Resumo: Na década de 1950, ocorreram mudanças substanciais no campo do urbanismo, na cidade de Jacobina (Bahia), especificamente nas ruas centrais, sendo construída uma nova materialidade e paisagem urbana. O presente artigo tem como propósito o estudo do processo de modernização urbana da cidade de Jacobina neste contexto, especificamente o trabalho circunscreve a analisar as obras de pavimentação das ruas do centro da cidade, a forma e o território urbano produzido pelas obras de urbanismo e o discurso da imprensa local sobre as transformações urbanas e a gestão municipal. Por outro lado, destaca a singularidade da experiência de modernização e da construção discursiva e simbólica sobre as mudanças urbanas.
Palavras-chave: Modernização urbana, Urbanismo, Cidade, Imprensa.
Abstract: In the 1950s, there were substantial changes in the field of urbanism, in the town of Jacobina (Bahia), specifically in the central streets, with a new materiality and urban landscape being built. This article aims to study the process of urban modernization of the city of Jacobina in this context, specifically the work circumscribes to analyze the paving works of the streets of the down town, the form and the urban territory produced by the works of urbanism and the local press discourse on urban change and municipal management. On the other hand, it highlights the singularity of the experience of modernization and the discursive and symbolic construction on urban changes.
Keywords: Urban Modernization, Urbanism, Town, Press.
Resumen: En la década de 1950 se produjeron cambios sustanciales en el campo del urbanismo, en la ciudad de Jacobina (Bahía), específicamente en las calles centrales, con una nueva materialidad y paisaje urbano en construcción. Este artículo tiene como objetivo estudiar el proceso de modernización urbana de la ciudad de Jacobina en este contexto, específicamente el trabajo se circunscribe a analizar las obras de pavimentación de las calles del centro de la ciudad, la forma y el territorio urbano producido por las obras de urbanismo y el discurso de la prensa local sobre el cambio urbano y la gestión municipal. Por otro lado, destaca la singularidad de la experiencia de la modernización y la construcción discursiva y simbólica sobre los cambios urbanos.
Palabras clave: Modernización urbana, Urbanismo, Ciudad, Prensa.
Artigos livres
O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO URBANA DE JACOBINA: SUPERANDO A "ESTAGNAÇÃO” E A “DECADÊNCIA” E TRILHANDO O CAMINHO DO “PROGRESSO” (1955-1959)[1]
JACOBINA'S URBAN MODERNIZATION PROCESS: OVERCOMING "STAGNATION" AND "DECAY" AND FOLLOWING THE PATH OF "PROGRESS" (1955-1959)
PROCESO DE MODERNIZACIÓN URBANA DE JACOBINA: SUPERANDO EL "ESTANCAMIENTO" Y LA "DECADENCIA" Y SIGUIENDO EL CAMINO DEL "PROGRESO" (1955-1959)

Recepción: 11 Enero 2021
Aprobación: 26 Junio 2021
Jacobina é uma cidade baiana, encostada entre serras e atravessadas por rios, situada na região centro-norte do Estado, território hoje designado pela política territorial estadual como Piemonte da Diamantina.2 A constituição do território do município e da formação do núcleo urbano do distrito sede, teve início com o ciclo de exploração de metais preciosos pela colonização portuguesa. A partir do desenvolvimento da mineração aurífera no contexto colonial da América portuguesa, a povoação composta de garimpeiros, indígenas, missionários, sertanistas, bandeirantes e criadores de gado foi elevada à condição de vila em 1722, sendo nomeada de Santo Antônio da Jacobina. Inicialmente a vila foi criada no povoado de Missão do Sahy (hoje município de Senhor do Bonfim), posteriormente transferida (1724) para o povoado de Bom Jesus, localidade onde hoje encontra-se a sede do município (COSTA, 1923, p.277-279; SANTOS, 2017).
O surto aurífero foi fator relevante no ato da Coroa Portuguesa de criar a vila, por meio da carta régia editada pelo então vice-rei e governador do Estado Brasil d. Vasco Fernandes César de Menezes. Com a concepção da vila de Santo Antônio da Jacobina, o Estado português institua o poder de justiça e administração fiscal. Contudo, a emancipação de Jacobina a categoria de cidade sucedeu em 1880, com a denominação de “Cidade Agrícola de Santo Antônio da Jacobina” (COSTA, 1923, p.277-279).
O texto apresenta como proposta discutir aspectos do processo de modernização urbana da cidade de Jacobina na década de 1950, com base do cruzamento de fontes documentais como textos jornalísticos, fotografias, textos memorialísticos e a documentação produzida pela gestão municipal (ofícios, relatório de prestação de contas). A partir do cruzamento de fontes de natureza diversa, observamos os indícios das mudanças nas ruas da cidade e o discurso da imprensa para nomear as transformações urbanas.
Para desenvolver a abordagem proposta, buscaremos historicizar as noções definidoras do urbano e as tramas intrínsecas desse processo, a partir das elaborações discursivas e simbólicas e da forma urbana produzida pelas intervenções urbanísticas de modernização da cidade. De um lado, procuramos localizar as noções próprias de vida urbana, destacar a cidade em sua singularidade e descontinuidade. Por outro lado, buscamos mapear as transformações urbanísticas desenvolvidas no período de 1955 a 1959, na gestão municipal do engenheiro agrônomo, Orlando Oliveira Pires, e analisar o processo de modernização urbana empreendido, indagando o arranjo e a distribuição das obras urbanísticas pelo território citadino.
Na primeira metade do século XX, a cidade de Jacobina passou por algumas transformações urbanas e arquitetônicas, foram obras pontuais e em momentos específicos, que ocorreram no campo dos transportes e das comunicações, reforma e edificação de obras públicas e instalação de equipamentos técnicos de conforto urbano. Nesta primeira parte do século XX, dentre os melhoramentos inseridos na cidade podem ser citados a reforma do paço municipal (1913), a chegada do trem, do telégrafo e a construção da estação ferroviária (1920), a formação da Companhia de Força e Luz de Jacobina (1928), a construção das pontes sobre o Rio do Ouro (1924) e o Rio Itapicuru-Mirim (ponte Manoel Novais - 1937), a edificação do Hospital Antônio Teixeira Sobrinho (1935) e do grupo escolar Luiz Anselmo da Fonseca (1935) (OLIVEIRA, 2007; BLUME, 2009; VIEIRA, 2011; SILVA, 2015).
Todavia, foi a partir da década de 1950, que irrompeu um processo de modernização urbana mais arrojado na cidade, a partir da gestão do engenheiro agrônomo Orlando Oliveira Pires (1955-1959), com uma série de intervenções urbanísticas. No recorte temporal em questão, a cidade de Jacobina passou por uma série de intervenções urbanas, desenvolvidas pela gestão municipal em parceria com órgãos federais, no sentido de dotar a cidade de elementos do urbanismo, como pavimentação, saneamento e iluminação de ruas, serviço de limpeza, esgoto, água encanada, energia elétrica, construção de estádio, reformas de praças e abertura de avenida. Por outro lado, tentava se disciplinar ou extinguir certas práticas consideradas inadequadas na cidade, como a criação de animais dentro do espaço urbano e a prática de banhos nos rios. Com essas intervenções e obras de modificações do traçado urbano, o gestor municipal exercia uma ação no sentido de transformar Jacobina, produzindo uma nova materialidade e paisagem urbana (SILVA, 2015).
A gestão do engenheiro agrônomo Orlando Oliveira Pires iniciou-se em 1955. Chegou ao poder do executivo do município como mais um nome indicado pelo deputado estadual e chefe político local, o coronel Francisco Rocha Pires. Sujeitos como Orlando Oliveira Pires pertenciam as famílias abastadas e tradicionais do município, que estudavam nos grandes ou médios centros urbanos do país, adquiriam formação superior e retornavam à cidade. De posse de um diploma de nível superior e formação bacharelesca (engenheira, direito, medicina), logo eram alcunhados de “doutores”, e pelo prestígio das suas famílias, tais indivíduos, por vezes, entravam na política local. Neste contexto, tanto o engenheiro agrônomo Orlando Oliveira Pires, como o seu sucessor na administração do município, o médico Florivaldo Barberino (1959-1963), partilhavam deste perfil social e foram indicados pelo coronel Francisco Rocha Pires (SILVA, 2018, p. 68).
Em 1955, o jornal Vanguarda, periódico de publicação semanal, que circulava em Jacobina e nas cidades adjacentes, anunciava que o prefeito começava a executar o seu programa administrativo. O plano a ser feito tratava-se de obras de pavimentação das principais ruas do centro da cidade. Dessa forma, o periódico apresentava a intenção do prefeito:
O Prefeito Começa a Executar o Seu Programa Administrativo
O jovem e dinâmico prefeito deste Município, dr. Orlando Oliveira Pires, que esteve até há pouco preocupado com o estado dos múltiplos problemas de nossa comuna, começou, na semana recém-finda, a por em execução o seu programa administrativo, com o reinício da pavimentação a paralelos darua Senador Pedro Lago.
Sabe-se que é pensamento de s.s, após o término do serviço da rua Pedro Lago, iniciar o calçamento da rua Cel. Teixeira, uma das principais vias públicas de nossa tricentenária urbe.3
Muito bem, sr. Prefeito! (VANGUARDA, 1955, p. 1)
A efetivação do programa do alcaide, que ganhou do jornal a alcunha de “jovem” e “dinâmico”, foi realizada meses depois, com a inauguração da pavimentação da Praça Rio Branco e da Rua Senador Pedro Lago. Conforme informava o Vanguarda aos leitores:
INAUGURADOS OS CALÇAMENTOS
Foram inaugurados ante-ontem os calçamentos a paralelepídeos da Praça Rio Branco e da rua senador Pedro Lago (sic), desta cidade
Aquêle foi realizado pela gestão anterior e êste foi iniciado e concluído pela atual administração municipal [sic] (VANGUARDA, 1955, p. 1)
A pavimentação das citadas ruas vinha finalmente melhorar as condições de salubridade, circulação, desodorização e estética do centro da cidade (SILVA, 2017, p. 83-95). Essas primeiras intervenções de implantação de melhoramentos urbanos, assim como outros que foram inseridos naqueles anos, concentraram-se numa região específica, onde estavam situados o paço municipal (sede do poder administrativo, legislativo e judiciário), estabelecimentos comerciais, residências das elites e local passagem dos visitantes que chegassem à cidade (SILVA, 2015).
No entanto, essa nova racionalidade definida para a gestão da cidade não buscava apenas a produção de uma nova espacialidade uniforme para aquelas ruas, materializada em pedras, cimento, concreto, serviços e equipamentos técnicos. Além dos melhoramentos em execução, procurava o alcaide municipal instituir uma ordem urbana, quer fosse por meio das posturas ou de outros mecanismos.
Meses antes da inauguração da pavimentação dos referidos logradouros centrais da cidade, o prefeito atuava no sentido de manter a ordem naquelas ruas, com medidas de normatização do cotidiano da cidade (SILVA, 2016, p. 64-80). Tomamos como exemplo o caso a seguir. Em ofício encaminhado ao delegado da cidade, buscava a punição de um sujeito que havia danificado o patrimônio municipal na Praça Rio Branco, diante do prédio em que funcionava o poder público municipal.
Gabinete da Prefeitura Municipal de Jacobina em 31 de maio de 1955.
Ofício n.93
Senhor Delegado
Pelo presente venho comunicar a V.S. que o Sr. Osvaldo Santos, no dia de ontem em fraco e brutal atentado contra o progresso e o zelo das coisas públicas, rebentou propositadamente uma das escorregadeiras do Parque Infantil. Com o acima exposto solicito as imediatas providencias para que o indivíduo acima citado venha responder pelo seu ato.
Certo da nossa atuação costumeira, firmo-me com alta estima e elevada honra.
Cordialmente
(A.) Dr. Orlando Oliveira Pires
Prefeito Municipal (JACOBINA, 1955-1956, p. 104).
A atitude do gestor expressava sua vontade de reorganização da administração da cidade, atuando de modo mais incisivo sobre o espaço urbano. Se as posturas municipais, editadas a fim de normatizar determinados comportamentos e práticas, estipulavam punição no âmbito administrativo, com aplicação de multas para os sujeitos autuados em práticas nomeadas “desviantes”, desejando o prefeito resultados mais eficientes, recorria a colaboração do delegado, transferindo a punição para o âmbito da autoridade de segurança pública.

Era iniciada também a pavimentação, com paralelepípedos, da Rua Cel. Teixeira (VANGUARDA, 1956, p. 1). Antes criticada nas páginas do Vanguarda pelas péssimas condições de higiene e estética, por conta dos esgotos, o logradouro era considerado uma das principais vias da cidade, concentrando estabelecimentos comerciais e ambiente de passagem dos visitantes que chegavam à urbe. O memorialista Amado Honorato Oliveira cita numa das suas narrativas biográficas, que a Rua Coronel Teixeira era conhecida como Rua da Lama (OLIVEIRA, 2001, p. 20). O nome popular atribuído a rua pode indicar acerca dos aspectos físicos do logradouro, com a presença de esgotos ou de poças de água acumuladas da chuva – depondo contra a estética e a higiene.
Nesse movimento inicial de modernização da cidade com intervenções urbanísticas, desenvolvido na gestão de Orlando Oliveira Pires, observa-se que a geografia de pavimentação e saneamento das ruas era restrita, limitada as principais ruas da urbe. Entenda, nos logradouros onde localizavam-se prédios das instituições públicas, estabelecimentos comerciais e residências dos segmentos abastados.
Ao mesmo tempo em que as ruas eram pavimentadas, tendo em vista funcionarem como via de circulação, seguindo os preceitos de higiene e apresentando uma aprazível configuração estética, ao gosto e imagem dos quais nas suas margens habitavam e comercializava, o gestor municipal buscava ainda interditar certos usos das ruas. No Vanguarda, era divulgado que o alcaide tinha proibido a circulação na cidade de transportes que usavam rodas de ferro nas ruas pavimentadas, no caso, as carroças (VANGUARDA, 1955, p. 1). A medida determinava que os proprietários de carroças deviam se adaptar às novas condições impostas pela modernização, substituindo as rodas de ferros por pneus, para poder se locomover pelas ruas. Desse modo, caminhava a modernização da cidade, no sentido de exclusão de determinados materiais. A técnica moderna do pneu de borracha, que conservaria melhor o calçamento das ruas, passava a ser um imperativo.
Na perspectiva historiográfica contemporânea, as fontes históricas não são meros registros com informações sobre o passado, contudo, enquanto documentos são produto de práticas sociais carregadas de intencionalidades e construídos a partir de um lugar social e de uma determinada temporalidade (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 258). A atividade de imprensa desenvolve-se a partir de um lugar social, manifesta projetos e intenções relacionados com os interesses dos proprietários, anunciantes e público leitor. Como propõe Marcondes Filho:
Atuar no jornalismo é uma opção ideológica, ou seja, definir o que vai sair, como, com que destaque e com que favorecimento, corresponde a um ato de seleção e de exclusão. Este processo é realizado segundo diversos critérios, que tornam o jornal um veículo de reprodução parcial da realidade. Definir a notícia, escolher a angulação, a manchete, a posição na página ou simplesmente não dá-la é um ato de decisão consciente dos próprios jornalistas (MARCONDES FILHO,1986, p. 12).
Assim sendo, distante de uma visão da imprensa como uma atividade objetiva ou neutra, ou seja, “a imprensa não se situa acima do mundo ao falar” (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 258). Portanto, não constitui enquanto prática imparcial ou como um espelho de uma dada realidade, porém, uma prática instituinte de formas de pensamento, de difusão de comportamentos, valores e projetos de determinados grupos, que aspiram como universais (CRUZ; PEIXOTO,2007, p. 258). Por outro lado:
Convém lembrar que não adianta simplesmente apontar que a imprensa e as mídias “têm uma opinião”, mas que em sua atuação delimitam espaços, demarcam temas, mobilizam opiniões, constituem adesões e consensos. Mais ainda, trata-se também de entender que em diferentes conjunturas a imprensa não só assimila interesses e projetos de diferentes forças sociais, mas muito frequentemente é, ela mesma, espaço privilegiado da articulação desses projetos. E que, como força social que atua na produção de hegemonia, a todo o tempo, articula uma compreensão da temporalidade, propõe diagnósticos do presente e afirma memórias de sujeitos, de eventos e de projetos, com as quais pretende articular as relações presente/passado e perspectivas de futuro (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 257-258).
O jornal Vanguarda, passou a ser publicado em Jacobina a partir de 1955, onde circulou até 1960. Anteriormente funcionava na cidade de Feira de Santana, local onde foi fundando em 13 de agosto de 1949. O periódico tinha como proprietários e redatores Floriano Mota e Enéas Mota. Era publicado semanalmente, comercializado por meio de assinatura ou vendido avulso. Nas páginas e colunas do Vanguarda, encontrava-se anúncios do comércio local e da região, oferta de serviços de profissionais liberais, publicações oficiais do Executivo municipal, do Poder Judiciário, notas informativas, artigos de opinião, notícias locais, estaduais e nacionais, colunas sociais e desportivas, colunas pagas de escritores locais e articulistas (SILVA, 2018, p. 66). Nas palavras dos seus editores e proprietários o jornal era “porta-voz das aspirações coletivas” (VANGUARDA, 1957, p. 4) e contribua para o “progresso” da cidade (VANGUARDA, 1956, p. 1).
No período compreendido entre 1955 e 1958, constatamos ser o Vanguarda o único meio de comunicação da imprensa escrita em circulação na cidade. Um jornal concorrente passou a ser editado a partir de 1959, denominado de O jornal, fundado por Josafá Gomes, com a direção Juventino José Rodrigues e redator-chefe Dr. Carlos Gomes da Silva (O JORNAL, 1959, p. 1). Nas páginas do Vanguarda podemos acompanhar o desenrolar de aspectos do cotidiano urbano das ruas, das modificações urbanas e personagens políticos; na publicidade veiculada no jornal identifica-se a oferta de serviços e mercadorias do comércio de Jacobina e cidades circunvizinhas (SILVA, 2019, p. 119).
O periódico funcionava enquanto um lugar em que convergiam debates e dava visibilidade os problemas sobre a vida urbana, social e política de Jacobina, por outro lado, agenciava a divulgação de mercadorias, serviços e profissionais do comércio local e região, com os anúncios publicitários. O público leitor era formado possivelmente pelos setores médios e segmentos letrados da cidade da sociedade, constituído por comerciantes, professores e profissionais liberais (médicos, advogados, dentistas). Todavia, podemos observar, a possibilidade de circulação das narrativas jornalísticas por meio outros, nos pontos de encontro, “rodas de conversa, dos relatos e comentários ao pé do ouvido nas ruas, praças, comércios, feira livre, estação de trem, igrejas, bares e residências” (SILVA, 2020, p. 119).
O Vanguarda, na edição de 11 de janeiro de 1956, trazia num artigo o balanço da situação que, na visão dos editores do jornal, se encontrava a cidade. De acordo com o texto, registrado com o título em letras garrafais e posição de destaque, na primeira página, Jacobina, enfim, tinha encontrado o “caminho do progresso”. Vejamos:
JACOBINA RETOMOU O CAMINHO DO PROGRESSO
Depois de alguns anos de decadência e outros tantos de estagnação, Jacobina retomou – de dois anos para cá – caminho do soerguimento e do progresso.
Confrontando-se a sua situação de há dois anos passados com a atual, verifica-se uma notável modificação em prol do seu desenvolvimento material, social e cultural. Aí estão, para confirmar nessa nossa assertiva, o seu Ginásio com o curso pedagógico, funcionando desde abril de 1954; o seu jornal em circulação, servindo-lhe de porta-voz das aspirações; as suas principais ruas calçadas a paralelepípedos; a abertura de uma nova Avenida em que será construída cerca de uma centena de modernos prédios residenciais; a construção do cais da margem direita do rio Itapicuru-Mirim; o início da construção do seu Aeroporto, pelo Ministério da Aeronáutica; o início da construção do Estádio Municipal; a construção da rodovia Jacobina – Remanso – S. Raimundo Nonato, no estado do Piauí, etc.
Além dos melhoramentos acima enumerados, estão programadas, para breve, as construções do moderno Cinema da Empresa Afonso Cavalcante e do Mercado Municipal.
Assim, depois de longos anos de inércia, esta bissecular cidade envereda pela senda do progresso; progresso esse que ela deve, em grande parte, a instalação do Ginásio Estadual e ao dinamismo administrativo do seu jovem prefeito, dr. Orlando Pires, que, em menos de um ano de governo, já realizou inúmeros e importante melhoramentos na sua sede e nos distritos (VANGUARDA, 1956, p. 1).
Essa escritura sobre a cidade anunciava, um aspecto que consideramos central nesse processo de modernização, o estabelecimento de uma narrativa e forma de pensar as transformações urbanas, por parte da imprensa local. De tal modo, observa-se na sentença acima, por um lado, a ideia de ruptura com o passado, por outro, um sentimento de medo, de temor de que a cidade permanecesse paralisada no tempo, não progredisse, ficasse em situação que nominava de “estagnação” e “decadência”, que, na narrativa do jornal, Jacobina esteve em seu passado. Daí todo o discurso entusiástico do jornal em torno das mudanças que estavam ocorrendo.
A expectativa era de que a cidade estivesse sempre se atualizando, recebendo inovações urbanísticas e técnicas - se modernizando. O passado de “estagnação” assombrava. Dessa maneira, no artigo jornalístico supracitado, identifica-se de modo condensado a estratégia narrativa, construída em torno da representação da história da cidade, elaborada pelos homens de imprensa. Esse artigo, por sua vez, emitia a opinião dos editores-proprietários do jornal.
Com a construção dessas narrativas, buscavam estabelecer uma ordenação temporal da história de Jacobina, que pode assim ser resumida: o passado simbolizava o atraso e a decadência, em contraposição ao presente/futuro, o soerguimento e progresso. Demarcavam, então, nessa assimetria, uma perspectiva da história da cidade, que da situação de “decadência” e “estagnação” passava ao “soerguimento” e ao “progresso”.
Essa adjetivação das temporalidades e da representação da história da cidade pode ser vista e compreendida a partir da seguinte perspectiva: dentro desse movimento de transformações das espacialidades urbanas e mudanças de figuras políticas na urbe, a elaboração de uma representação da história da cidade funcionava enquanto argumento central - constituindo para o grupo promotor desse processo como uma construção simbólica que dava sentido as realizações. Lendo assim, consideramos os discursos acerca das temporalidades históricas como invenções, construtos imaginários, criações que aparecem associadas a diferentes projetos específicos, apontam para disputas sociais e fazem parte das estratégias de produção de “verdades”.
Os esquemas simbólicos são fundamentais para a compreensão da vida urbana. Os processos de simbolização presentes na vida social funcionam como um campo de distinção, embates e relações de força entre grupos sociais. Como argumenta Roger Chartier:
embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses sociais de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza (CHARTIER, 1988, p. 17).
Ainda de acordo com o citado historiador:
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto de reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. (...) As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas, para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1988, p. 17).
Levando em conta essas formulações, nesse contexto de modernização urbana, uma perspectiva histórica era elaborada e mobilizada no jornal Vanguarda, constituindo enquanto uma representação do e para grupo do prefeito. Em diversos textos fazia-se elogios ao alcaide, designando-o como um sujeito “dinâmico”, em outro como “operoso prefeito municipal”.4 No artigo citado acima, essa imagem do gestor encontra-se cristalizada, situando-o como sujeito responsável por transformar antigas formas urbanas, tirando a cidade de um passado de “decadência” e “estagnação” e erguendo Jacobina ao “progresso”.
Desse modo, ao mesmo tempo em que o jornal descrevia as transformações urbanas, construía uma leitura da história da cidade, afirmando o grupo agente desse processo. Como era o único jornal em circulação na cidade naqueles anos, o Vanguarda desempenhou importante papel na representação do prefeito como redentor da cidade. Todavia, essa postura de alinhamento com ações do prefeito perdurou até certo momento. Em 1957, o periódico passou a ter como socio-proprietário o político local Edvaldo Valois Coutinho5, principal opositor do chefe político do grupo do prefeito Orlando Oliveira Pires, o deputado Francisco Rocha Pires.
Retomando o artigo supracitado, observa-se que, ao inventariar as transformações urbanas, os redatores relacionavam as conquistas materiais que a cidade recebeu e estava na expectativa de receber. Entre os elementos que projetavam a urbe no “caminho do progresso”, destacavam-se a instalação do ginásio local, do próprio jornal, o calçamento de ruas, a abertura de uma avenida, a edificação de novos prédios, a estruturação de um cais à margem do rio, o estádio e o mercado municipal.
Além da modernização dos transportes, com a construção do aeroporto e da rodovia, interligando o município a outros estados, encurtando as distâncias e transformando a noção de tempo e espaço. E ainda, o lazer e a tecnologia, representada numa nova sala de cinema que seria inaugurada em breve na cidade. Entre os aspectos relacionados, sobressaiam-se os que apontavam para os melhoramentos urbanísticos, executados pela gestão municipal em parceria com órgãos federais.
Para os editores do jornal Vanguarda, depois de anos em “marasmo”, “decadência”, “estagnação” e “inércia”, finalmente o “desenvolvimento” e o “progresso” chegavam à Jacobina. Essa percepção elaborada pelo periódico era atribuída às transformações mencionadas acima quanto a dois aspectos. Primeiro, a instalação na cidade do Ginásio Estadual; segundo, o designado “dinamismo administrativo do jovem prefeito, Dr. Orlando Pires” (VANGUARDA, 1956, p. 1). Esses dois fatores elencados pelo jornal apontavam para o seguinte movimento.
A eleição da instituição escolar, como símbolo do “progresso” que a cidade estava vivenciando, aponta que a educação era vista como um dos fatores que elevava a cidade ao sonhado “progresso”. No caso, um ginásio funcionando a partir do ideal patriótico de educar para formar cidadãos, difundindo preceitos morais e de higiene e produzindo corpos educados, sujeitos dóceis, obedientes e disciplinados (FOUCAULT, 2009). Por outro lado, sobressai o investimento discursivo dos editores na figura do novo prefeito, na promoção e legitimação política das suas ações.
Desse modo, sugeria no artigo que, contra o passado de “marasmo” e “inércia” que teria vivido a cidade, emergia o “dinâmico e jovem prefeito”. A ideia de dinamismo e a juventude do gestor municipal passavam a ser invocadas como atributos capazes de imprimir um novo ritmo e organização nos quadros da administração municipal e na remodelação da urbe. Nessa estratégia narrativa, associava a pessoa do alcaide à imagem da cidade no caminho do “progresso”. Os editores recorriam ao argumento da confiança no progresso, que reverberava no imaginário social, orientando valores e condutas, desejos e sonhos.
A ideologia do progresso assumiu no ocidente moderno o caráter quase de uma crença religiosa. A apoteose do culto ao progresso se deu no século XIX e início do século XX. Expressava a confiança da burguesia no desenvolvimento da economia, da ciência e da técnica. De acordo com Sandra Jatahy Pesavento:
O progresso constituiu-se assim no grande mito e na maior crença do século XIX, embalado pelos princípios filosóficos da evolução, pelo cientificismo, pela tecnologia, pelo esplendor da transformação burguesa das cidades. Expressou-se por ritos e discursos específicos, passando pelas obras de Jules Verne, para chegar às remodelações urbanas de um Haussmann, na Europa, ou de um Pereira Passos, no Rio de Janeiro (PESAVENTO, 1995, p. 24).
Como dito, a utopia do progresso permeou também as intervenções urbanísticas do prefeito Barão Georges Haussmann. Na gestão de Paris, com o suporte do Imperador Napoleão III, Haussmann desenvolveu um intenso processo de modernização urbana que favoreceu a especulação financeira e colocou abaixo os bairros populares. De acordo com Walter Benjamin: “A alta dos aluguéis expulsa o proletariado para os subúrbios. Por isso os bairros de Paris perdem sua fisionomia própria. Constitui-se o ‘cinturão vermelho’ operário. Haussmann deu a si mesmo o título de “artista demolidor” (BENJAMIN, 2009, p. 63-64).
Em nome do progresso, o Rio de Janeiro passou por grandes transformações urbanas no limiar do século XX, com a administração do prefeito Pereira Passos (1902-1906). O prefeito colocou abaixo prédios localizados na região central da cidade, onde morava a população pobre e trabalhadora. As intervenções faziam parte de um projeto político de construção de uma nova cidade e de imposição do modo de viver urbano. Assim, de maneira autoritária, buscou intervir no modo de vida tradicional da população, com as demolições das moradias, e estipulando interdições dos costumes populares (principalmente os praticados nas ruas), por meio de leis e de posturas municipais. Sobre as ruínas dos cortiços e casarões dantes habitados pelas classes populares, atuava Pereira Passos no sentido renovar o ambiente urbano, racionalizar e especializar os espaços, alargando as ruas, construindo avenidas e espaços de lazer (MENEZES, 2000, p. 109-127).
A ideia de que o “progresso” chegava à cidade em contraposição ao passado de “estagnação” e “decadência”, criada pelos editores e colunista do Vanguarda, delimitava uma perspectiva da história da cidade. Servia na fabricação de uma escrita, de uma representação histórica, que assegurava um sentido para o grupo gestor e agente da construção urbanística da cidade naqueles anos. Por outro lado, a invenção da cidade no “caminho do progresso”, formulada pela impressa local em torno da figura do prefeito e das inovações urbanísticas e técnicas, significava a visão otimista acerca do grupo gestor e promotor dos empreendimentos urbanos de modernização da cidade.
No entanto, se o progresso era associado as modificações urbanas e a promessa de produção de uma vida melhor na cidade, com a inserção de equipamentos modernos e espaços de sociabilidades, possibilitando novas experiências na urbe, no plano das relações sociais e políticas, desenvolviam práticas pautadas em concepções conservadoras – mandonismo do coronelismo. O controle político da cidade, era mantido pelo deputado estadual Francisco Rocha Pires, conhecido como Coronel Chico Rocha, que capitaneava o poder municipal desde os anos de 1930, escolhendo sucessivamente os candidatos para prefeitura, era um exemplo disso. O próprio prefeito Orlando Oliveira Pires havia sido indicado para o cargo de gestor municipal pelo deputado supracitado.
Contudo, a instituição dessa forma de pensar e narrar a história da cidade por parte dos jornalistas, é possível que não fosse aceita de maneira passiva pela comunidade de leitores do jornal e pelo conjunto da sociedade local. Entendendo que o processo de criação e produção da cidade não era um privilégio apenas dos produtores (técnicos, administrativos, urbanísticos, jornalísticos, médicos etc.) que buscavam instituir uma nova forma urbana específica, um modo de administrar e uma maneira de nomear a urbe, porém, um atributo também das pessoas comuns, os leitores ou ouvintes dos textos jornalísticos, atuando de maneira criativa e dispersa, podiam estabelecer deslocamentos, reelaborar e reinventar outros enunciados e práticas. Como definiu Michel de Certeau, a leitura é um processo criativo, o leitor ou ouvinte não é um sujeito passivo, mas agente produtor, o gesto da leitura é uma ação inventiva (CERTEAU, 2009, p. 236-248). Enfim, construíam outras narrativas urbanas e usavam a cidade de modo diferente do desenho concebido e das escritas fabricadas por gestores e jornalistas.
Quando completou-se um ano da gestão do prefeito Orlando Oliveira Pires, os editores do Vanguarda publicaram um texto em posição de destaque na primeira página do jornal, com uma fotografia de seu rosto, tipo 3 por 4. Teciam-se elogios a administração, considerando-a como “eficiente”, ao mesmo tempo em que faziam questão de ressaltar que as obras foram feitas sem o apoio do governo estadual. Contando apenas com poucos recursos da prefeitura, o alcaide tinha realizado “importantes melhoramentos”, tanto na cidade quanto no interior do município. Concluíam o texto, afirmando que o gestor havia conseguido tal feito pelo zelo que tinha pelo dinheiro público e evitando gastos supérfluos (VANGUARDA, 1956, p. 1).
Desse modo, projetaram a figura do prefeito como um sujeito com perfil administrativo racional e dinâmico, que viera para transformar e ordenar a cidade, independente das dificuldades financeiras e do apoio do governo estadual. Quanto às mudanças na cidade foram citadas:
Nesta cidade foram executados os seguintes melhoramentos: Calçamentos das ruas Senador Pedro Lago, Dr. Manuel Novais, parte das ruas Cel. Teixeira e Rocha Pires, esgoto pluvial das ruas senador Pedro Lago, Dr. Manuel Novais, Cel. Teixeira e Rocha Pires; meios-fios em várias ruas; iluminação das ruas Cel. Hermenegildo, Alegria e bairro da Serrinha; início da construção do Estádio Municipal; criação do Almoxarifado da Prefeitura; conserto em vários veículos; aquisição de tambores para coleta de lixo; recolocação de lâmpadas na rede de iluminação, etc (VANGUARDA, 1956, p. 1).

Na mensagem enviada à Câmara de Vereadores referente ao ano de 1957, o prefeito também registrava que as obras desenvolvidas na cidade tinham sido feitas sem o apoio financeiro do governo do Estado. Assinalando que somente recebia o apoio do governo federal, citando o exemplo das obras de ampliação do serviço de energia elétrica, de água encanada, o campo de aviação e a construção de rodovias ligando a cidade a povoados no interior do município e a outras cidades. No relatório eram registradas ainda as obras de calçamento das ruas citadas no texto do jornal acima (PIRES, 1957).
As intervenções urbanísticas operadas pela administração municipal visavam, sobretudo, produzir no espaço urbano uma configuração racional e salubre, com ruas calçadas, saneadas, iluminadas, limpas e um com espaços para práticas desportivas e de lazer, com a construção de um ambiente específico para esse fim. No entanto, como já pontuamos, essas ações de modernização e saneamento se circunscreviam a um determinado espaço, privilegiavam as ruas do centro da cidade.
Observa-se que as citadas ruas em que foram executados os serviços de pavimentação e esgoto eram onde se localizavam os estabelecimentos comerciais, a sede da administração da cidade e a residência dos segmentos abastados. A construção do serviço de esgotos e a pavimentação dessas ruas, objeto de preocupação por parte do gestor e dos jornalistas, ocultava para longe da visão e das narinas os dejetos e a excreção urbana, proporcionando uma nova percepção visual e olfativa sobre as ruas. Na planta da cidade abaixo, pode se observar a localização das ruas citadas e que passaram por intervenção.

A Rua Cel. Teixeira, considerada como uma das principais vias da cidade, visto que nela localizavam-se vários estabelecimentos comerciais, fora antes denunciada nas páginas do Vanguarda pelas péssimas condições sanitárias e estéticas, contrariando a imagem de “cidade “moderna” e “civilizada” (VANGUARDA, 1955, p. 1), passava pelos melhoramentos desejados, calçamento e serviço de esgoto. As demais medidas citadas, como a iluminação das ruas, por sua vez, avançavam para ruas e bairros mais distantes do espaço delimitado como centro da urbe. Assim, no primeiro momento, o centro apareceu como o espaço a ser pavimentado, saneado e limpo. Já nos bairros afastados, projetavam-se luzes, a fim de melhor garantir a segurança e o controle das ruas.
Identificamos na seção de anúncios e de indicadores profissionais do jornal Vanguarda a presença de casas comerciais e escritórios de profissionais liberais nas ruas que passaram pelo processo de modernização e saneamento. Verificamos o funcionamento dos seguintes estabelecimentos comerciais na Rua Cel. Teixeira: a Papelaria Brandão (Rua Cel. Teixeira N.24), que comercializava “Sortimento de Papéis em Geral, Artigos para Escritório, Livros Escolares, Livros de Literatura etc. Secção de Perfumaria, Miudezas, Óculos de Graus e de Fantasia, Pastas de Couro, Artigos Fotográficos etc.” (VANGUARDA, 1955, p. 2). O escritório (Rua Cel. Teixeira, 35) do contador e editor do Vanguarda Enéas Mota Menezes, o qual oferecia os serviços de: “Registro de firmas e escritas comerciais e fiscais – Escrituração e contabilidade em geral – Perícias e revisões contábeis – Análise de balanço – Contratos, alterações e distratos – Defesas fiscais – Assistência técnica (consultas e pareceres)” (VANGUARDA, 1956, p.2). O representante das revistas “ALTEROSA E IT-MAGAZINE”, Hélio Soares e Silva (Rua Cel. Teixeira N. 40) (VANGUARDA, 1955. p. 2). Ao lado dessa rua, dirigindo-se sentido a Estação Ferroviária da Empresa Leste Brasileiro, na Rua Rocha Pires, localizava-se a “Ind. e Com. de Madeiras ‘Itabira’, Ltda. (Serraria Mecanizada)”, de comercialização de “Móveis – Vidros – Esquadrias – Colchões de Mola etc” (VANGUARDA, 1956, p. 3).
Deslocando em direção ao Paço Municipal, na Praça Rio Branco iríamos nos deparar com a filial de Jacobina do Armarinho Popular (Praça Rio Branco n. 26 junto à Cooperativa), de Antonio Ferreira Alves, o Ferreirinha (VANGUARDA, 1956, p. 4), e a matriz da “Loja Bahiana de Jacinto Felipe” (Praça Rio Branco n. 16) de “Grande Sortimento de Tecidos Lisos e Estampados, de Seda e de Algodão. Linhos Nacionais e Estrangeiros, em Toas as Cores – Casimiras – Chapéus – Miudezas e Muitos Outros Artigos” (VANGUARDA, 1955, p. 3).
Ao sair dessa praça e caminhar reto, logo em seguida, na Rua Senador Pedro Lago, encontrávamos o escritório e residência do médico Ângelo Mário M. C. Brandão (Rua Pedro Lago, 10 e 10-A) (VANGUARDA, 1956, p. 2); o edifício do consultório do médico Carlos Alberto Daltro Pires, inaugurado em 1956 (VANGUARDA, 1956. p. 1-2); a clínica odontológica de Miriam Cléa Barreto Rocha (Praça Sen. Pedro Lago, 32) (VANGUARDA, 1958, p.3); o escritório do advogado Ivanilton Costa Santos (Rua Senador Pedro Lago n. 31) (VANGUARDA, 1958, p. 2) e do contador Jayme Marcellino da Silva (Rua Pedro Lago, 30) (VANGUARDA, 1955, p. 3).
No supracitado logradouro existia ainda a Marcenaria Correia – de José Correia de Sousa (Rua Pedro Lago s/n – vizinho ao Banco Econômico), onde vendia-se: “Cristaleiras, Guarda-Roupas, Cadeiras e tomam-se Encomendas de Portas de Almofadas, Venezianas etc.” (VANGUARDA, 1955, p. 3); A Musical (Rua Senador Pedro Lago, 23.), inaugurada em 1956, de venda de “Aparelhos de Rádio, Discos Long Flay (sic), Extended Flay [sic], Comuns, Nacionais e Estrangeiros, Agulhas para Pickups, etc” (VANGUARDA, 1956, p. 1); e a filial da “Loja Bahiana de Jacinto Felipe” (Rua Senador Pedro Lago, 31) (VANGUARDA, 1955, p. 3).
De tal modo, no centro da cidade, criava-se um “espaço luminoso” (SANTOS; SILVEIRA, 2011, p. 264), onde concentrava-se os dispositivos técnicos e urbanísticos, narrados enquanto elementos responsáveis por fazer de Jacobina a cidade do “progresso” e do “soerguimento” (VANGUARDA, 1956, p. 1). Por outro, essa nova ordenação urbanística da cidade, determinada pelo processo de modernização, produzia “espaços opacos” (SANTOS; SILVEIRA, 2011, p. 264), isto é, o território dos bairros populares em que residia a maioria dos moradores da cidade. Nesses últimos, ainda perpetuava a falta de infraestrutura urbana, com a população convivendo com ruas esburacadas, sem rede de esgoto, com lama e poeira, a depender das condições climáticas; sem energia elétrica nas moradias e servidos à luz de vela, candeeiro ou lampião.
As obras de modernização, na gestão de Orlando Oliveira Pires (1955-1959), assumiram notadamente um caráter seletivo e excludente, direcionadas paras as ruas da área central da cidade, e deixando um conjunto de ruas e bairros à margem do processo de modernização e em condições precárias - instituindo uma desigualdade na distribuição dos equipamentos e serviços urbanísticos na cidade (SILVA, 2015).
Partindo de uma elaboração teórica que privilegia a singularidade e as descontinuidades históricas, destacamos a cidade em sua particularidade, a partir do discurso jornalístico fabricado sobre as transformações urbanas. No sentido de entender os mecanismos singulares do processo de modernização da cidade, buscamos historicizar as noções definidoras do urbano e as tramas intrínsecas do processo modernização, a partir das elaborações discursiva e simbólica produzida pela imprensa local. De tal modo, procuramos localizar as noções próprias de vida urbana, apontando para a emergência de outras experiências históricas de modernização, outras noções de cidade e vida urbana. Os processos modernização e os discursos construídos em torno das transformações urbanísticas não constituem em experiências homólogas, entretanto, há uma heterogeneidade de práticas e experiências particulares de modernização dos espaços urbanos, dependente das características assumidas no tempo e espaço de cada cidade.
Concomitante às transformações urbanísticas de modernização da cidade, a imprensa escrita local cumpriu a função de cria um discurso sobre a experiencia de modernização, fundamentada na noção de ruptura com o passado, a emergência de um novo tempo e abertura para um futuro promissor. Assim, uma imagem sobre o passado e a história de Jacobina era apresentada para a população citadina. As ideias de estagnação e decadência do passado da cidade relevam-se como um assombro e temor. Porém, por outro lado, o jornal Vanguarda mobilizava o imaginário dos leitores sobre as mudanças urbanas e acerca do tempo presente e futuro, com o discurso de que Jacobina estava se soerguendo e no caminho do progresso. A narrativa jornalística imprimia uma concepção de cidade e vida urbana, denominada de progressista.
As modificações no tecido urbano circunscreviam a inauguração de uma instituição educacional, a circulação da imprensa escrita (jornal Vanguarda), as ruas recém pavimentadas a paralelos, a abertura de uma nova avenida e edificação de residências, construção de um cais à margem do rio, de uma praça de esportes e lazer (estádio municipal) e as inovações no campo dos transportes (aeroporto e rodovias). Logo as mudanças eram atribuídas a figura do alcaide Orlando Oliveira Pires, apresentado nas páginas do jornal Vanguarda em termos que lhe garantia prestígio político, sendo denominado enquanto um jovem e dinâmico prefeito. Até determinado momento o periódico contribui para a produção de uma imagem pública do governante municipal, através de artigos e notas apresentava o gestor como um homem capaz de imprimir novos rumos a administração da cidade e transformar na paisagem urbana.
A forma como a pavimentação e saneamento (serviço de esgoto) das ruas e a edificação de outros equipamentos urbanísticos foi sendo instituída na cidade naquele contexto da década de 1950, produziu no desenho urbano uma distribuição desigual, com a concentração dos equipamentos urbanísticos no território central da cidade, local onde se concentravam estabelecimentos comerciais, como escritórios, lojas e bancos, localizavam as instituições da administração e do poder público (Executivo, Legislativo e Judiciário); além de casarões de famílias tradicionais do município, já que não havia uma especialização funcional estrita, convivendo residências e estabelecimentos comerciais nos mesmos logradouros.
Os bairros e ruas onde residência os segmentos das classes populares ficaram desprovidos de investimentos urbanísticos e fora das prioridades da administração municipal. De tal modo, criava-se uma divisão na cidade e institui uma política de organização urbana, em que se concentrava de um lado, o território do centro comercial da cidade modernizado, isto é, dotado de serviços e equipamentos de urbanismo. Por outro lado, os bairros populares onde residência a população pobre e trabalhadora excluída dos serviços, equipamentos de infraestrutura e conforto urbano, como ruas pavimentadas, praças públicas, serviços de esgoto e saneamento, água encanada nas residências.[6] De modo que, o processo de modernização ocorreu de forma parcial e seletiva, criando um espaço lugar privilegiado em termos de equipamentos urbanísticos. Ação que resultava na valorização do solo urbano, estimando a propriedade dos imóveis nas ruas (pavimentadas e saneadas) e estabelecendo hierarquias sociais.
Acervo de Osmar Micucci – Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade -NECC. Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus IV, Jacobina.
Livro de Ofícios da Prefeitura Municipal de Jacobina. Datas-limites: ano de 1955-1956. p. 104. Arquivo Público Municipal de Jacobina - APMJ.
OLIVEIRA, Amado Honorato de. Um nome em foco. Jacobina. Gráfica Maxicopy, 2001.
PIRES, Orlando Oliveira. Relatório e prestação de contas do executivo de Jacobina, referente ao exercício de 1957. Acervo: Poder Legislativo. Fundo: Câmara de Vereadores. Datas-limites: 1951/1989. Serie: Relatório. Caixa: 109. Maço: 01. Arquivo Público Municipal de Jacobina – APMJ.
Planta do projeto de distribuição de água encanada da cidade – setembro de 1954. Acervo: Poder Executivo. Fundo: Gabinete do Prefeito. Grupo: Habitação e Urbanismo. Datas-Limites:1975-1993. Notação: Plantas Diversas. Caixa: 707. Arquivo Público Municipal de Jacobina - APMJ.
VANGUARDA, 19/06/1955, N° 297, p.1
VANGUARDA, 10/12/1955, N° 322, p.1
VANGUARDA, 25/02/1956, N° 332, p.1
VANGUARDA, 17/07/1955, N° 301, p.1
VANGUARDA, 11/02/1956, N° 330, p.2
VANGUARDA, 05/05/1956, N° 342, p.1
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VANGUARDA, 07/04/1956, N° 338, p.1
VANGUARDA, 07/04/1956, N° 338, p.1
VANGUARDA, 01/05/1955, N° 290, p.2
VANGUARDA, 01/05/1955. N°. 290. p.3
VANGUARDA, 11/02/1956, N° 330, p.2
VANGUARDA, 08/05/1955, N° 291, p.2
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VANGUARDA, 19/06/1955, N° 329, p.3.
VANGUARDA, 11/02/1956, N° 330, p.1-2.
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VANGUARDA, 22/02/1958, N° 431, p.3.
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VANGUARDA, 19/06/1955, N° 297, p.3.
VANGUARDA, 14/08/1955, N° 305, p.3.
VANGUARDA, 22/07/1956, N ° 362, p.1.
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VANGUARDA, 19/06/1955, N° 329, p.3.
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O JORNAL, 25/12/1959. N° 1. p.1


