Resenha

Vendo a Vida Pela Economia No Brasil - Como Não Pensei Nisso Antes?

Ubiratan Jorge Iorio
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brazil

Vendo a Vida Pela Economia No Brasil - Como Não Pensei Nisso Antes?

MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 5, núm. 1, pp. 181-183, 2017

Instituto Ludwig von Mises - Brasil

É muito difícil um livro que trate de Economia ser capaz de estimular leitores não especializados nesse campo do conhecimento. Quase todos os livros da chamada "ciência cinzenta" são atraentes apenas para iniciados, especialistas ou, algumas poucas vezes, para aqueles já convencidos da importância dos fenômenos econômicos para as nossas vidas. Entretanto, esta obra foge a esses padrões, sem se esquivar das indispensáveis bases teóricas necessárias para a consistência argumentativa.

Escrever sobre temas áridos, mas presentes no dia a dia de todos nós, para pessoas que nunca estudaram metodicamente a ciência econômica, não é, definitivamente, empreitada fácil. Pelo contrário, trata-se de tarefa bastante complexa e desafiadora, que apenas um economista com formação sólida e grande experiência profissional e de vida pode desempenhar com sucesso.

Em Vendo a vida pela economia no Brasil: Como não pensei nisso antes? o Professor Luiz Zottmann aborda em linguagem extremamente simples e de fácil compreensão todos os elementos - problemas, objetivos e escolhas - relacionados à luta que os indivíduos travam para escapar da pobreza e melhorar seu padrão de vida, chamando a atenção para a multiplicidade de desafios econômicos, muitos dos quais nem chegam a ser percebidos, com que cada um de nós se depara diariamente. Zottmann - do alto de sua formação de PhD pela Universidade de Columbia, de sua atividade como docente e de sua grande experiência no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), respeitado órgão técnico atualmente vinculado ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão - mostra claramente, ao longo de todo o livro, quão equivocada é a atitude passiva de esperar que o governo nos faça cair do céu tudo o de que precisamos e como é importante a ação humana individual em uma economia de livre mercado, em que o Estado cuide tão somente de prover um pano de fundo institucional e estável para que os indivíduos desempenhem suas atividades econômicas. Trata-se de obra importante para que o público leigo possa entender, no papel de protagonista, o que é de fato a economia do mundo real.

Este é um dos melhores livros que li sobre o assunto e com esse objetivo mais amplo, escrito por um brasileiro. Ao longo de sua leitura, lembrei-me diversas vezes de Frédéric Bastiat (1801-1850), talvez o economista que melhor tenha se expressado em linguagem de facílima compreensão, bem como de Ludwig von Mises (1881-1973), um dos grandes expoentes da Escola Austríaca de Economia, que produziu obras de grande complexidade teórica, mas também escritos - como As Seis Lições, por exemplo- em linguagem absolutamente acessível, assim como de Henry Hazlitt (1894-1993), que conseguiu a mesma façanha em seu A Economia Em Uma Única Lição. Como escreve o autor, "aqui você é o protagonista" (página 29)

A originalidade do presente trabalho do Prof. Zottmann, contudo, não se restringe apenas à forma casual de exposição. Economistas bem formados e com experiência também têm muito a ganhar com sua leitura, pois o livro passeia por vários temas que normalmente passam despercebidos pela profissão, por não fazerem parte do ensino formal que é ministrado nas universidades.

A sequência de capítulos revela claramente os comentários anteriores. No inicial - Fundamentos -Zottmann descreve os desafios econômicos individuais e da sociedade com que cada um de nós se depara e é levado a enfrentar. Mostra que é impossível o fornecimento gratuito de bens escassos por parte do Estado, como é difícil avaliar custos inerentes a escolhas e revela o porquê da baixa qualidade dos serviços públicos ditos "gratuitos", que levam muitos a pagarem duplamente para ter educação, assistência na área de saúde, segurança, previdência e outros serviços fornecidos pelo Estado. Neste capítulo introdutório, o autor discute também direitos do cidadão e obrigações do Estado, mostrando que a realidade por ela mesma nega o excesso de direitos econômicos "garantidos" por "leis", que na verdade, muitas vezes, não são mais do que folhas de papel com declarações de boas intenções. Essa discussão leva Zottmann a discutir as eventuais funções do Estado na economia.

O capítulo seguinte - O Desafio de Produzir - considera as dificuldades individuais e da sociedade relacionadas com o processo de produção de bens e serviços. No que concerne às limitações dos indivíduos, aborda a relevância do conhecimento nos processos de tomada de decisões econômicas e destaca a importância dos fatores tempo, ambiente de negócios e risco nas mesmas. É particularmente interessante quando mostra os dilemas que nos são impostos entre o tempo destinado ao trabalho, ao lazer, à aquisição de conhecimento, ao transporte e quando revela as escolhas, que somos levados a fazer, entre a busca por riqueza material e espiritual. Ainda nesse capítulo, Zottmann discute as decisões individuais quanto às ações que precisam ser tomadas nas três fases da vida, a importância do tempo dedicado à educação, à saúde e à produtividade, a relevância do tamanho e das características da população e do território. Por fim, explica as características e as contribuições dos fatores de produção para o fenômeno da produção e mostra a extraordinária importância do respeito aos direitos de propriedade desses fatores.

O Desafio da Distribuição de Renda é o capítulo seguinte, em que Zottmann ressalta as motivações objetivas e subjetivas subjacentes à questão conhecida como "a repartição do bolo" e mostra a importância dessas instigações para as tentativas de caracterização do que seria algo comumente denominado de "justiça social", apontando cinco argumentos objetivos que fazem com que essa expressão e sua irmã gêmea, a da "igualdade na distribuição de renda" nada mais sejam do que discursos politicamente corretos, mas despidos de qualquer conteúdo. O economista austríaco Friedrich August von Hayek (1899-1992), laureado com o Nobel em 1974, teria certamente endossado essas considerações.

No quarto capítulo, O Desafio da Governança, o autor aborda a atuação do Estado na economia, tomando por referência a miríade de direitos e a escassez de obrigações que caracterizam a Constituição de 1988 - que, no dizer dos liberais, mais se parece com uma carta endereçada a Papai Noel -, destacando que o Estado é um conjunto de instituições e de funcionários hipoteticamente dedicados a executar tarefas que o setor privado não poderia realizar de forma descentralizada e com eficiência e aponta para o uso que essas instituições e funcionários fazem da "aquisição do direito de livre acesso", frequentemente confundido com gratuidade, como alternativa à pura cobrança pelos serviços públicos prestados.

Importante é a discussão, ainda nesse capítulo, das funções do Estado como regulador e das patentes contradições entre o discurso, de sabor esquerdista, a favor da igualdade na distribuição de renda a ser imposta pelo Estado e as ações que este pratica no sentido de diferenciar as rendas dos funcionários públicos em geral. Ressalta também a questão da padronização dos serviços públicos e suas consequências sobre a quantidade e qualidade dos mesmos, nos campos da educação, saúde e previdência social, bem como o vazamento de recursos privados para o Leviatã. Estou certo de que o Prof. James M. Buchanan (1919-2013), também premiado, em 1986, com o Nobel de Economia, teria muito gosto ao ler esse capítulo.

Por fim, nos Comentários Finais, o autor conduz o leitor a retornar aos capítulos precedentes, no intuito de recapitular, já agora municiado com argumentos lógicos e manifestos, os vários problemas, questões e decisões que teve que enfrentar em algum momento da vida e que conduziu intuitivamente. Vendo a Vida é num livro que nos fala das batalhas que todos nós temos que travar no Brasil, um país que caminha de crise em crise e que parece fadado a ser conduzido por governantes velhacos, que são doutores em prometer mundos, ao mesmo tempo em que são analfabetos no que tange à explicitar a origem dos fundos. Ao cabo da leitura, o leitor não terá, evidentemente, todos os seus problemas econômicos resolvidos, mas garanto que terá tudo para não continuar a ser ludibriado no futuro pelos falsos messias e profetas do sebastianismo tupiniquim.

Autor notes

Sobre o autor: Professor Associado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ). Doutor em Economia pela Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV). Diretor Acadêmico do Instituto Mises Brasil.
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