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ENTRE A HISTÓRIA E A PÓS-VERDADE: COMO LIDAR COM AS NÃO CIÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO? UMA REFLEXÃO A PARTIR DO PAPEL DA ALQUIMIA NOS PRINCIPIA DE NEWTON

BETWEEN HISTORY AND POST-TRUTH: HOW TO DEAL WITH NON-SCIENCES IN THE HISTORICAL CONSTRUCTION OF SCIENTIFIC KNOWLEDGE? A REFLECTION FROM THE ROLE OF ALCHEMY IN NEWTON'S PRINCIPIA

ENTRE HISTORIA Y POSVERDAD: ¿CÓMO TRATAR CON LAS NO CIENCIAS EN LA CONSTRUCCIÓN HISTÓRICA DEL CONOCIMIENTO CIENTÍFICO? UNA REFLEXIÓN DEL PAPEL DE LA ALQUIMIA EN LOS PRINCIPIA DE NEWTON

Ricardo Capiberibe Nunes
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Wellington Pereira de Queirós
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil

ENTRE A HISTÓRIA E A PÓS-VERDADE: COMO LIDAR COM AS NÃO CIÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO? UMA REFLEXÃO A PARTIR DO PAPEL DA ALQUIMIA NOS PRINCIPIA DE NEWTON

Fronteiras: Revista de História, vol. 23, núm. 41, pp. 12-43, 2021

Universidade Federal da Grande Dourados

Fronteiras: Revista de História 2021

Recepción: 26 Mayo 2020

Aprobación: 30 Junio 2021

Resumo: Em 2016, a palavra pós-verdade foi eleita pelo Dicionário de Oxford como a expressão do ano. Por pós-verdade entende-se um conjunto de práticas que buscam manipular o comportamento individual e coletivo, baseado nos sentimentos e crenças pessoais em oposição aos fatos objetivos. Entre essas práticas se destaca o negacionismo da ciência e da própria história. Como uma resposta a essa tendência, muitas vezes textos científicos buscam uma reconstrução racional da história da ciência de seus atores. Nestas reconstruções, as interfaces entre a filosofia natural e a ciência moderna com as chamadas não ciências, como a astrologia, magia e alquimia, são minimizadas ou completamente ignoradas. Do ponto de vista historiográfico, uma reconstrução racional é tão falaciosa quanto os discursos de pós-verdade. Esse fato, levou o historiador Butterfield a declarar que não é raro que pareça que Clio (a musa da história) favoreça aos discursos anacrônicos. Nesse ensaio sugerimos que a reconstrução sincrônica e diacrônica da história da ciência fornece os filtros adequados que corrigem a paralaxe e colocam Clio em seu devido lugar. Para isso mostramos como as práticas alquímicas de Newton beneficiaram a construção de seus Principia e que uma discussão contextualizada e problematizada desse episódio não favorece ao discursão não científico e negacionista, mas pelo contrário, permite identificar as intenções enviesadas e ideológicas que não visam favorecer o conhecimento ou debate, mas doutrinar o indivíduo a adotar uma postura particular.

Palavras-chave: História da Ciência, Pós-Verdade, Epistemologia da Ciência, Não Ciências, Doutrina Newtoniana.

Abstract: In 2016, the word post-truth was chosen by the Oxford Dictionary as the expression of the year. Post-truth means a set of practices that seek to manipulate individual and collective behavior, based on personal feelings and beliefs as opposed to objective facts. Among these practices, the negation of science and history itself stands out. As a response to this trend, scientific texts often seek a rational reconstruction of their actors' history of science. In these reconstructions, the interfaces between natural philosophy and modern science with the so-called non-sciences, such as astrology, magic and alchemy, are minimized or completely ignored. From a historiographical point of view, a rational reconstruction is as fallacious as post-truth discourses. This fact led historian Butterfield to declare that it is not uncommon for Clio (the muse of history) to appear to favor anachronistic discourses. In this essay we suggest that the synchronic and diachronic reconstruction of the history of science provides the appropriate filters that correct the parallax and put Clio in place. For this, we show how Newton's alchemical practices benefited the construction of his Principia and that a contextualized and problematized discussion of this episode does not favor non-scientific and negationist discourse, but on the contrary, allows us to identify biased and ideological intentions that do not aim to promote knowledge or debate, but indoctrinating the individual to adopt a particular posture.

Keywords: History of Science, Post-Truth, Epistemology of Science, Non-Sciences, Newtonian Doctrine.

Resumen: En 2016, la palabra posverdad fue elegida por el Oxford Dictionary como expresión del año. La posverdad significa un conjunto de prácticas que buscan manipular el comportamiento individual y colectivo, basándose en sentimientos y creencias personales en contraposición a hechos objetivos. Entre estas prácticas destaca el negacionismo de la ciencia y la propia historia. Como respuesta a esta tendencia, los textos científicos suelen buscar una reconstrucción racional de la historia de la ciencia de sus actores. En estas reconstrucciones, las interfaces entre la filosofía natural y la ciencia moderna con las llamadas no ciencias, como la astrología, la magia y la alquimia, se minimizan o se ignoran por completo. Desde un punto de vista historiográfico, una reconstrucción racional es tan falaz como los discursos de la posverdad. Este hecho llevó al historiador Butterfield a declarar que no es raro que Clio (la musa de la historia) parezca favorecer los discursos anacrónicos. En este ensayo sugerimos que la reconstrucción sincrónica y diacrónica de la historia de la ciencia proporciona los filtros adecuados que corrigen la paralaje y ponen a Clio en su lugar. Para ello, mostramos cómo las prácticas alquímicas de Newton beneficiaron la construcción de sus Principia y que una discusión contextualizada y problematizada de este episodio no favorece el discurso no científico y negacionista, sino que por el contrario, nos permite identificar intenciones sesgadas e ideológicas que sí lo hacen. no tiene como objetivo promover el conocimiento o el debate, sino adoctrinar al individuo para que adopte una postura particular.

Palabras clave: Historia de la Ciencia, Posverdad, Epistemología de la Ciencia, No ciencias, Doctrina Newtoniana.

Introdução

Atualmente, tem sido amplamente discutido o problema da pós-verdade. De acordo com Dicionário de Cambridge, por pós-verdade está “relacionado a uma situação em que as pessoas têm maior probabilidade de aceitar um argumento baseado em emoções e crenças, em vez de baseado em fatos”.1 Em 2016, a palavra pós-verdade foi declarada a palavra do ano pelo Dicionário de Oxford (BBC, 20162; Wang, 20163). O conceito de Pós-Verdade não é novo. Em um artigo de 1992, Malpas (1992) discute o modernismo, pós-modernismo e a questão da verdade, e sua relação com a propaganda nazista. Podemos dizer que a pós-verdade está relacionada a história anacrônica. O próprio termo whiggismo usado para se referir a história radicalmente anacrônica, foi introduzido por Butterfield (1931), em referência a Whig, o partido liberal britânico, e contém as características do que se convencionou chamar de pós-verdade. Segundo ButterfIeld o whiggismo é

A tendência de muitos historiadores escreverem em favor de protestantes e Whigs, de exaltarem revoluções bem sucedidas, de enfatizarem certos princípios de progresso no passado e de produzirem uma história que seja a ratificação, se não a glorificação, do presente. (BUTTERFIELD, 1931, p. 1)

Visto que o discurso de pós-verdade, whiggista, altamente ideológico, que visa manipular as opiniões e tendências políticas, negando a própria ciência, pode parecer razoável que uma escrita histórica cientificista, isto é que, que enfatize a racionalidade e o progresso alcançado pela ciência e minimize as contribuições das não ciências seria uma alternativa ou um antidoto a pós verdade. Porém, como observa o próprio Butterfield, não é este o caso:

Não se pode dizer que todas as falhas de viés podem ser equilibradas por trabalhos que são deliberadamente escritos com o viés oposto; pois não ganhamos a história verdadeira simplesmente acrescentando o discurso da acusação ao discurso da defesa; e, embora tenha havido histórias partidárias conservadoras - como tem havido muitas católicas -, ainda é verdade que não há uma tendência correspondente de o próprio sujeito se inclinar nessa direção; os dados não podem ser carregados secretamente em virtude do mesmo tipo de falácia inconsciente original. Por esse motivo, é fácil acreditar que Clio está do lado dos whigs. (BUTTERFIELD, 1931, p. 6)

Nesse ensaio, denunciamos a abordagem cientificista, muito comum em narrativas populares, como um discurso de pós-verdade. Para isso, inicialmente estudamos como a alquimia (uma não ciência) beneficiou a criação científica de Isaac Newton, para então mostrar que as narrativas cientificistas são insustentáveis da perspectiva histórica-epistemológica e que insistir nelas é aderir a um discurso de pós-verdade. Nós sustentamos a mesma posição de Buckley (1971) e Chang (2012) de que a pluralidade é muito mais benéfica para a construção do conhecimento científico do que o monismo e o puritanismo. Também rejeitamos o relativismo radical, pois reconhecemos que o campo científico possui uma autonomia relativa e critérios de demarcação e seleção. O que negamos é a tese de que o campo científico é homeostático e fechado. Nossa abordagem converge para uma sociologia transversalista da atividade científica (SHINN, RAEGOUT, 1998).

O perfil epistemológico de Newton

O perfil epistemológico de Newton é um assunto bastante delicado e que merece um exame cuidadoso. O próprio Newton se declarava como um empirista radical, que acreditava que somente a experiência pura, não contaminada por hipóteses, poderia levar a compreensão dos fenômenos naturais.

Como na matemática, assim também na filosofa natural, a investigação de coisas difíceis pelo método de análise deve sempre preceder o método de composição. Esta análise consiste em fazer experimentos e observações, e em traçar conclusões gerais deles por indução, não se admitindo nenhuma objeção às conclusões, senão aquelas que são tomadas dos experimentos, ou certas outras verdades. Pois as hipóteses não devem ser levadas em conta em filosofia experimental. E apesar de que a argumentação de experimentos e observações por indução não seja nenhuma demonstração de conclusões gerais, ainda assim é a melhor maneira de argumentação que a natureza das coisas admite, e pode ser considerada mais forte dependendo da maior generalidade da indução. E se nenhuma exceção decorre dos fenômenos, geralmente a conclusão pode ser formulada. Mas se em qualquer tempo posterior, qualquer exceção decorrer dos experimentos, a conclusão pode então ser formulada com tais exceções que decorrem deles. Por essa maneira de análise podemos proceder de compostos a ingredientes, de movimentos às forças que os produzem; e, em geral, dos efeitos a suas causas, e de causas particulares a causas mais gerais, até que o argumento termine no mais geral. Este é o método de análise; e a síntese consiste em assumir as causas descobertas e estabelecidas como princípios, e por elas explicar os fenômenos que procedem delas, e provar as explicações. (NEWTON, 1979, p. 56-57)

Segundo Newton, a filosofia natural deveria ser regulada por quatro princípios, que ele chamou de “regras do raciocínio na filosofia”, a saber:

Regra 1: Não devemos admitir mais causas para as coisas naturais do que as que são verdadeiras e suficientes para explicar suas aparências. (NEWTON, 2012b, p. 185)

Regra 2: Portanto, aos mesmos efeitos naturais temos de atribuir as mesmas causas, tanto quanto possível. (NEWTON, 2012b, p. 185)

Regra 3: As qualidades dos corpos que não admitem intensificação nem diminuição de graus, e que pertencem a todos os corpos dentro do alcance de nossas experiências, devem ser consideradas como qualidades universais de todos os corpos de qualquer tipo. (NEWTON, 2012b, p. 186)

Regra 4: Na filosofia experimental devemos considerar as proposições inferidas pela indução geral a partir dos fenômenos como precisamente ou muito aproximadamente verdadeiras, apesar de quaisquer hipóteses contrárias que possam ser imaginadas, até o momento em que outros fenômenos ocorram pelos quais elas possam ou ser tornadas mais precisas, ou fiquem sujeitas a exceções. (NEWTON, 2012b, p. 187)

Estas regras, posteriormente, tornar-se-iam. o paradigma que orientaria o desenvolvimento da mecânica, ganhando “desenvolvimento teórico por parte de Boscovich e Mossotti, e implementação prática nas pesquisas eletromagnéticas de Faraday e nas tentativas de medir as afinidades eletivas dos elementos químicos” (LOSEE, 1979, p. 106). Por isso, dado a sua importância para as ciências naturais, convém fazermos alguns apontamentos sobre estas regras.

Para justificar sua Regra I, Newton recorre ao princípio da parcimônia, porém é objeto de controvérsia saber o que Newton entendia precisamente por "causa verdadeira" (LOSEE, 1979, p. 105). O polímata britânico, William Whewell (1794-1866) observou que se Newton intencionava restringir a “causa verdadeira” de um fenômeno as causas eficientes, então a Regra 1 se tornaria bastante limitativa (LOSEE, 1979, p. 105). Por outro lado, Whewell não estava seguro se essa era realmente a intenção original de Newton, e por isso considerou outras interpretações (LOSEE, 1979, p. 105).

Ele notou que Newton pode ter pretendido restringir a introdução de causas apenas àquelas "semelhantes em espécie" a causas previamente estabelecidas. Whewell observou que, assim interpretada, a Regra I seria demasiado vaga para guiar a investigação científica. Qualquer causa hipotética poderia ser invocada, como exibindo alguma semelhança a causas previamente estabelecidas. Tendo eliminado estas alternativas inadequadas, Whewell sugeriu que aquilo que Newton deveria ter entendido por “causa verdadeira” é uma causa representada numa teoria, teoria esta apoiada pela evidência indutiva adquirida pela análise de diversos tipos de fenômenos. (LOSEE, 1979, p. 105)

Além de Whewell, o filósofo e economista britânico John Stuart Mill (1896-1873), também tentou inferir o que Newton entendia por “causa verdadeira”. “Consistente com a sua ideia de indução como teoria de prova da conexão causal, Mill mantinha que “causa verdadeira” distingue-se pela sua conexão com o efeito que lhe é atribuído, conexão esta demonstrável por provas independentes” (LOSEE, 1979, p. 105).

Sobre Regra III, Newton indica que as qualidades que a satisfazem são: a extensão, a dureza, a impenetrabilidade, a mobilidade e a inércia (LOSEE, 1979, p. 105). Além disso,

Newton afirmava que estas qualidades deveriam ser consideradas como universais, aplicáveis a todos os corpos. Além disso, insistiu que estas qualidades também o são das partes minúsculas dos corpos. Na indagação 31 da Opticks ele estabeleceu um programa de pesquisas para descobrir as forças que governam as interações das pequenas partes consistentes dos corpos. Newton exprimiu a esperança de que o estudo das forças de curto alcance levaria a uma integração dos fenômenos físico—químicos tais como mudanças de estado, solução, e formação de compostos, de maneira análoga à integração da dinâmica terrestre e celeste pelo princípio da gravitação universal (LOSEE, 1979, p. 105-106)

Portanto, de maneira sucinta, a posição epistemológica que Newton alegava adotar era justamente oposta do racionalismo de Descartes.4

Newton repudiou o programa cartesiano de deduzir leis científicas a partir de princípios metafísicos indubitáveis. Negou também que se possa chegar a um conhecimento necessário de leis científicas desta maneira. De acordo com Newton, o filósofo natural pode estabelecer que os fenômenos estão relacionados de uma certa maneira, mas não pode provar que esta relação não poderia ser outra. É verdade que Newton sugeriu que se pudéssemos conhecer as forças que operam sobre as partículas da matéria poderíamos entender por que é que os processos macroscópicos ocorrem desta e não aquela maneira. Mas ele não afirmava que tal conhecimento é um conhecimento necessário da natureza. Pelo contrário, ele afirmava que todas as interpretações dos processos naturais são contingentes e sujeitos a revisão à luz da evidência futura. (LOSEE, 1979, p. 106).

Assim a principal diferença entre as filosofias mecanicistas de Descartes e Newton, podem ser assinaladas da seguinte forma:

Explicar um fenômeno é, para Descartes, imaginar a estrutura mecânica do qual é resultado. Tal modo de explicação expõe ao perigo de levar a muitas soluções possíveis, já que um mesmo resultado pode ser obtido com mecanismos muito diferentes. Newton declarou, iterativamente, que todas as “hipóteses” cartesianas, isto é, as estruturas mecânicas imaginadas para dar razão a fenômenos, deviam ser evitadas na filosofia experimental. “Non fingo hypotheses”, isto é “eu não invento nenhuma dessas causas”, que, sem dúvida, podem dar conta dos fenômenos, mas que são somente verossímeis. Newton não admite outra causa senão a que pode ser “deduzida dos próprios fenômenos”. (BRÉHIER, 1977, p. 13)

Porém, assumir que Newton é apenas um empirista radical, inspirado pela tradição de Locke e de Bacon, seria incorrer em um reducionismo. A formação epistemológica de Newton é muito mais complexa, pois incluía também outras percepções, como o raciocínio matemático. A filosofia natural de Newton se distinguia da dos seus percussores pelo uso extensivo da linguagem matemática. Como mostrou Henry (2002) e Grant (2007), em suas origens, a filosofia natural evitava qualquer interface com a matemática. Para Newton, a matemática tem o papel de uma linguagem, não ambígua, que permite expressar as verdades deduzidas pela experiência e pelos sentidos, segundo Henry (2002, p. 29), para Newton, “o verdadeiro filósofo natural é um matemático”.

Outro aspecto importante na epistemologia de Newton é a sua visão teológica (BRÉHIER, 1977, KOYRÉ, 1979, WESTFALL, 1993, KRAGH, 2001, HENRY, 2002, GRANT, 2007, FORATO, 2006, 2008, 2009). Segundo Bréhier (1977, p. 12): “A mecânica de Newton liga-se a uma teologia. Seu Deus é um geômetra e um arquiteto que soube combinar os materiais do sistema de tal maneira que resultasse um estado de equilíbrio estável e um movimento contínuo e periódico”. Além disso, diferente das ciências ocultas e da alquimia, que aprecem de forma indireta em suas obras, a teologia newtoniana é apresentada de forma extensiva. Em seu Óptica, Newton escreveu:

Parece provável para mim que Deus no começo formou a matéria em partículas movíveis, impenetráveis, duras, volumosas, sólidas, de tais formas e figuras, e com tais outras propriedades e em tal proporção ao espaço, e mais conduzidas ao fim para o qual ele as formou; e que estas partículas primitivas, sendo sólidas, são incomparavelmente mais duras do que quaisquer corpos porosos compostos delas; mesmo tão duras que nunca se consomem ou se quebram em pedaços; nenhum poder comum sendo capaz de dividir o que Deus, ele próprio, fez na primeira criação. Enquanto as partículas continuam inteiras, podem compor corpos de uma e mesma natureza e textura em todas as épocas; mas se elas se consumissem, ou se quebrassem em pedaços, a natureza das coisas dependentes delas seria mudada. A água e a terra, compostas de antigas partículas consumidas, não seriam da mesma natureza e textura, agora, da água e terra compostas de partículas inteiras no começo. E, portanto, aquela Natureza pode ser duradoura, as mudanças de coisas corpóreas devem ser colocadas somente nas várias separações e novas associações e movimentos dessas partículas permanentes; corpos compostos são suscetíveis de se quebrar, não no meio de partículas sólidas, mas onde aquelas partículas são juntadas, e se tocam em uns poucos pontos. [...] (NEWTON, 1979, p. 54-55)

E conclui que:

Ora, com a ajuda desses princípios, todas as coisas materiais parecem ter sido compostas das partículas duras e sólidas acima mencionadas, variadamente associadas na primeira criação pelo conselho de um agente inteligente. Pois convinha Aquele que as criou colocá-las em ordem. E se Ele assim fez, é não-filosófico procurar por qualquer outra origem do mundo, ou pretender que este deveria se originar a partir de um caos pelas leis da Natureza; apesar de que, uma vez sendo formado, ele pode continuar por essas leis durante muitas épocas. Pois, enquanto os cometas se movem em órbitas muito excêntricas em todos os modos de posições, um destino cego não poderia nunca fazer todos os planetas se moverem de uma e mesma maneira em órbitas concêntricas, algumas irregularidades consideráveis excetuadas, que podem ter se originado das ações mútuas dos cometas e planetas entre si e que estarão prontas a aumentar, até que esse sistema requeira uma reforma. (NEWTON, 1979, p. 55-56)

No Escólio Geral dos Principia, Newton novamente invoca a necessidade da intervenção de Deus:

Este sistema belíssimo do sol, planetas e cometas só pode ter surgido do conselho e domínio de um Ser inteligente e poderoso. E se as estrelas fixas são centros de outros sistemas similares, estes, sendo formados por um conselho sábio semelhante, devem estar todos sujeitos ao domínio de Alguém, especialmente porque luz das estrelas fixas é da mesma natureza que a luz do sol, e de cada sistema a luz passa para todos os outros sistemas. E para evitar que os sistemas das estrelas fixas caíssem um sobre o outro por suas gravidades, ele colocou estes sistemas a imensas distâncias entre si. (NEWTON, 2012b, p. 328)

Portanto, a filosofia natural de Newton era de um Deus que “[...] reinava, supremo, no vazio infinito do espaço absoluto, no qual a força da atração universal interligava os corpos estruturados atomicamente do universo incomensurável e os fazia moverem-se de acordo com rígidas leis matemáticas” (KOYRÉ, 1979, p. 255).

Por fim, convém salientar que além da filosofia natural, matemática e teologia, Newton também se interessou por temas esotéricos como a ciências ocultas, profecias e alquimia (WESTFALL, 1993, KRAGH, 2001). Estes temas, diferente da teologia, não são citados explicitamente em seus escritos sobre filosofia natural, porém, isso não significa que eles não influenciaram ou mesmo beneficiaram seus trabalhos, ainda que indiretamente (BRÉHIER, 1977, KOYRÉ, 1979, WESTFALL, 1993, KRAGH, 2001, HENRY, 2002, GRANT, 2007, FORATO, 2006, 2008, 2009). Devido essa pluralidade de atividades que Newton exerceu durante toda a sua vida, os historiadores divergem sobre o papel que cada um deles teve na produção científica. Inicialmente, houve uma tentativa, por parte dos historiadores das ciências, de suprimir a importância destas atividades não científicas alegando que não passavam de um hobby ou de uma idiossincrasia de Newton, porém, essa hipótese provou-se insustentável (KRAGH, 2001).

Newton, a personificação da ciência, fez uso de uma boa parte das suas capacidades trabalhando temas decididamente não científicos, como cronologia das Escrituras, alquimia, medicina do oculto e profecias de história. Manuscritos e outras fontes demonstram que Newton deve ter dedicado mais tempo a essas dúbias tarefas que às obras de matemática e física sobre as quais assenta a sua fama. (KRAGH, 2001, p. 30)

Embora os historiadores concordem que estes empreendimentos não científicos fossem preocupações legítimas de Newton (e não meros passatempos ou curiosidades), eles ainda divergem sobre o papel destas iniciativas na síntese newtoniana. O debate historiográfico tem focalizado qual foi a importância da alquimia na obra de Newton. Estas tendências historiográficas podem ser categorizadas em três grupos: internalista, transversalista e externalista. Na próxima seção, discutiremos cada uma destas abordagens.

O papel da alquimia na síntese newtoniana: o que dizem os historiadores?

O fato de Newton ter flertado com campos estranhos a filosofia natural, tem levado os historiadores da ciência a se questionarem até que ponto as interfaces de Newton com as não ciências, em especial a alquimia, influenciaram seus trabalhos científicos? A esta questões suscitaram a formulação de diversas tendências historiográficas que podem ser caracterizadas em três categorias.

Newton, a personificação da ciência, fez uso de uma boa parte das suas capacidades trabalhando temas decididamente não científicos, como cronologia das Escrituras, alquimia, medicina do oculto e profecias de história. Manuscritos e outras fontes demonstram que Newton deve ter dedicado mais tempo a essas dúbias tarefas que às obras de matemática e física sobre as quais assenta a sua fama. Poderíamos então perguntar-nos se as obras de Newton sobre alquimia, por exemplo, fazem legitimamente parte da história da ciência. A investigação newtoniana tem tradicionalmente procurado traçar uma imagem glorificada e racionalista de Newton, dando no geral uma atenção exclusiva às suas obras puramente matemáticas e físicas. Embora os trabalhos (ainda por publicar) de Newton sobre alquimia sejam de há muito conhecidos, os estudiosos de Newton acabaram por ignorá-los, precisamente porque não faziam parte do Newton que consideravam de interesse para a história da ciência. (KRAGH, 2001, p. 30)

A primeira posição que Kragh reconhece é aquela que denominamos de internalista, pois visa a reconstrução do perfil de Newton assumindo que a obra científica de Newton foi orientada apenas pela lógica interna da ciência.

Alguns eminentes estudiosos newtonianos, representantes de uma abordagem da história da ciência mais nacionalista e centrada na ciência, negaram que Newton fosse de modo algum um alquimista, no sentido próprio da palavra. Para eles a sua dedicação ao assunto era do foro "privado" e sem qualquer ligação com as suas grandes obras científicas. Dado que essas são as obras centrais na investigação newtoniana, uma vez que respeitam à história da ciência, o interesse de Newton pela alquimia não tem qualquer interesse para o historiador de ciência. Consequentemente, historiadores como M. Boas Hall, A. Rupert Hall, I.B. Cohen e D.T. Whiteside consideram justificável “desalquimizar” Newton. (KRAGH, 2001, p. 31)

A segunda proposta de reconstrução do perfil de Newton admite a reconstrução racionalista, porém considera que a história da ciência deve apresentar um caráter mais geral, cultural de Newton. Chamaremos essa concepção de transversalista, pois a alquimia (e as outras não ciências que Newton praticou) operam como conhecimentos transversais a sua síntese.

Outros peritos defendem que Newton era realmente um alquimista, em qualquer sentido da palavra, e que foi altamente influenciado pelas correntes neoplatónicas e herméticas da época. Estes estudiosos (P.M. Rattansi, R. Westfall, B. Dobbs e F.E. Manuel, entre outros) são da opinião que a alquimia constituía para Newton parte integrante da sua visão do mundo e, como tal, era compatível com a filosofia sobre a qual foram erguidas as suas obras sobre física. A alquimia de Newton pertence à história da ciência por direito próprio e não, sobretudo, porque a alquimia pode esclarecer determinadas passagens de Principia ou Óptica, as principais obras de Newton no campo da física, mas porque era um elemento importante na história cultural, para a qual Newton contribuiu também e de forma interessante. (KRAGH, 2001, p. 31)

A terceira proposta, que denominaremos de externalista ou construtivista, considera que as concepções não científicas de Newton eram aceitáveis e estavam, dentro dos paradigmas da época, imbuídas de racionalidade, e, portanto, foram pertinentes para seu trabalho científico.

O interesse pela alquimia newtoniana pode igualmente justificar-se com o argumento de que terá sido de relevância directa para as teorias cientificas de Newton. Segundo Karin Figala, a alquimia de Newton é, na realidade, uma teoria racional da matéria decorada com a linguagem simbólica das ciências ocultas, ou seja, é o esboço imperfeito e um novo desenvolvimento dos pensamentos publicados sobre a estrutura da matéria. Assim encarada, a alquimia de Newton assume a forma de uma teoria racional, cientifica, e toma-se um elemento genuíno da história da ciência. (KRAGH, 2001, p. 31-32)

Poderíamos objetar a visão racionalista afirmando que ela introduz um anacronismo conceitual, pois impomos uma racionalidade científica que é característica da ciência moderna e contemporânea. Em outras palavras, não haveria sentido em esperar de um pesquisador do século XVII um comportamento que passou a ser predominante a partir do século XIX. No caso da visão analítica, pode-se objetar que, embora ela não despreze os trabalhos não científicos de Newton, ela admite uma separação artificial do Newton enquanto filósofo natural e o Newton enquanto ocultista e teólogo.

Por outro lado, alguém poderia justificar a visão racionalista e analítica, pois o próprio Newton admitiu que evitava ao máximo fazer “hipóteses” e defendia que toda a verdade deveria ser extraída da experiência pura (WHITTAKER, 1952, LOSEE, 1979, JAMMER, 1993, 1997, 1999, WESTFALL, 1993). Nesse sentido, qualquer experiência que Newton tivesse com a alquimia e as outras não ciências, não afetariam significativamente a sua percepção das experiências científicas. Essa preocupação consciente de Newton em “não fazer hipóteses” seria suficiente para estabelecer um filtro entre as concepções científicas e não científicas. Porém, esse argumento é falho, pois “conceitos são dinâmicos, têm historicidade. Não podem ser utilizados indiscriminadamente” (SILVA, SILVA, 2012, p. 09). Assim o que Newton entendia por teoria e hipóteses é diferente das concepções hodiernas.

O uso que Newton deu aos termos "teoria" e "hipótese" não se conforma ao uso moderno. Ele aplicou o termo "teoria" às relações invariantes entre termos designando qualidades manifestas. Às vezes ele falava destas relações invariantes como "deduzidas" dos fenômenos; mais provavelmente ele queria dizer que existia evidência indutiva muito forte para algumas destas relações. "Hipóteses" em um dos sentidos que lhe empresta Newton': são declarações sobre termos que designam "qualidades ocultas", para as gerais não existem processos de medida conhecidos. (LOSEE, 1979, p. 103)

Além disso, Newton nem sempre foi coerente com as suas restrições metodológicas:

Entretanto, em outros contextos Newton entretinha hipóteses que explicam correlações entre qualidades manifestas. Com afeito, ele flertou com uma hipótese sobre um meio etéreo que produz a atração gravitacional. De outro lado, ele também enfatizou que a função de tais hipóteses é dirigir a pesquisa futura e não servir como premissa para uma disputa estéril. (LOSEE, 1979, p. 103)

Por isso devemos nos acautelar da afirmação de Newton “hipóteses não finjo”. Análises críticas sobre os Principia têm revelado hipóteses não enunciadas nos trabalhos de Newton. Uma dessas hipóteses é sobre a atração ser uma propriedade inata da matéria (BRÉHIER, 1977). Hessen (1931), por meio do método materialista e dialético, escrutinou as influências socioeconômicas dos Principia. E, mais recentemente, Freudhental (1986) mostrou como os trabalhos de Newton refletiam a organização e contexto social em que ele viveu. Segundo Chalmers:

A melhor parte da análise dele [Freudhental] mostra como as hipóteses que têm origens sociais e políticas e atendem a interesses sociais e políticos podem facilmente penetrar na ciência mascaradas de boa ciência. Nem mesmo os Principia de Newton, que se poderia esperar servirem de excelente exemplo da ciência pura, estavam livres desse tipo de incursões. Não se pode aceitar sem questionamento que tudo o que se propõe em nome da ciência, ostensivamente justificado como seus interesses e metas, atenda realmente a esses interesses e contribua para essas metas. Isso é tão verdadeiro hoje quanto o foi na época de Newton. (CHALMERS, 1994, p. 71)

Quanto a posição externalista, podemos objetá-la quando percebemos que Newton nunca fez menção aos seus trabalhos alquímicos. Além disso, quando os Principia de Newton foram acusados de promover argumentos em favor das visões ateístas, Newton acrescentou ao seu terceiro livro o Escólio Geral, onde ele considera o espaço o sensório de Deus e que de tempos em tempos, Deus corrigia os desvios gravitacionais (NEWTON, 2012b). Se Newton não objetou em acrescentar um texto de natureza teológica em sua obra científica, por que ele não mencionaria suas experiências alquímicas se elas eram consistentes com a filosofia natural? Porém a maior objeção da teoria externalista é a falta de evidências sólidas que sustentem essa hipótese.5

Por essas críticas, consideramos a abordagem transversalista sendo mais adequada,6 pois ela dialetiza os aspectos racionais (internos) e os aspectos sociais e humanos (externos), sem cair nos extremos, como ocorre com as duas abordagens anteriores. Em outras palavras, ela rejeita o monismo e o puritanismo da tese internalista, sem cair no relativismo da tese externalista.

O papel da alquimia nos principia: a equivalência entre massa inercial e gravitacional

Como mencionamos anteriormente, Newton nunca fez uma referência explícita aos seus estudos alquímicos nos Principia. Porém, não podemos usar essa falta de referência como uma justificativa inequívoca para concluirmos que o trabalho científico de Newton se desenvolveu de forma independente aos seus interesses não científicos.

Independentemente do modo como se devem interpretar as obras de Newton sobre alquimia, seria errado ignorá-las sem um estudo atento. "Se vamos estudar os manuscritos, temos de os analisar a todos e aceitar o que quer que neles se encontre, esteja ou não esteja de acordo com as opiniões do século XX. Para dizer que Newton era um praticante de alquimia, não precisamos de ser, nós próprios, ocultistas, nem de negar a permanente realidade dos Principia. Temos apenas de aceitar que a importância dos manuscritos é tanto ou mais autêntica que a dos ensaios matemáticos. (KRAGH, 2001, p. 32)

Podemos rastrear, com uma leitura cuidadosa, onde a prática alquímica beneficiou Newton. Nesse ensaio iremos nos concentrar em um tópico partícula dos Principia: a equivalência entre massa inercial e massa gravitacional. Em geral, os conceitos de massa são discutidos de maneira bastante superficial em livros didáticos e técnicos (OSTERMANN, RICCI, 2004). Nos exercícios sobre mecânica, assume-se a equivalência entre massa inercial e gravitacional, sem antes problematizá-la. Essa é uma questão que percorreu 200 séculos, até que em 1907, Eotvös realizasse medidas extremamente precisas mostrando que o conteúdo inercial de um corpo era equivalente ao conteúdo gravitacional e Einstein formulasse o princípio da equivalência (WHITTAKER, 1953).

Por outro lado, como vimos, Newton era um defensor do método experimental, sintetizada por sua máxima: “hipóteses não faço”, ele não poderia simplesmente assumir essa equivalência como um postulado. Era preciso justificá-lo experimentalmente, e foi exatamente isso que Newton fez. No início do primeiro livro dos Principia, Newton apresenta a sua definição de quantidade de matéria, como segue:7

DEFINIÇÃO 1. A quantidade de matéria é a medida da mesma, obtida conjuntamente a partir de sua densidade e volume. Assim, o ar, com o dobro de densidade, num espaço duplicado, tem o quádruplo da quantidade; num espaço triplicado, o sêxtuplo da quantidade. O mesmo deve ser entendido com respeito à neve, e pó fino ou matéria pulverizada, condensados por compressão ou liquefação, bem como para todos os corpos que, por quaisquer causas, são condensados diferentemente. Não me refiro, aqui, a um meio, se é possível dizer que tal meio existe, que permeia livremente os interstícios entre as partes dos corpos. É essa quantidade que doravante sempre denominarei pelo nome de corpo ou massa. E a mesma é conhecida através do peso de cada corpo, pois é proporcional ao peso, como descobri em experimentos com pêndulos, realizados muito rigorosamente, os quais serão mostrados adiante (NEWTON, 2012a, p. 39)

Diferente das concepções modernas e contemporâneas, para Newton é a densidade e o volume que apresentam um caráter elementar, enquanto a massa (compreendida como uma medida da quantidade de matéria) seria uma grandeza derivada. Sobre essa passagem Cohen (1999, p. 87) comenta que embora Newton utilize a palavra peso para se referir a quantidade de matéria, essa palavra não se refere ao sentido usual hodierno, isto é, de que o peso é o produto da massa gravitacional pela aceleração da gravidade:

Por "peso", ele escreve, "quero dizer a quantidade ou agregação de matéria sendo movida, sem incluir as considerações gravitacionais, visto que estão ausentes os corpos gravitacionais". Ou seja, ele está buscando uma medida da quantidade de matéria. Ele usa o termo habitual "peso", pois ainda não encontrou um substituto adequado. No entanto, ele não quer que o "peso" seja interpretado no sentido usual. Em vez disso, ele tem em mente o que mais tarde conceberá como propriedade inercial da massa, como é evidente em sua referência ao movimento e não a uma força descendente, a maneira pela qual o peso é geralmente concebido. Ele não pode usar "peso" nesse sentido usual, porque fazê-lo implicaria que sua medida, ou "quantidade de matéria", em qualquer amostra dada, é uma variável e não uma propriedade fixa. Ou seja, ele conhece as experiências dos astrônomos que carregavam relógios ou segundos pêndulos de centros como Londres ou Paris para algum lugar distante. Ele sabe que o peso varia de um lugar para outro. O peso, no sentido usual, refere-se aos corpos pesados (literalmente, gravitacionais). (COHEN, 1999, p. 87)

Sobre a passagem a equivalência entre a massa inercial e a massa gravitacional (corpo pesado), Newton a discute em duas proposições: na Proposição XXIV, do segundo livro (NEWTON, 2012b, p. 85-86); e na Proposição VI, do terceiro livro (NEWTON, 2012b, p. 200). Nestas duas passagens podemos ter um vislumbre de qual foi o papel da alquimia para a sua doutrina. Na Proposição VI, Newton lista os materiais que ele utilizou para fazer o bulbo do pêndulo: ouro, prata, chumbo, vidro areia, sal comum, água, madeira e trigo (NEWTON, 2012b, p. 200). Estas substâncias não foram escolhidas ao acaso. Elas eram comumente utilizadas pelos alquimistas (MALOUIN, 2018, LINDEN, 1996, PEREIRA, 2018, BROWN, S. A), os naturalistas (GRANT, 2007, PEREIRA, 2018) e os empiristas (GRANT, 2007, PEREIRA, 2018) como Robert Boyle (HENRY, 2002). Já na Proposição XXIV, Newton discute o problema das marés, no livro 2 e descreve como ele inferiu a equivalência entre massa inercial e massa gravitacional:

As quantidades de matéria nos corpos pendulares, cujos centros de oscilação estão igualmente distantes do centro de suspensão, estão numa razão composta da razão dos pesos e da razão quadrada dos tempos de oscilação no vácuo. Pois a velocidade que uma força dada pode gerar numa matéria dada num tempo dado é diretamente como a força e o tempo, e inversamente como a matéria. Quão maior é a força ou o tempo, ou menor a matéria, maior é a velocidade gerada. Isto é manifesto a partir da Segunda Lei do Movimento. Agora, se os pêndulos têm o mesmo comprimento, as forças motrizes nos lugares igualmente distantes da perpendicular são como os pesos. Portanto, se dois corpos descrevem arcos iguais ao oscilar, e estes arcos são divididos em partes iguais; como os tempos em que os corpos descrevem cada uma das partes correspondentes dos arcos são como os tempos das oscilações completas, as velocidades nas partes correspondentes das oscilações estarão uma para a outra diretamente como as forças motrizes e os tempos completos das oscilações, e inversamente como as quantidades de matéria. Portanto, as quantidades de matéria são diretamente como as forças e os tempos das oscilações, e inversamente como as velocidades. Mas as velocidades são inversamente como os tempos, e, portanto, os tempos são diretamente e as velocidades inversamente como os quadrados dos tempos. Portanto, as quantidades de matéria são como as forças motrizes e os quadrados dos tempos, isto é, como os pesos e os quadrados dos tempos. Q.E.D. (NEWTON, 2012b, p. 85)

Após esta demonstração, Newton (2012b, p. 85-86) deriva sete corolários, a saber:

COROLÁRIO IPortanto, se os tempos são iguais, as quantidades de matéria em cada um dos corpos são como os pesos.

COROLÁRIO IISe os pesos são iguais, as quantidades de matéria serão como os quadrados dos tempos.

COROLÁRIO IIISe as quantidades de matéria são iguais, os pesos serão inversamente como os quadrados dos tempos.

COROLÁRIO IVSendo os quadrados dos tempos, o restante permanecendo igual, como os comprimentos dos pêndulos, se os tempos e as quantidades de matéria forem iguais, os pesos serão como os comprimentos dos pêndulos.

COROLÁRIO VE, em geral, a quantidade de matéria em um corpo pendular é diretamente como o peso e o quadrado do tempo, e inversamente como o comprimento do pêndulo.

COROLÁRIO VIMas, num meio sem resistência, a quantidade de matéria no corpo pendular é diretamente como o peso comparativo e o quadrado do tempo, e inversamente como o comprimento do pêndulo. Pois o peso comparativo é a força motriz do corpo em qualquer meio pesado, como foi mostrado acima e, portanto, faz em tal meio sem resistência o mesmo que faz o peso absoluto no vácuo.

COROLÁRIO VIIE daqui surge um método de comparar corpos um com o outro em relação à quantidade de matéria em cada um; e de comparar os pesos do mesmo corpo em diferentes lugares e assim conhecer a variação de sua gravidade. E através de experiências realizadas com a maior precisão, sempre descobri que a quantidade de matéria nos corpos é proporcional a seus pesos.

Podemos traduzir o raciocínio de Newton em linguagem matemática moderna (CHANDRASEKHAR, 2003, BROWN, S.A.),8 como segue:

Podemos expressar o diferencial da velocidade em função da força, graças a segunda lei de Newton, pela seguinte equação.9


Como o comprimento dos braços conectados aos bulbos dos pêndulos é igual, a proporção das forças inerciais aplicado ao pêndulo é igual a proporção dos pesos aplicados ao pêndulo, para qualquer ângulo vertical.


Tomando a razão dos diferenciais de velocidade, teremos:


Substituindo a proporção das forças pela proporção dos pesos, obtemos:


O diferencial de velocidade se relaciona ao diferencial do ângulo e o comprimento do braço do pêndulo pela equação:


Substituindo esse resultado na proporção das forças:


Podemos escrever a razão das massas da seguinte forma:


Para ângulos e comprimentos iguais, a relação entre as massas se torna:


O diferencial dos tempos corresponde ao período dos pêndulos, então:


Porém, a experiência prova que dois pêndulos simples com mesmo comprimento, oscilando por arcos iguais, têm períodos iguais, o que implica em:


Que demonstra que a equivalência, pois a proporção das massas inerciais é igual a proporção das massas gravitacionais.

Como Henry (2002) observou, os filósofos naturais ainda não estavam plenamente familiarizados com os métodos e as técnicas experimentais. As investigações de Newton exigiam precisão, e Newton havia se tornado ainda mais perfeccionista depois das críticas agressivas de Hooke sobre suas experiências sobre as cores com o prisma (WHITTAKER, 1952). Esta precisão era também condição sine qua non para a prática alquímica, pois exigia medidas precisas, técnicas avançadas de separação e purificação das substâncias (MALOOUIN, 1751, LINDEN, 1996, HENRY, 2002, GRANT, 2007, PEREIRA, 2018, BROWN, S. A.). Sendo um alquimista habilidoso (WESTFALL, 1993, BROWN, S. A), Newton estava familiarizado com experimentos que envolviam estas substâncias e, por essa razão, podia extrair da experiência uma definição satisfatória para massa (inercial) e sua equivalência com a massa gravitacional. Nesse sentido, o conhecimento alquímico de Newton, novamente mostrou-se útil.10 É igualmente importante salientar que o fato de Newton preferir testar o movimento pendular com nove substâncias, ao invés de usar um argumento astronômico, parece indicar uma confiança maior em suas experiências alquímicas do que astronômica.

Newton também realizou experiências envolvendo imãs que permitiram distinguir que a proporção da força inercial e da força gravitacional não se aplicava a outras forças, como vemos no quinto corolário, da sexta proposição do livro 3.

O poder da gravidade é de uma natureza diferente do poder do magnetismo, pois a atração magnética não é como a matéria atraída. Alguns corpos são mais atraídos pelo ímã, outros menos, a maioria dos corpos não sofre qualquer atração. O poder do magnetismo num mesmo corpo pode ser aumentado e diminuído, sendo algumas vezes muito mais forte, pela quantidade de matéria, do que o poder da gravidade. E, ao se afastar do ímã, decai não com o quadrado mas quase como o cubo da distância, tanto quanto pude julgar a partir de algumas observações grosseiras (NEWTON, 2012b, p. 203)

O magnetismo também fazia parte das atividades alquímicas e dos estudos voltados a magia e ciências ocultas (HENRY, 2002; GRANT, 2007) e que, como sabemos, Newton era praticante (KRAGH, 2001). Essa convergência de experiências com as não ciências, tiveram um papel muito mais relevante para sua produção científica. Mesmo que Newton a separasse de seus interesses científicos, como defendem os racionalistas e analistas, os métodos experimentais que Newton precisou aprender e aprimorar para o exercício da alquimia, beneficiaram a construção de sua ciência e as suas conclusões.

Ciência, história e pós-verdade

Na seção anterior discutimos como as técnicas experimentais que Newton praticava enquanto alquimista beneficiaram suas experiências para determinar a proporção da força inercial e da força gravitacional e a equivalência das massas inercial e gravitacional. Newton poderia ter feito uma demarcação entre ciência e não ciência consciente, porém as técnicas e experiências que ele desenvolveu no campo das não ciências, encaixaram perfeitamente na sua atividade científica e na sua premissa de inferir da experiência o conhecimento, isto é, “sem fazer hipóteses”. O fato de que pesquisadores eminentes tenham flertado e se beneficiado das não ciências em diferentes tempos da história, pode levar a percepção de que o conhecimento científico pode ser confrontado pelo conhecimento não científico.

Uma história das ciências que serve de narrativa para enaltecer os feitos dos cientistas e da sociedade moderna ocidental, é igualmente anacrônica (MAIA, 2001, 2013) e ideologicamente enviesada (JAPIASSU, 1975, 1991, 1992, 2001, MAIA, 2001, 2013). Desta forma sendo um discurso de pós-verdade. Infelizmente, esse tipo de narrativa (pós-verdade científica) ainda encontra adesão entre os acadêmicos e professores ciências naturais (AIKENHEAD 1973, LEDERMAN, O’MALLEY 1990, LEDERMAN 1992, RYAN & AIKENHEAD 1992; POMEROY 1993, ROTH & ROYCHONDHURY 1994, SOLOMON 1994; ABRAMS & WANDERSEE 1995, MCCOMAS, 1996, ROTH & LUCAS 1997; PORLÁN, RIVERO, POZO, 1997, 1998, LEDERMAN ET AL. 1998, 2002, ABD-EL-KHALICK & LEDERMAN, 2000, GIL-PEREZ, 2001, SILVEIRA, OSTERMANN, 2002, El-HANI, TAVARES, ROCHA, 2004, TEIXEIRA, FREIRE JR., El-HANI, 2009) sendo o cientificismo seu produto mais bem acabado (JAPIASSU, 1975, 1991, 1992, 2001). A ideologia cientificista se apoia em dois mitos: “a) o da ciência conduzindo necessariamente ao progresso; b) o da ciência pura.” (JAPIASSU, 1975, p. 91) e, portanto, é um discurso de pós-verdade. Tanto o primeiro mito quanto o segundo mito tem sido criticado por eminentes acadêmicos (THORNDIKE, 1923-1958, 1955; MARCUSE, 1968, 1999; JAPIASSU, 1975, 1991, 1992, 2001; ALVES, 1981, 1989; HABERMAS, 1983; BAUMAN, 1987; CHALMERS, 1994, 1999, KRAGH, 2001; HENRY, 2002; MORIN, 2005, 2011, 2015; SANTOS, 2002, 2008; SHIVA, 2003; BOURDIEU, 2004, 2019a, 2019b; GRANT, 2007; SHINN & RAGOUET, 2008; VERGANI, 2009; FLECK, 2010; SILVA, 2010; MOREIRA, MASSONI, 2011; BOURDIEU & PASSERON, 2014; ALMEIDA, 2017) e pelos estudos sobre Ciência-Tecnologia-Sociedade (C-T-S) (AIKENHEAD, 1985; SANZ et al, 1996; TORTAJADA, PELÁEZ, 1997; BAZZO, 1998; MORTIMER, SANTOS, 2000; CEREZO et al, 2003; PINHEIRO, SILVEIRA, BAZZO, 2007). Por isso qualquer avaliação histórica deve levar em consideração concepções não científicas que os atores sociais empreenderam, sem minimizá-las, porque nossa concepção hodierna de ciência as classifica como pseudociências.

[...] devemos igualmente aceitar estas como pertencendo à história da ciência na medida em que, voluntária ou involuntariamente, contribuíram para o desenvolvimento da ciência. Tem havido ultimamente uma clara tendência para incluir actividades não cientificas na história da ciência, embora haja algum desacordo quanto à extensão com que tal deverá suceder. (KRAGH, 2001, p. 30)

Em síntese, para que a história não se degrade em história whig,11 e, desta forma, em uma forma sofisticada de narrativa de pós-verdade, o trabalho histórico deve evitar três obstáculos conceituais:

a) Redução da história da ciência a nomes, datas e anedotas, em particular, deve-se evitar ideias como (MARTINS, 2006, p. XXIX):

• a ciência é feita por grandes personagens;

• a ciência é constituída a partir de eventos ou episódios marcantes, que são as “descobertas” realizadas pelos cientistas;

• cada alteração da ciência ocorre em uma data determinada;

• cada fato independe dos demais e pode ser estudado isoladamente

b) Concepções errôneas sobre o método científico, que consiste na rejeição de concepções epistemológicas inadequadas, como o indutivismo e o positivismo.

Geralmente, professores que não têm interesse e competência suficientes em história e filosofia da ciência transmitem uma visão distorcida do funcionamento da ciência para seus estudantes. Eles podem tentar mostrar como se obtém uma teoria a partir da observação e experimento, ou como se pode provar uma teoria – apesar da impossibilidade filosófica de tais tentativas. Algumas vezes eles não estão conscientes de sua própria falta de compreensão e tentam usar a história da ciência para aperfeiçoar o seu ensino. Alegam, por exemplo, que Pasteur provou, através de seus experimentos, que a geração espontânea não existe (o que é historicamente falso). O tipo de história da ciência que usam é simplificada e distorcida – o tipo de coisa que os historiadores da ciência chamam de “historiografia Whig” (MARTINS, 2006, p. XXX)

c) Uso de argumentos de autoridade, que consiste em “Invocar uma pretensa certeza científica baseada em um nome famoso é um modo de impor crenças e de deixar de lado os aspectos fundamentais da própria natureza da ciência” (ibid, p. XXX). Um exemplo provocativo é dado por Alves (1981, p. 11):

O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência. Se existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam. Quando o médico lhe dá uma receita você faz perguntas? Sabe como os medicamentos funcionam? Será que você se pergunta se o médico sabe como os medicamentos funcionam? Ele manda, a gente compra e toma. Não pensamos. Obedecemos. Não precisamos pensar, porque acreditamos que há indivíduos especializados e competentes em pensar. Pagamos para que ele pense por nós. E depois ainda dizem por aí que vivemos em uma civilização científica... O que eu disse dos médicos você pode aplicar a tudo. Os economistas tomam decisões e temos de obedecer. Os engenheiros e urbanistas dizem como devem ser as nossas cidades, e assim acontece. Dizem que o álcool será a solução para que nossos automóveis continuem a trafegar, e a agricultura se altera para que a palavra dos técnicos se cumpra. Afinal de contas, para que serve a nossa cabeça? Ainda podemos pensar? Adianta pensar?

Para se evitar essa deformação, devemos compreender que a distinção entre Conhecimento Científico e Crença Científica:

Ter conhecimento científico sobre um assunto significa conhecer os resultados científicos, aceitar esse conhecimento e ter o direito de aceitá-lo, conhecendo de fato (não através de invenções pseudo-históricas) como esse conhecimento é justificado e fundamentado. Crença científica, por outro lado, corresponde ao conhecimento apenas dos resultados científicos e sua aceitação baseada na crença na autoridade do professor ou do “cientista”. A fé científica é simplesmente um tipo moderno de superstição. É muito mais fácil adquiri-la que o conhecimento científico – mas não tem o mesmo valor (MARTINS, 2006, p. XXX)

Por fim, gostaríamos de observar, com base no estudo do papel das não ciências na emergência da revolução científica (THORNDIKE, 1923-1958, 1955; HENRY, 2002; GRANT, 2007), que estas concepções alternativas nunca se opuseram as ciências. Diferente dos argumentos negacionistas e pseudocientíficos, comuns em discursos de pós-verdade, que visam desqualificar o trabalho científico, as não ciências do período pré-científico, serviram tanto de elemento epistemológico para os filósofos naturais (HENRY, 2002, GRANT, 2007) quanto complementaram o conhecimento científico (KRAGH, 2001, HENRY, 2002, GRANT, 2007) e, por essa razão, beneficiaram o surgimento da ciência moderna, como foi o caso da alquimia para Newton.

Considerações finais

Em tempos de pós-verdade, ou modernidade líquida para citar Bauman (1999), onde emergem movimentos obscurantistas e negacionistas da ciência, parece que a melhor solução é assumir um discurso em defesa da ciência que exige uma reconstrução racional de sua história. Porém, um estudo mais cauteloso revela que essa escolha é precipitada, pois o embate entre dois grupos antagônicos, como ciência e anti-ciência, promove um fenômeno chamado de cismogênese simétrica12.

[...] [N]a “cismogênese simétrica”, cada lado reage aos sinais de força do adversário: sempre que ele demonstra poder e determinação, uma manifestação ainda mais forte de poder e determinação é procurada como reação. O que ambos os lados temem mais do que qualquer coisa é ser considerado fraco ou hesitante – basta pensar nos slogans militares “A repressão deve ser crível” ou “Deve-se mostrar ao agressor que a agressão não compensa”. A cismogênese simétrica produz a autoafirmação em ambos os lados e contribui para a eliminação da possibilidade de acordo racional. A decorrência é que as facções, muito embora não recordem a razão original do conflito, se mantêm inflamadas pelo amargor de sua luta atual. (BAUMAN, MAY, 2010, p. 59-60)

É esse processo de cismogênese simétrica que tem sido o responsável pela emergência e enrijecimento das posições extremistas, que tem como substrato comum, o cientificismo e o internalismo. Nesse estágio, os imperativos merthonianos13 da ciência são postos em suspensão e o único imperativo que realmente interessa é a autoafirmação e mostrar-se mais forte que os antagonistas, por qualquer meio necessário, incluindo a promoção de narrativas anacrônicas, pseudo-invenções históricas e outras formas de pós-verdade, mas que legitimem o poder e a força da ciência e sua cruzada contra as pseudociências. Por essa razão, vemos uma adesão significativa da comunidade científica à epistemologia cientificista e a historiografia internalista e whiggista14. A partir desse quadro de referência, divulgadores científicos, acadêmicos, cientistas e professores tentam purificar a ciência das influências externas, apresentando narrativas históricas domesticadas (MAIA, 2001) ou pseudo-histórias das ciências (MARTINS, 2006) onde os cientistas assumem um papel mítico. Os santos são substituídos pelos gênios, mas ambos gozam de um dom inato e raro, de difícil compreensão. Nesse sentido a legitimação da ciência se assemelha a legitimação carismática. Mas talvez o maior problema da abordagem internalista é que ela também é um discurso de pós-verdade, alimentado por uma defesa passional da objetividade e da racionalidade científica (JAPIASSU, 1975, 2001). Isto fica claro quando estudamos a síntese newtoniana. Percebemos que independente das percepções conscientes dos cientistas, perspectivas cognitivas não científicas, uma vez assimiladas, seja pela prática de uma não ciência, como a alquimia, seja pelas interações sociais reforçadas pelo hábito e senso comum, estarão presentes, ainda que muito sutilmente, no trabalho científico. Por isso, nenhuma reconstrução radicalmente racional da história, que vise a separação do ator científico do ator humanístico, é anacrônica.

Compreender a ciência, exige compreender o contexto histórico-social (sincronismo), o processo (diacronismo) (KRAGH, 2001, MARTINS, 2006, MAIA, 2001, 2013), as interfaces da cultura científica e não científica (KRAGH, 2001) e de que a própria ciência é um conceito êmico, sujeito aos regimes de historicidade, no sentido proposto por Hartog (2003). Por isso, acreditamos que a melhor maneira é evitar os extremos e adotar de uma posição moderada, isto é, uma posição transversalista (SHINN, RAGOUET, 2008) e pluralista (CHANG, 2012), cujas principais premissas coincidem com aquelas propostas por Bagdonas & Silva (2013), sintetizadas no Quadro 1.


Quadro 1. Posturas moderadas sobre a Natureza da Ciência. Fonte: Bagdonas & Silva (2013, p. 220).

Trata-se de uma perspectiva que favorece a problematização, em todos os níveis da educação científica e na formação de professores, bem como na divulgação científica e na formação acadêmica, mas que ainda é muito pouco difundida, pois exige uma ruptura com as visões elitistas e tradicionais do ensino e da ciência,

Muitos professores desprezam ou temem discussões abertas, em que não se sabe que rumo à aula vai tomar e há o risco de se discutir “sem chegar a lugar algum”. Ousar abordar questões controversas em sala de aula envolve questionar a postura tradicional do professor como o detentor da “Verdade” e que deve ter a resposta para todas as perguntas, assim como acostumar os alunos com a ideia de que discussões são boas oportunidades de aprendizado, mesmo que não se chegue a uma conclusão definitiva. O objetivo da educação científica não deveria ser o de apenas transmitir conhecimentos específicos que tratam de certos fenômenos – ela poderia estar empenhada na construção de uma visão de mundo bem fundamentada, considerando que tal processo é hoje fortemente influenciado pelas teorias científicas. Acreditamos que seja de fato impossível esgotar essa discussão sobre a natureza da ciência, que tem atravessado vários séculos de debates e continua aberta. Se não há uma postura única para ser defendida como “o que todos deveriam fazer”, podemos pelo menos afirmar que posturas extremas como o realismo ingênuo e a visão empírico-indutivista, que são muito comuns, devem ser problematizadas na formação inicial de professores de ciências. Mesmo quando não há consenso, pode-se apresentar uma pluralidade de visões, uma vez que o objetivo do ensino não é doutrinar, mas indicar razões para que se aceite uma visão particular (BAGDONAS, SILVA, 2013, p. 221)

Em conclusão, por meio de uma abordagem transversalista podemos garantir a valorização da atividade científica e uma defesa aos seus críticos e negacionistas, mas sem cair na tentação de pensar que Clio está ao lado dos whigs (BUTTERFIELD, 1931).

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Notas

1 https://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/english/post-truth
2 https://www.bbc.com/news/uk-37995600
3 https://www.washingtonpost.com/news/the-fix/wp/2016/11/16/post-truth-named-2016-word-of-the-year-by-oxford-dictionaries/
4 Segundo Whittaker (1952), a antipatia de Newton pelo racionalismo de Descartes parece ter se consolidado a partir de sua querela com o filósofo natural Robert Hooke, sobre a natureza da luz: “No decurso da discussão, Newton encontrou ensejo para explicar de maneira mais detalhada seus pontos de vista sobre a natureza da luz. Hooke o acusou de conservar a doutrina de que a luz é uma substância material. Agora Newton tinha, de fato, uma grande antipatia pelo tipo mais imaginativo de hipóteses; ele renunciou completamente à tentativa de construir o universo a partir de seus fundamentos, à moda de Descartes, e aspirou a nada mais do que uma formulação das leis que governam diretamente o fenômeno real. Seu desejo em relação à óptica era apresentar uma teoria livre de especulações quanto ao mecanismo oculto da luz. Consequentemente, em resposta às críticas de Hooke, ele protestou dizendo que suas visões sobre cor não estavam de forma alguma ligadas a nenhuma concepção particular da natureza última dos processos ópticos. Newton foi, no entanto, incapaz de executar seu plano de conectar os fenômenos da luz a um todo coerente e racional, sem recorrer a hipóteses” (WHITTAKER, 1952, p. 18).
5 Do ponto de vista sociológico as abordagens construtivistas também pecam pela falta de rigor sociológico. Para detalhes ver: Shinn & Ragouet (2008, p. 59-122).
6 Ser mais adequada não significa que ela seja imune a críticas.
7 Seria desejável utilizar a edição original em latim, reproduzindo ipsis litteris as palavras de Newton, visto que toda tradução introduz algum nível de anacronismo. Porém, como estamos buscando benefícios da experiência alquímica e não compreender significados semânticos, a tradução torna-se aceitável.
8 A linguagem empregada por Newton é radicalmente distinta daquela utilizada na ciência contemporânea. Por essa razão Chandrasekhar (2003), traduziu a abordagem de Newton para linguagem matemática hodierna e acessível ao “leitor comum” (por leitor comum, entendemos um leitor que foi iniciado nas matemáticas superiores). Brown (S.A.) discutiu e traduziu as equações sobre a discussão da equivalência entre massa inercial e gravitacional. Cohen (1999) apresentou uma edição comentada dos Principia. Nessa seção, utilizamos Brown como referência.
9 Optamos por usar o formalismo diferencial, porém, é possível traduzir essa dedução para o formalismo do ensino médio, substituindo o diferencial d pelo conceito de variação Δ, enfatizando ais educandos que essa "variação" deve ser muitíssimo pequena.
10 Não estamos afirmando que sem essa familiaridade fornecida pela alquimia, Newton não poderia chegar à equivalência entre massa inercial e gravitacional, pois isso incorreria em um anacronismo. Porém, é igualmente anacrônico, minimizar que suas experiências alquímicas o tenham beneficiado.
11 Uma discussão mais detalhada sobre os usos inadequados da história da ciência, ver Martins (1998a, 1998b, 2001).
12 O conceito cismogênese simétrica foi proposto antropólogo G. Bateson (BAUMAN, MAY, 2010).
13 Comunalismo (os resultados científicos são propriedade comum de toda a sociedade; Universalismo (o trabalho científico independe da etnia, nacionalidade, cultura ou gênero); Desinteresse (os interesses científicos dos cientistas estão acima de seus interesses pessoais). Originalidade (A produção científica visa produção de teorias, problemas, explicações, abordagens ou dados novos); Ceticismo (todo conhecimento científico é avaliado de forma neutra, imparcial e cética) (MERTON, 1974).
14 Acima de tudo, trata-se de uma posição epistemológica que acusa as abordagens como formas de relativismo e de serem ideologicamente enviesadas, mas ela mesma é incapaz de reconhecer a sua ideologia subjacente e fazer uma autocrítica. A posição destes cientificistas é análoga a uma anedota proposta por Alves (1983, p. 31-32): “E há aquela estória, contada pelo Theodore Rozak, de uma sociedade de rãs que viviam no fundo de um poço. Como nunca haviam saído de lá, para todos os efeitos práticos, “os limites do seu poço denotavam os limites do seu mundo”. É sempre assim. É difícil pensar para além da experiência... Acontece que um pintassilgo descobriu o poço, descobriu as rãs, morreu de dó, e resolveu contar o que havia lá fora. E falou de campos verdes, vacas plácidas, águas limpas, flores, frutos, florestas, e tudo o mais que se pode ver neste mundo que enche os olhos... A princípio gostaram das fantasias do pintassilgo. Um bom contador de casos. Depois um grupo de filósofos parou para analisar o seu discurso, e concluiu que se tratava de ideologia, das perigosas, cheia de engodos alienantes. Da próxima vez que a avezinha lhes fez uma visita, antes que abrisse o bico lhe torceram o pescoço. “Boca que conta mentira não merece falar.” Morto o bicho, empalharam-no e o colocaram no museu das conquistas da crítica da ideologia. A estória original não é bem assim, pois eu a adaptei ligeiramente para servir de começo para uma conversa sobre a “ideologia da educação”. O fato é que é fácil ver a ideologia nos outros, do jeitinho das rãs... Até hoje não vi ninguém que confessasse, sem pedir desculpas, ser um habitante das ideologias. Ao contrário, todo cientista que se preza faz a crítica das ideologias, vê com clareza, percebe o equívoco dos outros, do jeitinho das rãs... Assim, ao invés de falar sobre os equívocos sem fim que os outros, ainda não iluminados pela crítica sociológica e filosófica, espalham e aceitam, queria começar com a confissão: somos rãs, no fundo do poço. Ao invés de fazer a crítica da ideologia do pintassilgo é hora de parar para apalpar a nossa própria ideologia.”
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