savigny. No século XIX esta visão de justiça foi defendida principalmente por Arthur Schopenhauer e Frédéric Bastiat, além de outros autores no século seguinte.113

Hayek considera que as normas tendem a evoluir de hábitos inconscientes da sociedade para proposições expressas de caráter geral e abstrato. A transição do costume específico para a lei ilustra aquilo que define como caráter abstrato da verdadeira lei.114

As normas de conduta justa não proíbem todas as ações danosas aos demais, nem podem proteger todos os interesses, mas somente as chamadas expectativas legítimas. Devem poder dizer sob que condições determinadas ações são permitidas. Em outras palavras: não conferem direitos a pessoas específicas, mas formulam condições nas quais esses direitos podem ser adquiridos.115

Fechando o conceito de normas de conduta justa, o próximo passo é discutir critérios de justiça e sua relação com o positivismo jurídico. Por depender de circunstâncias factuais, não é possível avaliar a justiça da aplicação de uma norma pelo resultado produzido num caso específico. Não é papel da justiça se ocupar das consequências não pretendidas de uma ordem espontânea, uma vez que as normas de conduta justa servem para evitar conflito e facilitar a cooperação.116

A ausência de critérios positivos de justiça, que para o pensador austríaco possui critérios negativos do que é injusto é considerada como algo benéfico. Significa que o esforço está não em construir um sistema inteiramente novo, mas em eliminar o injusto. Busca-se aqui menos a engenharia social, e mais a evolução espontânea da sociedade. Em direção oposta vem o positivismo jurídico. Ao demonstrar que não há critérios positivos de justiça, tirou a conclusão que não poderia haver quaisquer critérios objetivos de justiça. Hayek critica tal abordagem como um erro, por considerar que critérios objetivos de justiça devem ser critérios positivos.117

E Constant, como vimos, já a invertera, ao mostrar que os inimigos do liberalismo eram, de fato, puramente críticos ou polêmicos, que suas referências aparentemente positivas eram anacronismos, e que eles não dispunham de princípios positivos verdadeiros para opor séria e sinceramente ao individualismo liberal.118

O cerne da doutrina positivista está na ideia de que apenas a lei deliberadamente feita é uma lei real. Assim, o positivismo buscou acabar com a distinção entre normas de conduta justa e normas organizacionais. Estes esforços tiverem por finalidade desacreditar a concepção de justiça como padrão para a determinação do conteúdo do direito.119

O positivismo também foi responsável pela mudança na forma de legitimação da coerção. O entendimento liberal até então era da coerção sendo legítima para fazer cumprir normas universais de conduta justa que fossem igualmente aplicáveis a todo cidadão. Para o positivismo esta coerção é tão legítima quanto àquela exercida a serviço de propósitos particulares ou quaisquer interesses específicos. Para Hayek, o positivismo é a doutrina do socialismo e da onipotência do poder legislativo por causa de sua insistência nessa concepção de lei. Explica tal associação, pois vê no conceito positivista de lei, o desejo de conseguir completo controle sobre a ordem social e a ideia de que é possível ter o poder de determinar deliberadamente os aspectos dessa ordem.120

A antiga definição de lei foi perdida; passou-se a chamar de lei tudo o que é feito pelo legislativo, e não interessa saber se conta com todos os atributos que outrora caracterizavam uma lei - repito, normas gerais de conduta, idênticas para todos os cidadãos e aplicáveis num número desconhecido de casos futuros.121

O economista austríaco ressalta que não defende um direito natural como na dicotomia clássica entre positivismo e jusnaturalismo. Acredita, ao contrário, em uma visão evolucionista do direito, rejeitando tanto a interpretação do direito como criação de uma força sobrenatural, quanto sua interpretação como sendo uma criação intencional de qualquer mente humanal122.

2.3 - A negação de Hayek

Após destrinchar os conceitos expostos, Hayek parte efetivamente para a negação da justiça social. De forma um pouco diferente do usualmente tentado, entende que não basta mostrar como as tentativas de concretizar uma "justiça social" seriam inexequíveis. Também é necessário mostrar que o próprio conceito inexiste e carece de significado.123

As teorias que diretamente vinculam a justiça social e distributiva ao tratamento dado pela sociedade aos indivíduos na medida do seu merecimento revelam o quanto esta difere da pura e simples justiça, e a vacuidade do seu conceito. A reinvindicação da justiça social é dirigida não ao indivíduo, mas sim à sociedade. Contudo, esta, diferentemente do aparelho governamental, não age com um objetivo específico. Assim, a reinvindicação de fato é que os membros da sociedade se organizem de determinada maneira a possibilitar tal distribuição.124

O grande diferencial da sociedade livre consiste no consenso de meios, que substitui o consenso de fins. A sociedade não tem fins ou objetivos específicos, mas busca possibilitar que os diferentes indivíduos persigam e busquem seus próprios fins, por meio de um consenso sobre os meios.

Não é um fato novo que o uso da justiça social tenha conquistado o debate público. Para se apoiar determinada medida, basta discutir a sua exigibilidade pela justiça social, e não se este é o padrão que deve nortear a ação política, ou mesmo qual seu significado definido.

A dedicação à causa da justiça social tornou-se, com efeito, o principal meio de expressão da emoção moral, o atributo distintivo do homem bom, e o sinal reconhecido da posse de uma consciência moral. Embora as pessoas possam por vezes ter dificuldade em dizer quais das reinvindicações conflitantes apresentadas em nome desse lema são válidas, praticamente ninguém duvida de que a expressão tenha um significado definido, designe um ideal elevado e aponte graves falhas na ordem social vigente a exigir reforma imediata. Mesmo que até há pouco tempo se pudesse procurar inutilmente na vasta literatura uma definição inteligível da expressão, parece ainda que nem as pessoas comuns nem as pessoas instruídas duvidam de que ela tenha um sentido preciso e bem compreendido.125

Ubiratan de Macedo, analisando tal fenômeno, acredita que deveriam ser excluídas as referências ao termo justiça social no uso linguístico, salvo se aplicado em sentido procedimental.126

Esta concepção de justiça atende satisfatoriamente às aspirações socialistas. Apesar de o socialismo clássico ter sido caracterizado pela demanda da socialização dos meios de produção, esta não deixou de ser um meio para a realização de uma distribuição justa da riqueza. Mais tarde, com a opção pela tributação como meio de realização de seus objetivos, a justiça social se tornou sua principal promessa.

Hayek aponta o que vê como a principal diferença entre a ordem social a que visava o liberalismo clássico e o tipo de sociedade em que ela vem agora sendo transformada. Consiste no fato de que enquanto a primeira era regida por princípios de conduta individual justa, a nova sociedade tem por finalidade satisfazer as reinvindicações da justiça social. Ou seja, a primeira exigia ação justa dos indivíduos, enquanto a segunda atribui o dever de fazer justiça às autoridades dotadas do poder de ordenar às pessoas o que fazer127. Mesmo a noção de que a justiça social seria apenas um novo valor moral a ser acrescentado aos que foram consagrados no passado é rejeitada pelo autor austríaco, que defende o contrário, tratando-se de um rompimento com estes valores.

Existem dois problemas diversos sobre a aplicação da justiça social numa ordem de mercado que precisam ser diferenciados. O primeiro trata de apurar se numa ordem econômica baseada no mercado o conceito de justiça social tem algum significado ou conteúdo. O segundo indaga sobre a possibilidade de preservação da ordem de mercado ao mesmo tempo em que lhe é imposta algum padrão de remuneração baseado na avaliação do desempenho ou das necessidades de diferentes indivíduos. Hayek responde de forma negativa para as duas questões.128

Identifica-se aqui um processo de retroalimentação, em que a crença na validade do conceito de justiça social impele a sociedade à criação de padrões de remuneração. Quanto mais dependentes as posições dos indivíduos forem do governo, mais eles insistirão que o governo busque aplicar algum sistema de justiça distributiva. Por fim, quanto mais os governos buscam pôr em prática algum padrão de distribuição, mais submeterão a posição dos indivíduos ao seu controle. Esse ciclo implica na progressiva aproximação ao totalitarismo.

O fato de a justiça social ter um apelo emotivo e se relacionar com a indignação percebida quanto às situações do dia a dia não a torna um conceito menos vazio. A mesma indignação contra injustiças percebidas ocorre em processos onde não há presença de interação humana, como mortes acidentais ou desastres da natureza. As queixas contra o resultado do processo de mercado não mostram quem cometeu a injustiça, quais normas de conduta individuais foram desrespeitadas e contra quem se teria o direito de reparação. Numa ordem espontânea, nem todas as consequências de ações justas ou injustas são pretendidas ou previstas, de forma que os efeitos destas não podem se tornar justos ou injustos. A aceitação da ordem espontânea torna isenta de controle deliberado a recompensa de diferentes grupos e indivíduos.129

É na obra mais recente de Hayek que a análise de Jouvenel tem um paralelo mais notável. No segundo volume de sua trilogia Law, Legislation and Liberty, intitulado "The Mirage of Social Justice", Hayek desenvolve uma crítica devastadora às atuais concepções distributivas, reforçando e estendendo em direções completamente inovadoras o ataque central da análise de Jouvenel. A primeira, e talvez a mais radicalmente original, tese de Hayek, é de que nenhum governo ou autoridade central pode saber o suficiente para ser capaz de conceber ou impor o padrão de distribuição preferido. Isso é verdade, se os princípios de distribuição se referirem à satisfação das necessidades básicas, vinculando recompensas a méritos, realizando a igualdade de recursos ou de bem-estar, ou o que quer que seja. Quaisquer que sejam os princípios da distribuição, o conhecimento necessário para implementá-los, exceto nuns poucos casos-limite, é tão disperso por toda a sociedade, e tão frequentemente em forma tácita ou prática, que geralmente é impossível ao governo reuni-lo de forma utilizável. Essa irreparável dispersão ou divisão do conhecimento na sociedade ergue uma barreira epistemológica insuperável à realização de virtualmente todas as concepções distributivas contemporâneas. 130

A justificativa de muitos teóricos atuais para a ordem de mercado consiste na meritocracia, em relação à qual Hayek expressa profundo ceticismo . Ressalta, contudo, que sem ela dificilmente as pessoas aceitariam grandes diferenças de remuneração, além de ser uma crença motivadora para o indivíduo. Apesar disso, a tradição clássica não partiu dessa justificativa, indo sempre no caminho de que a justiça estava no modo como a concorrência era feita, e não no seu resultado. 131

Hayek faz uma distinção entre o mérito e o valor das ações individuais. O pensador rejeita a noção de que devamos recompensar alguém pelo mérito da sua ação. A recompensa pelo valor, isto é, pela utilidade que representa para outros e pelos seus próprios resultados, é aquela sob a qual se deve pautar a justiça. Não existe relação necessária entre mérito e sucesso.132

É importante nesse contexto fazer uma pequena digressão sobre meritocracia. De forma geral, remete à ideia de que cada um receba de acordo com seu mérito, que decorre de certa forma do esforço, dedicação e inteligência. Muitos libertários associam tal sistema ao funcionamento do mercado. Contudo, é a criação de valor e não o mérito que determina a remuneração. O valor que aquela pessoa consegue adicionar à vida dos demais, não importa se é por esforço, inteligência, sorte, talento natural, herança; quanto mais imprescindível ela for aos outros, mais os outros estarão dispostos a servi-la.

O esforço por si só não garante nada. É verdade que, tudo o mais constante, se a pessoa encontra um campo em que ela gera valor, o esperado é que mais esforço gere mais valor. Meritocracia é um conceito que se aplica ao interior de organizações. Promover membros com base no mérito pode ser melhor do que fazê-lo por tempo de serviço, pela opinião subjetiva de um superior, etc. Meritocracia é um modelo de gestão. Não é um modelo sem falhas: a necessidade de mostrar resultados cria uma pressão interna muito grande e pode minar a cooperação, a manipulação dos indicadores pode viciar o sistema de avaliação. Encontrar o sistema mais adequado a cada contexto é uma questão de administração, de funcionamento interno de organizações, que nada tem a ver com o mercado. Mercado é o processo no qual algumas organizações existem e operam. O sistema de mercado não premia a virtude; ele premia, e, portanto, incentiva, o valor.

Essas ideias têm muita ligação com a retomada atual do ideal do preço justo medieval pelos teóricos da justiça social. Vale fazer uma breve narrativa quanto à história do preço justo na Idade Média. Na tradição do Direito Romano, tanto o Código de Teodósio quanto o Corpus Juris Civilis entendiam como preço justo aquele ao qual tivessem chegado, por negociação livre e voluntária, o comprador e o vendedor. O começo da tradição católica, marcado pela fusão das tradições helenística e evangélica, viu certa hostilidade ao lucro, em especial nas obras de São Jerônimo. Essa visão começou a mudar na obra de Santo Agostinho, que chegou à conclusão de que aquilo que as pessoas pagam pelos bens era determinado pelas próprias necessidades, e não por um critério objetivo. O Império Carolíngio criaria uma nova tendência para o preço justo com a proibição de compra e venda especulativas de alimentos, fixação de preços e diversos regulamentos detalhados sobre a vida econômica. A alta Idade Média seria marcada pela influência da Bolonha e pelas sucessivas proibições à usura e ao que era considerado "violação do preço justo" . A teologia da Universidade de Paris foi além, e ao invés de manter a tradição do preço justo como o fruto da livre negociação dentro de um aspecto, consideravam como imoral e ilícito o preço de mercado que fosse outro que não o preço justo. Para esses teólogos, o preço justo era aquele comumente negociado na cidade onde a venda ocorre. Por fim, Santo Tomás de Aquino marca uma nova fase da teologia, menos hostil às atividades comerciais e ao lucro, mas que continua a condenar a usura.133

Tais ideias, junto com o valor social, são falsas, uma vez que os valores atribuídos aos diferentes serviços por diferentes grupos de pessoas são incomensu ráveis. Seguindo a tradição do subjetivismo e do valor marginal já mencionada nesse estudo, não é possível atribuir um valor objetivo para o trabalho ou contribuição de um indivíduo.134

Hayek sugere que as pessoas se ressentem menos com as remunerações diferentes ou maiores que as suas, e mais com aquelas atividades e funções que não entendem ou consideram prejudiciais:

Nunca soube que pessoas comuns se ressentissem dos altíssimos ganhos do lutador de boxe ou do toureiro, do ídolo do futebol, do astro de cinema ou do rei do jazz - elas parecem muitas vezes até se deleitar vicariamente com a ostentação de extremo luxo e esbanjamento feita por essas figuras, comparados aos quais os ganhos dos magnatas da indústria ou dos ricaços do mundo das finanças empalidecem. Quando a maioria das pessoas não compreende a utilidade de uma atividade, em geral por considerá-la, erroneamente, danosa (o 'especulador' - muitas vezes combinado à crença de que só atividades desonestas podem trazer tanto dinheiro), e em especial quando os ganhos são usados para acumular uma fortuna (outra vez por causa da crença errônea de que seria desejável que ela fosse gasta, ao invés de investida), é que surge o protesto contra a injustiça aí presente.135

Ao esmiuçar a desconstrução do termo justiça social, Hayek começa analisando o significado de "social". A evolução semântica passou do apelo à consciência do povo para se interessar pelos desafortunados, para significar que a sociedade deveria considerar-se ela própria responsável pela posição material de todos os seus membros. "Social" tomou-se designação de justiça, sendo usado como adjetivo para tornar qualquer ação como publicamente desejável, como demonstra o seu uso em 'democracia social', 'função social', 'economia social' ou 'estado social de direito'. Não existe um significado claro para o termo, apenas uma conotação positiva na sua adjetivação.136"Um interessante sintoma da crescente influência da concepção racionalista é a substituição gradual, em todos os idiomas dos quais tenho conhecimento, da palavra 'moral', ou simplesmente 'bom', pela palavra 'social"'.137

O autor considera irônica a forma de defender um processo dito social, que é feito pelo desprezo de normas morais que evo1uíram ao longo da sociedade, substituindo pelo próprio julgamento individual. Isso é, na realidade, um desprezo pelo que realmente constitui um fenômeno social, substituído pela crença nos poderes superiores da razão humana individual.138

A identificação mais comum da justiça social costuma ser com a igualdade, no sentido de que as diferenças de ganho precisam ser justificadas. Tal reinvindicação não faz sentido numa grande sociedade e numa ordem de mercado espontânea. Nesta, os ganhos e posições individuais não são planejados, de forma que a desigualdade não é uma decisão ou um ato individual passível de ser analisado pela justiça.139

A igualdade pretendida por tais teóricos conflita com a igualdade de normas de conduta. Num sistema em que o governo garanta igualdade de resultados o tratamento individual seria altamente desigual, uma vez que ao Estado lhe competiria dizer às pessoas o que fazer. Sem os incentivos de recompensa do mercado, os indivíduos não teriam incentivos para realizar atividades econômicas, de modo que estas teriam que ser determinadas centralmente. A desigualdade continuaria a existir, não pelo processo impessoal do mercado, mas pela decisão de uma autoridade. Numa sociedade livre, por outro lado, não há princípios de conduta individual capazes de produzir um padrão de distribuição.140

Para conseguir igualar as oportunidades substantivas, o governo teria que fazer mais do que assegurar que as condições que afetam as posições dos indivíduos fossem as mesmas para todos os que dependem de suas ações; precisaria de um controle efetivo de todas as condições externas que influenciam o resultado dos esforços de um indivíduo, tirando importância da liberdade de escolha.141 Este grau de controle traz um argumento interessante de Nozick, ao opô-lo com o Estado mínimo.

O Estado mínimo trata-nos como indivíduos invioláveis, que não podem ser usados de certas maneiras por outros como meios, ferramentas, instrumentos ou recursos. Trata-nos como pessoas que têm direitos individuais, com a dignidade que isso pressupõe. Tratando-nos com respeito ao acatar nossos direitos, ele nos permite, individualmente ou em conjunto com aqueles que escolhermos, determinar nosso tipo de vida, atingir nossos fins e nossas concepções de nós mesmos, na medida em que sejamos capazes disso, auxiliados pela cooperação voluntária de outros indivíduos possuidores da mesma dignidade. Como ousaria um Estado ou grupo de indivíduos fazer mais, ou menos?142

Quanto ao argumento da igualdade de oportunidade, Hayek ilustra que o governo teria de controlar todo o ambiente físico e humano da sociedade. Todas as circunstâncias capazes de influir no bem-estar de qualquer pessoa, esforçando-se por oferecer a cada um oportunidades equivalentes.143 Sendo as pessoas diferentes e educadas por famílias diferentes, não se pode garantir a todos igual ponto de partida. A tarefa do governo não deve ser garantir que alguém alcance determinada posição, mas apenas tornar acessíveis a todos os mesmos canais que dependam da ação governamental.144

Grondona aponta que apesar de defender uma igualdade de oportunidades com diversas intervenções estatais para gerá-la, Rawls não imagina um estado de igualdade de resultados. No conflito entre igualdade e liberdade, esta prevalece145 A ideia liberal clássica, que para Hayek está deturpada, consiste na defesa de que todos tenham oportunidade de competir, e não que todos devam ter igual ponto de partida, ou os mesmos resultados.

Se analisarmos mais detidamente a justificativa apresentada em apoio a estas reivindicações igualitárias , verificaremos que elas se originam do descontentamento que o sucesso de algumas pessoas frequentemente suscita naqueles que tiveram menos êxito - ou, para usar uma expressão mais clara, nascem da inveja.146

A ideia de que o governo pode determinar as mesmas oportunidades para todos conflita com o fundamento lógico de uma sociedade livre, pois nesta o conhecimento está disperso na sociedade, sendo descoberto pela ordem espontânea do mercado.147

O pensador austríaco conclui que a justiça social ou distributiva, como pretendida pelo socialismo, é incompatível com o Estado de Direito e com a liberdade individual. Essa compatibilização só acontece, em sua opinião, com a ideia do positivismo jurídico de entender por direito não apenas as normas gerais de conduta justa, mas também quaisquer ordens emitidas pela autoridade.148

Hayek faz uma concessão dizendo que o governo poderia garantir proteção contra sérias privações por meio de uma renda mínima. Justifica dizendo que não seria uma restrição da liberdade por estar à margem do mercado e oferecida a todos os incapazes de prover seu próprio sustento. Acrescenta que o problema consiste na autoridade pública determinar a remuneração de serviços prestados, suspendendo o mecanismo impessoal de mercado.149

Por fim, resume os argumentos contra a justiça social lembrando que não existem padrões viáveis de mérito, merecimento ou necessidades que pudessem servir de base à distribuição de benefícios materiais numa ordem de mercado, e ainda menos, qualquer princípio pelo qual essas reinvindicações poderiam ser conciliadas. Quando se chama de direito todas essas pretensões que não têm um destinatário específico, baseadas na interpretação da sociedade como uma organização deliberadamente criada, esvazia-se o seu próprio conceito.150

III - CONCLUSÃO

Ao longo desse trabalho, buscamos fazer um panorama da tradição liberal para mostrar como Hayek é influenciado e contribui para ela. Com essas bases, buscamos analisar qual a relação que Hayek trava com a justiça social. O panorama que traçamos foi importante para mostrar que o pensador austríaco não está flutuando no vazio ao se opor à justiça social. Pelo contrário, como Manent também esclarece, ele apenas se mantém fiel a esta tradição

Locke neutralizou esse mesmo debate de maneira mais econômica, nos dois sentidos do termo: se a propriedade individual é a base de tudo o que é justo, de vez que essa propriedade, em sua origem, não pressupõe nenhuma relação, e portanto, nenhuma discussão entre os homens, a justiça não pode ser alvo de uma verdadeira incerteza, e portanto, de uma discussão razoável. Ela é desde sempre já realizada, desde que, simplesmente, as propriedades sejam garantidas e protegidas. Ou então: a única discussão cabível sobre a justiça é idêntica ao debate que estabelece os valores de troca das propriedades no mercado, debate este cujo resultado é sempre justo, visto ser fundamento no consentimento de ambas as partes. Cabe admitir que um autor como Hayek é, nos dias de hoje, fiel sob esse aspecto à inspiração original do liberalismo, ao considerar desprovida de sentido a noção de justiça social.151

No segundo capítulo discutimos a visão de Hayek sobre alguns conceitos. Em relação à liberdade, concordamos com a definição de Hayek como sendo a "ausência de coerção". A liberdade jamais pode ser vista como poder ou conceder a alguém, direitos sobre terceiros. Concordamos também com a ressalva que Rothbard faz com o objetivo de delimitar o conceito de coerção. Para evitar que a liberdade seja tratada como um poder, ou que o conceito de coerção seja ampliado a ponto de distorcer seu significado, cremos que o que entendemos por coerção deve-se resumir apenas à agressão ou ameaça de agressão física e fraude.

Sobre igualdade, cremos na igualdade formal perante a lei. Apesar das boas intenções de seus defensores, as chamadas igualdades "material" e "de resultados" são responsáveis pelo enfraquecimento do conceito de liberdade e subsequente engenharia social que apenas irá piorar a vida daqueles a quem se buscou igualar. No tocante à democracia, reconhecemos que, apesar dos bons argumentos de Hoppe, não podemos simplesmente rejeitá-la. Devemos na tradição de Hayek e do liberalismo buscar uma conciliação entre democracia e liberdade, evitando os excessos do democratismo. Concordamos com Hayek que a democracia não é um fim em si mesmo, mas um meio - o mais eficiente até agora - de garantir a liberdade. Sobre a ordem de mercado e a livre concorrência, acreditamos, de acordo com séculos de estudos de ciência política e teoria econômica, que estas são os alicerces de uma sociedade livre e próspera. O livre mercado é, ao mesmo tempo, tanto o sistema mais ético e justo para organizar a sociedade, quanto o mais eficiente e que trará melhor qualidade de vida para todos os seus membros.

No terceiro capítulo discutimos a visão de Hayek sobre justiça social. Seguimos a linha do pensador austríaco em acreditar que as normas de conduta justa independem de fins concretos, e são resultado de um consenso sobre os meios. Assim sendo, mesmo levando em conta os bons argumentos de muitos autores, não concordamos que as normas de justiça possam determinar a posição de algum indivíduo na sociedade. Existem comentadores de Hayek que tentam relativizar sua posição sobre justiça social:

Existe muita discussão sobre a tese de Hayek sobre o ideal da justiça social ser desprovido de sentido. Eu argumentei que Hayek se expressa de forma pobre quando faz essas afirmações, e que deveria ser entendido que defende é que o ideal da justiça social - compreendido como recompensar as pessoas pela base de seu mérito - não pode ser concretizado dentro de uma sociedade comercial.152

Mesmo tendo em vista esses argumentos sobre a visão de Hayek, e aqueles bem fundamentados em defesa da justiça social, tendemos a concordar com o pensador austríaco que o termo é vazio, desprovido de significado, e que as tentativas de implementar suas mais diversas vertentes apenas causarão miséria e pobreza.

A defesa da ordem de mercado feita por Hayek e os demais pensadores discutidos neste trabalho nos parece acertada. O livre­mercado foi responsável por uma criação de riqueza sem precedentes na história da humanidade, sempre revertendo em benefícios dos mais necessitados. Defendê-lo é correto ao mesmo tempo do lado ético, uma vez que é pautado na não-agressão e na liberdade individual quanto pelo lado da eficiência, pois constitui o melhor meio para elevar a vida de todos. Para proteger esse sistema, é necessário um sistema de justiça e direito que valorize a liberdade individual, a responsabilidade e a igualdade formal. Tais requisitos são incompatíveis com o ideário de justiça social.

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Notas

1 PRUNES, Cândido Mendes (0rg.). Hayek no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2006. p. 50.
2 HAYEK, Friedrich August von. Os Fundamentos da Liberdade. Tradução de Anna Maria Capovilla e José Ítalo Stelle. São Paulo: Visão, 1983. p. XIV.
3 SOTO, Jesus Huerta de. A Escola Austríaca. Trad. André Azevedo Alves. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. p. 110-111.
4 KRESGE, Stephan & WENAR, Leif (Eds.). Hayek on Hayek. Tradução Livre. Chicago: University of Chicago Press, 1994. p. 41.
5 HAYEK, Friedrich August von. Direito, Legislação e Liberdade, v. I. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. São Paulo: Visão, 1985. p. 35.
6 Idem. Ibidem, p. 39.
7 FESER, Edward (Org.). The Cambridge Companion to Hayek. Tradução Livre. Cambridge: University Press, 2006. p. 171.
8 GRONDONA, Mariano. Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick. Trad. Ubiratan de Macedo. São Paulo: Editora Mandarim, 2000. p. 129
9 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. XXXV.
10 Idem. Ibidem, p. 5.
11 Idem. Ibidem, p. 4.
12 Idem. Ibidem, p. 34.
13 PRUNES. Hayek no Brasil, p. 78.
14 MISES, Ludwig Von. Socialism . Princeton: Yale University Press, 1951. p. 191-194.
15 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 76.
16 PAIM, Antônio. Evolução história do liberalismo . Belo Horizon te: Editora Itatiaia , 1987. p. 26.
17 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade , p. 7-11.
18 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão. Tradução de Anna Maria Capovilla e José Ítalo Stelle. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. p. 48.
19 PAIM. Evolução história do liberalismo , p. 39.
20 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade , p. 169.
21 MANENT, Pierre . intelectual do liberalismo: dez lições. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1990. p. 93.
22 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 17.
23 Idem. Ibidem, p. 149.
24 TROTSKY apud HAYEK. O Caminho da Servidão, p.117.
25 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 158.
26 ROTHBARD, Murray Newton. A Ética da Liberdade . Tradução Fernando Fiori Chiocca. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. p. 295-307.
27 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 160.
28 Idem. Ibidem, p. 26.
29 HAYEK, Friedrich August von. The Use of Knowledge in Society. American Economic Review, Vol. XXXV, No. 4 (Set. 1945): 519-530.
30 A liberdade utilizada apenas por um homem entre um milhão pode ser mais importante para a sociedade e mais benéfica para a maioria do que qualquer grau de liberdade que todos nós poderíamos desfrutar". HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 30.
31 Idem. Ibidem, p. 31.
32 Idem. Ibidem, p. 76.
33 HAYEK. O Caminho da Servidão, p. 111.
34 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 82.
35 Idem. Ibidem, p. 90.
36 HAYEK, Friedrich August von. Direito, Legislação e Liberdade, Vol. II. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. São Paulo: Visão, 1985. p. 178.
37 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 127.
38 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 73.
39 PAIM, Antônio. Evolução história do liberalismo. Belo Horizonte. Editora Itatiaia, 1987. p. 53.
40 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 94.
41 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 134
42 Idem. Ibidem, p. 89.
43 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 94.
44 HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão. Tradução de Arma Maria Capovilla e José Ítalo Stelle. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. p. 94.
45 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 98.
46 BLOCK , Walter. Defendendo o indefensável. Trad . Rosélis Pereira. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Bras il, 2010. p. 120.
47 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 110.
48 Idem. Ibidem, p. 47.
49 JOUVENEL, Bertrand de. A ética da redistribuição. Trad. Rosélis Pereira. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012. p. 34.
50 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 111.
51 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 156.
52 HOPPE, Hans-Herman. Uma teoria do socialismo e capitalismo. Trad. Bruno Garschagen . São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013. p.156.
53 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 136.
54 PRUNES. Hayek no Brasil, p. 71.
55 Idem. Ibidem, p. 77.
56 Idem. Ibidem, p. 73-74.
57 PAIM, Antônio. Evolução história do liberalismo. Belo Horizonte. Editora Itatiaia, 1987. p. 38.
58 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade , p. 115.
59 PRUNES, Cândido Mendes (org .). Hayek no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2006. p.70.
60 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 117.
61 PRUNES. Hayek no Brasil, p. 69.
62 MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1990. p. 55
63 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 43.
64 Idem. Ibidem, p. 44.
65 MANENT. História intelectual do liberalismo: dez lições, p. 72.
66 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 130.
67 MISES, Ludwig von. A Mentalidade Anticapitalista. Trad. Carlos dos Santos Abreu. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2º ed., 2010. p. 38.
68 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 134.
69 Idem. Ibidem, p. 139.
70 MISES. A Mentalidade Anticapitalista, p. 36.
71 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 39.
72 PAIM, Antônio. Evolução histórica do liberalismo. Belo Horizonte. Editora Itatiaia, 1987. p. 71.
73 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 162.
74 MANENT. História intelectual do liberalismo: dez lições, p. 108.
75 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 131.
76 Idem. Ibid em, p. 135.
77 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 41.
78 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 138.
79 SOTO, Jesus Huerta de. A Escola Austríaca. Trad. And ré Azeved o Alves. São Paulo: Instituto Lud wig von Mises Brasil, 2º ed. , 2010. p. 125
80 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 156-157.
81 Idem. Ibidem, p. 161.
82 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 123.
83 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 172.
84 GODWIN, William. Enquiry Concerning Political Justice, vol II. Tradução Livre. London : G.G.J. and J. Robinson, 1793. p. 432.
85 BARZOTTO, Luis Fernando. "Justiça Social - Gênese, Estrutura e aplicação de um conceito". Revista da procuradoria-geral do município de Porto Alegre. V. 17, p.15-56. 2003. p. 23.
86 MACEDO, Ubiratan Borges de. Liberalismo e Justiça Social. São Paulo: IBRASA, 1995. p. 85.
87 Idem. Ibidem, p. 87.
88 Idem. Ibidem, p. 89.
89 Idem. Ibidem, p. 93.
90 "The International Forum for Social Development. Social Justice in an Open World: The Role of the United Nations". Part of the Department of Economic and Social Affairs. 2006. p. 12.
91 PIO XI. Divini Redemptoris, n. 51.
92 MACEDO. Liberalismo e Justiça Social, p. 97.
93 Idem. Ibidem, p. 98.
94 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 84.
95 MACEDO. Liberalismo e Justiça Social, p. 102.
96 SUMMERS, Rober S. & HONORÉ, Anthon y Mamice (Orgs.) . Essays in Legal Philosophy. Los Angeles: University of California Press, 1972. p. 62.
97 GRONDO NA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 147.
98 MACEDO. Liberalismo e Justiça So cial, p. 107.
99 Idem . Ibidem, p. 108.
100 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 168.
101 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 2.
102 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. XX.
103 Idem. Ibidem, p. 174.
104 Idem. Ibidem, p. 174.
105 Idem. Ibidem, p. 169.
106 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 6.
107 Idem. Ibidem, p. 9.
108 Idem. Ibidem, p. 35.
109 Idem. Ibidem, p. 36.
110 Idem. Ibidem, p. 38.
111 Idem. Ibidem, p. 38.
112 Idem. Ibidem, p. 42.
113 Idem. Ibidem, p. 43-45.
114 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 167.
115 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 47.
116 Idem. Ibidem, p. 48.
117 Idem. Ibidem, p. 52-55.
118 MANENT. História intelectual do liberalismo: dez lições, p. 142.
119 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 56.
120 Idem. Ibidem, p. 67.
121 PRUNES. Hayek no Brasil, p. 70.
122 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 76.
123 Idem. Ibidem, p. XII.
124 Idem. Ibidem, p. 82.
125 Idem. Ibidem, p. 84.
126 MACEDO. Liberalismo e Justiça Social, p. 114.
127 HAYEK Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 83.
128 Idem. Ibidem, p. 87.
129 HAYEK Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 89.
130 JOUVENEL , Bertrand de. A ética da redistribuição . Trad. Rosélis Pereira. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012. p. 23.
131 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 93.
132 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 106.
133 Este parágrafo é baseado no capítulo 2 de ROTHBARD , Murray N. Austrian Perspective on the History of Economic Thought, v. I. Aubum: Ludwig von Mises Institute, 2006.
134 HAYEK Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 96.
135 Idem. Ibidem, p. 97.
136 Idem. Ibidem, p. 99.
137 HAYEK Os Fundamentos da Liberdade, p. 70.
138 Idem. Ibidem, p. 71.
139 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 101.
140 Idem. Ibidem, p. 103.
141 Idem. Ibidem, p. 11.
142 NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991. p. 357-358.
143 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 105.
144 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 99.
145 GRONDONA. Os Pensadores da Liberdade: de John Locke a Robert Nozick, p. 147.
146 HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, p. 100.
147 HAYEK. Direito, Legislação e Liberdade, v. II, p. 10.
148 Idem. Ibid em, p. 107.
149 Idem. Ibidem, p. 108.
150 Idem. Ibidem , p. 113.
151 MANENT. História intelectual do liberalismo: dez lições, p. 74.
152 FESER. The Cambridge Companion to Hayek, p. 153-154.
153 * A primeira parte deste artigo foi publicada na última edição do periódico MISES : Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia .

Autor notes

Sobre o autor: graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

**Patrick Coelho Campos Gappo. E-mail: patrickgappo@msn.com

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