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Os Estertores do Capitalismo. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 69/2019 e a Estratégia Nacional de Empreendimentos de Impacto (Enimpacto)
The Destroyers of Capitalism. Constitutional Amendment Proposal (PEC) nº 69/2019 and the National Strategy for Business and Impact Investing
Los destructores del capitalismo. Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 69/2019 e la Estratégia Nacional de Empreendimentos de Impacto
MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 9, Esp., e202191426, 2021
Instituto Ludwig von Mises - Brasil

EDIÇÃO ESPECIAL 2021: 150 ANOS DE ESCOLA AUSTRÍACA


Recepção: 15 Agosto 2021

Aprovação: 29 Outubro 2021

DOI: https://doi.org/10.30800/mises.2021.v9.1426

Resumo: O presente artigo analisa, sob o enfoque do intervencionismo estatal brasileiro, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 69/2019, bem como a política promovida pela Estratégia Nacional de Empreendimentos de Impacto (Enimpacto). A PEC nº 69/2019 objetiva elevar a denominada economia solidária ao status de princípio constitucional da ordem econômica; enquanto a Enimpacto, surgida no bojo do movimento Environmental, Social and Governance (ESG), pretende substituir o tradicional paradigma empresarial lastreado na maximização do lucro (shareholder) por uma nova forma de fazer negócio, calcada na responsabilidade social e ambiental da empresa (stakeholder). Argumentamos que as políticas são fruto do sistema intervencionista brasileiro, definido na Constituição Federal de 1988. A implementação prática de ambas distâncias, ainda mais o país do sistema capitalista, aproximando-o cada vez mais do sistema socialista.

Palavras-chave: Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 69/2019, Estratégia Nacional de Empreendimentos de Impacto (Enimpacto), Environmental, Social and Governance (ESG), Intervencionismo, Capitalismo, Socialismo.

Abstract: From the perspective of Brazilian state interventionism, this article analyses the Constitutional Amendment Proposal (PEC) nº 69/2019 and the policy promoted by the National Strategy for Business and Impact Investing (Enimpacto). PEC nº 69/2019 aims to elevate the so-called solidarity economy to the status of a constitutional principle of the economic order; while Enimpacto, which emerged amid the Environmental, Social, and Governance (ESG) movement, intends to replace the traditional business paradigm based on profit maximization (shareholder) with a new way of doing business, based on the company’s social and environmental responsibility (stakeholder). We argue that these policies result from the Brazilian interventionist system, defined in the Federal Constitution of 1988. The practical implementation of both further distances the country from the capitalist system, bringing it ever closer to the socialist system.

Keywords: Constitutional Amendment Proposal (PEC) nº 69/2019, National Strategy for Business and Impact Investing (Enimpacto), Environmental, Social and Governance (ESG), Interventionism, Capitalism, Socialism.

Resumen: Este artículo analiza, desde la perspectiva del intervencionismo estatal brasileño, la Propuesta de Reforma Constitucional (PEC) nº 69/2019 y la política impulsada por la Estrategia Nacional de Empresas de Impacto (Enimpacto). El PEC nº 69/2019 tiene como objetivo elevar la llamada economía solidaria al rango de principio constitucional del orden económico; mientras que Enimpacto, que surgió en medio del movimiento Environmental, Social and Governance (ESG), pretende sustituir el paradigma empresarial tradicional basado en la maximización de beneficios (shareholder) por una nueva forma de hacer negocios, basada en la responsabilidad social y medioambiental de la empresa (stakeholder). Se propone que las políticas son el resultado del sistema de intervención brasileño, definido en la Constitución Federal de 1988. La implementácion efectiva de ambas aleja aún más al país del sistema capitalista, acercándolo cada vez más al sistema socialista.

Palabras Clave: Propuesta de Reforma Constitucional (PEC) nº 69/2019, Estrategia Nacional de Empresas de Impacto (Enimpacto), Intervencionismo, Capitalismo, Socialismo.

Introdução

Rompendo a sua costumeira fleuma de diplomata, o saudoso economista Roberto Campos (1917-2001) denunciara a má-qualidade e a superabundância da produção legislativa brasileira, em artigo publicado em 1995, com o irreverente e escatológico título “A Diarreia Normativa”1.

Vinte e seis anos mais tarde, a sanha legislativa é perturbadora e o cenário normativo desolador para aqueles que sonham com a criação, no Brasil, de um legítimo sistema capitalista alicerçado no direito de propriedade, na liberdade de escolha e na economia de mercado.

O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) apurou, em estudo publicado em 2020, que foram introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro, desde o advento da Constituição Federal de 1988, cerca de 6,4 milhões de leis e regulamentos. Em média, os entes federados registraram, conjuntamente, a impressionante marca de 800 normativos editados por dia útil. A considerar apenas a esfera federal, a média é de 20,84 normativos por dia.

Alia-se a essa marca o retalhamento da Constituição Federal em 109 emendas e o inchaço do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). A criatividade dos legisladores brasileiros gerou o que o jurista Paulo Modesto alcunhou de “disposições transitórias avulsas”, caracterizadas por centenas de normas transitórias, alojadas em emendas constitucionais, fora do corpo do ADCT. Inicialmente com 70 (setenta) artigos, hoje o ADCT conta 114 (cento e catorze) artigos decorrentes de inclusões e reiteradas ampliações dos prazos de suas disposições, expediente que acaba por perenizar o que o constituinte originário optou por ser transitório. É praticamente uma constituição dentre da constituição.

Junta-se a essa barafunda legislativa, o acentuado protagonismo de um Judiciário ativista, chamado a resolver não apenas os conflitos gerados pelas sufocantes regulamentações que envolvem todos os aspectos da vida em sociedade, mas também os que surgem no bojo da onipresente judicialização do proscênio social e político.

Em adição ao cipoal de normas que plasmam a desconcertante ordem jurídica brasileira, tornam-se preocupantes as propostas legislativas que tencionam, sem meias palavras, combater os resquícios do combalido capitalismo brasileiro que - diga-se de passagem - jamais fincou raízes no Brasil.

Figuram entre as desajeitadas propostas a elevação da “economia solidária” ao status de norma constitucional, assim como a substituição do paradigma empresarial calcado na maximização do lucro, por obra da política promovida pela Estratégia Nacional de Empreendimentos de Impacto (Enimpacto) na esteira do modismo alcunhado Enviromental, Social and Governance (ESG).

No que concerne à economia solidária, foi apresentada, em 2019, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 69, com o intuito de incluir a temática entre os princípios constitucionais da ordem econômica transcritos no art. 170 da Constituição Federal (Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira).

De acordo com o sítio do Senado Federal, a PEC da economia solidária nasce pela iniciativa de 31 Senadores das mais diversas colorações partidárias, entre as quais PT, PSDB, DEM, MDB, PDT, PSB, PSD, PP, Pros, Rede e Cidadania2.

Na justificação à PEC, a economia solidária é apresentada como “um movimento que diz respeito a produção, consumo e distribuição de riqueza, com foco na valorização do ser humano”. Ao abordar o tema economia solidária, a justificação não apresenta as bases teóricas em que se fundamenta o referido “movimento”. Entretanto, afirma a “nobre” pretensão de alçá-lo ao status de princípio constitucional: possibilitar “que políticas públicas baseadas nesse princípio jurídico moldem a realidade, a ordem econômica real”3.

Por sua vez, a Enimpacto - gestada no Governo Dilma Rousseff (2011-2016) e formalizada no Governo Michel Temer (2016-2018) - pretende, por meio de variados estímulos estatais, substituir o paradigma empresarial da geração de lucro para os acionistas (shareholders), em prol de uma nova forma de fazer negócio calcada na responsabilidade social e ambiental da empresa (stakeholders).

Os reais proponentes de ambas as políticas rondam os Poderes Legislativo e Executivo brasileiro como espectros sinistros destinados a aniquilar o pouco que resta da economia de mercado brasileira.

O presente artigo pretende descortinar ambas as propostas (economia solidária e Enimpacto), com o intuito de corroborar a tese segundo a qual vigora, no Brasil, um sistema de organização de produção diverso do capitalista, lastreado que está num massivo intervencionismo estatal, tendente a conduzir o país ao encontro da via socialista.

A fim de atingir esse intento, o artigo será dividido em quatro seções. A primeira seção apresentará os fundamentos e as características do capitalismo e a fraca inserção do Brasil nesse sistema de organização produtiva. A segunda e a terceira seções serão subdivididas em duas subseções. Cada qual apresentará as origens, os fundamentos e o atual estágio da economia solidária e da Enimpacto, seguidas das respectivas críticas sobre o potencial deletério dessas políticas intervencionistas na economia brasileira. Por fim, a última seção será reservada às considerações finais.

1. A fraca inserção do Brasil no sistema capitalista

Ao termo capitalismo são atribuídas distintas conotações a depender da escola de pensamento econômico que o elabore, resultando daí as concepções clássica, marxista, weberiana, de Chicago, austríaca entre outras de menor repercussão teórica.

As acepções do termo capitalismo oscilam entre uma acepção restrita e uma geral.

A acepção restrita identifica-o como uma forma particular e histórica de agir econômico, um modo de produção em sentido estrito que se apresenta como um subsistema dentro de um mais amplo e complexo sistema político-social. Por sua vez, a acepção geral apresenta o capitalismo como um sistema que determina as relações da sociedade como um todo (RUSCONI, 2004).

Interessa-nos bem mais os elementos que o diferenciam de outros sistemas de organização produtiva históricos que propriamente o conceito que o explicita. Seja qual for o conceito utilizado, há um razoável consenso acerca do fato de que o capitalismo tem como alicerce a igualdade perante a lei (Estado de direito), a liberdade de escolha, a propriedade privada dos meios de produção e a economia de mercado baseada na livre iniciativa e na livre concorrência. A partir desses requisitos, convém indagar se o Estado brasileiro se alicerça nessas bases fundantes.

Para além da tradicional classificação dos modos de produção como capitalista e socialista, o economista Ludwig von Mises (2018, p. 98) apresenta uma terceira forma de cooperação social denominada intervencionismo estatal, resgatada da tradição smithiana que já o identificava como um sistema autônomo (BARBIERI, 2013, p. 76).

O intervencionismo estatal, identificado como um tertium genus entre o capitalismo e o socialismo, é definido como um sistema em que o Estado intervém no direito de propriedade, por meio de ordens e proibições, embora a propriedade dos meios de produção permaneça sobre a esfera de influência privada (MISES, 2018, p. 98).

No sistema intervencionista, a iniciativa privada tem o irresistível incentivo de se imiscuir com os agentes estatais na busca por regulamentações que confiram vantagens pessoais, invariavelmente, em desfavor do bem-estar da sociedade. O funcionamento do sistema de mercado é, com certa regularidade, obstruído por ordens e proibições emanadas pelo Estado, com o fim de atender às demandas de grupos específicos selecionados por critérios pouco republicanos.

Resta claro que o sistema de produção brasileiro não é capitalista, mas intervencionista.

No Brasil, o intervencionismo estatal é uma realidade concreta, com legitimidade expressa no capítulo VII da Constituição de 1988, intitulado Da Ordem Econômica e Social.

Em sua função normogenética, os princípios da ordem econômica, expressos nos incisos I a IX do art. 170 da Constituição Federal, dirigem a atuação do legislador de modo a manter um equilíbrio dinâmico - porém instável - entre elementos dos sistemas capitalista e socialista, prevalecendo um sobre o outro em dadas situações, sem a exclusão definitiva de qualquer um deles do ordenamento jurídico.

Na medida em que garante a livre iniciativa, a Constituição a atrela à valorização do trabalho (art. 170, caput). O empreendedor, desse modo, é “livre” para cumprir o caudal de leis trabalhistas, tributárias e previdenciárias criadas para manter empregado e patrão sob as rédeas curtas da autoridade estatal.

A Constituição brasileira, ao tempo em que afirma garantir o direito à propriedade privada (art. 5º, XXII e art. 170, II), mitiga-o com a função social da propriedade e a defesa do meio-ambiente (art. 170, III e VI). Exercer o direito de propriedade no Brasil é arriscado. Há sempre uma desapropriação, um tombamento, uma ocupação temporária, uma requisição, uma limitação ou uma servidão administrativa a temer, sem falar nos planos de ordenamento territorial e suas exigências draconianas. Tudo em prol da coletividade e com lastro na supremacia do interesse público sobre o privado.

Parece ir bem a Constituição ao adotar a livre concorrência (art. 170, IV) com o princípio da ordem econômica. Contudo, a exemplo dos demais princípios que informariam uma economia capitalista, impõe-se, como contrapartida necessária a amainar a fúria de um capitalismo selvagem, o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte (art. 170, IX), cuja pequenez não está refletida na força do lobby que atua em seu nome e, por essa razão, na pletora de benesses a elas concedidas pelo estamento burocrático brasileiro4.

No plano infraconstitucional, as ações interventivas são reproduzidas nas leis e nos regulamentos.

A justificação para o intervencionismo estatal ocorre sob o pretexto de proteger a economia das distorções criadas pelos mercados. Parte-se da pressuposição do mercado como um arranjo estático de preços e quantidades empiricamente testáveis, à maneira preconizada pela ortodoxia neoclássica. Essa pressuposição é terminantemente rejeitada pela Escola Austríaca de Economia (EAE) que entende o mercado como um processo dinâmico de descoberta ‘empreendedorial’ de erros, a partir do mecanismo de formação de preços (KIRZNER, 2012, p. 23).

A verdadeira importância de uma economia de mercado, calcada na livre formação de preços, reside no fato de ser o mercado o meio mais adequado de sinalizar aos agentes econômicos sobre a existência de possíveis ineficiências. Como os agentes econômicos jamais poderiam conhecer os fatores que influenciam as condições de oferta e de demanda dos diferentes bens e serviços, nenhuma mente - por mais privilegiada que seja - será capaz de reunir informações com a celeridade exigida para a tomada de decisões individuais. Diante desse impasse, o sistema de preços se apresenta como um meio impessoal que revela os efeitos relevantes das ações dos indivíduos, servindo como um sinalizador eficaz e inigualável. Daí porque a intervenção governamental que interfira na formação do preço pelo mercado, eliminando-o ou distorcendo-o, torna o processo de descoberta das “ineficiências” mais dificultoso ou até mesmo impossível.

Sanford Ikeda, escorado nas lições de Israel Kirzner, choca os intervencionistas mais sensíveis ao sugerir que a virtude do mercado reside em suas “ineficiências”. Para Ikeda, “os mercados são mais importantes pelos problemas que eles ‘criam’ do que pelos problemas que eles solucionam” (IKEDA, 2014).

A fraca adesão à economia capitalista reside no fato de que a efetiva concretização do capitalismo no Brasil retiraria o poder político das mãos de grupos que sustentam e mantém suas posições com a permanência do balcão de atendimento às demandas por intervenção econômica. Como bem observou Stigler (2004, p. 23/24), a demanda por intervenção econômica é concebida e operada fundamentalmente em benefício de quem as propõe. Nas políticas aqui expostas, percebe-se, claramente, o assédio de grupos políticos em favor de políticas intervencionistas que, invariavelmente, exigem do Estado brasileiro toda sorte de subvenções e benefícios fiscais em proveito próprio.

Imbuídos desse espírito, os detratores do sistema capitalista vêm acumulando leis sobre leis que contribuem, diuturnamente, para a supressão dos resquícios de um sistema de organização produtiva que, apesar de reconhecidamente imperfeito, continua a ser o único capaz de gerar riquezas.

Passemos à exposição e análise das propostas.

2. A Economia Solidária

2.1. Panorama sobre a origem, os fundamentos e o atual estágio da economia solidária

Em vista da escassez de literatura acadêmica, valemo-nos, em grande medida, do livro de Paul Singer - um dos precursores da economia solidária no Brasil - intitulado “Introdução à Economia Solidária”, com a finalidade de apresentar as linhas que delineiam o tema.

Segundo os adeptos da economia solidária, o conceito surgiu, no século XIX, como resposta às contingências trazidas pela Revolução Industrial. A ideia remonta ao socialismo utópico5 - de cunho sindicalista e cooperativista - de Robert Owen (1771-1858) e Charles Fourier (1772-1837).

O movimento sindicalista e cooperativista chegou ao Brasil, tardiamente, por influência da imigração europeia havida a partir do último quartel do século XIX.

Nos anos 1950 e 1960, expandiram-se as cooperativas de consumo: formas de cooperativismo urbano que logo se estagnaram com o surgimento das redes varejistas.

No início da década de 1970, o governo federal reconheceu o interesse público das cooperativas ao instituir, por meio da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, a Política Nacional do Cooperativismo, encarada pelos defensores da economia solidária como um instrumento a serviço do capitalismo.

Com base na experiência histórica do sindicalismo e do cooperativismo - promovidos pelos socialistas utópicos e mais tarde difundida pelos imigrantes europeus - a economia solidária ingressou no léxico dos partidos de esquerda brasileiros, especialmente no do Partido dos Trabalhadores (PT).

Num primeiro relance, o termo “economia solidária” parece remeter a um ramo do saber econômico, tal qual economia do trabalho, economia da saúde, economia agrícola, dentre outros. Longe de ser uma mera subdivisão do estudo da economia, a economia solidária se apresenta, conforme a proposição legislativa, como “um movimento que diz respeito a produção, consumo e distribuição de riqueza, com foco na valorização do ser humano”.

A partir da parca literatura que trata do tema, não se divisa com precisão os fundamentos sobre os quais repousa a economia solidária. Surge, assim, como algo etéreo: um movimento centrado na formação de cooperativas autogestionárias integradas por desempregados.

A criação de cooperativas autogestionárias foi impulsionada, na década de 1980, pela Cáritas Brasileira, uma entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB (SINGER, 2002).

Ainda nos anos 1980, a Cáritas, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), financiou milhares de pequenos projetos denominados PACS, Projetos Alternativos Comunitários. Uma boa parte dos PACS destinava-se a gerar trabalho e renda de forma associada para moradores das periferias pobres de nossas metrópoles e da zona rural das diferentes regiões do país. Uma boa parte dos PACS acabou se transformando em unidades de economia solidária, alguns dependentes ainda da ajuda caritativa das comunidades de fiéis, outros conseguindo se consolidar economicamente mediante a venda de sua produção no mercado. Há PACS em assentamentos de reforma agrária liderados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), confluindo com o cooperativismo agrícola criado pelos trabalhadores sem terras.

Conquanto não haja uma sistematização de suas bases fundantes, uma aproximação do que vem a ser economia solidária pode ser extraído de trechos esparsos do livro de Paul Singer (2002).

A economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidariedade e a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos estatais de redistribuição solidária da renda. Em outras palavras, mesmo que toda atividade econômica fosse organizada em empreendimentos solidários, sempre haveria necessidade de um poder público com a missão de captar parte dos ganhos acima do considerado socialmente necessário para redistribuir essa receita entre os que ganham abaixo do mínimo considerado indispensável. Uma alternativa frequentemente aventada para cumprir essa função é a renda cidadã, uma renda básica igual, entregue a todo e qualquer cidadão pelo Estado, que levantaria o fundo para esta renda mediante um imposto de renda progressivo.

Os adeptos do movimento atribuem o ressurgimento da economia solidária à crise econômica que assolou o país na década de 1980. Durante a crise, a Cáritas Brasileira financiou os Projetos Alternativos Comunitários (PAC) destinados à geração de emprego e renda para os moradores das cidades e da zona rural em diferentes regiões do Brasil. Boa parte desses projetos transformaram-se em cooperativas solidárias, situando-se alguns deles em assentamentos de reforma agrária liderados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).

Durante a década de 1990, o MST envidara esforços para a construção de cooperativas autogestionárias. O impulso mais significativo, porém, partiu das universidades públicas reunidas em torno das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP), definidas como “um projeto universitário responsável por difundir a economia solidária no ambiente acadêmico”6 (CRUZ; SANTOS, 2008).

Em 1997, foi criado o Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (Proninc), tendo como financiadores o Banco do Brasil (BB) e sua fundação (FBB) e a Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), em articulação com o Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida (COEP).

Segundo Paul Singer (2002, p. 123/124), as ITCP,

[d]esde 1999, [...] constituíram uma rede, que se reúne periodicamente para trocar experiências, aprimorar a metodologia de incubação e se posicionar dentro do movimento nacional de economia solidária. No mesmo ano, a rede se filiou à Fundação Unitrabalho, que reúne mais de 80 universidades e presta serviços, nas mais diferentes áreas, ao movimento operário. A Unitrabalho desenvolve desde 1997 um programa de estudos e pesquisas sobre economia solidária. Um crescente número de núcleos da Unitrabalho em universidades acompanha e assiste às cooperativas, numa atividade que, sob muitos aspectos, se assemelha às das ITCPs.

Em parceria com a Unitrabalho, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) criaram a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) com o objetivo de difundir as bases da economia solidária entre lideranças sindicais e criar militância e entidades de fomento da economia solidária por meio de cursos de pós-graduação em universidades públicas.

Outro fundamento da economia solidária consiste na instituição de cooperativas solidárias, em que os trabalhadores são sócios e onde todas as decisões são por eles tomadas por deliberação em assembleias, a fim de que se fomente um ambiente de igualdade.

A constituição das cooperativas solidárias exige a regular e sistemática intervenção estatal em suas atividades, a fim de que se promova a distribuição da renda, com o intuito de atingir a igualdade material entre todos os sócios das cooperativas.

A vertente mais nociva da economia solidária constitui-se de sua instrumentalização ideológica por meio do sistema educacional.

Do Caderno Pedagógico Educandos/Educandas nº 4 (Economia Solidária) elaborado pelo Ministério da Educação, sob a gestão de Fernando Haddad (2005-2012), extrai-se o seguinte excerto:

Estudar Economia Solidária é importante nesse processo formativo porque ela é originária das lutas e bandeiras defendidas pela classe trabalhadora organizada por meio dos seus movimentos sociais, a partir de princípios e práticas que marcam e marcaram a história dos povos do campo no Brasil. Atualmente, a chamada Economia Solidária se apresenta como uma alternativa ao modelo econômico vigente, ou seja, um outro modo de vida, diferente do modelo capitalista que, em vez de distribuir as riquezas produzidas, gera desigualdade para a maioria da população e destruição do meio ambiente.

A despeito da imprecisão conceitual e do verniz ideológico dos fundamentos que a sustentam, a economia solidária surge como uma solução alternativa ao modo de produção capitalista e - para alguns movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) - um meio de suplantá-lo.

Como se depreende, a propagação e o fortalecimento das bases da economia solidária resultam da ação conjunta da CNBB, dos sindicatos, dos movimentos sociais e das universidades públicas. Funda seus frágeis alicerces numa abordagem extemporânea, de matriz marxista, calcada na propriedade coletiva dos meios de produção e na luta de classes, um reducionismo ideológico que jamais se prestou a explicar as complexidades das relações sociais.

Paul Singer (2002, p. 10), referência na divulgação da economia solidária, nunca escondeu o enfoque marxista da coletivização dos meios de produção e da luta de classes em sua crítica ao capitalismo:

O capitalismo é um modo de produção cujos princípios são o direito de propriedade individual aplicado ao capital e o direito à liberdade individual. A aplicação destes princípios divide a sociedade em duas classes básicas: a classe proprietária ou possuidora do capital e a classe que (por não dispor de capital) ganha a vida mediante a venda de sua força de trabalho à outra classe.

Com a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, em 2003, a economia solidária fez-se presente com mais intensidade no governo federal

Já no primeiro ano do governo Lula (2003-2011), a temática passou a ser encampada pela Secretaria Nacional da Economia Solidária (Senaes) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), tendo como seu primeiro Secretário ninguém menos que o expoente do movimento, Paul Singer.

Ainda em 2003, a Finep e a FBB, em parceria com a Senaes e o extinto MTE, decidiram financiar novas incubadoras de cooperativas, além de contribuir para a manutenção das já existentes. No período de 2003 a 2010, a Finep financiou, com recursos públicos, 28 (vinte e oito) incubadoras de cooperativas.

Nos idos de 2010, o Ministério da Educação lançou, sob a gestão do Ministro Fernando Haddad (2005-2012), a coleção Cadernos Pedagógicos Educadores/Educadoras e Educandos/Educandas (Pro-Jovem Campo - Saberes da Terra), com o objetivo de oferecer subsídios à formação de professores e jovens situados nas zonas rurais. Com claro conteúdo ideológico, a coletânea foi dividida em 5 (cinco) eixos temáticos, apresentados em 5 (cinco) diferentes cadernos pedagógicos, entre os quais o de economia solidária. Por meio deles, o Ministério da Educação da gestão Haddad propunha “construir respostas às suas problemáticas”. Uma das respostas aos educadores e jovens do campo foi apresentar a economia solidária “como uma alternativa ao modelo econômico vigente, [...] ao modelo capitalista, que produz riquezas gerando desigualdade para a maioria da população, e destruição do meio ambiente”.7

Em 2010, foi editado o Decreto nº 7.358 que instituiu o Sistema Nacional do Comércio Justo e Solidário (SCJS), com o objetivo de “coordenar as ações do Governo Federal voltadas ao reconhecimento de práticas de comércio justo e solidário e à sua promoção”.

Com o impeachment de 2016, o movimento economia solidária perdeu sua base de sustentação governamental.

A Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, extinguiu o MTE, ao passo que transferiu as atribuições da Senaes para o Ministério da Cidadania. Em vista disso, as competências do Senaes passaram a restringir-se às políticas assistencialistas e de distribuição de renda capitaneadas pela Pasta.

Além da PEC nº 69/2019, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei (PL) nº 4.685/2012, de autoria do Deputado Paulo Teixeira (PT/SP), cujo conteúdo dispõe sobre a Política Nacional de Economia Solidária e os empreendimentos econômicos solidários, assim como cria o Sistema Nacional de Economia Solidária.

2.2. A economia solidária e a contrafação dos ressentidos

A economia solidária tem por finalidade a substituição do modo de produção capitalista por cooperativas de trabalhadores que rejeitam o comércio voltado para o lucro, na medida em que privilegiam as trocas de produto entre si (escambo) e a venda de produtos artesanais (orgânicos, étnicos e de baixa emissão de gases de efeito estufa), ainda que a preços mais elevados que os de mercado.

Tudo isso escora-se na noção igualmente fluida de consumo solidário e comércio justo, fatores de sustentação dos denominados Empreendimentos Econômicos Solidários (EES).

A ideia de consumo solidário consiste em “uma demanda ideologicamente motivada” destinado a dar “preferência a bens e serviços produzidos por empreendimentos solidários” (SINGER, 2002, p. 117).

A definição de comércio justo e de EES ficam a cargo do art. 2º, incisos I e II, do Decreto nº 7.358/2010 que instituiu o Sistema Nacional do Comércio Justo e Solidário (SCJS). De acordo com a disposição regulamentar, entende-se por comércio justo:

A prática comercial diferenciada pautada nos valores de justiça social e solidariedade realizada pelos empreendimentos econômicos solidários” que, por seu turno, constituem-se sob a forma de “organizações de caráter associativo que realizam atividades econômicas, cujos participantes sejam trabalhadores do meio urbano ou rural e exerçam democraticamente a gestão das atividades e a alocação dos resultados.

A prática comercial realizada pelos EES reputa-se justa pelo só fato de se pautar no conceito de justiça social, termo desprovido de qualquer determinação jurídica.

Segundo Hayek (1985, p. 98/99), a expressão justiça social não pretende ser social no sentido de resultado de um processo, mas trata apenas de uma concepção moral que se pretende impor à sociedade, sem qualquer relação com a acepção de justiça. O tema justiça social é tema vazio de significado, mas recorrente nos discursos políticos e nas diretrizes dos partidos políticos progressistas, A própria Constituição Federal de 1988 reservou-lhe uma vaga e envergonhada alusão no caput do art. 170, ao expressar que “[a] ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar, a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

Os defensores da economia solidária entendem como justo o comércio, ainda que, em termos de qualidade e preço, os bens e serviços ofertados pelos EES sejam mais caros e de pior qualidade em relação aos ofertados pelas empresas capitalistas. Busca-se, com isso, convencer os agentes econômicos de que a compra de um bem ou serviço não deve se pautar pela qualidade ou pelo preço, mas sim em função do específico modo de como esse bem ou serviço deve ser produzido.

Revela-se aqui uma considerável inversão na lógica que norteia as expectativas e as decisões dos consumidores e produtores num ambiente em que vigora a livre iniciativa e a concorrência. Até aqui fica claro perceber que a economia solidária se posiciona contrariamente a tudo aquilo que represente a economia de mercado (capitalista).

Sob o enfoque da atividade empresarial, porém, as distinções entre ambos os modos de produção são apresentadas por Paul Singer (2002, p. 11-18) e estão consolidadas no quadro a seguir (Quadro 1):

Quadro 1.
Elementos distintivos entre a empresa capitalista e a economia solidária

Fonte: Seção 2 do Capítulo I do livro Introdução à Economia Solidária de Paul Singer (p. 11-18).

Os pilares sobre os quais repousam a economia solidária derivam da sempre constante comparação com a economia capitalista, buscando distinguir conceitos mesmo quando indistinguíveis. É o caso das retiradas e sobras, outros nomes dados a salários e lucros.

Percebe-se, claramente, que a economia solidária é uma contrafação fajuta da economia de mercado, na medida em que se apropria de toda a estrutura da empresa capitalista, destruindo, todavia, aquilo que melhor a caracteriza: os riscos, os incentivos e a celeridade na tomada de decisões.

A insistência em empreendimentos dessa natureza é mais bem explicada pela psicologia que pela economia. Em A Mentalidade Anticapitalista, Mises (1987, p. 16-18) analisa, dentre tantas outras causas psicológicas do descrédito do capitalismo, as diatribes promovidas por indivíduos malsucedidos, ressentidos pela frustração de suas ambições, no bojo de um regime cujos méritos e o espírito empreendedor determinam o sucesso ou a derrota.

Nesse sentido é que até mesmo as cooperativas de sucesso são alvo de críticas dos prosélitos da economia solidária. Em entrevista intitulada Economia Solidária, publicada na revista Estudos Avançados da Universidade de São Paulo8, Paul Singer refere-se à grande maioria das cooperativas existentes no Brasil como “coopergatos” ou “cooperfraudes”, acusando-as de serem empreendimentos capitalistas. Isso porque, para receber a denominação cooperativas solidárias, é preciso que a entidade seja gerida coletivamente por todos os trabalhadores que adquirem o status de sócios com direito a voto igualitário9.

É a ditadura dos ressentidos. Uma insurgência tragicômica contra o sucesso alheio.

2.3. O perigo à espreita

E, então, onde reside o perigo da aprovação de uma Emenda à Constituição que eleve a economia solidária ao status de princípio constitucional da ordem econômica?

É próprio dos adeptos da economia solidária encará-la como alternativa ao sistema de produção capitalista. Alçar a economia solidária ao status de princípio da ordem econômica equivale a decretar a morte dos demais princípios que sustentam o resquício de um sistema capitalista (livre iniciativa e livre concorrência), já combalido pela existência de tanta regulação e regulamentação que lhe obnubila.

Fato é que o capitalismo jamais fincou raízes no Brasil. O que há, como visto alhures, é um arranjo intervencionista temperado com alguns princípios que conferem sustento a um sistema capitalista, tais como a livre iniciativa e a livre concorrência.

A existência da economia solidária como princípio da ordem econômica põe-na em rota de colisão com esses poucos princípios de ordem capitalista, o que carreia evidente risco ao equilíbrio dinâmico, porém instável, que caracteriza o sistema intervencionista brasileiro. Tanto pior será se ideologicamente instrumentalizada nas mãos de governos que pretendam subverter o arremedo de Estado de Direito vigente no Brasil.

Dados do segundo - e último - Mapeamento Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) realizado pela Senaes em 2013, indicaram a existência de 19.708 empreendimentos econômicos solidários que albergava um total de 1.423.631 sócios10. Não há, porém, qualquer informação no levantamento feito pela Senaes em relação aos valores financiados pelo Estado, o que é consentâneo com a ausência de zelo que caracterizava os governos da época no que concerne aos custos das políticas sociais.

Os resultados das atividades econômicas desenvolvidas pelos EES em 2012, sem contar as doações de recursos, foram negativos. Dos 19.708 EES existentes em 2013, cerca de 9.638, o equivalente a 48,9 % do total das EES, não angariaram “sobra” (lucro) pelo exercício de suas atividades. Curiosamente, o mapeamento aponta que, do total de empreendimento solidários, apenas 1.740 (8,83% do total de EES) estavam constituídos sob a forma de cooperativas. A grande maioria dos EES encontrava-se estruturada como associações (11.823 EES), seguida de grupos informais (6.018 EES), e uma menor parcela constituída sob a forma de sociedade mercantil (127 EES). Dada a conformação do conceito de economia solidária em torno das cooperativas autogestionárias, era de se esperar que os EES estivessem todos constituídos sob essa modalidade. Até mesmo em relação ao número de cooperativas, os dados não nos permitem saber se são elas auto ou heterogestionadas.

O mapeamento também indica que apenas 46,20 % dos empreendimentos identificados como solidários (EES) tiveram como motivação para sua criação a alternativa ao desemprego, contra 48,83 % que a indicaram como uma fonte complementar de renda para seus associados. Outra distorção que vai de encontro à defesa da economia solidária como um meio de superar o desemprego da mão-de-obra. Na data do mapeamento, declararam necessitar de financiamento estatal 69,84 % dos EES, enquanto 23,29% havia efetivamente buscado crédito estatal para seu regular funcionamento.

A divergência dos dados em relação à proposta teórica formulada pelos defensores da economia solidária demonstra cabalmente que o “movimento” é incapaz de sustentar-se, autonomamente, mesmo que se valha de financiamento estatal.

Na prática, a economia solidária nada mais é que um experimento social fadado ao fracasso, como bem demonstra a história dos Kolkhozes da extinta União Soviética e dos tradicionais Kibutzim israelenses.

Ademais, é fato inconteste que a Constituição Federal de 1988 e as normas infraconstitucionais legitimam a existência de cooperativas, inclusive as de economia solidária hoje existentes. Do cenário jurídico do cooperativismo brasileiro, depreende-se que não é por falta de previsão constitucional e regulamentação legal que os empreendimentos de economia solidária deixam de existir ou não se estabelecem do modo como seus defensores almejam. Sua concepção, calcada em discerníveis elementos de teoria marxista, é contrária às expectativas dos agentes econômicos e se apresenta como uma alternativa utópica frente aos desafios do mundo contemporâneo, cuja demanda por bens e serviços exigem elevados níveis de produtividade que só o sistema de produção capitalista pode oferecer.

A considerar a estrutura montada na década de 2000 em torno do tema e o conteúdo do PL nº 4.685/201211, percebe-se claramente que a economia solidária se caracteriza por ser um mecanismo dependente de reiterados aportes de recursos públicos, com o potencial de vir a transformar-se num futuro problema fiscal para o Brasil.

Conclui-se que a economia solidária é um movimento, uma causa, uma ideologia travestida de um ralo verniz científico. Defender que a economia solidária é passível de adquirir status de princípio da ordem econômica, permite com muito mais razão atribuir o mesmo status à economia de mercado, dotada que é de irrefutável cientificidade. No entanto, a economia solidária e a de mercado12 são ambas albergadas pelos princípios da ordem econômica a que alude o art. 170 da Constituição Federal.

3. A Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto)

Enquanto a economia solidária é a inimiga declarada do capitalismo, a Enimpacto é a sua falsa amiga.

A Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto - Enimpacto surgiu no bojo da agenda Enviromental, Social and Governance (ESG) criada pelo Banco Mundial em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir do texto intitulado Who Cares Wins - Connecting Financial Markets to a Changing World.

A agenda ESG notabiliza-se por referir-se a práticas empresariais e de investimentos voltadas à persecução, não apenas do lucro, mas também a critérios de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social.

Embora os termos e as expressões de que se reveste sugiram tratar-se de uma iniciativa restrita ao mercado, os defensores da ESG já estenderam seus tentáculos sobre a burocracia estatal brasileira que vem promovendo regulações pontuais com o intuito de promover a agenda13.

Tributária dessa iniciativa, a Enimpacto nada mais é que um mecanismo de intervenção e de extração de renda estatal, como se verá adiante.

3.1. Panorama sobre a origem, os fundamentos e o atual estágio da Enimpacto

Segundo o texto-base da Enimpacto, intitulado “Negócios que Resolvem Problemas Ambientais”, foi criada, em maio de 2014, a Força Tarefa Brasileira de Finanças Sociais (FTFS), a partir da mobilização de organizações da sociedade civil, cuja finalidade era “mapear, conectar e apoiar atores e agendas estratégicas para destravar fontes de investimento, apoiar empreendedores de Negócios de Impacto e fortalecer organizações intermediárias do ecossistema”.

A criação da FTFS surgiu no contexto de uma experiência internacional embrionária que visa à substituição do comportamento empresarial voltado à satisfação financeira dos acionistas para um novo paradigma centrado em modelos de negócios, comprometidos em gerar resultado financeiros de forma sustentável, atrelado à geração de impactos sociais e ambientais positivos.

O extinto Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) incorporou a ideia, celebrando com a FTFS, no crepúsculo do Governo Dilma Rousseff (agosto de 2016), um Acordo de Cooperação Técnica que o tornou ponto focal das discussões sobre Negócios de Impacto.

Nesse contexto, o MDIC criou um grupo de trabalho, integrado por diversos órgãos federais, que se mobilizou para estruturar a Enimpacto. Da proposta elaborada por esse grupo de trabalho, foi editado, no governo Michel Temer (2016-2018), o Decreto nº 9.244/2017, que formalizou a Enimpacto e com ela a criação de um órgão colegiado, de caráter consultivo, denominado Comitê de Investimentos e Negócios de Impacto, cuja função é propor, monitorar, avaliar e articular a implementação da Enimpacto.

Com a edição do Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, alcunhado Revogação, o Governo Federal extinguiu e estabeleceu diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Em vista disso, fora extinto o Comitê da Enimpacto.

A Enimpacto fora recriada - e com ela o Comitê - pela edição do Decreto nº 9.977/2019 que, atualmente, destina-se a impulsionar a adoção de práticas ESG.

De acordo com o art. 1º do Decreto nº 9.977/2019, a finalidade da Enimpacto consiste em “articular órgãos e entidades da administração pública federal, do setor privado e da sociedade civil para a promoção de um ambiente favorável ao desenvolvimento de investimentos e negócios de impacto”.

Precisamente, a proposta fundamenta sua existência no comando contido no art. 3º, inciso IV, do referido decreto, nos seguintes termos:

Art. 3º São objetivos da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto:

IV - Promover um ambiente institucional e normativo favorável aos investimentos e aos negócios de impacto [...].

Mas o que, afinal, são os Negócios e Investimentos de Impacto? O regulamento estatal os define no art. 2º, incisos I e II do Decreto nº 9.977/2019.

Negócios de Impacto são os “empreendimentos com o objetivo de gerar impacto socioambiental e resultado financeiro positivo de forma sustentável”. Por seu turno, Investimentos de Impacto são definidos como “mobilização de capital público ou privado para negócios de impacto”.

Logo, constitui objetivo da Enimpacto a oferta de capital, por meio da mobilização de recursos públicos destinados ao investimento e ao financiamento dos Negócios de Impacto (art. 3º, I do Decreto nº 9.977/2019)14.

A criação de benefício fiscal em prol das sociedades e empresas de benefício estão previstas nas ações endereçadas à realização dos macro-objetivos contidos no documento intitulado “Negócios que Resolvem Problemas Socioambientais”. Esse documento é o texto-base que consolida os objetivos da Enimpacto declarados nos seguintes termos (p. 5):

articular diferentes órgãos de governo, bem como parceiros da sociedade (entidades empresariais, fundacionais, organizações não governamentais, comunidade científica e tecnológica) na promoção de um ambiente favorável ao desenvolvimento de empreendimentos capazes de gerar soluções de mercado para os problemas sociais e ambientais brasileiros. [grifos nossos].

Embora conste no objetivo da Enimpacto a busca por “soluções de mercado para superação de problemas sociais e ambientais”, o que se vislumbra, da leitura dos macro-objetivos, é o oposto. Ao se deparar com os eixos temáticos e os macro-objetivos da Enimpacto, percebe-se uma ampla demanda por intervenção estatal, em alguns casos, com inegável impacto fiscal.

O documento retrata que para alcançar o objetivo a que se propõe a Enimpacto trabalhará para promover quatro eixos temáticos - segundo o texto - “com entendimentos e efeitos complementares e que precisam ser impulsionados conjuntamente para avançar e fortalecer o campo de forma estruturada”.

I) Ampliação da Oferta de Capital;

II) Aumento do Número de Negócios de Impacto;

III) Fortalecimento de Organizações Intermediárias;

IV) Promoção de um Macro Ambiente Favorável aos Investimentos e Negócios de Impacto.

Na busca da consolidação do eixo temático I (Ampliação da Oferta de Capital), a Enimpacto afirma que “[o]s Investimentos de Impacto movimentam recursos financeiros de diversos atores”, conceitualmente agrupados em dez (10) perfis, figurando entre eles os Governos (federal, estaduais e municipais).

Ainda em relação ao eixo temático I, ressaltam-se os macro-objetivos 1 (Ampliar a disponibilidade de recursos do governo a Negócios de Impacto) e 4 (Estimular a compra/contratação de Negócios de Impacto pelo Estado). Entre as ações propostas para atingir os macro-objetivos, podem ser contempladas as seguintes:

a) Desenvolver programas de financiamento público para apoiar a estratégia de impacto social de grandes empresas e sua cadeia produtiva social;

b) Sistematizar e disseminar mecanismos de apoio (ex: termos de referência e contratos padrões) para facilitar processos de contratação de Negócios de Impacto por gestores públicos;

c) Integrar órgãos de controle (TCU, CGU, CGE e TCE) em processos de compras públicas desde o início;

d) Incentivar a utilização dos mecanismos previstos na Lei de Inovação (Lei no 10.973/04) para a realização de encomendas tecnológicas e contratação de serviços e aquisição de produtos pelo Estado, relacionados com tecnologias que gerem impacto social e/ou ambiental;

e) Incentivar, conectar e apoiar a estruturação de Contratos de Impacto Social (Social Impact Bonds - SIBs).

No que concerne ao eixo temático II (Aumento do Número de Negócios de Impacto), a Enimpacto propõe para a efetivação do macro-objetivo 2 (Apoiar a conexão dos Negócios de Impacto com demandas da gestão pública) o seguinte:

a) Estimular que gestores públicos compartilhem seus desafios de gestão e atendimento à população para que empreendedores possam sugerir soluções complementares a políticas públicas e para que gerem mecanismos viáveis de implementação destas soluções;

b) Apoiar a inclusão dos Negócios de Impacto na cadeia de valor das empresas;

c) Apoiar que Negócios de Impacto forneçam bens e serviços mais acessíveis e melhores condições de vida para as pessoas de menor renda.

O eixo temático III (Fortalecimento de Organizações Intermediárias) desempenha a função de fomentar o surgimento de uma figura que facilite e qualifique a conexão entre a oferta e o capital demandado pelos Negócios de Impacto, além de disseminar a presença de Negócios de Impacto em localidades onde este tema ainda não esteja plenamente impulsionado (ex: regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e municípios de médio porte). Para atingir tal intento, as ações do eixo temático III visam a:

a) Incluir o apoio a Negócios de Impacto nos critérios de seleção das chamadas públicas e programas de apoio à inovação tecnológica lançados pelo governo federal;

b) Engajar órgãos de fomento à pesquisa para que realizem chamadas para a realização de pesquisas relacionadas aos Investimentos e Negócios de Impacto.

Por fim, o eixo temático IV (Promoção de um Macro Ambiente Favorável aos Investimentos e Negócios de Impacto) é o que propõe uma maior intervenção do Estado voltada ao desenvolvimento desse paradigma econômico. Em ação específica do macro-objetivo 1 (Propor e acompanhar legislações, normas e regulamentos que resultem no fortalecimento dos Investimentos e Negócios de Impacto) deste eixo temático IV, a Enimpacto propõe as seguintes ações com demandas que envolvem o Estado:

a) Avançar na discussão de política fiscal mais eficiente para investimento direto em Negócios de Impacto ou através de fundos de investimento de impacto;

b) Promover as regulamentações necessárias para a estruturação dos Contratos de Impacto Social (SIBs);

c) Propor regulações que aumentem a segurança jurídica para fundos de pensão desenvolverem estratégias de investimento de impacto;

d) Apoiar, fortalecer e conceber a segurança jurídica necessária às Organizações da Sociedade Civil que possuam Negócios de Impacto lucrativos15;

e) Regulamentar a constituição de Fundos Rotativos Sociais para fomentar os Negócios de Impacto;

f) Avançar nas discussões sobre a modernização das leis de compras públicas, para incluir critérios de inovação e impacto;

g) Avançar na discussão da regulamentação dos fundos patrimoniais (endownment);

h) Buscar a segurança jurídica nos investimentos em negócios de impacto;

i) Disseminar a possibilidade de Organizações da Sociedade Civil (OSC) e fundações serem sócias ou proprietárias de Negócios de Impacto como forma de executar ou financiar suas missões sociais, respeitada a restrição de não distribuição de lucro pelas fundações e OSCs16.

Desse modo, a Enimpacto pulveriza suas ações em macro-objetivos que, quando vislumbrados numa visão panorâmica, apresenta-se sob a forma de uma rede de benefícios governamentais, em nada compatíveis a empreendimentos capazes de gerar soluções de mercado para os problemas sociais e ambientais brasileiros.

Aliada às estratégias de implementação de um paradigma que pretende substituir a busca pelo lucro, a Enimpacto carreia um enorme potencial de gerar impacto fiscal, além de conferir vantagens competitivas em relação às sociedades empresariais que pretendem continuar a satisfazer os interesses de seus acionistas pela maximização de seus lucros (paradigma do shareholder).

No âmbito da Enimpacto, algumas propostas são elaboradas pelo Grupo Jurídico do denominado Sistema B, organização não-governamental (ONG), criada em 2006 nos Estados Unidos, com a finalidade lucrativa de impulsionar um novo sistema econômico denominado Economia B. O Grupo Jurídico do Sistema B é composto por advogados privados, de diversas especialidades, os quais, desde 2014, identificam as questões jurídicas relevantes aos Negócios de Impacto e suas possíveis soluções.

A Economia B é um movimento global que pretende disseminar a ideia de desenvolvimento sustentável e equitativo através da certificação de empresas em âmbito mundial. Os certificados são emitidos pelo Sistema B (B Lab) para identificar empresas que seguem determinados padrões de transparência, responsabilidade e desempenho17.

As empresas que formam o Sistema B distinguem-se das demais empresas atuantes no mercado pela intenção declarada de resolver problemas sociais e ambientais. Para demonstrar que cumprem tal desiderato, as empresas passam por um processo de certificação privada que examina todos os aspectos relevantes à obtenção do certificado, devendo atender a padrões de desempenho mínimos, além de assumir compromisso com a transparência ao relatar publicamente seu impacto socioambiental.

O Sistema B objetiva propor mudanças na legislação com vistas a proteger sua missão:

construir um ecossistema favorável para fortalecer empresas que usam a força do mercado para solucionar problemas sociais e ambientais: as Empresas B”; e sua visão: “[u]ma economia onde o sucesso seja medido pelo bem-estar das pessoas, das sociedades e da natureza.

Os Negócios de Impacto a que alude a Enimpacto são empreendimentos do tipo Empresas B.

A abordagem regulatória proposta pela Enimpacto, centra-se na interpretação ampliada do princípio da função social da empresa, dotando-a, enquanto atividade voltada à circulação e produção de bens e serviços, de responsabilidades socioambientais que se situam além da geração de lucros, da criação de empregos e do pagamento de tributos.

3.2. A função e os objetivos da atividade empresarial

A função empresarial é o atributo individual de percepção das possibilidades de lucros - ou outros ganhos eventualmente existentes - que põe em destaque as capacidades perceptiva, criativa e de coordenação do agente (IORIO, 2011).

Como qualquer ação humana, a ação empresarial será processada em um ambiente de genuína incerteza, deparando-se com escolhas ao longo do tempo. Nesse ambiente de incerteza, a ação processa-se a partir dos meios que o agente julga ser os mais apropriados para o sucesso do empreendimento. Contudo, o agente não está livre de prejuízos e perdas decorrentes de erros de avaliação entre os meios empregados e os fins perseguidos.

A Enimpacto é um artifício que suprime a função empresarial ao tentar compensar eventuais prejuízos e perdas pela via dos benefícios governamentais. Ao escolher a realização de serviços sociais e ambientais, em detrimento da persecução do elemento motivador da atividade empresarial (o lucro), os Negócios de Impacto buscam respaldo político para mitigar o risco de realização de prejuízos por intermédio do suporte regulatório demandado pela Enimpacto, eliminando, assim, as incertezas a que a atividade empreendedora estaria exposta.

Ao interferir na função empresarial com seu poder regulamentar, o Estado pode contribuir para o aperfeiçoamento da atividade empresarial, impedindo, por exemplo, conflito de agência ou mitigando qualquer outra assimetria de informação. Mas também pode conceder privilégios exclusivos para grupos de empresas específicas, protegendo-as da concorrência pela criação de barreiras à entrada ou reserva de mercado.

Segundo a lição de Iorio (2011),

a ação empresarial é imprescindível para tornar possível o cálculo econômico - definido como as estimativas da avaliação dos resultados dos diversos cursos de ação - porque somente ele é capaz de fornecer as informações necessárias para tal. A função empresarial, portanto, é um elemento precioso para a realização do processo de coordenação social e dos juízos dos resultados da ação humana no campo econômico. Uma sociedade que abre mão da função empresarial está condenada à ausência de coordenação social e de cálculo econômico e, portanto, está abrindo todas as portas para a coerção institucional. Sem mercados livres e liberdade para agir, não pode haver ação empresarial, sem esta não há como se falar em preços de mercado e sem estes é impossível existir coordenação e cálculo econômico.

Quanto ao objetivo da atividade empresarial, tem-se que a empresa possui múltiplas facetas, a depender da visão da teoria que explica como o sistema econômico opera. A escola clássica identifica a empresa como a que objetiva acumular capital em um ambiente competitivo num sistema capitalista em expansão. Já a empresa neoclássica é aquela cujas escolhas individuais objetiva a maximização de lucros. A abordagem institucional de Alfred Marshall e Richard Coase, não obstante agregarem novos elementos de análise à abordagem neoclássica - respectivamente, como a capacitação organizacional e o custo de transação - não abandonam a noção da empresa maximizadora de lucros (PROCHNIK et al., 2002).

A abordagem alternativa à visão neoclássica de que a empresa não visa somente o lucro não é nova. A primeira delas, de corte liberal, remete à corrente gerencialista de Berle e Means, W. Baumol et al. Para os gerencialistas, a noção de que a empresa tem como objetivo precípuo maximizar lucro é mitigada pelo surgimento da figura do gerente profissional.

Neste sentido, uma função-utilidade dos gerentes, que orienta as suas decisões, conteria não apenas os lucros, mas também os outros elementos que afetam suas carreiras, seu emprego, suas oportunidades de remuneração futura: parcelas de mercado das empresas, graus de risco, crescimento das vendas apareceriam ao lado dos lucros como variáveis, inclusive competindo com os lucros. Um gerente poderia trocar um pouco de lucro por um pouco mais de vendas como objetivo, de forma a valorizar seu prestígio entre os gerentes existentes na economia - variáveis associadas ao crescimento da empresa ocupam, portanto, papel preponderante nestes modelos. (PROCHNIK et. al. 2002)

Apesar de a maximização de lucros não ser tida como a função primordial da empresa na abordagem gerencialista, a atuação do gerente fica restrita à economia interna da empresa e as consequências dela advindas não repercutem em demandas direcionadas ao Estado. Daí entender que a atuação do gerente, na representação da empresa, realiza-se sob o pálio da livre-iniciativa e, por essa razão, em consonância com a economia de mercado.

Também não é novidade a crítica à função social da empresa, cujo texto clássico remonta o ano de 1970, em artigo publicado pelo economista Milton Friedman na The New York Times Magazine. Neste artigo, intitulado The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits, o autor aponta, dentre muitos aspectos relevantes, a falta de rigor técnico na defesa da responsabilidade social das empresas e a incoerência com o problema do Principal-Agente no âmbito das corporações, uma vez que o agente (administrador) toma decisões no interesse do principal (acionista). Outra importante objeção suscitada por Friedman é que a:

doutrina da ‘responsabilidade social’ envolve a aceitação da visão socialista de que os mecanismos políticos, e não os mecanismos de mercado, são as formas apropriadas de determinação da melhor alocação de recursos escassos a usos alternativos18.

Após a crítica de Friedman, a literatura econômica apontou para diversas falhas conceituais da teoria da responsabilidade social das empresas, as quais podem ser condensadas nos seguintes tópicos:

  1. 1. A falta de clareza do conceito de responsabilidade social da empresa e o uso do discurso da responsabilidade social da empresa para esconder atividades corporativas viciosas (DEVINNEY, 2009);
  2. 2. A natureza psicopática da corporação. A obrigação fundamental da empresa é servir a si mesma. A corporação é um tipo de pessoa (jurídica) essencialmente egoísta (BANERJEE, 2007);
  3. 3. A busca pelo lucro vence os princípios externados pela responsabilidade social da empresa e o uso pelas corporações como maquiagem para melhorar sua imagem e para alcançar melhores resultados financeiros (DOANE, 2005);
  4. 4. O uso de característica voluntária da responsabilidade social da empresa como um argumento para fazer com que os reguladores não imponham normas ou leis mais rígidas (BLOWFIELD; FRYNAS, 2005; HARJOTO; JO, 2007; PRIOR; SURROCA; TRIBO, 2008);
  5. 5. A manipulação da sociedade e das partes interessadas externas em benefício da corporação (DOANE, 2005; BANERJEE; 2007; DEVINNEY, 2009);
  6. 6. A institucionalidade das políticas sociais e ambientais e a desnecessidade de o Estado patrocinar sociedades e empresas privadas para cumprir tais funções.

Atualmente, as críticas mais contundentes às práticas ESG foram elaboradas por Aswath Damodaran que, em coautoria com Bradford Cornell, publicou o artigo intitulado “Valuing ESG: Doing Good or Sounding Good?”. No texto, os autores apontam algumas evidências, dentre outras, que contestam os argumentos dos que advogam as práticas ESG:

a) As empresas socialmente responsáveis têm taxas de desconto mais baixas e, portanto, os investidores ostentam retornos esperados mais baixos do que as que não se apresentam sob essa insígnia;

b) Algumas empresas se beneficiam por ser socialmente responsável enquanto outras apenas geram custos sem quaisquer benefícios compensatórios;

c) As empresas ruins, de fraco desempenho, são punidas pelos investidores. Aumentar os custos das empresas de capital aberto a fim de que se apresentem como empresas socialmente responsáveis é um gesto que não rende os resultados esperados (fútil);

d) Há uma fraca ligação entre as práticas ESG e o desempenho operacional das empresas. A evidência de que os mercados incorporam responsabilidade social na precificação é fraca, exceto para empresas rotuladas como empresas ruins.

3.3. O perigo à espreita

O substrato do novo paradigma empresarial sustentado pela Enimpacto é a realização de benefícios difusos, de índole social e ambiental, em prol da coletividade (stakeholders). Relega-se, a um segundo plano, a satisfação dos acionistas (shareholders), tradicionalmente consubstanciada na geração de lucros que, por si só, gera reflexos positivos na criação e manutenção de empregos e na arrecadação de tributos.

Essa nova concepção da atividade econômica põe os acionistas em condição igualitária a todas as partes interessadas (stakeholders) envolvidas na atividade empresarial, tais como os membros da comunidade afetada pela atividade empresarial, os fornecedores, os consumidores e outros.

Como visto anteriormente, o Sistema B apresenta-se sob a forma de um movimento global que tem a pretensão declarada de reformatar o papel da empresa no sistema capitalista, baseado na liberdade de iniciativa e de concorrência. Parafraseando Frederic Bastiat, é o que se vê nas declarações de intenção dos defensores do Sistema B. Ocorre que a aquilo que não é declarado (“o que não se vê”) é a redefiniçao do próprio modo de produção capitalista, a partir da extrema relativização do direito de propriedade dos acionistas e de uma maior intervenção estatal nos negócios privados. Sob essa perspectiva, extrai-se do sítio do Sistema B Brasil19 o seguinte:

Uma mudança no paradigma corporativo. Para que mais empresas, pessoas e instituições se comprometam a aumentar seu impacto socioambiental positivo, precisamos conectar o mundo público ao privado. Precisamos promover políticas públicas, engajar mais pessoas que queiram tornar possível essa mudança na economia.

Por isso, o Sistema B promove desde 2014, por meio do Grupo Jurídico B, estudos e discussões das questões jurídicas relevantes aos arranjos econômico-societários da nova economia - desde as cláusulas B às discussões no âmbito da regulação e da autorregulamentação.

O principal desafio para este grupo, formado por 11 advogados de várias especialidades, é modificar as estruturas jurídicas existentes para apoiar aquelas empresas que desejam fazer seus negócios de forma diferenciada, tendo como princípio o triplo impacto: social, econômico e ambiental. [grifos nossos]

Assim, a intenção dos colaboradores do Sistema B é “modificar as estruturas legais existentes de modo a apoiar os acionistas” - diga-se, as sociedades e empresas “que queiram fazer negócios de forma diferente”.

A ordem constitucional (econômica e financeira) brasileira autoriza a existência de empreendimentos embrionários e alternativos, desde que consentâneos com o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, princípios esses reitores da atividade empresarial. Ademais, a filosofia que subjaz essas iniciativas contradiz a farta proteção conferida ao meio ambiente e a seara social pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição Federal (CF) contempla a livre iniciativa, tanto como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, IV), quanto como princípio da ordem econômica (art. 170, caput). Proteção de igual monta confere o ordenamento jurídico brasileiro ao direito de propriedade privada, considerado pela Constituição direito fundamental (art. 5º, XXII) e princípio da ordem econômica (art. 170, II).

No entanto, não se desconhece que a livre-iniciativa e o direito de propriedade são temperados pelo princípio da função social da propriedade (art. 170, III da CF) e da defesa do meio-ambiente (art. 170, VI da CF), igualmente tidos como princípio da ordem econômica.

Dado o contexto, a legislação brasileira que trata do direito de propriedade é bastante restritiva para a atividade empresarial quando comparada a seus congêneres no cenário internacional. Seja qual for o ramo de atividade dos empreendimentos sediados no país, há que se respeitar o art. 1.228, caput e parágrafo 1º do Código Civil que expressa a chamada função socioambiental da propriedade20.

De acordo com o marco legal brasileiro, o direito subjetivo à propriedade condiciona-se ao exercício das finalidades: (i) econômicas: pela geração de lucros e, por consequência, pela arrecadação de tributos; e (ii) sociais: pela criação de empregos diretos e indiretos, fornecimento de bens e serviços destinados ao bem-estar da comunidade e a preservação do meio-ambiente.

A legislação socioambiental brasileira é uma das mais completas e complexas do mundo, podendo-se citar, apenas na seara ambiental, dezessete (17) normativos que cuidam do meio-ambiente brasileiro, sob as quatro vertentes em que se apresenta: natural, artificial, cultural e do trabalho.

Agrega-se à essa realidade legislativa a existência das entidades do terceiro setor (atividades públicas não estatais)21, criadas sob a forma de fundações ou associações civis sem fins lucrativos, integradas por sujeitos e organizações privadas que se comprometem com a realização de atividades de interesse público, sujeitas a controle pelos Tribunais de Contas.

A necessidade de descentralização e ampliação de serviços públicos levou o governo federal a criar, por meio da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 (Lei de das Organizações Sociais), o Programa Nacional de Publicização (PNP). Na ocasião, o art. 20 da lei determinou a absorção de entidades e órgãos públicos por pessoas jurídicas de direitos privado para a execução de serviços sociais sob regime de parceria.

Inicialmente, a absorção estendeu-se aos seguintes serviços: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Com o surgimento das espécies de entidades do terceiro, esse rol ampliou-se consideravelmente. Apenas no art. 3º da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999 (Lei das OSCIP), constam treze (13) áreas sociais a serem exploradas pelas fundações e associações civis, com especial atenção à possibilidade expressa no inciso IX: “experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito”.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2020), há, atualmente, no Brasil, 781.921 entidades formais do terceiro setor, em atividade no Brasil, das quais 1.114 são Organizações Sociais (OS) e 7.046 são Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Apenas sob a forma de subvenção, as OS e OSCIP tiveram, no interstício entre 2010 e 2018, aporte de recursos do governo federal na ordem de R$ 4 bilhões (dados de julho de 2020). No mesmo período, o governo federal destinou a quantia de R$ 118 bilhões a 22 mil entidades do terceiro setor em atividade no país (até julho de 2019), para a consecução de diversos serviços e ações de interesse público.

Considerações Finais

O intervencionismo estatal, revelado na excessiva produção legislativa e regulatória brasileira, atua como um garrote que impede o fluxo regular das transações econômicas no Brasil.

Dia após dia, novas regulamentações estatais surgem para conceder benefícios seletivamente concentrados a segmentos específicos da sociedade - com força política suficiente para dobrar a vontade do Estado a suas demandas - enquanto os custos dessas políticas recaem sobre parcelas sub-representadas da sociedade.

O presente estudo analisou apenas duas políticas extraídas da enxurrada de normas estatais de mesmo calibre produzidas diuturnamente no Brasil.

A preocupação maior em relação à economia solidária e ao novo paradigma empresarial encetado pela Enimpacto reside no fato de que ambas almejam, abertamente e sem qualquer pudor, a supressão de princípios que informam o único sistema de organização produtiva capaz de gerar riquezas e satisfazer as necessidades materiais de um povo: o sistema capitalista.

A concretização de políticas desse jaez aproxima o país do socialismo a passos largos. Em referência à economia solidária - inimigos declarados do capitalismo - não há qualquer dúvida de que a base da proposta se apresenta com acentuado cariz socialista e enorme potencial a ser explorado caso haja o retorno de partidos de esquerda ao centro do poder político.

Quanto à Enimpacto, tributária das práticas ESG - falsos amigos do capitalismo - já na década de 1970, suas premissas foram questionadas pelo economista Milton Friedman. Atualmente, a crítica está concentrada em alguns recantos acadêmicos, tendo no professor de finanças da New York University, Aswhat Damodaran, o seu mais conhecido e profícuo interlocutor.

Apesar da consistência das críticas desferidas contra ambas as políticas, parece que os agentes estatais estão seduzidos pelo canto da sereia e dispostos a pagar o preço desses experimentos sociais fadados ao fracasso. Ou enterra-se a PEC nº 69/2019 e a Enimpacto; ou o conjunto da obra enterrará de uma vez por todas o pouco que restou do capitalismo brasileiro.

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NOTAS

1 O artigo foi publicado, em 9 de julho de 1995, no jornal “Folha de São Paulo”. O escrito foi uma resposta à edição das emendas à Constituição nº 8 e nº 9, de 1995, que, respectivamente, flexibilizaram o monopólio dos serviços de telecomunicações e da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos. Campos defendia a utilização de medidas provisórias e da legislação já existente, a fim de conferir celeridade ao processo de privatização da Petrobras e da Telebras/Embratel. Afirmava o autor: “Leis não faltam. Faltam dinheiro e capacidade gerencial”. Propunha, com isso, que o arcabouço legislativo vigente daria conta de levar a bom termo a flexibilização dos monopólios, sendo desnecessária, portanto, a publicação de novas leis, principalmente em face do perigo que representava a “mobilização de interesses corporativistas”.
2 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136639. Acesso em: 24 mai 2021.
3 A minuta da PEC nº 69/2019 encontra-se disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7949590&ts=1606766409636&disposition=inline. Acesso em: 18 jun 2021.
4 O art. 3º, I e II, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2016, denominada Lei do Simples Nacional, considera microempresa e empresa de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário de que trata o art. 966 do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, quando aufiram, em cada ano-calendário uma receita bruta, no primeiro caso, igual ou inferior a R$ 360.000,00; e, no segundo caso, superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00. Veja-se que não se trata de uma bagatela!
5 Conceito extraído do verbete Utopian Socialism, da Enciclopédia Britânica: “[...] o socialismo utópico baseou-se nas primeiras ideias comunistas e socialistas. Entre os seus adeptos incluíam-se Louis Blanc, conhecido por sua teoria das “oficinas sociais” controladas por trabalhadores, e John Humphrey Noyes, fundador da Comunidade Oneida nos Estados Unidos da América (EUA). Assentamentos utópicos também foram implementados nos EUA por grupos religiosos, tais como os menonitas, a Sociedade Unida dos Crentes na Segunda Aparição de Cristo (Shakers) e os mórmons” [tradução livre].
6 As ITCP agregam mais de 40 universidades públicas e têm como parceiros: a Fundação Banco do Brasil (FBB), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Ministério da Saúde (MS), extinto Ministério do Trabalho e Emprego - MTE (hoje Ministério da Economia) e Oxfam Novib. Disponível em: http://www.itcp.coppe.ufrj.br/rede_itcp.php. Acesso em: 17 out 2019).
7 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6008-caderno4-educador-economia-solidaria&Itemid=30192. Acesso em: 24 mai 2019.
8 Economia solidária. Estudos Avançados, São Paulo, v. 22, nº 62, p. 289-314, 2008.
9 Nas pequenas cooperativas solidárias, não há distinção entre as funções exercidas; nas grandes, admitem-se funções especializadas, mas sem qualquer autoridade sobre os sócios da cooperativa. É dizer que, nesse caso, os funcionários especializados devem seguir as diretrizes traçadas pela coletividade (sócios).
10 Dados disponíveis em: http://sies.ecosol.org.br/sies. Acesso em: 12 ago 2021.
11 O PL nº 4.685/2012 que dispõe sobre a Política Nacional de Economia Solidária prevê a presença maciça do Estado brasileiro na conformação dos EES, como demonstram os dispositivos a seguir reproduzidos.“Art. 10. A Política Nacional de Economia Solidária, para promover o acesso a serviços de finanças e de crédito, poderá prever financiamento para capital de giro, custeio e aquisição de bens móveis e imóveis destinados à consecução das atividades econômicas fomentadas, conforme condições a serem estabelecidas em regulamento. § 2º As operações de crédito a que se refere o § 1.º poderão ser realizadas por Bancos Públicos ou por instituições de finanças solidárias, tais como cooperativas de crédito, OSCIPs de microcrédito, bancos comunitários e fundos rotativos. Art. 11. Fica o Poder Executivo autorizado a equalizar taxa de juros aos empreendimentos econômicos solidários, conforme regulamentação própria, quando lastrearem dívidas de financiamentos de projetos econômicos solidários previstos nesta Lei. Art. 12. As ações de fomento ao Comércio Justo e Solidário e ao consumo responsável nesta Política Nacional de Economia Solidária devem contemplar a criação de espaços de comercialização solidários, o apoio à constituição de redes cooperativas e de cadeias solidárias de produção, de comercialização, de logística e de consumo solidários, o assessoramento técnico contínuo e sistemático à comercialização e a promoção do consumo responsável. Art. 13. Fica o Poder Executivo autorizado a estabelecer condições, parâmetros e critérios diferenciados para acesso dos empreendimentos econômicos solidários às compras governamentais, como elemento propulsor do desenvolvimento sustentável. Art. 14. O Poder Executivo desenvolverá ações que propiciem apoio à pesquisa e ao desenvolvimento e transferência de tecnologias apropriadas aos empreendimentos econômicos solidários”. Ademais, o art. 20 do PL autoria o Poder Executivo a criar o Fundo Nacional de Economia Solidária (FNAES), “com o objetivo de centralizar e gerenciar recursos orçamentários para os programas estruturados no âmbito do Sistema Nacional de Economia Solidária, destinados a implementar a Política Nacional de Economia Solidária”.
12 À economia solidária, é possível, de acordo com o art. 170 da Constituição Federal, estender os princípios da livre iniciativa (caput), da valorização do trabalho humano (caput), da propriedade privada e sua função social (incisos II e III), da defesa do meio-ambiente do trabalho (inciso VI), da redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VII) e da busca pelo pleno emprego (inciso VIII).
13 Afora a iniciativa da Enimpacto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) revisou as regras regulatórias da Instrução Normativa (IN) nº 480/2009, que “dispõe sobre o registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários”, com vistas a exigir das empresas a prestação de novas informações que reflitam aspectos sociais, ambientais e de governança corporativa (ESG) para os emissores de valores mobiliários.
14 Assim dispõe o art. 3º, caput e inciso I do Decreto nº 9.977/2019. “Art. 3º São objetivos da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto I - ampliar a oferta de capital para os negócios de impacto, por meio da mobilização de recursos públicos e privados destinados ao investimento e ao financiamento de suas atividades [...]”;” (grifos nossos).
15 Esse ponto revela incongruência com o instituto jurídico das Organizações da Sociedade Civil regidas pela Lei nº 13.019/2014 (Lei das Organizações da Sociedade Civil), uma vez que a tais entidades é vedada a distribuição - entre sócios, associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros - de eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, devendo aplicá-los “integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva de lucros” (art. 2º, I, “a”).
16 Aqui cabe a mesma observação contida na nota de rodapé anterior (14).
17 A literatura e a sistematização sobre o Sistema B são exíguas. Em razão disso, a descrição que segue foi extraída de documentos disponibilizados nos seguintes sítios eletrônicos: https://www.sistemabbrasil.org/ e https://www.sistemab.org/en/welcome/.
18 Tradução livre a partir do trecho: “[...] the doctrine of ‘social responsibility’ involves the acceptance of the socialist view that political mechanisms, not market mechanisms, are the appropriate way to determine the allocation of scarce resources to alternative uses”.
19 Disponível em: https://www.sistemabbrasil.org/economia. Acesso em: 2 ago 2021.
20 Transcrição in verbis: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1 º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
21 As entidades do terceiro setor surgiram no bojo da Reforma Administrativa do fim da década de 1990 e, atualmente, são representadas pelas seguintes categorias: Organizações não-governamentais (ONG), os Serviços Sociais Autônomos (entidades do Sistema “S”), as Organizações Sociais (OS), as fundações (ou entidades) de apoio, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e outras afins.

Autor notes

I Auditor Federal de Finanças e Controle do Tesouro Nacional (AFFC/STN) em exercício na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia (SPE/ME). Economista (UERJ) e Advogado (IESB/DF), inscrito na seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF). Pós-graduado em Ciência Política (UnB) e em Direito Público (Escola de Magistratura do Distrito Federal - ESMA/DF). O artigo não reflete necessariamente a opinião e a posição dos órgãos a que o autor está vinculado, mas tão somente a de seu autor.

E-mail:jorge.saules@gmail.com



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