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OCUPAÇÃO DE TERRAS E ESTRATÉGIAS DE CONSOLIDAÇÃO DO PODER: O CASO DA FAZENDA TABOCO (MIRANDA - SÉCULO XIX)
Elaine Aparecida Cancian de Almeida
Elaine Aparecida Cancian de Almeida
OCUPAÇÃO DE TERRAS E ESTRATÉGIAS DE CONSOLIDAÇÃO DO PODER: O CASO DA FAZENDA TABOCO (MIRANDA - SÉCULO XIX)
OCCUPATION OF LAND AND STRATEGIES OF CONSOLIDATION OF POWER: THE CASE OF FARM TABOCO (MIRANDA-CENTURY XIX)
OCUPACIÓN DE LA TIERRA Y LAS ESTRATEGIAS DE CONSOLIDACIÓN DEL PODER: EL CASO DE LA FINCA TABOCO (MIRANDA-SIGLO XIX)
Fronteiras: Revista de História, vol. 23, núm. 41, pp. 71-100, 2021
Universidade Federal da Grande Dourados
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Resumo: Na primeira metade do século XIX, especificamente, a partir de 1830, os campos da parte sul da província de Mato Grosso foram ocupados com maior intensidade por luso-brasileiros. Devido aos movimentos migratórios procedentes de outras províncias, das vilas e cidades da parte norte mato-grossense, diversas fazendas foram fundadas na região de Miranda no Oitocentos, em terras consideradas devolutas. Famílias estabelecidas no território, com seus apetrechos e experiências diferenciadas, dedicaram-se à criação de gado vacum e cavalar, além da produção de alimentos para o próprio sustento. Neste trabalho, nosso objetivo é o de evidenciar como se constituíram e se fortaleceram, a partir da posse da terra, uma das muitas famílias migrantes, neste caso, os Alves Ribeiro, fundadores da Fazenda Taboco. Também, buscamos mostrar as estratégias colocadas em prática, ao longo do tempo, para manutenção do poder sobre as terras da propriedade em referência. Para a construção do texto, servimo-nos da historiografia nacional e regional, bem como de importante documentação primária, manuscrita e impressa.

Palavras-chave: Miranda, Ocupação de terras, Estratégias de poder, Fazenda Taboco.

Abstract: In the firtst half of the century XIX, specifically, from 1830, the fields of the South of the province from Mato Grosso were occupied with greater intensity. Due to migratory movements of other provinces, of the towns and cities of the northern part mato-grossense, several farms founded in Miranda in Eight Hundred lands considered as vacant, gradually transformed the local countryside. Families established in the territory with their equipment and differentiated experiences dedicated themselves to the creation of cattle and horses and make your own food. In this research work, our goal is show how to formed and grown up, from the possession of the land, one of the many migrant families, in this case, the Alves Ribeiro, founders of the Taboco Farm. Also, we seek to show strategies put in place to maintain power over the lands of the property in reference, over time.

Keywords: Miranda, Land Occupation, Power Strategies, Taboco Farm.

Resumen: En la primera mitad del siglo XIX, concretamente, desde 1830, los campos de la parte meridional de la provincia de Mato Grosso fueron ocupados con mayor intensidad. Debido a los movimientos migratorios procedentes de otras provincias, de las villas y ciudades de la parte norte mato-grossense, diversas haciendas fundadas en Miranda en el siglo XIX, en tierras consideradas retornas, transformaron gradualmente el paisaje rural local. Las familias establecidas en el territorio, con sus pertrechos y experiencias diferenciadas, se dedicaron a la creación de ganado y caballos, además de la producción de alimentos para su propia subsistencia. En este estudio, nuestro objetivo es mostrar cómo se formó y fortaleció a sí mismo, a partir de la posesión de la tierra, una de las muchas familias migrantes, en este caso, los Alves Ribeiro, fundadores de la Hacienda Taboco. También, mostramos las estrategias puestas en práctica, para mantener el poder sobre las tierras de la propiedad en referencia, a lo largo del tiempo.

Palabras clave: Miranda, Ocupación de la tierra, Estrategias de poder, Hacienda Taboco.

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OCUPAÇÃO DE TERRAS E ESTRATÉGIAS DE CONSOLIDAÇÃO DO PODER: O CASO DA FAZENDA TABOCO (MIRANDA - SÉCULO XIX)

OCCUPATION OF LAND AND STRATEGIES OF CONSOLIDATION OF POWER: THE CASE OF FARM TABOCO (MIRANDA-CENTURY XIX)

OCUPACIÓN DE LA TIERRA Y LAS ESTRATEGIAS DE CONSOLIDACIÓN DEL PODER: EL CASO DE LA FINCA TABOCO (MIRANDA-SIGLO XIX)

Elaine Aparecida Cancian de Almeida
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Fronteiras: Revista de História, vol. 23, núm. 41, pp. 71-100, 2021
Universidade Federal da Grande Dourados

Recepción: 11 Abril 2020

Aprobación: 27 Mayo 2021

Introdução

Nos estudos produzidos a respeito da província de Mato Grosso no Oitocentos, é possível perceber um movimento de migração importante, ocorrido especialmente na parte sul. Trataram-se, portanto, da entrada de paulistas e mineiros impulsionados pela possibilidade de ocuparem terras extensas e propícias à formação de propriedades rurais, voltadas à criação de vacuns e cavalares. Os migrantes penetraram pelo território de Santana de Paranaíba, conhecido como sertão dos Garcia e direcionaram-se aos Campos de Vacaria,1 alcançando posteriormente as terras da localidade conhecida por Miranda, região por onde imensas fazendas foram fundadas e estratégias praticadas, com o objetivo de nelas permanecerem, ao longo do tempo. Além dos entrantes procedentes de Minas Gerais e São Paulo, homens participantes da Rusga2 cuiabana também se espalharam com suas famílias na região (ALMEIDA, 1956; BRASIL, 2009, CAMARGO, 2012).

Para um amplo entendimento sobre a localização da propriedade rural a que propomos tratar, nesse trabalho, é preciso retomarmos aspectos históricos de uma parte do território da Província de Mato Grosso, ou seja, a porção sul e, sobretudo, uma região conhecida na época como Distrito de Miranda, que abrangia extenso território. Assim, no final do século XVIII até o XIX, o espaço em questão foi objeto de interesse dos portugueses e espanhóis. Em 1797, foi finalmente ocupado pelos lusitanos, através da elevação de uma fortaleza às margens do rio Mondego, hoje Miranda. Seus limites territoriais foram recorrentemente instáveis durante o Oitocentos, devido à proximidade dos domínios espanhóis e a política de ocupação e expansão do poder, empreendidas pelas coroas espanhola e portuguesa.3

O Distrito de Miranda foi criado através da Lei provincial nº 11 de 26 de agosto de 1835, estava subordinado à Primeira Comarca de Cuiabá. A região compreendia a extensão geográfica do rio Paraguai ao Paraná. Apresentava-se em extenso território, banhado por muitos rios e alguns povoados e fazendas. No manuscrito de representação do território e denominado “Carta Chorographica do Districto de Miranda na Província de Mato Grosso”,4 datada de 1871, é possível observar as localidades incluídas como parte do referido distrito. Eram elas: Acampamento de Bela Vista, Coimbra, Colônias de Miranda e Dourados, freguesia de Miranda, Olimpo5 e os povoados de Albuquerque e Nioaque. E, ainda, fazendas como: Coqueiros, Camapuã, Jardim, Lalima, Mutum, Poeira, Rodrigo, entre outras. Abrangiam, portanto, imensa extensão e ao longo dos tempos sofreram desmembramentos, para darem origem a vilas e cidades (CARTA CHOROGRAPHICA, 1864).

No documento referido, observa-se então a “freguesia de Miranda”; na verdade chamada na época como freguesia de Nossa Senhora do Carmo de Miranda e criada com a promulgação da Lei provincial de 26 de agosto de 1835. Nesse espaço geográfico marcado pela presença do histórico fortim, conhecido como Miranda e existência de imensos campos considerados devolutos, os migrantes originários de Minas Gerais e São Paulo foram ocupando glebas e se estabelecendo junto dos familiares, com o intuito de desenvolverem o criatório de animais.

Miranda histórica

Antes, porém, de tratarmos sobre a formação de propriedades rurais na região, bem como a formação da fazenda Taboco, evidenciaremos, resumidamente, alguns aspectos sobre a origem da localidade denominada Miranda, pois a ela recorreriam os proprietários rurais da região, para resolverem questões de registros como: batizados, casamentos, entre outros e, sobretudo, das posses ocupadas.

No mês de agosto de 1797, o governador e capitão general da capitania de Mato Grosso, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, por meio de documentação caracterizada como “Ofício”, expediu ordem ao tenente coronel Ricardo Franco de Almeida Serra, então comandante geral do Baixo Paraguai, responsável pela guarda de toda a fronteira meridional da capitania e também do comando do forte de Coimbra, para execução de “[...] um estabelecimento na beira no rio Mondego, com ajuda dos indígenas Guaicuru e Guaná [...]” e que deveria ser resguardado por um destacamento de 50 a 80 homens (OFÍCIO, 1956, p. 216).

Na época, Caetano Pinto indicou o tenente Francisco Rodrigues do Prado para ser o comandante da região em que seria elevado o então estabelecimento, ou seja, um Presídio,6 com o objetivo de conter as expedições espanholas no território banhado pelo rio Mondego7 de interesse da Coroa portuguesa e ainda desprotegido militarmente e proteger os nativos Guaicuru, aliados dos portugueses.8

Por longo tempo, a localidade ficou sendo habitada por militares e, nas suas circunvizinhanças, muitos nativos. No decorrer dos anos, os militares enfrentaram muitos problemas com relação à estrutura e localização do presídio.9 Mas, o fato é que após alguns anos, em 1826, nas adjacências do presídio de Miranda, já existiam alguns indivíduos espalhados no local, como também em posses da região. Por meio dos registros do viajante Luiz D’Alincourt, temos a informação da existência de alguns sítios nas vizinhanças do Presídio, cujos proprietários criavam bois, vacas e cavalos, da existência de sete mulheres e seis homens brancos; 25 homens pardos; oito cativos e quatro cativas, possivelmente afora os militares do presídio (D’ ALINCOURT, p. 175). Todavia, é nas memórias do sertanista Joaquim Francisco Lopes que encontramos a primeira referência relativa a pessoas aglomeradas no entorno do forte de Miranda. Assim, em 29 de agosto de 1836, o sertanista escreveu sobre o local:

[...] o dito forte tem quatro frentes de casas, duas arruadas, cercas de taquaruçus e as outras só a frente. O forte, no meio, cercado de madeira em pé, apontadas de quatro quinas, aterrado alto por dentro e tem sentinela viva de dia e de noite; tem os índios aldeados ao pé do forte com suas lavouras, engenho de bois e fazem rapaduras e melado e fabricam a farinha de mandioca; […]. (CAMPESTRINI, 2009, p. 213)

Vale explicar que diante dos objetivos e do devido espaço para o texto, não se apresenta a possibilidade de evidenciar maiores informações históricas sobre a região, tampouco a evolução do povoado transformado em vila de Miranda e, para o qual, a partir de 1830, confluíram diferentes famílias de migrantes. Mas se faz necessário, resumidamente, informar que na época em questão existiam indivíduos assentados em habitações, embora simples, que praticavam o plantio de alguns alimentos, além da cana de açúcar usada na fabricação da rapadura e melado, da mandioca utilizada na preparação da farinha. Também que, em 1845, o povoado era formado, aproximadamente, por 200 “moradores brasileiros”, habitantes de casas, em sua maioria cobertas de palha e “[...] separadas umas das outras por quintais cheios de laranjeiras e cercados com estacas de taquaruçu” (CASTELNAU, 2000, p. 394). Os habitantes mencionados eram, “[...] na sua maioria mulatos ou caburés; os restantes [...] negros, com excepção talvez de uns dois ou três brancos muito duvidosos”. A região era também habitada pelos indígenas, cujo quantitativo era de aproximadamente, “quatro ou cinco mil” e que viviam espalhados pelas cercanias (CASTELNAU, 2000, p. 398).

Do mesmo modo, destaca-se que a vila de Miranda passou a abrigar, desde 1849, uma Coletoria,10 responsável pela arrecadação das rendas locais provindas da cobrança das décimas prediais, dízimos dos gêneros de lavoura e gado vacum, meia sisa das negociações de cativos, entre outros. A edificação de uma igreja foi realizada somente em 1931 e, anterior ao período em questão, inexistia um templo religioso para abrigar a população adequadamente, nos dias de missas e das orações. Os cultos eram realizados em “uma capelinha da invocação de Nossa Senhora do Carmo, cuja imagem pequena é muito feia e imperfeita”,11 localizada dentro do forte Miranda.

Até o ano de 1858, inexistiam construções públicas adequadas para abrigarem as atividades da Cadeia e da Câmara, porque conforme o presidente da província mato-grossense, Joaquim Raimundo de Lamare, inexistiam expectativas para elevação de prédios públicos localmente, tampouco havia pessoas habilitadas para ocuparem as funções exigidas (RELATÓRIO, 1858, p.7). Era um sobrado antigo, que abrigava a Câmara Municipal e as atividades do Júri (MARIN, 2017, p. 264).

Finalmente, a análise de documentos12 e das memórias de alguns viajantes13 mostram um espaço com diversos problemas durante o Oitocentos, a saber: a ameaça constante das tropelias nativas e pressão dos vizinhos espanhóis, doenças existentes devido os períodos de cheia dos pantanais, que chegavam a atingir os quintais das moradias, falta de alimentos e moradias adequadas, baixos salários recebidos pelos militares, moradores de ranchões cobertos de capim e barracas feitas de tecido ordinário, falta de moradias regulares, altos aluguéis das melhores casas existentes, entre outros.

Na imensidão das terras...

O espaço geográfico ao qual nos reportamos e, de modo resumido, apresentamos sua história, oferecia a possibilidade da ocupação das terras sulinas mato-grossenses, por isso, desde a década de 1830, famílias migrantes mineiras e paulistas, também da parte norte da província mato-grossense entraram na região. Mário Monteiro de Almeida retrata que, em 1844, as duas correntes migratórias, ou seja, uma provinda de São Paulo e Minas Gerais e a outra de Cuiabá encontraram-se no distrito de Miranda. Assim, registrou:

Foi no vale do Miranda e dos tributários de sua margem direita, a sudeste do presídio, que se verificou, por volta de 1844, o contato das duas correntes de povoadores, a procedente de Cuiabá, que antecedera, e a subsequente, originária de Minas e das terras paulistas limítrofes das mineiras, em especial de Franca, vila próxima dos sertões de Farinha Pôdre [sic]. (ALMEIDA, 1959, p.30)

Foram vários os indivíduos e de diferentes origens que se assentaram na região,14 fundaram extensas propriedades rurais e colocaram em prática estratégias para expansão de suas posses e manutenção do poder sobre as mesmas ao longo dos anos.15 Apesar disso, trataremos a respeito da formação da posse Taboco e o processo de manutenção do poder sobre este território.

Na obra “Mato Grosso do Sul. Fazendas”, 2012, escrita por Luiz Alfredo Marques Magalhães, consta que a fazenda Taboco foi fundada por volta de 1830 (MAGALHÃES, 2012). O descendente da família Alves Ribeiro, chamado Renato Alves Ribeiro, escritor da obra “Taboco 150 anos”, 1984, apresentou a possibilidade de a propriedade ter sido fundada entre os anos 1820 e 1830, pois seu pai havia tido em mãos, no passado, “uma carta em que seu antepassado pedia ao capataz para pegar o maior número possível de bois, para aproveitar o bom preço de sete mil réis que corriam na época. Esta carta era datada de 1837” (RIBEIRO, 1984, p. 43). É relevante mencionar que o fato de o autor ter considerado que as terras da Taboco foram ocupadas no período de 1820 a 1830, não significa considerar o espaço em questão, até a data referida, em permanente desocupação. Historicamente, antes da ocupação das terras, formação dos povoados, das vilas e cidades, sobretudo das fazendas empreendidas pelos portugueses e seus descendentes na América portuguesa, em todo o território estiveram presentes diferentes nações indígenas.

Ao analisarmos a relação de declarantes de terras de Miranda, produzida em 1854,16 encontramos que o major João Alves Ribeiro, ao levar a posse a registro paroquial, declarou ter ocupado as terras “além do ribeirão Taboco, no lugar denominado de Taboco” desde 1846, mas enquanto segundo ocupante delas. Informou também que as terras eram administradas por um encarregado, utilizadas para o cultivo de lavoura e criação de gado vacum. Na documentação consultada, não encontramos dados sobre o nome do primeiro ocupante, tampouco a data da primeira ocupação (INFORMAÇÃO, 1854).

Vale explicar que a partir da promulgação da lei imperial nº 601 de 18 de setembro de 1850,17 a conhecida Lei de terras e do decreto nº 1318 de 30 de janeiro de 1854,18 com o propósito de regularizar as posses no Império, obrigando, portanto, os proprietários de terras do Brasil imperial legalizarem as terras apossadas, duas etapas basilares deveriam ser cumpridas: declaração de posse e execução da medição e demarcação das terras declaradas.

Os vigários das freguesias do Império foram os responsáveis pelo recebimento das declarações de terras dos ocupantes e registro delas em livro próprio.19 Durante nossas pesquisas, não encontramos o livro de registros de terras da região de Miranda. Contamos, então, com documentos avulsos denominados de “Informação sobre o Regulamento da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 dos terrenos devolutos que se acham sujeitos à revalidação”, “Informação das posses que estão sujeitas à legitimação” e “Informação das posses que estão sujeitas à legitimação na Vacaria”, todos relativos ao território em questão.

A partir de uma cópia de documento manuscrito encontrada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro de Mato Grosso do Sul-IHGB/MS, observa-se que até o ano de 1864 a propriedade rural denominada Taboco permaneceu como posse do major João Alves Ribeiro e seu sobrinho e sócio Generoso Alves Ribeiro. Após o falecimento do tio, Generoso Alves negociou, em 22 de março de 1864, sua parte na fazenda e o gado pelo valor de 12:867$647 réis. O valor do gado constou de 11:000$000 réis e metade da fazenda Taboco, 1:867$647 réis. O comprador foi Luiz da Costa Ribeiro (ESCRITURA DE COMPRA E VENDA, 1864). A outra parte da propriedade foi negociada com João Pimenta de Morais, pelos herdeiros do major. Sobre a negociação, escreveu Renato Alves:

Da outra metade do Taboco, que pertencia ao espólio do major João Alves Ribeiro, fez-se na cidade de Poconé um contrato de arrendamento e venda com João Pimenta de Morais, a 20 de julho do mesmo ano [1864]. Tinha quatro anos de prazo e o valor total era de 18:600$000 (dezoito contos e seiscentos mil réis). (RIBEIRO, 1984, p. 44)

Consta na escritura de contrato, realizada em 28 de julho de 1864, a partir da execução da mesma, que João Pimenta de Moraes esteve obrigado a cumprir algumas exigências: cuidar das terras como se fossem dele, responsabilizando-se pelas despesas de manutenção, executar as vendas e exportação do gado por conta própria, não vender ou exportar as vacas prenhes e comunicar ao procurador da inventariante Maria da Cunha e aos herdeiros estabelecidos no distrito de Miranda as vendas e exportação de gado. Além disso, coube a João Pimenta pagar para a inventariante e demais herdeiros, na data do contrato, 3:900$000 réis em moedas correntes, 5:400$000 réis após dois anos e, finalmente, a quantia de 9:300$000 réis depois de quatro anos de contrato firmado (ESCRITURA DE COMPRA E VENDA, 1864).20

Em contrapartida, os herdeiros da Taboco tiveram por obrigação passar a escritura de venda da fazenda, depois de cumpridas todas as exigências pelo comprador João Pimenta de Moraes. Caso João Pimenta não cumprisse com os deveres impostos, a inventariante e os herdeiros teriam seus direitos de proprietários assegurados, mesmo tendo sido realizadas, pelo comprador, benfeitorias na fazenda. No total, como também assinalado por Renato Alves, a parte da fazenda Taboco que cabia aos herdeiros do fundador custaria ao comprador 18:600$000 réis, caso tivesse executado o contrato até o final dos quatro anos (TRASLADO, 1888).21

Em 21 de setembro de 1864, João Pimenta negociou as terras, em Miranda, com o tenente coronel Joaquim Alves Corrêa, portanto somente três meses depois de realizado o contrato com os herdeiros do major João Alves Ribeiro. Joaquim Alves já possuidor da outra parte da fazenda, outrora posse de Generoso Alves, passou a ser o único proprietário da Taboco.

Taboco invadida

Em 12 de janeiro de 1865, as tropas do coronel Resquin, saídas do Paraguai no final de 1864, em marcha contínua, alcançaram a vila de Miranda, permanecendo até 24 de fevereiro de 1865. Construções públicas e privadas foram saqueadas e incendiadas. No período em que a vila e os campos do território de Miranda permaneceram sob o poder dos militares, a população procurou refúgio nas matas e na elevada serra de Maracaju. Famílias inteiras deixaram suas moradias e grande parte dos seus pertences, em fuga acelerada. Os possuidores de canoas e igarités abarrotaram as embarcações com o máximo de objetos e alimentos para descida no rio Miranda, em busca de melhores esconderijos nos matagais. A pé, várias famílias prosseguiram com seus mínimos pertencentes em direção à chapada da serra de Maracaju, onde também nativos guanás, quiniquinaos, laianos e moradores das fazendas próximas permaneceram escondidos. Também, os proprietários rurais mais distantes deixaram suas posses rumo a espaços de difícil acesso, com o objetivo de salvaguardar a vida de seus familiares (TAUNAY, 1927, p. 276; NANTES, 1993).

Durante a guerra com o Paraguai, 1864-1870, as fazendas permaneceram abandonadas e incultas. As posses alcançadas pelos paraguaios tiveram o gado vacum e cavalar subtraídos e as moradias arrasadas. As eventuais dívidas dos proprietários não puderam ser saldadas no decorrer do conflito, expondo-os a perdas irreparáveis. Foi o que aconteceu com Joaquim Alves Corrêa.

A época Joaquim Alves, que morava na fazenda Curral da Taquara, próxima à Miranda, deslocou-se em janeiro de 1865 para a Taboco e escondeu-se “numa grande furna da Serra de Maracaju”. Conforme Renato Alves, seu bisavô, em idade avançada e portador de doença cardíaca, não suportou as altas temperaturas do local, por isso procurou abrigo no retiro da Piúva, às margens do rio também conhecido por Piúva. Mesmo assim, a família não foi poupada dos agravos provocados pela guerra (RIBEIRO, 1984, p. 46).

No período das movimentações das tropas do Brasil e do Paraguai em terras mato-grossenses, a fazenda Taboco foi ocupada em dois momentos. Primeiro por soldados paraguaios e segundo pelos militares brasileiros que, em marcha ao encalço inimigo, estiveram por três meses acampados na região, à espera da diminuição das cheias dos pantanais. O gado da propriedade serviu de alimento às tropas, por isso, ao término do conflito não havia mais animais no local. Além de ter os animais suprimidos, a família esteve sujeita a outras agruras.

Renato Alves expõe o estado de aflição de seu bisavô Joaquim e, de toda a família, ao presenciar a tortura aplicada, pelos paraguaios, a uma mulher indígena. Na ocasião da chegada dos soldados paraguaios, os indígenas que viviam na fazenda, na situação de camaradas, esconderam-se nas matas, restando somente a nativa. Sobre o episódio, o autor registrou:

Os paraguaios queriam que ela (a nativa) contasse onde estavam os outros. Eles a lançaram pelo tórax e a penduraram num galho de enorme figueira que existia bem na frente da casa. Figueira esta que conheci e só anos depois caiu com uma tempestade. Eles embalavam a índia de um lado para o outro em movimentos pendulares e quando ela se aproximava de um deles, davam tremenda chicotada, com seus “pirains” coisa que até hoje são mestres. (RIBEIRO, 1984, p. 47-48)

Depois da passagem dos paraguaios pela Taboco, Joaquim Alves e os familiares fugiram para a vila de Santana de Paranaíba. Terminada a guerra, dificuldades financeiras assolaram o tenente coronel, pois devido à ausência de gado vacum e cavalar nos seus campos, ficou impossibilitado de negociar os animais, para liquidar as dívidas da propriedade. Conforme mostrado, a fazenda Taboco teve todo o gado subtraído durante o conflito. Consequentemente, as prestações do contrato de compra da fazenda não foram pagas (RIBEIRO, 1984, p. 49).

Nos anos de 1873, portanto, quatro anos depois de terminada a guerra, o tenente coronel Joaquim Alves Corrêa já possuía certa quantidade de animais nas terras da Taboco. Duas mil cabeças de gado vacum [14:000$000 réis], 250 reses mansas [3:750$000 réis], 40 cavalos de serviço [40$000 réis] e 18 bois de carro [540$000 réis] eram criados na fazenda, onde residia. Também em outra posse sua, denominada Curral das Taquaras, havia 400 vacuns [2:800$000 réis] (INVENTÁRIO, 1878).

Todavia, ao falecer no dia quatro de janeiro de 1874, deixou a viúva Angélica e suas duas filhas, Etelvina e Maria das Dores, com dívidas a serem saldadas. O patrimônio legado pelas herdeiras foi calculado em 34:150$000 réis. O maior valor em bens era do rebanho de animais, que totalizou 25:090$000 réis. Em bens móveis constaram duzentos e quarenta mil réis em madeiras. Em bens de raiz, neste caso, a sesmaria de criação e cultura chamada Taboco, localizada entre os rios Taboco e o Negro e uma sesmaria de criação e cultura denominada Curral das Taquaras, situada entre os ribeirões Poeira e Córrego Fundo, foram avaliadas em 3:000$000 réis cada. Nesta última havia algumas benfeitorias, infelizmente, não descritas no processo. Além disso, fez parte da relação um terreno de doze braças [26,4 m] de terras na vila de Miranda, localizado no largo da Matriz, valor de 120$000 réis, totalizando 6:120$000 réis (INVENTÁRIO, 1878).

Cativos e camaradas

Antes de abordarmos a mão de obra empregada na fazenda Taboco, convém inserção resumida a respeito dos trabalhadores livres e cativos na região de Mato Grosso. Assim, desde a época das primeiras explorações em terras mato-grossenses, coube aos escravizados a prática de diversas tarefas, como a abertura de caminhos, elevação das fortalezas e moradias nos povoados e vilas, extração de minerais, plantio de alimentos, transporte de suprimentos e objetos, entre outras atividades necessárias para o reconhecimento, ocupação e exploração do território.

Os trabalhadores cativos foram, sobretudo, essenciais na lida cotidiana das propriedades rurais de Mato Grosso, semelhante a outras regiões do Brasil colonial e imperial. Desde 1727, nos engenhos instalados próximos ao rio Cuiabá e na zona da Chapada e naqueles multiplicados, no decorrer do século XVIII, às margens do rio Cuiabá, Coxipó e na Chapada, havia cativos africanos empenhados em atividades, como: produção da aguardente, do açúcar e da rapadura e plantio dos alimentos (ASSIS, 1988; ALEIXO, 1984). Com o decorrer do apossamento das terras e formação das fazendas de criação de animais, os escravizados foram sendo os responsáveis pela execução de atividades voltadas à lida com o gado, cultivo de alimentos e execução das tarefas diárias da casa.

Edvaldo de Assis mostra que os cativos, no espaço rural mato-grossense, executavam atividades de extração da erva-mate, da poaia e da seringa no vale do Guaporé. Também, produziram a cana-de-açúcar, extraíram metais preciosos das minas e executaram as tarefas de vaqueiro, curtidor, remador e defensor territorial (ASSIS, 1988). A historiadora mato-grossense Lúcia Helena Gaeta Aleixo evidenciou que os escravizados, desde 1727, executavam as atividades nos engenhos instalados próximos ao rio Cuiabá, Coxipó e na região da Chapada. Os cativos produziam aguardente, açúcar, rapadura e cuidavam do plantio de alimentos. A referida estudiosa foi além e registrou a presença dos trabalhadores escravizados na cidade de Cuiabá, capital da província de Mato Grosso. Conforme Lucia Helena, na segunda metade do século XIX, cativos especializados desenvolviam funções, como: banqueiro, carpinteiro, carreiro, ferreiro, lavrador, oleiro, sapateiro, tropeiro, vendedor ambulante, purgador do açúcar, caldeireiro, serviço de alambique, taxeiro e pedreiro (ALEIXO, 1984).

Investigações semelhantes da região sul da província de Mato Grosso mostraram comumente a inserção do escravizado nos povoados, vilas e nas propriedades rurais. A historiadora sul mato-grossense, Maria do Carmo Brazil, destacou o cativo como mão de obra indispensável nas minas, plantações, portos e zonas urbanas mato-grossenses. Também, abordou as diversas formas de resistência dos trabalhadores escravizados. Conforme a autora, no território mato-grossense o cativo urbano sofreu o mesmo processo de exploração em relação a outras regiões brasileiras. Enfatizou que, especialmente nos portos, os cativos vendiam produtos variados: “[...] pretos e pardos amarravam embarcações nos atracadores; na estiva, nos cais, ocupavam-se carregando e descarregando mercadorias, como mão-de-obra de aluguel” (BRAZIL, 2002, p. 84). Tratou, especificamente, a respeito das resistências individuais e coletivas praticadas pelos cativos no território de Corumbá.22

A historiadora Zilda Moura também registrou que o escravizado realizava diferentes serviços no território sul mato-grossense. Por sua vez, registrou as atividades exercidas pelos cativos no espaço rural, como: campeiros, peoneiros e vaqueiros.23 (MOURA, 2008). Também, Elaine Cancian, ao investigar o processo de ocupação de terras e a formação de propriedades rurais no território de Miranda, mostrou as várias atividades desempenhadas pelos cativos e trabalhadores livres, no interior das extensas fazendas. Os resultados da pesquisa evidenciaram que, no universo rural de Miranda, os trabalhadores escravizados executavam as atividades de: administrador, carreiro, cozinheiro (a), lavadeira, lavrador, lenheira, ourives, pajem, pedreiro, roceira, entre outros (CANCIAN, 2014). Enfim, as pesquisas científicas mostraram a presença dos africanos e seus descendentes nos espaços rurais e urbanos.

Quanto aos trabalhadores livres, também desempenharam diversas tarefas nos ambientes rurais mato-grossenses. O historiador sul-mato-grossense Divino Marcos de Sena ao analisar a participação do homem livre, no cenário rural de Mato Grosso, mostrou que os camaradas desenvolviam atividades como carpinteiros, condutores de carga, ferreiros, guias, remadores, vaqueiros, entre outras. Pelos serviços prestados, ajustados em contratos temporários, recebiam salário. O contrato do camarada era válido, enquanto perdurasse a atividade para a qual o trabalhador havia sido contratado (SENA, 2010, p. 69). Contudo, existiram aqueles que “firmavam domicílio nas terras do contratante. Para esses camaradas, não era somente dada certa quantia em dinheiro e alimentação, [...], mas também espaço de moradia e talvez de plantio” (SENA, 2013, p. 123-124).

Assim, as investigações citadas, que compõem parte da historiografia regional de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, evidenciam que tantos os trabalhadores cativos quanto os livres e pobres executavam diferentes afazeres, tanto nos espaços rurais quanto nos urbanos da antiga província de Mato Grosso. Especificamente, nas propriedades rurais de Miranda executavam várias atividades. Conforme documentação analisada,24 os escravizados cozinhavam, lavavam, cuidavam dos demais afazeres domésticos, cultivavam as roças, entre outros afazeres. Em fazendas com engenhos rústicos de madeira ou de ferro, os trabalhadores escravizados plantavam a cana-de-açúcar e preparavam a aguardente, o açúcar escuro e a rapadura destinados ao consumo diário.

Os Alves Corrêa também se serviram dos trabalhadores escravizados e livres, para manutenção de suas extensas posses. Vale destacar que, na época em que a propriedade Taboco esteve sob o poder de Joaquim Alves Corrêa, cativos eram colocados a serviço da moradia para carregarem água, cozinhar, lavar roupa, limpar, entre outras atividades exigidas no cotidiano de uma casa. No documento anexo ao inventário,25 consta que a cativa Theodora Pereira e seu filho Feliciano foram registrados no dia 25 de setembro de 1872. Na ocasião, a referida escravizada possuía 22 anos e foi descrita com a cor preta, solteira, com a especialidade de cozinheira e com boa aptidão ao trabalho, mas, provavelmente, desempenhava outras funções na casa, como lavar, limpar, entre outras. Seu filho Feliciano foi registrado com apenas dois anos de idade e avaliado em 300$000. Em 1878, época em que os escravizados citados foram arrolados no inventário, Antônio foi identificado como crioulo,26 com a idade de 25 anos e com valor de 1:200$000 réis (INVENTÁRIO, 1878, p. 12).

Cumpre observar a existência de dissonância nas informações apresentadas sobre os cativos ao compararmos o documento de matrícula de 1872, com a descrição de 1878 encontrada no inventário. Nos autos Theodora é apresentada com a mesma idade de 1872, ou seja, com os mesmos 22 anos, todavia como crioula. Não é possível saber a idade exata dela no momento da matrícula, mas se considerarmos a idade do período, declarada como correta, ela deveria ter sido descrita no inventário com 28 anos. A mesma situação ocorreu com seu filho, o qual teria oito anos de idade e a cor preta, e não quatro anos, como apontado (INVENTÁRIO, 1878, p. 6-12).

A divergência de dados observada, relativa aos cativos, remete-nos a pensar na falta de compromisso dos proprietários de cativos para com a verdadeira identidade dos seus escravizados, no jogo de interesses de cada escravizador e na necessidade de aceitarmos as estatísticas resultantes das informações colhidas nos documentos, não como dados absolutos, mas como indicativos de uma complexidade presente na sociedade, consequente das relações sociais e das vantagens individuais.

Além dos cativos, a família contava com o trabalhador livre. A manutenção das posses e a criação de animais exigiam muitos esforços, por isso, camaradas foram contratados para trabalharem nos campos da Taboco e do Curral das Taquaras. No inventário de Joaquim Alves Corrêa, 1878, aparecem indícios da presença dessa categoria de trabalhadores nas suas posses. Registrou-se na ocasião o valor de 4:500$000 réis, “em adiantamento aos camaradas” (INVENTÁRIO, 1878, p. 18).

Infelizmente, são as únicas informações encontradas, até o momento, sobre a participação de mão de obra livre, na época em que a Taboco esteve sob o poder de Joaquim Alves Corrêa. Cumpre explicar que a condição de endividados fazia dos camaradas indivíduos dependentes dos proprietários rurais. Apesar de livres, esses trabalhadores ficavam presos às vontades e ao domínio dos fazendeiros como referido.

Juca da Costa

Após o falecimento do tenente coronel Joaquim Alves Corrêa, a fazenda Taboco acabou retornando ao domínio da família do antigo fundador. Estrategicamente, através de dois importantes casamentos, a família Alves Ribeiro retomou a referida propriedade. Para explicar o ocorrido, temos a necessidade de comentar sobre José Alves Ribeiro, irmão do major João Alves Ribeiro e fundador da Taboco, já mencionado.

Em 1834, o poconeano José Alves da Costa Ribeiro participou de um movimento na província de Mato Grosso, denominado Rusga. Junto aos nativistas Antônio Luiz Patrício da Silva Manso, Pascoal Domingos de Miranda, Bráz Pereira Mendes, José Jacinto de Carvalho, Joaquim de Almeida Falcão e Miguel Dias de Oliveira fundaram a Sociedade dos Zelosos da Independência. (CORRÊA FILHO, 1969, p. 513). De acordo com Ernesto Cerveira de Sena, a organização dos Zelosos “[...] preconizava resguardar a separação do Império de Portugal e, para isso, hostilizava abertamente os lusitanos, incluindo os naturalizados” (SENA, 2012, p.13).

As hostilidades entre os nativistas e os portugueses alcançaram os resultados mais funestos na noite de 30 de maio de 1834, quando indivíduos exaltados tomaram as ruas de Cuiabá, com o objetivo de expulsarem os portugueses e seus familiares da localidade. Na ocasião, houve saque de casas comerciais, arrombamento das residências, o assassinato de brasileiros e lusitanos. Envolvido no movimento esteve José Alves da Costa Ribeiro.

Alguns meses após o evento de 1834, José Alves da Costa Ribeiro foi preso e enviado a Porto Feliz, para ser julgado e aprisionado em território distante da província mato-grossense. Todavia, o rusguento foi transladado até Cuiabá, a fim de ser julgado pelas autoridades cuiabanas, em função da influência política do seu irmão, o Manoel Alves Ribeiro. O nativista foi absolvido, mas um fato obrigou-o a deixar as imediações da região e se embrenhar pelos distantes rincões de Miranda. Após acusado de mandar assassinar João Poupino Caldas,27 migrou para as terras de Miranda, onde adquiriu a propriedade chamada Forquilha, adotou o nome Juca da Costa e tornou-se grande proprietário de terras.

Conforme Renato Alves Ribeiro, o seu bisavô José Alves da Costa Ribeiro, o Juca da Costa, estabeleceu-se na região de Miranda, provavelmente porque alguns de seus parentes já se encontravam localmente (RIBEIRO, 1984, p. 56). Um de seus irmãos, o major João Alves Ribeiro, já possuía as terras da Taboco, como visto, em sociedade com o sobrinho Generoso Alves Ribeiro. Também havia se apossado em 1850 de terras “aquém do rio Negro, com a denominação de Negro”, depois cedidas em 1852 ao sobrinho João Alves da Costa Ribeiro, que também zelava por outras porções de terras apossadas pelo major em 1850, como a denominada fazenda do rio Negro e localizada, segundo declarações do ano de 1854, “[...] entre a cabeceira e a serra do caminho Velho de Camapuã, além deste rio e aquém de uma corixa vista da serra” (INFORMAÇÃO, 1854).

A análise das declarações dos posseiros de 185428 mostra que os Alves Ribeiro foram gradativamente ocupando terras e distribuindo aos familiares. No ano de 1854, irmãos, sobrinhos e demais parentes do major João Alves Ribeiro estavam estabelecidos na região de Miranda, todos eles proprietários de terras. A exemplo, Antônio Alves Ribeiro, também sobrinho do major João Alves Ribeiro, possuiu a fazenda Potreiro às margens do rio Negro e Anhumas. Sobre a migração dos Alves Ribeiro em direção à região de Miranda, Renato Alves destacou:

Os Alves Ribeiro, cujo núcleo central da família estava em Poconé, de lá desceram com seus parentes e amigos, e se estabeleceram na margem direita do Rio Negro, acima do Anhumas, onde fundaram a fazenda Potreiro, ficando ali Antonio Alves Ribeiro. Parece-me que, após andanças exploratórias e em caçadas, desceram até as margens do Taboco, gostaram muito dos campos e dos bons terrenos firmes para fundar uma fazenda. Foram, assim, influenciados pelos parentes, talvez irmãos, Major João Alves Ribeiro e o Doutor Generoso Alves Ribeiro, que ali vieram fundar a fazenda Taboco. (RIBEIRO, 1984, p. 41)

Estabelecido em Miranda, José Alves da Costa Ribeiro comprou, em 5 de janeiro de 1853, do major João José Gomes, a fazenda Forquilha localizada na confluência dos rios Nioaque e Miranda. Também adquiriu a posse Lalima. Em 1854, declarou ser possuidor de duas posses sujeitas à legitimação. A primeira, “[...] no lugar denominado Lalima, além do rio Miranda”, adquirida por compra em 17 de fevereiro de 1854, de João Faustino do Prado e sua mulher Anna Gomes pelo valor de 1.000$000 réis, com a devida sisa a ser paga. A segunda posse, “[...] no lugar denominado Forquilha, entre o Nioaque e o rio Miranda”, ocupada no passado pelo finado major João José Gomes, mas cedida no dia 05 de novembro de 1853 pelos herdeiros do finado major João Faustino do Prado e João da Costa Lima. Na ocasião da obrigação do registro de propriedades, 1854, declarou-se como o terceiro ocupante das posses, nas quais mantinha cultivo de lavoura e criação e gado vacum (INFORMAÇÃO, 1854).

José Alves da Costa Ribeiro não declarou as extensões das posses no ato do registro de 1854, tampouco a localização exata, o que revela o desconhecimento sobre a dimensão das terras ocupadas e a ausência de medição e demarcação. Uma vez apossadas pelos primeiros ocupantes, as terras foram utilizadas, negociadas e até doadas, sem que fossem conhecidos seus limites exatos e os confrontantes.

Costa Ribeiro constituiu extensa prole, fruto de três uniões conjugais. Do primeiro casamento, nasceram os filhos Manoel, Tobias e Rosa. A segunda união matrimonial com a viúva Ana Josefa de Jesus Leite resultou no nascimento dos filhos Antônia, Catarina, Generoso, José, Manoel, Rosa e Tobias. A segunda esposa havia sido casada com João Pereira Leite, dono da fazenda Jacobina, propriedade rural localizada em Cáceres e muito conhecida no século XIX, devido à quantidade de trabalhadores escravizados e abundante produção de alimentos. Finalmente, o terceiro enlace ocorreu no território de Miranda, com a viúva Maria José de Santana, mãe de Joaquim Alves Corrêa, que ao se casar com Angelica de Oliveira Pinto, a partir de 1864, tornou-se proprietário da Taboco após falecimento do seu antigo possuidor, o major João Alves Ribeiro. Desse último enlace matrimonial, nasceram os filhos Catarina Alves Ribeiro e o homônimo José Alves Ribeiro, conhecido como coronel Jejé. Assim, as terras da Taboco retornaram para a família Alves Ribeiro (MESQUITA, 1992; RIBEIRO, 1984).

Coronel Jejé e a legalização da Taboco

Antes, porém, de tratarmos sobre o processo de regularização da Taboco iniciado em 1896, é preciso explicar que, desde o ano de 1850, todos os ocupantes de terras do Brasil Império foram obrigados a declararem e regularizarem as glebas ocupadas. O governo imperial implantou um complexo aparato burocrático, com o objetivo de forçar os terratenentes a medirem e demarcarem suas posses. Dessa forma, o governo obteria informações exatas a respeito das extensões de terras ocupadas por particulares e as devolutas. Sendo assim, foi aprovada a Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 e o Decreto nº 1.318 de 30 de janeiro de 1854, ambos aplicados, sobretudo, com o propósito de regularização das terras brasileiras.

É importante destacar que a Lei de Terras de 1850, composta por 23 artigos, impôs à sociedade da época, no primeiro artigo, a proibição de ocupar terras devolutas por apossamento, concessão, ou qualquer outra forma de aquisição. A Lei de Sesmarias, que regulamentava a posse na América Portuguesa, perdurou até o Primeiro Reinado, quando foi revogada pela Resolução 76 de Consulta da Mesa de Desembargo do Paço, de 17 de julho de 1822, que suspendeu a concessão de terras, até a convocação da Assembleia Geral Constituinte. Após revogada a Lei de Sesmarias, às vésperas da Independência, permaneceu um vazio jurídico com relação à posse da terra. Nesse contexto, entre a revogação da referida lei e a aprovação da legislação de terras de 1850, o processo de ocupação livre da terra foi intensificado. O costume do apossamento de glebas consideradas desocupadas é antigo no Brasil.

A historiadora Ligia Osorio Silva, ao colocar em debate a ruralidade brasileira, destacou que o costume do apossamento livre atravessou os tempos, imprimindo certa peculiaridade nas paisagens rurais do Brasil. Explicou que desde os primeiros anos da colonização, concomitante com a concessão e compra de terras, existiu a posse pura e simples, ainda que considerada ilegal pela Coroa portuguesa. De acordo com a autora, o apossamento “[...] se fazia de modo desordenado e espontâneo, fugindo totalmente do controle das autoridades” (SILVA, 1966, p. 66).

Para Ligia Osorio, pequenos lavradores ou pessoas envolvidas com a pecuária e desprovidos dos meios necessários à solicitação de sesmarias praticavam o apossamento livre, como meio de sobrevivência no interior de um sistema voltado às grandes extensões de terras e cultivos, cuidados por muitos trabalhadores. Sobre a questão, avaliou: “Desenvolvera-se essa prática, às margens dos grandes latifúndios, em atividades de subsistência ou fornecimento de gêneros alimentícios para os solarengos” (SILVA, 1966, p.77). Todavia, a pesquisadora mostrou que a prática da posse livre foi também realizada pelos proprietários de sesmarias, para expansão das dimensões de suas propriedades, porque “[...] cientes do rápido esgotamento das terras, os fazendeiros tinham o hábito de constituir “reservas” de terras, isto é, se “apropriavam” de muito mais terras do que cultivavam para garantir o futuro” (SILVA, 1966, p.78).

Devido ao costume de ocupar terras desordenadamente, assim determinou a Lei de Terras de 1850: “Ficão prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. Exceptuão-se as terras situadas nos limites do Império com paizes estrangeiros em huma zona de dez léguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente.29 Desde então, ninguém poderia ocupar as terras consideradas desocupadas.

As normas da Lei de Terras deveriam ser acatadas em todas as regiões do Brasil imperial e vigoraram absolutas até 1889, quando houve a Proclamação da República. Em 1891 foi promulgada a primeira Constituição Republicana e a implantação do sistema federativo, desde então as questões de terras deixaram de ser problemas exclusivos da União, logo cada estado passou a ser responsável pelo serviço de regularização das posses não legalizadas e o controle sob os campos devolutos. Lígia Osório Silva explica que “[...] de 1897 a 1911, o governo federal se absteve, na prática, de implementar uma política de ocupação das terras devolutas e deixou-as nas mãos dos governos estaduais, em atendimento aos anseios das oligarquias regionais”. Desta forma, “[...] os estados, em geral, foram adotando os princípios básicos estabelecidos pela lei de 1850 e por seu regulamento de 1854. Cada estado legislou, portanto, à sua maneira no tocante à discriminação das terras devolutas, revalidação de sesmaria e legitimação de posses, [...]” (SILVA, 2008, p. 268).

No estado de Mato Grosso, no início do período republicano, as propriedades rurais ainda se apresentavam de modo irregular. Por isso, na concepção de Gislaene Moreno, as autoridades do estado estabeleceram leis e decretos, que asseguraram a permanência das terras sob o poder dos ocupantes. Assim, os regulamentos estaduais garantiram “[...] a regularização aos grandes possuidores de terras - sesmarias e posseiros - em situação irregular, assegurando também o direito de posse do terreno com cultura efetiva àqueles caídos em comisso” (MORENO, 2007, p. 65). Todavia, é fato também que quando ocorria alguma normatização a qual feria os objetivos dos ocupantes das posses, os próprios possuidores se articulavam de modo a serem favorecidos.

Fornecidas as explicações necessárias, retornemos, portanto, ao processo de legalização da Taboco. Em 15 de junho de 1877, o coronel Jejé, irmão por parte de mãe do falecido Joaquim Alves Corrêa, casou-se com a sobrinha Etelvina Alves Corrêa, herdeira da fazenda Taboco. Na época, as herdeiras do espólio de Joaquim Alves enfrentavam dificuldades financeiras, devido às dívidas existentes. O referido enlace matrimonial garantiu a permanência da fazenda Taboco sob o poder da família fundadora. Etelvina e Jejé tiveram os filhos Joaquim Alves Ribeiro (Tatim) e José Alves Ribeiro (coronel Joselito).

O coronel Jejé saldou as dívidas da propriedade Taboco, no valor de 29:529$713 réis. Assim descreveu Renato Alves Ribeiro, neto de Jejé:

Meu avô Jejé, casando-se com minha avó Etelvina em 15 de junho de 1877, teve que enfrentar as dificuldades financeiras da família, pois seu sogro deixara ao morrer uma dívida de 29:529$713, conforme seu inventário, tendo sido o Taboco comprado por 12:869$647. A sorte é que, devido à guerra, muitos credores foram compreensivos. Conforme recibo existente em seu nome, acabou de pagar o Taboco em 1888. (RIBEIRO, 1984, p. 64)

Até o período em questão, 1877, a fazenda Taboco não havia sido medida, tampouco demarcada conforme as exigências das leis que regulamentaram a posse da terra. A resistência dos antigos proprietários em medir e demarcar a posse, conforme a legislação da época, pode ser explicada em função das extensões de terras permitidas a cada proprietário rural, também pela possibilidade de perda do poder e do prestígio social. A condição de manutenção das posses sem conhecimento dos limites e extensões pelas autoridades foi um costume praticado desde o período colonial.

A historiadora Márcia Motta explica que não era interessante para os fazendeiros medirem e demarcarem suas terras de acordo com o desejo dos legisladores, porque essa condição “seguindo as exigências da legislação sobre as sesmarias, significava para os sesmeiros, submeter-se a imposição de um limite a sua expansão territorial, subjugar-se – nestes casos – aos interesses gerais de uma Coroa tão distante” (MOTTA, 2008, p. 44). E ainda, “porque tal limitação territorial implicava um limite ao exercício de seu poder sobre vizinhos e posseiros [...]. Ser senhor de terras significava, antes de mais nada, ser senhor – e era sobretudo este domínio senhorial que não mais podia ser medido ou limitado (MOTTA, 2008, p. 45).

Legalização da Taboco

No ano de 1896, o coronel Jejé procedeu à legalização da imensa propriedade quando, então, foram abertos os autos de medição e demarcação da Taboco. Mas somente alguns meses, antes do início do processo, as posses foram registradas na Intendência Municipal de Miranda.

O registro das terras foi realizado no dia 30 de maio de 1895 e foi o intendente geral interino da Câmara Municipal de Miranda, Antônio Canale, o responsável pela produção da documentação das 22 posses declaradas como pertencentes à antiga fazenda Taboco. Assim, as posses Bahia de Santa Clara, Bracinho, Brejão, Caldeirão, Campo Formoso, Catingueiro, Cervo, Cinco Lagoas, Formosa, Mangabal, Pequi, Porto, Proteção, Piúva, Sant’ Anna, Santa Angélica, Santa Fé, Santo Antônio da Barra, São João, São José dos Dois Irmãos e Vazante foram então registradas. Conforme anotado pela Intendência local, as posses foram declaradas com a extensão de “uma légua de frente e três de fundo mais ou menos”. Pelo fato de o demarcante desconhecer com exatidão a extensão da fazenda, em todos os registros foi acrescentada, após a dimensão sugerida por ele, a expressão “mais ou menos”, que na realidade poderia significar léguas e léguas a mais de terras (AUTOS DE MEDIÇÃO, 1896).

De acordo a Lei nº 20 de 9 de novembro de 1892, promulgada pelo governo do Estado de Mato Grosso, a extensão “[...] total das posses havidas por ocupação primária em virtude desta lei não poderá exceder os seguintes limites: em terras de lavoura, 900 hectares; em campos de criação, 3.600 hectares; e em terrenos destinados à indústria extrativa, 450 hectares” (Jornal GAZETA OFFICIAL, 1892). Isso significava que as posses ocupadas no interior do estado de Mato Grosso e não legalizadas deveriam se limitar às dimensões determinadas pela lei estadual referenciada. Contudo, na prática, grande parte das propriedades rurais legalizadas, sobretudo na parte sul do território, ultrapassaram as extensões estabelecidas pela legislação. Muitas manobras foram colocadas em prática, como imposição do poder e do prestígio, a utilização de documentação forjada, entre outras. E assim, fazendas imensas tiveram seus processos de legalização executados e aprovados na contramão das normas estabelecidas pelo governo local (CANCIAN, 2015).

A análise do processo de medição da Taboco mostra que o proprietário da referida posse, para legalizar imensa extensão de terra que ultrapassava em muito a dimensão estabelecida pela lei de terras estadual de 1892, colocou em prática uma estratégia tornada corriqueira entre os grandes fazendeiros da região. Assim, subdividiu a fazenda em pequenas glebas e executou vários registros de posses na Intendência Municipal de Miranda. Também, cercou-se de indivíduos de confiança no cumprimento da importante etapa de desenvolvimento do processo, ou seja, a verificação de cultura efetiva e morada habitual. Posteriormente, nos autos do processo de medição e demarcação todas as posses foram reunidas e nem poderia ser diferente, pois tratava-se de extensões de terras de somente uma propriedade, a antiga e conhecida Taboco (AUTOS DE MEDIÇÃO, 1896).

Nos autos de medição, há o registro de que os cidadãos escolhidos para testemunharem a existência ou não de atividades rurais e a presença de pessoas habitando, foram Estevão Alves Corrêa, 38 anos e Manoel Antônio de Barros, 44, ambos casados, fazendeiros e nascidos na província de Mato Grosso. A palavra de qualquer outra pessoa despossuída de bens e prestígio certamente não teria o mesmo valor. Assim, o coronel Jejé contou com a influência e amizade dos citados proprietários de terras.

É possível verificar nos autos que as testemunhas foram unânimes. Ficou registrado que o tenente coronel José Alves Ribeiro morava com sua família na propriedade e as terras eram ocupadas para criação de 6.000 a 7.000 mil cabeças de gado vacum e 300 a 400 cavalares. As benfeitorias da propriedade também foram mencionadas como cercados de arame, currais, olaria e ranchos. Os ranchos eram usados pelos encarregados e camaradas. Além disso, ratificaram o uso da terra e a presença de pessoas, ao exporem a existência nas posses de roças cuidadas pelos trabalhadores livres e suas famílias. A cultura efetiva e a morada habitual, conforme previsto por lei, foram provadas. E não poderia ser diferente (AUTOS DE MEDIÇÃO, 1896).

Ainda conforme o documento referido, o francês Emilio Julio Rivasseau executou a medição e demarcação da Taboco, entre os dias 16 de setembro e 16 de outubro de 1896. Conforme anotações do agrimensor, a propriedade localizada na margem direita do rio Taboco e à esquerda do rio Negro tinha uma área de 344.023 hectares, 25 ares, 76 centiares e 40 decímetros quadrados. Constatou em terras firmes o equivalente a 299.762 hectares, 86 ares, 71 centiares e 40 decímetros quadrados e em alagadas, 44.260 hectares, 39 ares e 95 centiares. A observação do agrimensor quanto à extensão da fazenda, localizada em terras de alagamento, fez com que o proprietário manifestasse, através de documento datado de 16 de maio de 1898, um pedido de dedução do valor dos impostos relativos às áreas alagáveis e, portanto, consideradas inservíveis pelo fazendeiro.

Nos autos do processo de medição da Taboco, encontramos que no dia 24 de maio de 1898 o procurador fiscal emitiu parecer sobre a questão. Conforme mencionou, não era “de justiça” atender à solicitação do coronel Jejé, porque ocupava há muito tempo as terras. No entanto, o fiscal desonerou o proprietário do pagamento de excesso de área, por ter entendido que a ocupação das posses datava do período colonial. É preciso lembrar que desde a ocupação das terras em questão, possivelmente nos anos de 1830, seus possuidores as mantiveram na contramão das leis. Em 1854, houve o registro delas para atender à Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 e o Decreto nº 1318 de 30 de janeiro de 1854, no entanto o proprietário da época não deu continuidade ao processo exigido, no caso a medição e demarcação da posse.

A Taboco permaneceu até 1898, com limites desconhecidos, desprovida das necessárias demarcações. Mas essa situação foi desconsiderada, afinal o coronel Jejé, homem de família ocupante de posses e tradicional, esteve acima de qualquer norma, atrelado aos costumes da época, baseados na força, no prestígio local e no clientelismo.

Assim, em 27 de maio de 1898, a diretoria de terras concordou com o parecer da Procuradoria Fiscal e registrou no processo que as terras, uma vez ocupadas com moradias, plantações e criações, deveriam permanecer como posse do demarcante. No dia 22 de abril de 1899, foi aprovada a medição sem pagamento de excesso de área, no dia 24 do mesmo mês e ano determinou-se a expedição do título de propriedade. O valor exigido nos autos foi somente o de 100 réis. O coronel José Alves Ribeiro, ciente do desnecessário pagamento pelos excessos de área, solicitou, em 30 de agosto de 1899, a inclusão no título de propriedade da Taboco de todas as 22 posses medidas e demarcadas.

Fica evidente que o coronel se colocou como desinteressado pelas áreas alagáveis, para não pagar os excessos de área. Uma vez informado da desnecessidade dos pagamentos, as terras consideradas ‘inservíveis’ foram reclamadas pelo demarcante. A manobra do coronel soma-se a tantas outras praticadas no Oitocentos pelos proprietários da região de Miranda.

Legalizada a propriedade e mantido o domínio, o coronel Jejé aplicou investimentos para comodidade da família. Em 1896, época da execução do processo de legalização das terras, existia na Taboco a casa do proprietário, ranchos de camaradas, fábrica de tijolos e telhas e um extenso galpão de 50 metros de comprimento por 20 de largura. Mas no início do século XX, uma residência mais confortável foi construída na fazenda. De acordo com a narrativa de Renato Alves, seu avô Jejé mandou edificar uma moradia ampla na fazenda. A casa foi elevada por carpinteiros, ferreiros, marceneiros, oleiros e demais profissionais especializados; os trabalhadores foram contratados em Cuiabá, capital mato-grossense. Na cidade de Corumbá, o coronel adquiriu os materiais necessários à construção. A residência, terminada em 1903, recebeu luz elétrica (RIBEIRO, 1984).

Em uma imagem da Taboco, divulgada no livro de memórias de Renato Alves, identificada por “Sede da Fazenda Taboco no tempo de Jejé...” [sic], é possível observar a moradia assobradada (RIBEIRO, 1984, p.67). Na parte térrea, há extensa edificação com telhado em quatro águas e, ao seu redor, o conhecido alpendre sustentado por várias toras de madeira. Ao lado, uma construção mais simples, com telhado de duas águas, também alpendrado. Na frente das edificações, existem alguns coqueiros; ao fundo outras árvores faziam parte da paisagem nos arredores da sede da fazenda. Certamente, a imensa fazenda, com cercas de arame, sede com ampla edificação em madeira, pedra e cal e energia elétrica representou um diferencial na região.

Conforme a análise dos autos de medição das demais posses do coronel Jejé e executados no início do século XX, outras propriedades rurais foram legalizadas, a saber: Baguassú, Chapeo, Desbarrancado, Lageado, São Jeronimo e São José, com áreas em hectares de 4.723, 10.850, 1.289, 1.030, 1.150 e 409, respectivamente (AUTOS DE MEDIÇÃO, 150, 150¹, 163, 164, 238¹ e 775). Tratavam-se de terras devolutas compradas do governo do estado de Mato Grosso, por isso com extensões bem menores. Como referido, as propriedades foram registradas como devolutas e adquiridas por compra; todavia, há fortes evidências documentais de que já estavam ocupadas pelo comprador, antes mesmo de serem negociadas com o governo do estado. Certamente, uma reflexão ainda a ser aprofundada à luz das leis do período, do momento socioeconômico e político.

Considerações finais

O estudo em questão evidenciou que na região histórica de Miranda do Oitocentos, território da província de Mato Grosso de ocupação luso-brasileira e habitada por indígenas de diferentes nações, que foram expropriados de suas terras, imperou o costume de ocupar as terras livremente. Os homens junto a seus familiares e pertences, como: bois, cavalos e, muitas vezes, com mão de obra escravizada buscavam o acesso à região, para fundarem propriedades rurais extensas, usadas para criação de animais e lavoura de subsistência.

As leituras e análises documentais mostraram, sobretudo, que apesar da existência da Lei de Terras desde 1850, impondo a medição e regulamentação da posse no Brasil Império, e, posteriormente, da lei estadual, Lei nº 20 de 9 de novembro de 1892, imposta para regulamentar a questão das terras ocupadas no estado de Mato Grosso, muitos proprietários rurais postergaram o quanto puderam a medição e regulamentação de suas posses.

Com o intuito de colocar em debate a questão do apossamento de terras, a manutenção do poder sobre elas e o processo de legalização da propriedade particular, foram expostas algumas questões referentes à fazenda Taboco, medida e regularizada somente em 1896 devido as estratégias que foram colocadas em prática pelos seus ocupantes ao longo dos tempos, com o objetivo de driblarem a legislação que previa a regularização das terras, entre elas, a manipulação empreendida por José Alves Ribeiro (coronel Jejé), já no período da República e junto à instituição responsável pela aplicação das normas regulamentadoras da posse da terra no Estado de Mato Grosso.

Por fim, a necessidade de buscar discussões voltadas ao universo rural de Mato Grosso, documentação específica para análise e suporte ao texto proposto indicou que os campos do antigo Mato Grosso carecem de estudos relativos à ocupação das terras, formação das propriedades rurais, mão de obra inserida, produtos cultivados, entre outras questões concernentes ao mundo rural mato-grossense.

Fontes

AUTOS DE MEDIÇÃO E DEMARCAÇÃO. Documentos nº 150, 150¹, 163, 164, 238, 238¹, 775. AGRAER-MS.

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Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 Os limites da região da Vacaria, no passado, eram “ao norte, os rios Taquari e Mbotetei; a oeste, o rio Paraguai; ao sul, o Apa, e, a leste, a serra de Maracaju”. In: ESSELIN, Paulo Marcos. A pecuária bovina e o processo de ocupação do Pantanal Sul-mato-grossense. MAESTRI, Mario; BRAZIL, Maria do Carmo. (Orgs.). Peões, vaqueiros & cativos campeiros. Estudos sobre a economia pastoril no Brasil. Passo Fundo: EdUPF, 2009. (Coleção Malungo-17; Tomo I), 2009, p. 299). Atualmente corresponde à planície sedimentar do Pantanal.
2 A Rusga cuiabana foi iniciada no dia 30 de maio de 1834, em Cuiabá, capital da província de Mato Grosso. Na ocasião, os comerciantes portugueses que viviam no local presenciaram o saque das suas casas comerciais e muitos foram assassinados. A obra “Rusga, uma rebelião no sertão. Mato Grosso no período regencial (1831-1840)”, organizada por Maria Adenir Peraro e Ernesto de Cerveira de Sena, publicado pela Editora da Universidade Federal de Mato Grosso, conta com textos, especificamente, voltados ao movimento em questão, conhecida também como “Rebelião Cuiabana”, “30 de Maio” ou simplesmente, Rusga.
3 Sobre a questão ver documentos manuscritos reproduzidos na obra “Rios Guaporé e Paraguai-primeiras fronteiras definitivas do Brasil”, 1985, compilados por Marcos Carneiro de Mendonça.
4 O documento em questão, produzido em 1871, trata-se de uma representação da área geográfica denominada de “Distrito de Miranda”. A “Carta Chorographica do Districto de Miranda, na Província de Mato Grosso”, foi organizada a partir do reconhecimento do território, realizado pelo chefe de Esquadra Augusto Leverger e, em 1871, copiado pelo militar Antônio Vilella de Castro Tavares. Ver: Carta Chorographica do Districto de Miranda na Provincia de Mato Grosso – Organizada pelo Chefe de Esquadra Graduado Reformado Augusto Leverger, copiado pelo Cap. Antônio Vilella de Castro Tavares, em 1871, colorido, nanquim, tinta colorida, aquarela, papel canson, telado, bom estado, medindo 45 cm x 42 cm Observações: 09.05.2053 Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro-RJ.
5 Importante explicar que uma parte do território, hoje pertencente ao Paraguai foi, na época, incluído na “Carta Chorographica” de 1864, como pertencente ao distrito de Miranda. Ao estudar o documento em referência, observa-se que a porção territorial banhada pelo rio Apa é representada como terras da província mato-grossense. Atualmente o Apa é o limite natural entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai.
6 Encontra-se no ofício datado de 27 de outubro de 1797, expedido por Caetano Pinto de Miranda Montenegro para Ricardo Franco de Almeida Serra Montenegro a determinação de que a estacada deveria ser denominada “Presídio de Miranda”. A informação pode ser encontrada na página 2016 da obra de Marcos Carneiro de Mendonça, intitulada “Rios Guaporé e Paraguai-primeiras fronteiras definitivas do Brasil”.
7 Rio Mondego em referência é atualmente denominado de Miranda.
8 Vale informar que os chefes dos Guaicuru prestaram obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, a partir de 1796.
9 Para melhor conhecer sobre os problemas enfrentados pelos habitantes não nativos na região , o desenvolvimento e as condições do presídio de Miranda, ver a tese produzida por Elaine Cancian intitulada “Nos confins do sertão de Miranda: Ocupação da terra, desenvolvimento econômico e relações de trabalho (1830-1892)”, 2014 e a dissertação de Bruno Mendes Tulux, com o título “O Presídio de Miranda e a defesa do império português na fronteira sul da capitania de Mato Grosso (1797 – 1822)”, 2012, ambos trabalhos desenvolvidos no âmbito da Universidade Federal da Grande Dourados- MS.
10 Por meio da decisão nº 26, de 14 de janeiro de 1832, foi criado mais um órgão administrativo do governo imperial, chamado Coletoria. A partir da decisão nº 227, de 2 de maio de 1833, passou à denominação de Coletorias das Rendas Gerais, logo cada cidade deveria estabelecê-la com o objetivo de arrecadar os impostos. Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, foram extintas através da circular nº 49 de 3 de agosto de 1891. Posteriormente, a lei nº 23 de 30 de outubro de 1891 confirmou sua extinção. Vale ressaltar que informações mais detalhadas e o arrolamento de documentação a respeito do citado órgão podem ser encontrados no Arquivo Nacional/ Memória da Administração Pública Brasileira-MAPA. Disponível em: https://www.gov.br/arquivonacional/pt-br
11 Encontramos a informação em uma carta datada de 24 de novembro de 1858, escrita pelo vigário Joaquim de Souza Caldas e destinada ao bispo em Cuiabá, província de Mato Grosso. Vale mencionar que entre outras questões assinaladas, o padre registrou a situação precária do local. CARTA do vigário Joaquim de Souza Caldas para o bispo de Cuiabá. Miranda, 24 de novembro de 1858. ACBM-IPDAC. Pasta 41, nº 1131.
12 Tratam-se de documentos com informações sobre o território de Miranda, consultados no Arquivo Público de Mato Grosso- APMT e Arquivo Casa Barão de Melgaço- ACBM, em Cuiabá-MT.
13 Para o propósito em questão, refiro-me aos memorialistas seguintes: D’ ALINCOURT, Luiz. Memória sobre a Viagem do porto de Santos à cidade de Cuiabá. Belo Horizonte-São Paulo: Itatiaia-Ed. da Universidade de São Paulo, 1975; DINARTE, Sylvio. Céos e terras do Brazil. Scenas e typos, quadros da natureza, fantasias. Rio de Janeiro. Typographia de G. Leuzinger & Filhos, 1882; ELLIOT, João Henrique. Itinerário das viagens exploradoras emprehendidas pelo Sr. Barão de Antonina para descobrir uma via de communicação entre o porto da Villa de Antonina e o Baixo-Paraguay na província de Mato-Grosso: feitas nos annos de 1844 a 1847 pelo sertanista o Sr. Joaquim Francisco Lopes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Typographia de João Ignácio da Silva, Tomo X, p. 153-177, 1870. Disponível em: https://www.ihgb.org.br/. Acesso em: agosto de 2012; FONSECA, João Severiano da. Viagem ao redor do Brasil 1875-1878. Rio de Janeiro: Typographia de Pinheiro & Cia, 1880; LOPES, J Joaquim Francisco. Para reconhecer o sertão do Paranaíba, abrir um caminho daquela povoação até o forte de Miranda e introduzir melhoramentos no Picadão do Tabuado até Piracicaba, 1839. In: CAMPESTRINI, Hildebrando. (Atual. e Introd.). As derrotas de Joaquim Francisco Lopes. Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 2007. Disponível em: http://www.ihgms.com.br/ . Acesso em: 30 de janeiro de 2011; MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Notícia sobre a Província de Matto Grosso seguida d’um roteiro de viagem da sua capital à S. Paulo. São Paulo: Typographia de Henrique Schorender, 1869; NANTES, Aglay Trindade. Morro Azul. Estórias pantaneiras. [s. l.]:[s. ed.], 1993; PITANGA, Epifanio Candido de Souza. Diário da viagem do porto de Jatahi à Villa de Miranda compreendendo os rios Tibagi, Paranapanema, Paraná, Samambaia, Ivinhema e Brilhante, o varadouro do Nioac, e os rios Nioac e Miranda, Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográphico e Ethnográphico do Brazil, Rio de Janeiro, Typographia de Domingos Luiz dos Santos, Tomo XXVII, p. 149-192, 1864. Disponível em: https://www.ihgb.org.br/. Acesso em: agosto de 2012; TAUNAY, Alfredo d' Escragnolle. A Retirada da Laguna. Rio de Janeiro: Typographia Americana, 1874; TAUNAY, Alfredo d’ Escragnolle. Scenas de Viagem. Exploração entre os rios Taquary e Aquidauana no distrito de Miranda. Memória descriptiva. Rio de Janeiro: Typographia Americana, 1868; TAUNAY, Visconde de. Dias de Guerra e de Sertão. São Paulo: Melhoramentos, 1927.
14 Entre as páginas 227 e 233 da obra intitulada “Episódios Históricos da Formação Geográfica do Brasil. Fixação das raias com o Uruguai e o Paraguai”, 1959, o autor Mário Monteiro pontua os nomes de várias pessoas estabelecidas no distrito de Miranda, que se apossaram de terras e fundaram fazendas.
15 Sobre o apossamento de terras na região, a formação de fazendas e a aplicação de estratégias para a manutenção das posses, examinar a produção de Elaine Cancian, já referenciada.
16 A Lei n. 601 de 18 de setembro de 1850, mais conhecida por Lei de Terras de 1850 e o Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854, determinaram entre outras obrigações aos posseiros o cumprimento de duas etapas basilares: declaração de posse e execução da medição e demarcação das terras declaradas. Os vigários das freguesias do Império foram os responsáveis pelo recebimento das declarações de terras, dos ocupantes e registro destas em livro próprio. Durante nossas pesquisas, não encontramos o livro de registros de terras da região de Miranda. Contamos, então, com documentos avulsos denominados de “Informação sobre o Regulamento da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 dos terrenos devolutos que se acham sujeitos à revalidação”, “Informação das posses que estão sujeitas à legitimação” e “Informação das posses que estão sujeitas à legitimação na Vacaria”, todos relativos ao território em questão.
17 Encontramos a Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 na “Coleção das Leis do Império do Brasil de 1850”, mais, precisamente, na parte I do Tomo XI. A referida Lei está disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao5.html.
18 O Decreto nº 1318 de 30 de janeiro de 1854, registrado na “Coleção das Leis do Império do Brasil de 1854”, especificamente na parte II do Tomo VII e está disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao5.html
19 Discussões importantes e esclarecedoras acerca das duas leis referidas encontram-se nas obras “Terras devolutas e latifúndio, 2008, produzidas pela historiadora Ligia Osorio Silva e “Nas fronteiras do poder”, 2008, escrita por Márcia Maria Menendes Motta. O artigo científico “A apropriação da terra no Brasil: da lei de sesmarias à lei de terras (1532-1850), 2010, escrito pela historiadora rio-grandense Helen Ortiz, também colaborou com o debate.
20 Cumpre explicar que o documento citado é uma cópia do manuscrito “Escritura de compra e venda da propriedade Taboco”, produzido em 22 de março de 1864 e encontrado no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul-IHGMS. IN: Documentos e cartas antigas do Taboco. Documentos avulsos. Arquivo do IHGMS. Campo Grande - MS.
21 Traslado significa cópia exata. Neste caso, o documento intitulado “Traslado de Escritura de Contrato”, é uma reprodução da escritura de contrato da fazenda Taboco, registrado em 13 de novembro de 1888. IN: Documentos e cartas antigas do Taboco. Documentos avulsos. Arquivo do IHGMS. Campo Grande - MS.
22 Sobre o processo de resistência cativa na região de Corumbá, ver, sobretudo, o terceiro capítulo, entre as páginas 103 a 128. IN: BRAZIL, Maria do C. Fronteira negra: Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso, 1718-1888. Passo Fundo: UPF, 2002.
23 Os cativos campeiros amansavam os animais e auxiliavam os boiadeiros na lida do campo.
24 Reportamo-nos aos inventários pós-mortem encontrados nos arquivos de pesquisa do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, relativos aos indivíduos que habitaram o espaço urbano e rural do território de Miranda.
25 O documento referido trata-se do “Mapa de Escravos para serem levados à matrícula especial, produzido em 1872. O manuscrito foi anexado no inventário pós-mortem do tenente coronel Joaquim Alves Corrêa, residente na Vila de Miranda, pertencente à Província de Mato Grosso. O inventário referenciado pode ser encontrado no Arquivo e Memorial do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul-TJMS. Campo Grande-MS.
26 Crioulo foi a identificação agregada aos indivíduos descendentes de africanos e nascidos no Brasil. Mulatos, por exemplo, eram assim chamadas as pessoas nascidas a partir do relacionamento íntimo entre africanos e brancos. Um debate atual sobre a questão é apresentado no texto “População e sociedade”, escrito por Alberto da Costa e Silva, que participou da coleção intitulada “História do Brasil Nação: (1808-2010), impressa em 2014, coordenada por José Murilo de Carvalho.
27 De acordo com os estudos de Elizabeth Madureira, Poupino Caldas, natural da província de Mato Grosso era “comerciante, militar de carreira, proprietário de inúmeros imóveis urbanos em Cuiabá, liberal moderado [...], e, finalmente, vice-presidente e em seguida presidente de Mato Grosso [1834]”. Também foi membro da Sociedade dos Zelosos da Independência. Ele compactuava com as ideias nativistas e combatia os antigos políticos mato-grossenses, mas delatou os Zelosos ao presidente da província de Mato Grosso, colocando-os como os responsáveis pelos homicídios ocorridos em 30 de maio de 1834. Poupino Caldas foi assassinado em 9 de maio de 1837. Ver mais detalhes em: “A verdade jurídica do sumário crime da rusga e outras versões”, capítulo escrito por Elizabeth Madureira de Siqueira que integra a obra “Rusga uma rebelião no sertão: Mato Grosso no período regencial (1830-1840)”, 2014 e “Uma investigação criminal em Mato Grosso: o processo investigativo sobre a Rusga”, 2017, artigo produzido por Patrícia Figueiredo Aguiar.
28 Aqui trata-se de documentação avulsa denominada “Informação sobre o Regulamento da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 dos terrenos devolutos que se acham sujeitos à revalidação”, “Informação das posses que estão sujeitas à legitimação” e “Informação das posses que estão sujeitas à legitimação na Vacaria”, encontrada no Arquivo Estadual de Mato Grosso-Cuiabá-MT.
29 Texto retirado da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 e copiado sem alteração da ortografia utilizada na época. Está disponível na “Collecção das Leis do Império do Brasil de 1850”.
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