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Cultura escolar, fronteiras simbólicas: um estudo sobre a presença da comunidade paraguaia no cenário educacional sul-matogrossense
Scholar culture, symbolic borders: a study on the presence of the paraguayan community in the educational scenario of sul-matogrossense
Cultura escolar, fronteras simbólicas: un estudio sobre la presencia de la comunidad paraguaya en el escenario educativo sul-matogrossense
Fronteiras: Revista de História, vol. 21, núm. 37, pp. 81-103, 2019
Universidade Federal da Grande Dourados

Dossiê 15 - Sociedades em fronteiras: abordagens e perpectivas

Copyright Universidade Federal da Grande Dourados 2019

Recepção: 18 Abril 2019

Aprovação: 23 Junho 2019

DOI: https://doi.org/10.30612/frh.v21i37.10136

Resumo: A pesquisa histórica em Educação revela faces dos processos de apropriação cultural significativos para compreensão tanto de aspectos sociais, bem como as distinções/preconceitos que por muitas vezes o cotidiano escolar teima em silenciar, a exemplo do que pontua Candau (2011). Nesse sentido, o presente trabalho objetiva colocar em evidência os resultados de pesquisa aplicada na comunidade escolar da periferia da cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul, no que concerne a uma particularidade observada durante projetos de ensino e pesquisa desenvolvidos naquela instituição, a saber, o índice significativo de crianças que descendem em primeira ou segunda geração de famílias que imigraram do Paraguai para Dourados, entre as décadas de 1960 a 1980. Tal dado foi objetivado a partir de pesquisa qualitativa aplicada na Escola, com vistas à obtenção de um quadro geral da comunidade escolar para vislumbrar a aplicação de projetos em turmas de Ensino Fundamental Anos Finais. Os dados surpreenderam a todos os envolvidos, pois muito embora houvesse suspeitas a respeito, não havia mecanismos efetivos de comprovação da hipótese, para além da observação da compleição física e características gerais, identificadas nos sobrenomes das crianças matriculadas. Revelaram, ainda, que muitas dessas crianças não conhecem a história de sua origem, facultando à escola possibilidades variadas de trabalho pedagógico, tanto de ordem histórica, como em outras áreas do conhecimento escolar.

Palavras-chave: Cultura Escolar, Escola Pública, Fronteiras Simbólicas.

Abstract: The historical research in Education reveals the faces of the processes of cultural appropriation that are significant for understanding both social aspects and the distinctions / prejudices that, for many times, the daily school routine insists on silencing, as exemplified by Candau (2011). In this sense, the present work aims to highlight the results of applied research in the school community in the outskirts of the city of Dourados, Mato Grosso do Sul, regarding a particularity observed during teaching and research projects developed in that institution, the significant index of children who descended in the first or second generation of families that immigrated from Paraguay to Dourados between the 1960s and 1980s. This data was objectified from qualitative research applied in the School, with a view to obtaining a general picture of the school community to envisage the application of projects in elementary school classes. The data surprised all those involved, because although there were suspicions about them, there were no effective mechanisms to prove the hypothesis, besides the observation of the physique and general characteristics, identified in the surnames of the children enrolled. They also revealed that many of these children do not know the history of their origin, providing the school with varied possibilities of pedagogical work, both historical and in other areas of school knowledge.

Keywords: Scholar Culture, Public School, Symbolic Borders.

Resumen: La investigación histórica en Educación revela caras de los procesos de apropiación cultural significativos para la comprensión tanto de aspectos sociales, así como las distinciones / prejuicios que a menudo el cotidiano escolar tiende a silenciar, a ejemplo de lo que puntualiza Candau (2011). En este sentido, el presente trabajo objetiva poner en evidencia los resultados de investigación aplicada en la comunidad escolar de la periferia de la ciudad de Dourados, Mato Grosso do Sul, en lo que concierne a una particularidad observada durante proyectos de enseñanza e investigación desarrollados en aquella institución, a saber, el índice significativo de niños que descenden en primera o segunda generación de familias que inmigraron de Paraguay a Dourados entre las décadas de 1960 a 1980. Tal dato fue objetivado a partir de la investigación cualitativa aplicada en la Escuela con vistas a la obtención de un cuadro general de la comunidad escolar para vislumbrar la aplicación de proyectos en clases de Enseñanza Fundamental Años finales. Los datos sorprendieron a todos los involucrados, pues aunque hubo sospechas al respecto, no había mecanismos efectivos de comprobación de la hipótesis, además de la observación de la completitud física y características generales, identificadas en los apellidos de los niños matriculados. En el caso de los niños, la mayoría de los niños no conocen la historia de su origen, proporcionando a la escuela posibilidades variadas de trabajo pedagógico, tanto de orden histórico, como en otras áreas del conocimiento escolar.

Palabras clave: Cultura Escolar, Escuela Pública, Fronteras Simbólicas.

Introdução

A pesquisa histórica revela, para aqueles dispostos a ver, faces dos processos de apropriação cultural significativos à compreensão tanto de aspectos sociais, bem como as distinções/preconceitos que perpassam ao cotidiano escolar, por muitas vezes ignorados ou silenciados conforme pontua Candau (2011). Deste modo, o presente artigo dá a conhecer resultados da atuação de professores e alunos do curso de História, da Universidade Federal da Grande Dourados, no exercício de sua premissa fundante: a articulação ensino, pesquisa e extensão. O contexto em exame refere-se a uma instituição escolar, localizada na região sul da cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul, e destaca a particularidade observada durante os trabalhos relativos aos projetos de ensino e pesquisa desenvolvidos naquela instituição1, a saber, o índice significativo de crianças que descendem, em primeira ou segunda geração, de famílias que imigraram do Paraguai para Dourados – Brasil, entre as décadas de 1960 à 1980.

Tal dado foi objetivado a partir de pesquisa quantitativa aplicada na Escola, com vistas à obtenção de um quadro geral da comunidade escolar para vislumbrar temas voltados à aplicação de projetos em turmas de ensino fundamental Anos Finais, relacionando Estágios Supervisionados, componente curricular do Curso de História, atividades desenvolvidas por alunos e professores vinculadas ao PIBID – Programa Institucional de Iniciação à Docência (BRASIL, 2007), e propostas de formação continuada para professores de todas as disciplinas, conforme previa o projeto “Ensino de História, Memória e Educação: formação de professores e a escrita da História das Instituições Escolares da Grande Dourados”.

As chaves de leitura mobilizadas neste artigo só foram delimitadas após os resultados obtidos, visto que os dados não estavam estabelecidos à priori, surpreendendo a todos os envolvidos, pois, muito embora houvesse indicativos e suspeitas a respeito, não havia mecanismos iniciais efetivos de comprovação da hipótese, para além da observação da compleição física, características gerais chamadas fenotípicas e a identificação de origem hispânica nos sobrenomes dos estudantes matriculados. Os dados revelaram, ainda, que boa parte das crianças não conhecem a história de sua origem, facultando à escola possibilidades variadas de trabalho pedagógico, tanto de ordem histórica, como em outras áreas do conhecimento escolar.

Ao encontro das percepções sobre o cotidiano e suas múltiplas possibilidades de compreensão dos contextos educativos, o conceito de cultura escolar, derivado da proposição de Dominique Julia (2001), traz assento à leitura de que os estudantes, suas vivências, experiências intra/extra escolar, suas relações afetivo-culturais e histórias de vida, são sujeitos imprescindíveis para identificar, apreender e analisar aspectos daquele espaço. Para aquele autor, por cultura escolar entende-se “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e incorporação desses comportamentos” (JULIA, 2001, p. 9). Tal premissa é atravessada pela noção de que a escola é ora responsável por parte significativa das trocas culturais operadas durante a infância, ora mediadora dessas trocas, as quais perduram por vezes, até a adolescência. Nas análises presentes neste texto, os sujeitos históricos são estudantes da escola pública, matriculados nos Anos Finais do Ensino Fundamental/Educação Básica.

Ao questionar sobre a tipologia das fontes que permitem produzir estudos sobre cultura escolar, Julia nos instiga a ampliar a produção do conhecimento histórico com base em fontes orais e digitais, materializadas em dados, pautando-se no esforço metodológico de uma estatística descritiva aplicada à história e à educação, no exercício de pensar contextos históricos a partir de uma história quantitativa (GRANIER, 1998; BARROS, 2012), considerando que “a história das práticas culturais é, com efeito, a mais difícil de se reconstruir porque ela não deixa traço.” (JULIA, 2001, p. 15) A metodologia foi pensada considerando a necessidade de conhecer, por meio dos aspectos quantitativos, o cenário escolar no momento de realização das atividades, transcendendo à descrição das impressões e representações dos envolvidos nas diversas fases dos trabalhos aplicados.

A adesão ao conceito de cultura escolar não é gratuita: ao contrário, estabelece-se no diálogo com elementos da cultura cotidiana que perpassam diariamente pelo/no espaço escolar, como bem sinaliza Vera Candau,

[...] as diferenças culturais – étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosa, entre outras – se manifestam em todas as suas cores, sons ritos, saberes, sabores, crenças e outros modos de expressão. As questões colocadas são múltiplas, viabilizadas principalmente pelos movimentos sociais, que denunciam injustiças, desigualdades e discriminações, reivindicando igualdade de acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural. (CANDAU, 2011, p. 241)

Ainda sobre esse arcabouço cultural, a autora destaca:

A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos constitutivos do universal. Nessa ótica, as diferenças são ignoradas ou consideradas um ‘problema’ a resolver. (CANDAU, 2011, p. 241)

O estudo da cultura escolar fornece elementos para compreender algumas destas proposições, destacando-se, para efeito das análises promovidas neste texto, duas dimensões: a primeira de natureza conceitual, apontada por Julia como inerente ao espaço escolar e a todo espaço que tenha por preocupação institucional relações ligadas ao ensino e à aprendizagem, caracterizando aquele espaço como disseminador e acumulador de cultura; A segunda empírica, resultante do exame dos dados obtidos em diálogo com a abordagem sobre fronteiras, em sua dimensão subjetiva, ampliando a compreensão acerca dos sujeitos sociais inseridos (ou não) em lugares e momentos históricos. Desdobrando-se, por fim, em problematizações derivadas do contexto escolar examinado: as diferenças identificadas no chão da escola são trabalhadas como tais, ou são diluídas no todo homogeneizante, como sinaliza Candau (2011)? Seria, então, papel da escola traduzir a igualdade prevista na lei no que concerne à cidadania, em práticas diárias, relacionais e didático-pedagógicas? Em que medida os profissionais da educação conseguem desenvolver trabalhos relacionados a questões que “excedem” aos conteúdos escolares, mas não menos relevantes à formação dos seus estudantes?

Em diálogo com a cultura escolar alia-se o conceito de fronteiras como um marcador cultural, conforme permite vislumbrar a explanação de Sandra Pesavento, no excerto que segue:

Sabemos todos que as fronteiras, antes de serem marcos físicos ou naturais, são sobretudo simbólicas. São marcos, sim, mas sobretudo de referência mental que guiam a percepção da realidade. Neste sentido, são produtos dessa capacidade mágica de representar o mundo por um mundo paralelo de sinais por meio do qual os homens percebem e qualificam a si próprios, ao corpo social, ao espaço e ao próprio tempo. Referimo-nos ao imaginário, este sistema de representações coletivas que atribui significado ao real e que pauta os valores e a conduta. Dessa forma, as fronteiras são, sobretudo, culturais, ou seja, são construções de sentido, fazendo parte do jogo social das representações que estabelece classificações, hierarquias, limites, guiando o olhar e a apreciação sobre o mundo (PESAVENTO, 2002, p. 35-6, grifos nossos).

A pertinência e abrangência do conceito permite associá-lo ao cenário educacional visto que,

A fronteira é o limiar dos espaços culturais e sociais, demarca suas portas de entrada, é o local em que ocorre o contato inicial com a cultura, marcando a passagem para o interior de um ambiente cultural. É como o patamar junto a uma porta: local onde ainda não se está de fato dentro do ambiente que a porta encerra, mas também não se está completamente alheio ao espaço resguardado pela porta. (SOUZA, 2014, p. 477)

De modo mais efetivo e mais próximo ao cenário examinado, Leandro Baller (2011) acrescenta que os estudos sobre fronteiras são múltiplos e permitem diálogos com diversos campos do conhecimento, atravessando áreas distintas da produção humana, assumindo, por vezes, características interdisciplinares, ou feições de “algo móvel” (BALLER, 2011, p. 60). Nesse sentido, abordar a discussão sobre fronteira(s), nas perspectivas do humano ou físico, possibilita adentrar à esfera multidisciplinar ou interdisciplinar, mobilizando diversas áreas do conhecimento, como as ciências sociais, a geografia, a antropologia, a filosofia, a sociologia, entre outras (PRADO, 2018; OLIVEIRA, 2015; HERRIG, 2018).

A discussão segue organizada em três partes, a saber: a apresentação da escola e seu espaço de inserção sócio geográfico; as ações de ensino e pesquisa desenvolvidas no interior do espaço escolar, e, por fim, os dados quantitativos, ensaios de análises e possibilidades atuação. Importa destacar o papel significativo da universidade como instância de produção de conhecimento bem como a parceria colaborativa e produtiva dos profissionais de todos os setores da escola pública.

O microcosmo social: a cidade, a escola e seus liames

A Escola Municipal, lugar de aprendizados e sensibilidades, é parceira dos trabalhos desenvolvidos no curso de História desde meados do ano de 2014. As vivências ali estabelecidas agregaram valor significativo às pesquisas no campo das Instituições Escolares, contribuindo com conhecimentos relativos à memória, identidade e compreensão dos aspectos históricos populacionais da região em que se situa, assim como da macrorregião Dourados. Leva o nome de Januário Pereira de Araújo, considerado um dos pioneiros no desbravamento na região. Construída em 1979, visava atender as demandas educacionais da população que residia no bairro Jardim Itália e entorno, região periférica ao centro da cidade de Dourados.

Nos jornais locais, observaram-se muitas notas sobre a personalidade que dá nome à Escola - o Sr. Januário Pereira de Araújo. Na edição de 22 de novembro de 1975, a biografia de Januário aparece na primeira página com o título “Januário Pereira de Araújo – o fundador de Dourados”. Nessa biografia o jornal lembra 14 anos de seu falecimento e também evidencia que o fundador não é lembrado pela sociedade douradense, muito embora haja um monumento (busto) localizado em avenidas de intensa movimentação urbana. Na notícia lê-se:

Dourados comemora ou deveria comemorar o décimo quarto aniversário de falecimento de seu fundador, Januário Pereira de Araújo. Pouco ou quase nada se tem falado sobre esse homem que nasceu aos onze de julho de 1872 em Itapeva-SP, e faleceu em vinte e quatro de novembro de 1961 nesta cidade, com oitenta e nove anos. Foi em 1909 que mudou-se para este lugar, onde hoje é Dourados. Infelizmente a história local não lhe tem feito a devida justiça, por força do aparecimento posterior de outras personagens de prestígio real ou lhe fizeram sombra. (...) (O Progresso, n. 1748, 22 de novembro de 1975).

No jornal “O Progresso” a figura de Januário Pereira de Araújo está nitidamente associada à de outra personalidade proeminente da cidade - Marcelino Pires, esse sim de maior vulto, destaque e presença na memória histórica regional, cujo nome figura na principal avenida, que se inicia na entrada da cidade e se estende até a região do Parque Antenor Gonçalves (Parque do Lago).

De antemão ressalta-se o exercício prático de alunos de graduação com pesquisa documental, no trato de documentação de natureza distinta àquela comumente manejada pelos historiadores (BLOCH, 2001), essencialmente de natureza escolar. A perspectiva do trabalho histórico escolar, contribui para compreender os aspectos históricos que perpassam à formação histórico-cultural, sobretudo por constituir-se da movimentação de alunos, professores e comunidade que por muitas vezes tomam esses lugares como referência para suas relações sociais.

Em relação à cidade de Dourados, conforme dados do IBGE (2018) a população está estimada em 220.965 pessoas, registrando um crescimento significativo em relação ao censo de 2010, que contava com 196.035 habitantes. Os dados educacionais mensurados pelo Instituto apontam para certa carência de investimento em educação no município, pois, muito embora o nível de escolarização se aproxime, em dígitos, a quase totalidade de crianças registradas na localidade, os índices de aproveitamento não são reveladores de políticas públicas em prol desse público: a observância dos contextos escolares indica fatores ligados à evasão e problemas sociais de natureza diversa, os quais promovem a saída das crianças da escola ou sua manutenção condicionada, sumariamente, pela via das exigências do Programas de benefício social aos quais as famílias tem acesso. O quadro 1 permite visualizar os dados, conforme o censo do IBGE:


Quadro 1 - Dados de escolarização conforme censo do IBGE (2018)

Fonte: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ms/dourados/panorama. Censo IBGE 2018. Acesso em 02 de abril de 2019. Adaptado pelos autores.

Conforme os dados indicados, em 2015, a Educação Básica Anos Iniciais alcançou, na rede municipal nota média de 5.6 no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Para os alunos dos Anos Finais, essa nota foi de 4.2 – ressaltando que as notas perfazem o intervalo entre 0 a 10, computadas a partir das avaliações aplicadas.

Em comparação com cidades do mesmo estado, a nota dos Anos Iniciais coloca Dourados na 12ª (décima segunda) posição dentre as 79 cidades do Estado. Considerando a nota dos alunos dos anos finais, a posição passa a 32ª (trigésima segunda) de 79. A taxa de escolarização (para pessoas entre 6 a 14 anos) registra 97.1%, no entanto, conforme informações do site, os dados se referem a 2010. Isso posicionava o município em 38º (trigésimo oitavo) lugar entre as 79 cidades do estado e na posição 3514º de um total de 5570 cidades do Brasil (IBGE, 2018).

Em relação ao registro histórico sobre Dourados, publicizado no site do IBGE com base nas informações que constam do site da Prefeitura Municipal de Dourados2, chama a atenção o destaque à imigração japonesa, não ocorrendo a menção aos paraguaios, descendentes e outros grupos étnicos, conforme evidencia o excerto:

Antes da colonização o município de Dourados era habitado pelas tribos Terena e Kaiwa, cuja presença dos descendentes é marcante até então e constitui uma das maiores populações indígenas do Brasil. No final do século XIX foram para o Mato Grosso famílias do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, em busca de novas terras no oeste do país. Dado o acentuado progresso verificado na região e pelas notícias sobre a fertilidade da terra, aluíram novos colonizadores em demanda da exploração dos extensos ervais nativos. Destacou-se também o desenvolvimento da cultura pastoril e da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, entre 1904 a 1914. Entre os colonizadores, se destacou Marcelino Pires, que se dedicou à criação de gado, ocupando vastíssima área de terras, onde se localiza atualmente o município de Dourados. Em 1935, com áreas desmembradas do município de Ponta Porã foi criado o município de Dourados. A colônia agrícola de Dourados, criada em 1943 com uma área de 50.000 hectares, passou a integrar Dourados em 1935, atraindo para a região levas de imigrantes brasileiros e estrangeiros, principalmente japoneses, que se dedicaram notadamente ao cultivo de café. (IBGE, https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ms/dourados/historico, 2018, grifo nosso)

Entendemos, a partir dessa premissa, que a pesquisa cujos resultados ora se apresentam corrobora com a necessidade de investir na organização e escrita de aspectos históricos das Instituições de ensino da região, utilizando ferramentas e metodologias próprias do oficio do Historiador (BLOCH, 2001), em atendimento às demandas da sociedade, no campo histórico educacional, proposição reiterada nos estudos de Décio Gatti Junior:

Desse modo, percebe-se que a perspectiva de análise da História das Instituições Educacionais almeja dar conta dos vários sujeitos envolvidos no processo educativo, investigando aquilo que se passa no interior das escolas, gerando um conhecimento mais aprofundado destes espaços sociais destinados aos processos de ensino e de aprendizagem, por meio da busca da apreensão daqueles elementos que conferem identidade à instituição educacional, ou seja, daquilo que lhe confere um sentido único no cenário social do qual fez ou ainda faz parte, mesmo que ela tenha se transformado no decorrer dos tempos. (GATTI JUNIOR, 2007, p. 184, grifos nossos)

À época da fundação da Escola, o bairro contava com poucos recursos em relação à infraestrutura, tanto no que se refere as vias de acesso, por meio de transporte público e/ou escolar, quanto à própria pavimentação do trajeto. Ainda assim, a escola nasceu e resistiu, contando com o trabalho de inúmeros profissionais ao longo dos anos, profissionais estes que contam diversas histórias sobre sua fundação, dificuldades de trabalho, dentre outros aspectos que perfazem elementos da história regional, agregando valor à cultura local e escolar.

Em mapeamento realizado para fins de atualização do projeto político pedagógico (2016) constatou-se que o público atendido pela escola é oriundo das seguintes localidades: Bairro Brasil 500; Vila Ilda; Vila Erondina I e II; Jardim Independência; Londrina; Itália e Cachoeirinha. As famílias desta comunidade pertencem à classe trabalhadora e vivem com uma renda mensal entre um salário mínimo e meio em média, complementando a renda com a adesão a Programas Sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família. O nível de escolaridade dos responsáveis situa-se entre o ensino fundamental incompleto e o completo, em alguns casos o Ensino Médio.

Face a característica da comunidade escolar, o interesse no trabalho com esta instituição nasce a partir da possibilidade e autorização para a realização dos Estágios Supervisionados em Licenciatura do curso de História, iniciados em 2014. A medida em que os trabalhos foram desenvolvidos, fez-se a necessidade de apresentar uma contrapartida à escola, em resposta ao pronto atendimento as atividades de Estágio Supervisionado (PINTO et al., 2015), assim, consolidou-se uma parceria por projetos de ensino financiados por agências de fomento de Mato Grosso do Sul (FUNDECT, 2015) e instâncias federais (PIBID/CAPES-2017), visando ao atendimento voltado à formação inicial e continuada de professores, bem como os processos de ensino e aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental nos Anos Finais.

A escola e as tipificações sociais

Das atividades realizadas entre os anos de 2014 a 2017 com envolvimento semanal junto à equipe escolar, reportam-se àquelas que permitem delinear a ampliação do campo de pesquisa histórica, para além da natureza pedagógica voltada ao ensino, contemplando fronteiras regionais nas dimensões físicas e simbólicas. No desenvolvimento das atividades ao longo do período foram observadas entre os alunos, a presença de traços étnicos da população paraguaia, caracterizada pelos povos indígenas do Tronco Tupi. Associado as características fenotípicas, buscou-se o mapeamento dos sobrenomes das crianças (muitos deles de origem hispânica, nação colonizadora das terras paraguaias por muitas décadas). Esse dado motivou pesquisa quantitativa (GRANIER, 1998), no sentido de buscar conhecer a formação étnico-cultural dessa parcela da população escolar, tendo em vista que próximo à escola há uma sede da Colônia Paraguaia, localizada em uma praça – a Praça Paraguaia.

Com base nessa constatação, criou-se um instrumento de pesquisa e coleta de dados, para testar esta e outras hipóteses de trabalho/pesquisa e, em parceria com a equipe pedagógica e administrativa, professores regentes de História, alunos estagiários, professores parceiros no projeto Fundect e alunos bolsistas do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID), que resultou em um questionário aplicado aos estudantes de 6º ao 9º ano, contemplando diversas áreas de abrangência, com intuito, inclusive de direcionar de modo mais adequado as temáticas a serem exploradas nos projetos em desenvolvimento junto à escola. Importa destacar que a pesquisa quantitativa deve fazer parte do processo de formação de professores, seja qual for a área de habilitação a que se propõe.

Ainda que não se enquadre diretamente na metodologia de pesquisa do cotidiano, entende-se que o trabalho desenvolvido na escola aproximou-se da perspectiva apontada por Carlos Eduardo Ferraço, ao considerar a escola como espaço de pesquisa e produção de conhecimento, dentro e fora de suas dimensões físicas. Nesse sentido, o autor assevera:

Uma das coisas que temos aprendido e tentado garantir em nossos estudos “com” os cotidianos escolares é assumir os sujeitos cotidianos não só como sujeitos da pesquisa, mas, também, como nossos autores autoras, reconhecidos em seus discursos, do mesmo modo como assumimos Najmanovich, Alves, Garcia, Certeau, Giard, Santos, Ginzburg, Oliveira, Esteban, Lefebvre... ou seja, os textos e discursos elaborados e compartilhados por esses sujeitos cotidianos da pesquisa precisam ser pensados não como citações e/ou exemplos dos discursos das autoras autores que estudamos nas academias, mas como discursos tão necessários, legítimos e importantes quanto estes. Se consideramos a importância de dialogarmos com autores como Lefebvre, Garcia, Alves, Certeau, entre outros/outras, também precisamos considerar a importância de esse diálogo ser ampliado, envolvendo aqueles que vivem, convivem, inventam, usam, praticam, habitam, ocupam, estão, nesses cotidianos.

Isso, não por uma questão de “boa vontade” ou “gratidão”, mas por uma condição de as pesquisas “com” os cotidianos não se tornarem estéreis, tediosas, soníferas ou, no máximo, como as propriedades da água: insípida, incolor e inodora. Ainda aqui, não se trata de usar fragmentos, trechos, das falas desses sujeitos como ilustrações do nosso discurso, assim como fazemos com os discursos dos teóricos legitimados pela academia. Trata-se de entender que também aqueles que vivem, de fato, esses cotidianos são os legítimos autores/autoras dos discursos “com” os cotidianos. (FERRAÇO, 2007, p. 78).

Este autor afirma ainda, no que concerne aos estudos que envolvem a dimensão escolar, parecer que sempre estamos voltando ao mesmo lugar. Essa perspectiva traduz a valorização da escola como espaço de aprendizagens múltiplas e significativas, visto que todos os sujeitos sociais passam, por menor que sejam algum tempo dentro de instituições desta natureza. Nesse tempo, constroem relações, conhecimentos, deixam marcas, produzem histórias. Não há, na perspectiva do autor, partilhada nas reflexões apresentadas, a possibilidade de não nos assimilarmos, de um modo ou outro, aos dados apresentados em textos que divulgam pesquisas relacionadas ao cenário escolar.

O instrumento de pesquisa resultou em 20 questões: Bloco inicial composto de parte objetiva visando traçar um perfil sociocultural dos estudantes e mapeamento do público escolar; Segundo Bloco, questões de natureza discursivas/subjetivas relativas aos modos e usos da disciplina de História: todas com o intuito de recolher dados que possibilitassem delinear as áreas temáticas de atuação, no caso do ensino de história, e sinalizar propostas de atividades formativas aos professores para atender a temáticas diversificadas no currículo e cotidiano escolar. Construído a partir da ferramenta disponível no provedor de e-mails Gmail, conhecida por GoogleForms, viabilizou-se a formulação de questões de amplo espectro, múltiplas escolhas e questões dissertativas, fornecendo, ao final, uma tabulação prévia dos dados quantitativos, baseada no número de formulários preenchidos.

Os dados foram esquadrinhados em planilhas Excel, com a possibilidade de formulação de gráficos. Houve várias reuniões entre a equipe do projeto, professores, equipe pedagógica para consolidar a versão final do instrumento. Como já sinalizado anteriormente, chegou-se ao quantitativo de 20 questões. Obtivemos 127 questionários respondidos, o que possibilitou compreender certos aspectos relacionados aos estudantes, bem como suas percepções diante da disciplina de História: importância; pontos de reflexão para o trabalho dos professores; pertinência do trabalho que vinha sendo desenvolvido junto à escola. Os dados foram socializados, posteriormente, no formato de oficinas e cursos de formação continuada que compõem um dos projetos já citado, ofertados pelos autores deste texto à equipe pedagógica e administrativa da escola.

A contribuição para o processo formativo dos estudantes do ensino fundamental iniciou-se no próprio momento de manuseio e preenchimento do instrumento de coleta de dados (questionários online), visto que muitos lidam com ferramentas digitais por meio dos celulares, mas não haviam preenchido nenhum banco de dados com perguntas e respostas sequenciadas e interdependentes. Para o presente texto selecionamos apenas questões que dizem respeito ao tema em tela.

O gráfico 1 evidencia os dados conforme a distribuição dos respondentes, por ano em que estão matriculados no Ensino Fundamental:



Gráfico 1: Quantitativo de estudantes em relação ao ano de matrícula
Fonte: Instrumento de pesquisa, 2016.

Conforme indica gráfico 1, os estudantes do sexto ano somaram maior número de respondentes, o que se deve à existência de duas turmas. Registre-se o fato de que nem todos compareceram nos dias em que os questionários foram aplicados, essencialmente, nos dias e horários das aulas de história.

Em relação ao perfil individual dos respondentes tem-se que 53,5% se identificaram como sendo do sexo masculino (68 estudantes) e 46,50% se identificaram como sendo do sexo feminino (59 estudantes), conforme demonstra o gráfico 2.



Gráfico 2: Quantitativo de estudantes em relação a identificação de sexo
Fonte: Instrumento de pesquisa, 2016.

Em relação ao bairro em que residem os estudantes forneceram informações significativas relacionadas às suas origens, evidenciando a hipótese inicial da fixação do grupo de descendentes paraguaios na região, fortalecendo a necessidade de investir em trabalhos voltados à temática histórica regional (DEBONA, 2015). Por meio das questões dissertativas investigou-se a presença, ou não, de elementos paraguaios em suas famílias e a percepção que estes alunos têm da História como campo de conhecimento e como área que promove o conhecimento sobre si, pautando-se no passado para compreender o presente.

O gráfico que segue elucida os dados acerca da ascendência familiar:



Gráfico 3: Conhecimento da origem familiar dos estudantes
Fonte: Instrumento de pesquisa, 2016.

Dos 127 estudantes que responderam, 49 apontaram que não sabem dizer se ascendem de paraguaios (38,6%); 39 alunos responderam que não apresentam ascendência paraguaia (30,7%) e 39 afirmaram que apresentam correntes paraguaias na família (30,70%). Essa preocupação em apontar uma ascendência paraguaia reside no fato de que a escola é geograficamente localizada num bairro, o Jardim Itália, com expressiva presença de descendentes paraguaios.

Na cidade de Dourados e em relação aos paraguaios, creio que podemos enquadrar no conceito, por um lado, o bairro Jardim Itália; no interior do bairro, a famosa Praça Paraguaia e, no interior da praça, os diversos símbolos, locais e monumentos que identificam e são identificados por esta população como representativos de sua identidade e memória, como a capela, as cores da bandeira paraguaia e os monumentos ao tereré e ao chimarrão. (JARA, 2012)

Os espaços associados à colônia paraguaia são facilmente identificados na cidade de Dourados. Paradoxalmente localizada no Jardim Itália, a escola está próxima à “Praça Paraguaia”, um lugar de forte identificação para os paraguaios:

[...] O exercício de tornar exclusivo um local, como, por exemplo, a Praça Paraguaia, contribui para promover a identidade e os símbolos que representam os paraguaios em Dourados, entre eles a Capela de Nossa Senhora de Caacupé e o Monumento ao Tereré. (OLIVEIRA, 2015, p. 32)

Apoiando-se em dados de boletins editados em 2009 Alan Luiz Jara, registra a composição da população de Dourados, em relação à nacionalidade paraguaia:

[...] hoje, segundo estimativas, pelo menos 30% da população do município é formada por paraguaios ou descendentes. Os moradores mais antigos ainda continuam como sapateiros, pintores e na construção civil. Os mais jovens estão integrados em todas as atividades econômicas do município e convivem harmoniosamente (...) os paraguaios foram os primeiros imigrantes de Dourados. (JARA, 2012)

A informação carece de problematização, pois aparenta uma relação sem conflitos e tensões, consolidada a partir de uma espécie de zona de conforto, a qual, pelo fato de estarem todos integrados aos modos de produção locais, sugere que não houve problemas de adaptação. Não é, contudo, objetivo deste texto por ora, problematizar tais aspectos, no entanto, importa destacar que o movimento migratório mencionado na documentação acessada por Jara, ocorreu em duas frentes, como destaca Baller:

Entremeando o século XX observa-se a partir de 1960 o aumento gradativo de pequenos agricultores brasileiros que vão em busca da reprodução do seu modo de vida no Paraguai, este movimento atinge números impressionantes, chegando a aproximadamente 500 mil pessoas adentrando ao Paraguai. Na década de 1980 ocorre o retorno de grande parte dessas pessoas isso originou novamente uma grande demanda de pessoas entre os dois países, gerando pequenas crises de infra-estrutura locais em regiões e/ou municípios próximos às fronteiras físicas entre os dois países, em especial no lado brasileiro que recebia essas pessoas cotidianamente. (BALLER, 2011, p. 54-5)

Ao caracterizar esse movimento de grande demanda demográfica entre os dois países, Baller (2011) fornece elementos que permitem ensaiar explicações para os dados encontrados na pesquisa. Ainda que os dados da atualidade não sejam tão expressivos, os estudos que vem se preocupando com o temário o são, fomentando investigação e problematizações, derivadas do manejo de documentação não acessada, ou ainda, como trata-se neste estudo, produzida.

Compreender o movimento migratório bilateral Brasil-Paraguai, ocorrido a partir de meados década de 1960, resultando em grandes demandas populacionais, ora para um, ora para outro país, conforme as demandas econômicas condicionavam, oportuniza aos historiadores e historiadores da educação, vislumbrar a presença de descendentes paraguaios em escolas brasileiras, fornecendo indicativos para a proposição de trabalhos, no sentido idealizado por Candau, o qual implica “ter como ponto de partida de toda a prática pedagógica o reconhecimento das diferenças (...) supõe desconstruir perspectiva da homogeneização tão presente e configuradora da cultura escolar” (CANDAU, 2011, p. 250), consolidando a máxima da mesma autora que propõe como um dos papeis precípuos da contemporaneidade “(...) viabilizar a superação das diferenças e garantir o padrão comum estabelecido para todos e todas” (CANDAU, 2011, p. 253).

Alinhada ao Gráfico 3, aplicou-se uma questão objetiva que visava identificar o interesse dos estudantes em conhecer a história da sua família. As respostas caracterizaram-se em ampla maioria de “Sim”, somando 92,12% (117 respostas) e “Não” resultando em 7,87% (10 respostas). Essa proposição teve o intuito de verificar a origem familiar da criança e também instigar o saber, a escrita e prática histórica, de modo que, através da busca pela origem de seus familiares, esses alunos possam se reconhecer como sujeitos históricos. Acredita-se que ao adotar uma metodologia que utilize a pesquisa escolar como ponto de partida para a construção do conhecimento histórico, é possível criar espaços para que os estudantes se movimentem, proponham questionamentos e aprofundem-se em determinados conteúdos, de acordo com os seus interesses e necessidades (SANTOS, 2011).

O último bloco de questões subjetivas intencionou conhecer as impressões desses estudantes no que tange ao ensino de História e à disciplina de História, visando o horizonte para as atividades dos projetos na escola. Como apontado por Silva & Souza (2015) em trabalho desenvolvido junto ao PIBID na cidade de Cuiabá, a necessidade de conhecer as visões desses alunos é primordial para a proposição de atividades que tragam sentido à sua vivência, de modo que os conecte com o conteúdo em sala de aula e suas vidas exteriores. O grande erro da disciplina de História, na perspectiva das autoras, é produzir conhecimento distante de suas realidades de aplicabilidade. O desafio constante consiste na superação desse cenário.

A Escola no limite entre as fronteiras simbólicas e culturais

A problematização a qual incide esse estudo vai ao encontro de perceber como as instituições escolares têm lidado com situações ligadas à formação cultural dos estudantes, visto que se constituem em espaços da diversidade e pluralidade face aos grupos sociais que compõem o público escolar. Contudo, como afirma Candau (2011), atuam como espaços de homogeneização e controle, em que a percepção da diferença, por mais que seja notada, sobretudo quando os aspectos são visíveis “à olho nu”, não conseguem ultrapassar as imposições curriculares e/ou normativas para inserir espaços de discussão no cotidiano das práticas correntes, tão pouco lançam mão de dispositivos pedagógicos ou estratégias didáticas para atender a essas especificidades (CANDAU, 2011, p. 245).

Não se trata de procurar culpados ou responsabilizar quaisquer profissionais que sejam; não obstante, fazer “vistas grossas” e “ouvidos moucos” não corrobora para a equalização do problema, nem cria mecanismos e possibilidades de superação das diferenças em nome de práticas sociais que visam à equidade social e educacional.

No caso da educação, promove-se uma política de universalização da escolarização. Todos e todas são chamados a participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmica, tanto no que se refere aos conteúdos dos currículos, quanto às relações entre os diferentes atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc”. (CANDAU, 2011, p. 246)

Ao considerar os dados examinados um conjunto de questionamentos emergem e auxiliam na proposição de estratégias didáticas para contemplar trabalhos futuros: Há alguma atividade na escola que envolva aspectos históricos deste grupo étnico-cultural? Há referências que chegam ao conhecimento da equipe pedagógica e professores, para que estudos sejam realizados e ações propostas? As pesquisas realizadas, nos espaços universitários, sobre imigrantes e seus descendentes se fazem acessíveis aos profissionais da Educação Básica? Estão disponíveis ao acesso da escola? Quem são esses alunos, quais suas histórias, eles conhecem a história de seus antepassados? Que elementos de cultura suas famílias mantêm vivos na tradição, o que celebram, como celebram, onde celebram? São vistos como imigrantes? Quais espaços de cultura podem vivenciar aspectos de sua história? Conhecem suas datas cívicas, ou aculturaram-se completamente em relação a elas?

Em primeira análise predomina um olhar de subalternidade, pois ainda que em Dourados hajam espaços de sociabilidade da comunidade paraguaia, traduzir essas práticas culturais em atividades escolares é possível? Qual o papel dos professores de História nessa dinâmica pedagógica? Ainda persiste o discurso “aqui são todos iguais” (CANDAU, 2011, p. 248). Em que medida a diversidade atua como “vantagem pedagógica” (2011, p. 249), que aspectos da cultura paraguaia são trabalhados na escola, se o são? O viés literário, por exemplo, a partir dos escritos do autor sul-mato-grossense, conforme Prado (2018) nascido no Paraguai, mas criado no Brasil, Brígido Ibanhes, poderia caracterizar um esforço interdisciplinar inicial?

João Ernani Furtado Filho sugere ações que vão ao encontro das análises ensaiadas, ao afirmar que:

O que se pretende é que se discuta o conhecimento histórico: que a idéias (sic) de pesquisa, em sala de aula, seja alargada para além do abrir e fechar o livro didático (tido muitas vezes, como a única fonte de autoridade); que se valorizem as informações prévias que os estudantes tenham sobre determinado assunto e se discutam os meios pelos quais estas informações foram organizadas em uma atribuição de sentido; que se esclareça a historicidade das “verdades” (em uma perspectiva pluralista - de que pode existir mais que uma resposta ‘certa’ – mas não relativista, à moda de que ‘vale tudo’); que se esmaeça a pressão de uma coerência com o passado pela afirmação de um compromisso com o presente. (FURTADO FILHO, 2008, p. 300)

Não se prega aqui a superação das diferenças, entendendo que este não é um papel exclusivo da escola: mas o seu reconhecimento, sua compreensão, sem marcas de preconceito, de estrutura de classe ou modelos hegemônicos. Sabe-se que a escola, embora seja um espaço da totalidade, atua em um movimento de homogeneização e naturalização das diferenças, visando às práticas comuns. O que se propõe é exatamente a valorização desses grupos que compõem o cenário escolar para ampliar o conhecimento sobre o diverso, sobre elementos de cultura distintos àqueles que predominam nos livros didáticos, manuais escolares, práticas curriculares e diretrizes unilaterais. Trata-se de compreender a escola como organismo vivo, pulsante e pleno de possibilidades, tanto para o campo de pesquisas históricas, como da proposição de práticas pedagógicas alinhadas com a construção da cidadania e respeito à diversidade.

No apoio analítico oferecido pela produção examinada que nos serve de suporte, constatamos que,

[...] as influências culturais existiram e continuam existindo nesse intenso movimento de pessoas entre Brasil e Paraguai. Se por um lado percebe-se uma gama de fatores nacionais brasileiros que tiveram ascensão no Paraguai, os aspectos culturais nacionais paraguaios também são evidentes no Brasil. O que mostra a flexibilidade dessa migração entre os dois povos, bem como a afinidade em compactuar os valores e costumes em espaços considerados estrangeiros fronteiriços. (BALLER, 2011, p. 61)

Ainda conforme os estudos de Baller, é possível mapear os interesses de brasileiros no campo educacional, qualificado como “movimentos ligados à educação”, em que sugere a discussão de um dado de ampla escala, que mobiliza jovens paraguaios a virem estudar no Brasil. Conforme os relatórios de matrícula das escolas de Ponta Porã, cidade de fronteira com o município de Pedro Juan Caballero, o autor identificou, à época da realização de sua pesquisa, um quantitativo de 20% dos alunos de nacionalidade paraguaia desenvolvendo seus estudos básicos em escolas brasileiras, não implicando, conforme destacou, em casos de dupla nacionalidade (BALLER, 2011).

Partindo desta constatação e ampliando-a para outros níveis de ensino, outro dado que agrega problematização aos movimentos ligados à educação diz respeito ao grande número de estudantes brasileiros que procuram universidades paraguaias para realizar sua formação em nível superior. Estudos dessa natureza, a nosso ver, ainda precisam ser realizados e configuram ganho significativo para compreender aspectos dessa fronteira simbólica que se estabelece entre os países citados.

A busca por educação institucionalizada também pode ser lida como parte do movimento migratório. Inicialmente, condicionada a um período específico, designado pelo início e término dos cursos, por vezes, esses migrantes adotam a localidade de estudos como localidade de moradia, imprimido aos novos espaços características de local de residência, inserindo-se por vezes, no mercado de trabalho para o qual obteve formação, contraindo relações de conjugalidades ou mediados por laços afetivos. O estudo de Jara problematiza as relações de migração, evidenciando que elas vêm ocorrendo entre a segunda década do século XIX e primeira metade do vínculo, com intensidade variada, mas frequente, e de modo disperso e variado,

A “experiência migratória”, conforme colocada por Thomson, deixa subentendida a ideia de que existem dimensões – mnemônicas, neste caso – que acompanham as populações em seus trânsitos territoriais, resultando em algo que vai além do deslocamento. Abre-se assim, a possibilidade para que passado e presente se entrelacem e a experiência se perpetue, seja através da memória narrada, seja através das mais diversas manifestações possíveis no local de destino, que envolvem a recriação e a reinvenção de costumes, tradições e modos de vida. (JARA, 2018, p. 18)

Ainda segundo este autor,

A existência e as influências dos migrantes paraguaios em território brasileiro é tema de uma bibliografia acadêmica relativamente extensa, que perpassa a historiografia, no interior dos estudos sobre fronteira, e se estende a outros campos como a linguística, a antropologia, a sociologia e a geografia. Com frequência, as monografias, as dissertações e as teses que visam esse grupo em Mato Grosso do Sul propõem uma abordagem delimitada em sua presença em determinados municípios do Estado, como Campo Grande, Dourados, Aquidauana, Corumbá, Bela Vista e Coxim. Dessa forma, associações diversas são possíveis entre esses trabalhos, que dialogam através dos conceitos empregados (migração, identidade, cultura, territorialidade, etc.) e/ou pela delimitação geográfica dos objetos e da pesquisa de campo. (JARA, 2018, p. 19)

Contudo, estudos ligados às formas de adaptação ou territorialização no campo educacional de ambos os grupos carecem de atenção por parte da comunidade de pesquisadores do campo da história e da educação. Isto posto, é possível afirmar que a cultura escolar tem como elementos constituintes a cultura local, no entanto, os educadores e historiadores precisam lançar mão desse conhecimento local, para valorizar o cenário de inserção dos seus estudantes, os saberes e práticas que envolvem seus contextos sociais, e sobretudo, em se tratando do ensino de história, para que saibam que são partícipes de um processo de constituição regional, alinhavando o conhecimento histórico, ao passo que valorizam a cultura local, como inserta na cultura nacional.

Os usos dos espaços de produção e manutenção da memória, qualificados por Jara (2018), como espaços urbanos de mobilização memorial podem ser objeto da cultura escolar destes grupos e vertidos em conteúdos escolares: é nessa medida que o presente artigo sinaliza a proficuidade do tema e importância de intensificação de estudos desta natureza, visando dar a visibilidade, fomentar e/ou estimular o trabalho desenvolvido nas/juntos as instituições escolares para conhecer, integrar e valorizar os grupos étnicos e seus descendentes, num constante e cotidiano esforço de compreender suas contribuições, importância histórica e papel social.

Reiterando os pressupostos de análise que orientam este texto, considera-se que “é necessário assumir uma postura de valorização positiva das diferenças e combate às discriminações em toda dinâmica escolar, o que exige um trabalho coletivo dos educadores, assim como espaços de formação continuada que abordem estas questões” (CANDAU, 2011, p. 252). Não se trata, por fim, de sinalizar para o aumento das responsabilidades incontáveis que as instituições escolares acumulam, para além daquelas que são inerentes à sua natureza e finalidade. Outrossim, não é possível furtar-se ao debate de tais questões, sobretudo em um país diverso e plural como o Brasil e em se tratando de regiões de fronteiras, como é o caso da região da Grande Dourados, que convive diariamente com grupos étnicos de várias localidades, alguns mais adaptados ao meio, inseridos social e culturalmente, outros relegados à margem no sentido geográfico e cultural.

Na escola, talvez, esteja uma possibilidade de recuperar a tradição histórica de grupos sociais menos consolidados e, em parceria de projetos com a Universidade a chance de voz, visibilidade, registros e participação histórica.

Referências

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Notas

1 O projeto ao qual nos referimos contam com apoio da FUNDECT – MS, contemplado com recursos do Edital EDUCA-MS, intitulado "Ensino de História, Memória e Educação: formação de professores e a escrita da História das Instituições Escolares da Grande Dourados", aprovado na Chamada FUNDECT/CAPES N° 11/2015 - EDUCA-MS - Ciência e Educação Básica, com vigência entre o período de 2015-2019. Importa destacar que a agência de pesquisa possui essa linha de financiamento, com recursos FUNDECT/CAPES, apoiando projetos realizados por Universidades em parceria com Escolas Públicas.

Informação adicional

Sobre o artigo: O presente artigo consiste na versão revista e ampliada do texto Cultura escolar e fronteiras simbólicas: descendentes paraguaios e a escola pública em Dourados, MS: o caso da Escola Municipal Januário Pereira de Araújo, apresentado durante o VI Lecturas de Fronteras, ocorrido entre os dias 23 a 27 de novembro de 2018 em Asunción, PY.



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