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O NEGACIONISMO POLÍTICO-CIENTÍFICO NO COTIDIANO DE TRABALHO DA CATEGORIA MÉDICA: UMA ANÁLISE COM BASE NA HISTÓRIA ORAL

The political-scientific denialism in the daily work of the medical profession: an analysis based on oral history

El negacionismo político-científico en el trabajo diario de la profesión médica: un análisis basado en la historia oral

Edmar Aparecido de Barra e Lopes
Universidade Federal de Goiás, Brasil

O NEGACIONISMO POLÍTICO-CIENTÍFICO NO COTIDIANO DE TRABALHO DA CATEGORIA MÉDICA: UMA ANÁLISE COM BASE NA HISTÓRIA ORAL

Fronteiras: Revista de História, vol. 24, núm. 43, pp. 207-233, 2022

Universidade Federal da Grande Dourados

Fronteiras: Revista de História 2022

Recepción: 28 Abril 2022

Aprobación: 15 Junio 2022

Resumo: Este artigo tem como objetivo compreender por que se tornou recorrente no cotidiano profissional de médicos e médicas que atendiam a pacientes com COVID-19, práticas e posições políticas afinadas com o negacionismo político e científico sob a forma da defesa e uso do tratamento precoce. A metodologia utilizada foi a produção de entrevistas com médicos e médicas com base na história oral, além de literatura especializada e fontes primárias escritas, como jornais e documentos institucionais. Ressalta-se que a realização dos referidos depoimentos teve como pano de fundo um dramático momento da pandemia caracterizado pelo não início da campanha de vacinação contra o patógeno em tela e pelo consequente crescimento descontrolado do número de casos e óbitos. Os resultados da pesquisa permitiram concluir que, em tal cenário, expressivos segmentos da categoria médica, enquanto elite profissional no mercado de trabalho em nível nacional, defenderam uma agenda contracivilizatória de braços dados com valores e bandeiras neoconservadoras associadas ao bolsonarismo. Neste sentido, alguns segmentos da categoria médica contribuíram para o estabelecimento de uma ruptura histórica com um projeto de modernidade fundado na aliança entre Estado e ciência que ajudou a construir no final do século XIX.

Palavras-chave: Categoria médica, Negacionismo, Pandemia.

Abstract: This article aims to understand why it became recurrent in the professional daily life of doctors and physicians who cared for patients with COVID-19, practices and political positions in tune with political and scientific negationism in the form of the defense and use of early treatment. The methodology used was the production of interviews with physicians based on Oral History, in addition to specialized literature and primary written sources such as newspapers and institutional documents. The interviews were conducted against the backdrop of a dramatic moment in the pandemic characterized by the failure to start the vaccination campaign against the pathogen in question and the consequent uncontrolled growth in the number of cases and deaths. The results of the research allowed us to conclude that, in this scenario, expressive segments of the medical profession, as a professional elite in the labor market at the national level, defended a counter-civilizing agenda in tandem with neoconservative values and flags associated with Bolsonarism. In this sense, some segments of the medical category contributed to the establishment of a historical rupture with a project of modernity founded on the alliance between state and science that it helped to build in the late nineteenth century.

Keywords: Medical category, Negationism, Pandemic.

Resumen: Este artículo pretende comprender por qué se hizo recurrente en la vida cotidiana profesional de los médicos y médicas que atendían a los pacientes con COVID-19, las prácticas y las posiciones políticas en sintonía con el negacionismo político y científico en forma de defensa y uso del tratamiento precoz. La metodología utilizada fue la producción de entrevistas con médicos basadas en la Historia Oral, además de la literatura especializada y las fuentes primarias escritas, como periódicos y documentos institucionales. Cabe destacar que la realización de estos testimonios tuvo como telón de fondo un momento dramático de la pandemia caracterizado por el fracaso en la puesta en marcha de la campaña de vacunación contra el patógeno en cuestión y el consiguiente crecimiento descontrolado del número de casos y muertes. Los resultados de la investigación permitieron concluir que, en tal escenario, segmentos expresivos de la categoría médica, como élite profesional en el mercado laboral a nivel nacional, defendieron una agenda contracivilizadora en conjunto con los valores neoconservadores y las banderas asociadas al bolsonarismo. En este sentido, algunos segmentos de la categoría médica contribuyeron a establecer una ruptura histórica con un proyecto de modernidad fundado en la alianza entre el Estado y la ciencia que ayudó a construir a finales del siglo XIX.

Palabras clave: Categoría médica, Negacionismo, Pandemia.

Introdução

A necessidade de refletirmos sobre as razões e consequências da tradicional resistência ao desenvolvimento de pesquisas sobre elites políticas, econômicas, profissionais etc., na historiografia e nas ciências sociais tem sido destacada por estudiosos como Carvalho (2003), Guiddens (1974), Bourdieu (1989; 2011), Coradini (1997) e Grynspan (2006). Tais autores têm chamado a atenção para a importância de uma outra historiografia e sociologia das elites.

Em tal direção, propomos nos debruçar sobre o papel desempenhado por parte expressiva de indivíduos pertencentes a alguns segmentos da categoria médica, compreendida como elite profissional1 no Brasil, que atuaram como braço técnico do negacionismo científico do governo Bolsonaro, ressaltando que foi eleito justamente em 2018, num cenário marcado pela emergência e reorganização de forças de direita e extrema-direita (FUKS; MARQUES, 2020).

Acrescentamos que aqui analisamos uma forma específica de negacionismo, qual seja, aquele que contribuiu para intensificar a identidade política de extrema-direita nos dias atuais (CAPONI, 2020). Trata-se do “(...) negacionismo bolsonarista, tragicamente espetacularizado na pandemia de COVID-19, que dá forma a uma lógica de negação que antecede e extrapola a dimensão sanitária e se realiza, em nosso tempo presente, sob a forma de uma governamentalidade, entendida como um conjunto de instituições, procedimentos, análises, e táticas que adquirem sentido e forma quando articulado pelo negacionismo histórico (...)”. (AVELAR; VALIM; BEVERNAGE, 2020, p. 25).

Uma elite profissional no mercado de trabalho brasileiro e seu papel no novo projeto civilizatório modernizador no país

Apesar do contexto, a partir dos anos 1990, caracterizado pelas reformas neoliberais responsáveis pelo desmonte do Estado brasileiro e, por conseguinte, pelo aprofundamento da precarização das relações e condições de trabalho, os médicos e médicas referidos são aqui tomados como parte de uma elite no mercado de trabalho do país. Essa situação acontece em função de a titulação escolar desses profissionais se configurar socialmente como elemento central de uma ideologia meritocrática que foi estratégica para acumulação de várias formas de capital, tais como, o simbólico e o econômico, entre outros (BOURDIEU, 2009). Nessa linha de raciocínio, conforme Machado (1997) aponta, nas últimas décadas nenhuma outra profissão alcançou grau tão considerável, tanto de autonomia técnica e econômica quanto de autorregulação.

Essa realidade está fortemente associada ao fato desses profissionais da saúde, durante e após a Segunda Guerra Mundial, terem colaborado diretamente com o Estado, e em diversas circunstâncias, para a consolidação da saúde como fator de desenvolvimento econômico (VIANA; ELIAS, 2007).

Assim, devemos reconhecer que, se tal ciência e tais profissionais já eram muito importantes desde meados do século XVIII no que concerne ao “cuidado de si” e suas articulações com o projeto iluminista de impulso do progresso social (MARQUES, 2003), no contexto do pós-guerra se consolidam como elite no mercado de trabalho brasileiro. Por conseguinte, passaram a figurar na história do país como estratégicos na implementação das fases de um novo processo civilizador (ELIAS, 1997), no qual a produção social de riqueza e a produção social de riscos andam de braços dados, ou seja, a modernidade tardia (BECK, 2010).

Nesse momento histórico, Estado e ciência, em particular por meio do saber médico, como dispositivo de poder político (FOUCAULT, 2011), consolidam uma aliança fundamental ao projeto de modernização em curso, caracterizado pelo deslocamento do poder sobre a vida das mãos do soberano para inúmeras especialidades (AGAMBEN, 2007).2

Nesse processo, esses profissionais assumem um papel reformador na construção de uma nova ordem sanitária nacional (HERSCHMANN; PEREIRA, 1994; LIMA et al., 2005). Ao mesmo tempo, se consolidam como elites no mercado de trabalho nacional.

Associada a essa prática médica estava a ideia de modernidade, também entendida como ruptura com um determinado passado organizado pela tradição (superstição, hábitos, costumes) como orientadora de formas de viver e sentir o mundo (SEVCENKO, 1998). Logo, a medicina e seus profissionais cumpriram uma importante missão civilizatória e etnocêntrica fundamental ao capitalismo de então, tanto em nível individual, quanto social. É o que constatamos, por exemplo, no importante papel desempenhado por médicos e sanitaristas associados a urbanistas e engenheiros na grande onda de redefinição da morfologia espacial urbana, como forma de poder disciplinar sobre o corpo (FOUCAULT, 1999) verificada, no final do século XIX e início do XX, tanto em nível internacional quanto nacional.3

Nesse contexto, a categoria médica assume tanta centralidade para a realização de tal projeto civilizatório que parece rivalizar com os papéis desempenhados pelos soberanos (AGAMBEN, 2007), uma vez que alcançaram a possibilidade de adentrar nas mais diversas esferas de poder.

Assim, tais trabalhadores tornam-se essenciais à dinâmica da medicina como maquinaria de poder: papel que foi reforçado, em nível internacional, por eles, não só no combate cotidiano de guerra contra as epidemias do passado, mas também contra a atual pandemia associada ao COVID-19 e reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em janeiro de 2020.

A categoria médica no contexto da pandemia COVID-19 e suas relações com o projeto contracivilizatório do governo Bolsonaro

As fronteiras da medicina como saber-poder e poder de Estado, no âmbito do governo Bolsonaro, em muitos momentos praticamente desapareceram entre o início da pandemia, em janeiro de 2020, e meados de 2021. É o que verificamos quando o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM), em 25 de janeiro de 2021, mesmo depois de um ano do início de tal flagelo e contrariando orientação da própria OMS, publicou artigo no jornal Folha de S. Paulo reafirmando sua posição inicialmente colocada em Parecer nº 04/2020, em que destacou que:

(...) não apoia nem condena o tratamento precoce ou qualquer outro cuidado farmacológico – tampouco protocolos clínicos de sociedades de especialidades ou do Ministério da Saúde. Ele respeita a autonomia do médico e do paciente para que ambos, em comum acordo, estabeleçam qual tratamento será realizado (...). (RIBEIRO, 2021, n.p.).

Tal forma de negacionismo científico praticada por esse órgão máximo no Brasil, representante dessa elite profissional, implicou na legitimação de uma grande violência exercida por essa especialidade como técnica política de intervenção (FOUCAULT, 1999). Como ficará demonstrado no desenvolvimento de nossa análise, foi algo sem precedentes na história dessa ciência no Brasil a forma imprudente e negligente como milhares de médicos e médicas exerceram o ofício.

De outro modo, o exercício profissional de muitos médicos e médicas ocorreu de maneira desregulada e desviada de orientações científicas mundialmente reconhecidas no que concerne ao enfrentamento da COVID-19 e com efeitos preocupantes sobre as vidas de milhões de cidadãos brasileiros, principalmente, aqueles mais vulneráveis, em função da exposição desses a práticas e riscos internacionalmente condenados por especialistas.

Nesse sentido, foi incomum, do ponto de vista histórico, em nível nacional e internacional, a combinação entre essa forma de saber técnico-político e o negacionismo científico, particularmente no contexto pandêmico em questão, caracterizado pelo grande aumento do poder dessa elite profissional para “decidir sobre o valor ou desvalor da vida” (AGAMBEN, 2007).

Podemos constatar esse fato, por exemplo, na publicação de três manifestos promovidos pelo Movimento Médicos pela Vida COVID-19,4 em defesa da vida e do tratamento pré-hospitalar da COVID-19, defendendo o tratamento precoce de pessoas acometidas pela COVID-19. O primeiro, nomeado Manifesto em defesa da vida e do tratamento pré-hospitalar da COVID-19,5 assinado por 6.462 profissionais. O segundo, intitulado Em defesa da vida, do exercício da medicina e da conciliação nacional,6 subscrito por 3.030 especialistas. E o terceiro, denominado Manifesto pela vida – médicos do tratamento precoce Brasil,7 referendado por 4.890 desses indivíduos.

Além disso, o Movimento apresentado, representante de tal elite profissional, também investiu contra o código de ética médica (CFM, 2019) e a ciência ao divulgar um manifesto assinado por 2.122 médicos e médicas, sob a forma de anúncio pago de meia página publicado em vários veículos de comunicação da grande imprensa nacional, que disseminava informações falsas sobre o tratamento precoce contra COVID-19 (PODER 360, 2021). Deste modo, atentou contra a saúde pública contando com a conivência de veículos da grande imprensa nacional, como O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de Minas, Jornal do Comércio, Zero Hora, Jornal Correio, Correio Braziliense e O Povo, como encontramos em Filho (2021).

Esse negacionismo científico, que cresceu no cenário pandêmico pré-campanha de vacinação no âmbito da categoria profissional, esteve representado de modo relevante pela recusa do CFM, especialmente ao longo de 2020 e início de 2021, em proibir o tratamento precoce para pacientes acometidos pela COVID-19; pela defesa dessa forma de tratamento por segmentos dessa categoria, tal como representado pelo Movimento Médicos pela Vida; pelo alinhamento de milhares de indivíduos dessa elite profissional com o governo Bolsonaro, avalizando uma narrativa anticientífica desse em relação ao combate à pandemia; e pela atuação de médicos e médicas nas redes sociais8 defendendo tratamento contra COVID-19 sem respaldo científico reconhecido.9

Essa onda negacionista, que dividiu a categoria, também expressa o desenvolvimento de um novo arranjo político que teve como um de seus elementos constitutivos a tentativa de se configurar uma nova aliança histórica entre medicina e Estado no Brasil: fato materializado oficialmente, por exemplo, no alinhamento ideológico de vários conselhos regionais de medicina e do CFM com o governo Bolsonaro, em particular, ao longo de 2020. Isso colaborou de forma estratégica na implementação de um determinado projeto de neoliberalismo no âmbito deste governo, caracterizado por aproveitar-se de profundas crises, como a associada à emergência da pandemia COVID-19, para radicalizar reformas neoliberais afinadas, particularmente, com sua base de extrema-direita (KLEIN, 2008 apud JÚNIOR; CABRAL, 2020).

Devemos ressaltar que o grande apoio que este governo obteve de parte de milhares de médicos e médicas em relação ao chamado tratamento precoce, se consolidou como ponto fundamental para a construção, consolidação e propagação de sua narrativa baseada no negacionismo científico. Evidenciamos, ainda, que parte significativa desses trabalhadores e trabalhadoras também constitui parcela da base social e política de apoio de outras pautas contracivilizatórias do bolsonarismo, tais como, a fragilização e ameaça de rompimento com a democracia participativa (CASTELLS; RUNCIMAN, 2018 apud ALMEIDA, 2019); a negação da política; o anti-humanismo expresso através da banalização das mortes no contexto da pandemia (CESAR; DUARTE, 2020), entre outras.

É importante destacar que o supracitado apoio que grupos dessa elite profissional forneceram e fornecem à agenda política neoconservadora, construída com base na refutação de valores basilares do modelo civilizatório democrata liberal e em prol de uma forma de “neoliberalismo totalitário” (CHAUÍ, 2019), é um fenômeno que não se limita ao Brasil. A dimensão transnacional desse fenômeno na esfera dessa categoria se manifesta, por exemplo, no fortalecimento de grupos internacionais semelhantes ao mencionado e analisado Movimento Médicos pela Vida - COVID-19 no Brasil, como é o caso da rede Médicos pela Verdade que “(...) nasceu na Alemanha, se fortalecendo na Espanha e expandindo pela América Latina (...)” (BOLETIM POLÍGRAFO, 2021, n. p.).

Outro aspecto passível de ser acrescentado é o que concerne à onda negacionista alimentada pelo bolsonarismo, na qual embarcaram grupos da elite profissional nacional em questão. Essa massiva negação da realidade científica jamais poderia alcançar a envergadura que atingiu, não fosse o declarado ou silencioso apoio de elites econômicas e políticas do país, e/ou segmentos dessas, “(...) à Bolsonaro e o PSL [que] optaram por conjugar o autoritarismo e o neoliberalismo de forma inovadora e acrescida de agenda de forte conservadorismo comportamental e de cunho religioso (...)” (SANTOS; TANSCHEIT, 2019, p. 181).

Tal respaldo político permitiu a esta “direita radical”, entre outras coisas: a) “(...) por fim a democracia liberal representativa (...)”; b) “(...) intensificar o processo de (...) judicialização da política (...)”; c) estimular “(...) o ódio ao outro, ao diferente, aos socialmente vulneráveis (...), como estímulo ideológico (...) [que] se torna justificativa para práticas de extermínio (...)” (CHAUÍ, 2019, n. p).

Percurso e considerações metodológicas

O objetivo de aprofundar nossa compreensão sobre o negacionismo científico, associado ao bolsonarismo e expresso na defesa do tratamento precoce contra COVID-19 presente no cotidiano de trabalho de milhares de médicos e médicas no Brasil, como se constata neste artigo, implica na necessidade de uma escolha teórico-metodológica capaz de nos permitir dialogar com homens e mulheres de tal segmento dessa categoria a partir de suas experiências profissionais.

Nessa perspectiva, optamos por uma abordagem de tipo qualitativa. Trata-se de uma forma de análise, nas ciências sociais, que busca compreender fenômenos (sentimentos, crenças, valores, motivações) que dificilmente podem ser quantificados (FLICK, 2004; MINAYO, 2014). Ademais, como explica Shah (2021 apud RODEGHERO; WEIMER, 2021, p. 476): “(...) epidemias são fenômenos biológicos e sociais. [Portanto] (...) as análises qualitativas das ciências humanas e sociais ajudam a avaliar os impactos sociais e o comportamento humano no que diz respeito às políticas contraepidêmicas (...)”.

Elegemos um caminho metodológico específico, a história oral, uma vez que concordamos que essa se constitui num meio eficiente para compreendermos as particularidades características de cada indivíduo no seu cotidiano (FERREIRA, 1997; MEIHY, 2005; THOMSON, 1997). Desse modo, conferimos centralidade à diferença, à subjetividade, mas iluminada por uma perspectiva sócio-histórica crítica como recurso para evitarmos o erro de “(...) transformação do testemunho em um ícone da verdade (...)” (SARLO, 2007, p. 19). Nesta linha, construímos um caminho propício a produção de uma escuta sensível e marcada pela interdisciplinaridade (PORTELLI, 1997; 2001). É importante também ressaltar que optamos por um tipo específico desse, qual seja, a modalidade temática da história oral, por se tratar do tipo mais adequado desta metodologia quando as entrevistas são realizadas com um grupo de indivíduos inseridos num mesmo contexto e que vivenciaram um mesmo acontecimento (LANG, 1996; QUEIROZ, 1998; MEIHY, 2005).

A metodologia escolhida também se justifica por tratar-se de instrumento que nos proporcionará acessar e compreender interfaces constitutivas de vivências cotidianas de entrevistados e entrevistadas, tais como das relações entre subjetivação e sofrimento no trabalho (DEJOURS e ABDOUCHELI, 1990; DEJOURS, 1999); memória e identidade social (DELGADO, 2010; POLLACK, 1992); memória, esquecimento e silêncio (POLLACK, 1989; RICOEUR, 2007); memória e história (LE GOFF, 1992; NORA, 1993); memória e tragédia coletiva (BORGES; CASTRO, 2019; SELIGMANN-SILVA, 2003); memória e ideologia (PORTELLI, 2000; TODOROV, 2000).

Essa escolha configura-se como estratégica para alcançarmos as relações do negacionismo científico dos sujeitos em questão e as articulações com elementos muito comuns nas suas trajetórias ocupacionais, tais como, a formação profissional deficitária; a precariedade das condições de trabalho; a defesa de privilégios e interesses econômicos; as escolhas visando à reprodução e busca por ampliação de capital político; o medo; a insegurança relativa ao tratamento precoce; as dúvidas, incertezas e desconfianças quanto a dinâmica de produção das verdades científicas da medicina.

Os desafios para levar a cabo a pesquisa de campo não foram poucos. Quase todas as entrevistas foram realizadas num momento de crescimento vertiginoso do número de casos e óbitos associados à COVID-19, durante o segundo semestre de 2020. Nesse mesmo contexto, crescia muito a reprovação nacional e internacional em relação ao chamado tratamento precoce para pacientes acometidos de COVID-19.

Ademais, tratar o tema nas entrevistas não foi algo simples. Primeiro, porque muitos médicos e médicas que trabalhavam com pacientes com COVID-19, não raramente, se negavam a participar de qualquer entrevista, alegando falta de tempo por conta de excesso de trabalho. Segundo, porque ao serem questionados sobre o assunto, muito comumente, afirmavam, num primeiro momento, tratar-se de tema muito complexo para se abordar numa entrevista. Em função disso, em alguns dos depoimentos produzidos, simplesmente não conseguimos explorar o assunto em questão e muito menos as dimensões políticas de tal escolha. Nesse sentido, analisamos neste artigo apenas aquelas entrevistas nas quais o tema em questão foi de um ou outro modo explorado.

Outro ponto importante a ser ressaltado foi o fato de todas as entrevistas realizadas, exploradas ou não neste artigo, terem sido realizadas à distância, online e em tempo real, e tendo como instrumentos a Internet e uma plataforma de comunicação. Essa realidade, como explicam Santhiago e Magalhães (2020, p. 15), trata-se de uma questão que neste momento “(...) tem produzido muito mais perguntas do que respostas (...)”, do ponto de vista metodológico, embora abra uma imensa janela de novas possibilidades para a pesquisa com a história oral (THONSOM, 2000). Apesar da grande inovação oferecida pela tecnologia durante a pandemia, a comunicação à distância ainda é uma forma controversa de realização de entrevistas no âmbito desta abordagem.

Isso exposto, e perante a urgência de produzir as fontes orais com os sujeitos em questão, num momento no qual o tempo presente se projeta sobre o passado e o futuro, se configurando como “tempo novo (...), do confinamento: tempo sanitário (...)” (HARTOG, 2013, 2020, p. 54), optamos pela escolha de tal meio. Ademais, no segundo semestre de 2020, quando produzimos os depoimentos, experimentávamos um cenário caracterizado por uma situação de calamidade pública estabelecida pela necropolítica (MBEMBE, 2018) representada pelo ultraconservadorismo e ultraneoliberalismo do governo Bolsonaro (CASTILHO; LEMOS, 2021).

Destacamos, ainda, que todos entrevistados e entrevistadas foram informados de que o anonimato seria garantido. E, para tanto, substituímos seus respectivos nomes por pseudônimos, orientação metodológica analisada e defendida por Amado (1997) e Portelli (1997). É importante acrescentar que, no total, 11 entrevistas foram realizadas10 com médicos e médicas que atendem pacientes com COVID-19 em hospitais e unidades de saúde de Goiânia-GO, tais como seguem relacionadas nos parágrafos a seguir, sendo que 9 delas aconteceram na segunda quinzena de agosto de 2020 e as outras duas na segunda quinzena de janeiro de 2021. O tempo médio de duração dos relatos em questão foi de aproximadamente 47 minutos. Destacamos também que, das 11 entrevistas produzidas neste artigo, somente 6 foram examinadas.

Em outras palavras, foram selecionadas como objeto de nossa análise apenas aquelas nas quais os entrevistados e as entrevistadas concordaram em falar, de algum modo, também sobre o tratamento precoce. Seguem, abaixo, os nomes fictícios atribuídos aos entrevistados e entrevistadas, juntamente com seus respectivos códigos de identificação e idade. Ademais, são apresentadas descrições detalhadas sobre a atuação profissional de cada um e dados de realização das entrevistas:

- Renato (RC), 48 anos de idade. Reside em Goiânia e em Brasília. É formado em Medicina. É proprietário de clínica médica, estatutário e credenciado, na condição de contratado. Trabalha como clínico geral e ginecologista, preferindo não relatar locais. Não faz horas extras, e plantões. Seu período de atividade é de cerca de 80 horas semanais. Sua renda média mensal varia entre 50 e 60 mil reais. Labora na área de saúde há 23 anos. Não é sindicalizado. A entrevista foi realizada em 27/8/2020, em Goiânia - GO;

- Antônio (AT), 43 anos de idade. Reside em Goiânia. É formado em Medicina. Atua como clínico geral. É estatutário e preferiu não relatar local. Faz horas extras de forma regular, além de plantões, também não preferindo relatar locais. Seu período de atividade é entre 70 e 80 horas semanais. Sua renda média mensal é de aproximadamente 35 mil reais. Labora na área de saúde há 19 anos. É sindicalizado no Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás. A entrevista foi realizada em 20/8/2020, em Goiânia - GO;

- Luana (LN), 37 anos de idade. Reside em Goiânia. É formada em Medicina. Não é estatutária, mas sim credenciada, ou seja, trabalha na condição de contratada. Atua em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e faz plantões em locais de trabalho relatados e não publicados para manter o anonimato, além de desempenhar cargo de gestão no Sindicato dos Médicos no Estado de Goiás (SIMEGO). Seu período de atividade é de 80 horas semanais. Sua renda média mensal varia entre 15 e 17 mil reais. Labora na área de saúde há 14 anos. É sindicalizada no Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (SIMEGO). A entrevista foi realizada em 25/8/2020, em Goiânia - GO;

- Rosangela (RS), 45 anos de idade. Reside em Goiânia. É formada em Medicina. Não é estatutária, mas sim credenciada, ou seja, trabalha na condição de contratada. Atua como pediatra e intensivista, faz plantões e preferiu não relatar locais. Seu período de atividade é entre 50 e 60 horas semanais. Sua renda média mensal varia entre 20 e 25mil reais. Labora na área de saúde há 19 anos. Não é sindicalizada. A entrevista foi realizada em 25/8/2020, em Goiânia - GO;

- Mariana (MN), 34 anos de idade. Reside em Goiânia. É formada em Medicina. Não é estatutária, mas sim credenciada, ou seja, trabalha na condição de contratada. Atua no Programa Mais Médicos (Saúde de Família). Não faz horas extras, nem plantões e preferiu não relatar locais. Seu período de atividade é 32 horas semanais. Sua renda média mensal é de 11.700 reais. Labora na área de saúde há 7 anos. Não é sindicalizada. A entrevista foi realizada em 20/8/2020, em Goiânia - GO;

- Lúcia (LC), 52 anos de idade. Reside em Goiânia. É formada em Medicina. É estatutária e credenciada na condição de contratada. Trabalha como clínica voltada para a área da infectologia em locais de trabalho relatados, mas não publicados para manter o anonimato, e não faz plantões. Seu período de atividade é de 70 horas semanais. Sua renda média mensal é de 16 mil reais. Labora na área de saúde há 26 anos. É sindicalizada no Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde do Estado de Goiás (SINDSAÚDE/GO). A entrevista foi realizada em 11/2/2021, em Goiânia - GO.

Uma vez realizadas as descrições relativas à entrevista de cada entrevistado e entrevistada relacionados, passaremos às análises. Reforçamos que assumiremos, como centro de nosso exame, a busca pela compreensão das diversas temporalidades constitutivas da emergência do negacionismo científico, constatado no cotidiano de trabalho de entrevistados e entrevistadas em tela.

Análise das entrevistas

Ao longo das entrevistas realizadas com os médicos e as médicas em questão, foi possível constatar, fundamentalmente, três tipos de narrativas no que concerne ao negacionismo político-científico presente no âmbito desta categoria profissional no contexto em tela.11 Em primeiro lugar, existe um padrão de falas que defendem abertamente ou de forma inibida o chamado “tratamento precoce”. Portanto, são identificadas ou receptivas em relação ao negacionismo político e científico, embora não figure nessas declarações, diretamente, a admissão de afinidade ou alianças com o governo Bolsonaro.

Em segundo lugar, há uma modalidade de depoimentos que expressam, sobretudo, o descontentamento com as posições assumidas por órgãos representantes da categoria e pelo Ministério da Saúde durante a pandemia; a insegurança e relutância em adotar tal método de tratamento; e o mal-estar provocado pelo crescimento dessa forma de tratamento dentro da categoria combinado à justificativa de natureza corporativa para tal fenômeno.

Em terceiro lugar, um último tipo de relato, que tem como principais particularidades o posicionamento não corporativo de condenação, cientificamente embasada, do negacionismo representado por médicos e médicas defensores dessa forma de tratamento; e a reprovação da politização da medicina.

Analisaremos, agora, esses três padrões identificados no conjunto das entrevistas realizadas. Este exame é fundamental, pois nos permitirá compreender a eclosão e a dinâmica de tal forma de negacionismo dentro dessa categoria. Sublinhamos que cerca de 80 por cento desses depoimentos foram produzidos num contexto pandêmico com aumento crítico do número de casos e óbitos, no qual a campanha de vacinação contra COVID-19 no Brasil ainda não havia começado.

Cada uma das falas constitutivas dos três modelos de narrativas aqui constatadas são examinadas como diferentes formas de expressão do modo como esses sujeitos encontram-se inseridos no âmbito do “regime de verdade” (FOUCAULT, 2006)12 de base científica e dominante em nossa sociedade. Em outras palavras, distintas matrizes de manifestação se evidenciam, no que concerne às formas como tais indivíduos se relacionam com os aspectos políticos, econômicos e institucionais de produção de verdade, os quais estão na base deste regime (FOUCAULT, 2006).

Nessa linha, pois, abordamos as três diferentes formas como os entrevistados e as entrevistadas se posicionam em relação ao denominado tratamento precoce para pacientes com COVID-19, compreendido como forma de negacionismo científico e político, como formas distintas de vivências da “economia política da verdade” (FOUCAULT, 2006) em questão por tais profissionais no contexto de crise pandêmica.

Tal abordagem implica em conferirmos centralidade ao conceito de “experiência” como forma de mediação entre estrutura e agência humana. Nessa linha, concordamos com a compreensão de que os sujeitos se organizam e lutam de acordo com seus interesses e sua consciência social (THOMPSON, 1981).

No que concerne à primeira modalidade de depoimentos constatados, ou seja, a de profissionais que, no momento de realização das entrevistas, defendiam o denominado tratamento precoce e que, por consequência, assumiam uma postura indubitavelmente negacionista do ponto de vista científico e político, compete analisarmos fragmentos de duas entrevistas.

O primeiro depoimento configura-se como típico caso de negacionismo científico e político sob a forma de acolhimento natural do discurso e da prática associada ao denominado tratamento precoce de pacientes com COVID-19. O que é confirmado perante a seguinte afirmação do médico Renato (RC): “(...) Cada vez mais nós médicos estamos sendo compelidos a usar a Cloroquina (...). Mas se não fizer bem, mal não faz (...)” (RENATO, RC).

Analisamos que tal postura de indiferença relativa à condenação pública do uso de tal método feita, até a época da realização das entrevistas, repetidas vezes pela OMS, resulta de inúmeras variáveis, algumas delas, como a fragilidade da formação científica de segmentos desta categoria (CREMESP, 2018), que torna muitos desses profissionais mais vulneráveis tanto em relação à desinformação quanto a tipos de tratamento sem nenhuma base científica reconhecida; a identificação política e ideológica do entrevistado, embora não admitida de modo confesso, com a forma de manutenção do poder característica do bolsonarismo; e o respaldo institucional encontrado na posição do CFM que esteve alinhado com o governo Bolsonaro e somente condenou tal forma de tratamento depois de muito criticado e tardiamente.

O segundo depoimento, por sua vez, foi produzido com o médico Antônio (AT). Trata-se de outro exemplo expressivo de defesa declarada do chamado tratamento precoce, aqui entendido como forma particular de negacionismo científico e político. Quando questionado sobre seu posicionamento a respeito da adoção ou não de tal forma de tratamento para pacientes com COVID-19, responde:

(...) A discussão do tratamento precoce, na minha análise, é o seguinte: isso que eu prefiro (...), então eu faço, é o caso do tratamento precoce (...). Então eu já pude iniciar o procedimento de tratamento precoce (...) [com] corticoides (...), Azitromicina (...). O problema é que (...) não está tendo na farmácia (...). Por exemplo, o paciente chega lá na unidade e aí o kit COVID-19 acabou (...). [Isto] atrapalha a nossa conduta (...). Porque a rede é muito desestruturada, sabe? (...), é tudo desarticulado (...). Está faltando o protocolo [COVID-19] de atendimento também (...). Falta de tudo, sabe? (...) (ANTÔNIO, AT).

Dois pontos, em particular, merecem destaques nessa fala. Uma primeira questão diz respeito ao poder médico na atualidade. Observamos que a atuação do especialista, no caso, exprime o modo como, na contemporaneidade, a medicina passa a ter “(...) legitimidade para a tomada de decisões soberanas sobre o valor e desvalor da vida (...)” (AGAMBEN, 2007, p. 150 apud FERLA; RIBEIRO, 2016, p. 302). É o que constatamos, de forma mais precisa, quando esse entrevistado afirma: “(...) na minha análise, é o seguinte: isso que eu prefiro (...), então eu faço, é o caso do tratamento precoce (...)” (ANTÔNIO, AT).

Por conseguinte, o consentimento livre e esclarecido do paciente como fundamento do princípio da autonomia é ignorado em função de uma postura onipotente diante da doença e do paciente (MARTINS, 2004), além de francamente negacionista do ponto vista científico. Essa atuação médica contraria a bioética, alicerce da denominada boa prática da medicina, que chama atenção para a necessidade de se considerar que o fundamento do princípio da autonomia é o consentimento livre esclarecido (TORRES, 1999, n. p.).

Uma segunda questão que se faz notar nesse depoimento é o posicionamento pendular entre ciência e anticiência na prática cotidiana de trabalho do profissional no atendimento a pacientes com COVID-19. Em outras palavras, é um fato a contradição expressa pelo médico Antônio (AT) em sua fala. De um lado, revela um olhar crítico e cientificamente orientado quando, por exemplo, afirma: “(...) está faltando o protocolo [COVID-19] de atendimento (...)”. Por outro lado, apresenta um olhar completamente anticientífico, no que tange à sua defesa e adoção do tratamento precoce para pacientes acometidos pelo patógeno em questão. É o que salientamos com o seguinte trecho de sua fala: “(...) o paciente chega lá na unidade e aí o kit COVID-19 infelizmente acabou (...)” (ANTÔNIO, AT).

Podemos alegar que, tanto a afirmação do primeiro quanto a do segundo entrevistado, que fazem parte do primeiro padrão de narrativas constatado, são resultantes da forma frágil ou relutante que caracteriza a inserção desses sujeitos no âmbito do “regime de produção de verdade”, de base científica, em nossa sociedade (FOUCAULT, 2006).

Dessa maneira, de forma irrefletida, poderíamos considerar que esses médicos, tal como a posição dos intelectuais no capitalismo analisados por Foucault (2006, p. 13), dada a posição estratégica que os primeiros também ocupam no que concerne às “funções do dispositivo de verdade em nossa sociedade”, simplesmente, fariam parte de modo imediato do “combate pela verdade”. No caso em tela, de um esforço inquestionável e homogêneo contra o negacionismo científico.

Entretanto, tanto o acolhimento inibido quanto a defesa confessa e cristalina do tratamento precoce para pacientes com COVID-19, presentes, respectivamente, nos depoimentos dos médicos Renato (RC) e Antônio (AT), reforçam o negacionismo científico e político no contexto da atual forma de exercício do poder sob o governo Bolsonaro. Constatação a qual, também, demonstra que a dinâmica da “(...) economia política da verdade (...) centrada na forma do discurso científico (...)” (FOUCAULT, 2006, p. 13) tem uma natureza histórica, heterogênea e atravessada por “formas de resistência” (FOUCAULT, 1994, v. 4, p. 693).

Passemos agora à análise da segunda modalidade de depoimentos observada, ou seja, a de profissionais da medicina que, no momento de produção dos depoimentos, atendiam pacientes com COVID-19 e revelaram em seus relatos combinações heterogêneas das seguintes características: o descontentamento com a atuação do governo, durante aquele momento da pandemia, e com órgãos de classe reguladores da prática médica no Brasil; a insegurança e resistência em adotar tal forma de tratamento, resultante da grande desinformação e por entenderem se tratar de um método de luta contra o patógeno avesso às bases da medicina fundamentada em evidências; o desconforto derivado da percepção de crescimento do discurso e prática do negacionismo científico, representado pela defesa do tratamento precoce que avançava dividindo a categoria médica, associado à justificativa corporativista para tal fenômeno.

Constatamos, pois, que esse segundo padrão de relatos reúne indivíduos mais alinhados com o “regime de verdade” de base científica, hegemônico em nossa sociedade (FOUCAULT, 2006), do que aqueles que fazem parte do primeiro padrão. Apesar disso, não condenam a prática e o discurso de colegas da categoria que engrossam o coro do negacionismo científico sob forma da adoção do tratamento precoce para pacientes com COVID-19. Esse comportamento atesta, de modo diverso, as falas das três entrevistadas a seguir.

A primeira é a médica Luana (LN), a qual, ao ser suscitada a falar sobre o tratamento precoce, apresentou um relato perpassado, de forma clara, por todos os elementos constitutivos desse segundo padrão de narrativa.

O primeiro componente, manifesto por meio da crítica à politização do combate à pandemia foi abordado quando a entrevistada afirmou: “(...) então, eu acho que (...) CREMEGO,13 CFM, a gente acha que deixou a desejar nesse ponto (...). E a política prejudicou muito (...), a política hesitante do governo, muito intervencionista no Ministério da Saúde (...)” (LUANA, LN). O segundo ingrediente, representado pela desconfiança e insegurança em adotar o denominado tratamento precoce no atendimento ao paciente com suspeita ou confirmação de COVID-19, diante da ausência de protocolo para essa finalidade, enfatizou: “(...) a nossa dificuldade hoje (...) é essa falta de consenso, né? com o tratamento precoce (...). Nós profissionais não sabia nem como agir. Cada um agiu por si (...)” (LUANA, LN). O terceiro constituinte, por sua vez, evidenciado numa fala que admite, de modo inibido, a expressiva presença, no âmbito da categoria, do uso desse método cientificamente reprovado. Ao mesmo tempo, ele demonstra um raciocínio a respeito, procurando justificar de forma corporativista o porquê da falta cometida por colegas de profissão: “(...) [faltou] uma melhor orientação, uma fala única do Ministério da Saúde com relação à pandemia (...), a gente não teve norte (...)” (LUANA, LN).

O segundo depoimento, representativo desse modelo de narrativa, é o da médica Rosangela (RS). A fala dessa entrevistada também está atravessada pelo arranjo de incerteza e insegurança, quanto ao chamado tratamento precoce, atribuídas à grande desinformação. Como é observado na seguinte afirmação: “(...) acho que parte dessa desinformação que aconteceu, é porque a gente não sabia mesmo, era desinformação mesmo. (...) Então, assim, eu acho que (...) ninguém sabia direito o quê que era pra fazer (...)” (ROSÂNGELA, RS).

Ainda, de acordo com esse segundo padrão de narrativa analisada, a entrevistada em questão também revela certo incômodo ao admitir que se tornava cada vez mais comum encontrar colegas a favor do uso da Cloroquina. Essa conjuntura dividiu a categoria no que concerne à forma de tratamento para pacientes com COVID-19, tal como temos a seguir, num fragmento do depoimento:

(...) aí, se entrar numa dessa, assim, que nem a Cloroquina (...), você vai ver médicos absolutamente a favor da Cloroquina. Assim, é Cloroquina, é Cloroquina cara. E aí você lê o artigo e você fala assim: ‘pô, mas não foi isso que o cara falou’. E aí você vai ver o outro extremo do cara não Cloroquina (...) (ROSÂNGELA, RS).

No discurso dessa entrevistada, também encontramos uma reflexão de tipo corporativista que procura relativizar e justificar a gravidade do fato representado pela adoção da mencionada forma de tratamento por parte de muitos colegas de profissão. É o que verificamos quando da seguinte declaração: “(...) não consigo, eu não consigo é culpar completamente ninguém (...). A gente não tem informação, porque não tem como ter informação mesmo (...)” (ROSÂNGELA, RS).

Devemos ressaltar, entretanto, que embora a entrevista da médica Rosângela (RS) esteja incluída no segundo padrão de narrativa, do qual também faz parte o depoimento da médica Luana (LN), a asserção da primeira revela uma diferença em relação à da última, ou seja, a ausência de crítica à atuação dos órgãos representantes da categoria, bem como do Ministério da Saúde, os quais colaboram para o crescimento da adoção de métodos cientificamente negacionistas de tratamento de pacientes com COVID-19.

A terceira entrevistada, classificada de acordo com o segundo padrão de relatos é a médica Mariana (MN). Ao ser instigada a se posicionar sobre a forma de tratamento em questão, utilizado por parte dessa categoria para pacientes com COVID-19, nos apresenta um testemunho também marcado pela combinação de incerteza e insegurança resultante de desinformação em relação ao tratamento precoce como possível método de tratamento para paciente com COVID-19, assim expresso na seguinte declaração: “(...) então o pessoal espera que a gente saiba tudo, né? E a gente não tem todas as respostas (...) (MARIANA, MN). Além disso, há o desconforto em reconhecer que, embora não defenda abertamente, às vezes, adota o tratamento precoce para pacientes com COVID-19, como exposto a seguir: “(...) aí você pensa: ‘será que eu que posso tá errada?’ Porque estamos fazendo e (...) e os superiores concordando, e tal. (...)” (MARIANA, MN). Em seguida, percebe-se a justificativa corporativista procurando relativizar a seriedade do erro representado pela adoção de tal método de tratamento para os pacientes em questão, tal como observamos em sua fala: “(...) é uma doença nova, né? (...)” (MARIANA, MN).

É importante ressaltar, ainda, que, contrariamente a médica Luana (LN) e na mesma linha de raciocínio da médica Rosangela (RS), a fala dessa entrevistada também não manifesta nenhum tipo de crítica, direta ou indireta, à atuação de órgãos classe, como CREMEGO e CFM, ou à gestão do Ministério da Saúde frente à pandemia sob o governo Bolsonaro.

Finalmente, a terceira modalidade de depoimentos é composta por profissionais da categoria em tela, que também trabalhavam no combate a pandemia à época da realização das entrevistas, que se distanciam de todos entrevistados e entrevistadas das duas modalidades de narrativas anteriores. Fato manifesto na condenação aberta do negacionismo científico e político representado por médicos e médicas defensores do tratamento precoce, e através do rompimento com a posição corporativista de justificação do uso de tal terapêutica.

De outro modo, é um tipo de relato característico de profissionais desta categoria que assumem de forma inequívoca e determinada o papel de combatentes do “regime de verdade” de base científica dominante em nossa sociedade (FOUCAULT, 2006). Trata-se, pois, de um padrão de relatos que agrupa indivíduos muito mais afinados com a “(...) especificidade da política de verdade nas sociedades contemporâneas (...)” (FOUCAULT, 2006, p.13) do que os entrevistados que fazem parte dos primeiro e segundo modelos de narrativas.

Uma entrevista que define muito bem esse terceiro padrão de narrativa é a da médica Lúcia (LC). Sua fala, resultante do questionamento que lhe foi feito sobre sua posição em relação ao uso do tratamento precoce, abarca importantes pontos característicos desse padrão de depoimentos e que merecem ser destacados.

Em primeiro lugar, observamos a posição determinada contra o negacionismo no âmbito da categoria representado pelo tratamento precoce. É o que fica evidente ao analisarmos a seguinte afirmação:

(...) de repente, assim me perguntam: ‘você acha que eu já começo o corticoide?’. (...) Então, essa, essa luta da responsabilidade de dizer: ‘não’ (...). Um outro problema que eu tenho lutado bastante é, é em mostrar para os colegas negacionistas o que nós temos de evidências (...). Porque nós temos evidências que são frágeis ainda, em tudo, né? (...) (LUCIA, LC).

Em segundo lugar, percebemos a reprovação desta em relação aos profissionais da área que divulgam, de forma propositada, a desinformação como defesa desse método de tratamento, tal como destacado a seguir:

(...) E conviver com essa questão de o colega vir te mostrar um artigo que ele pegou no WhatsApp, por exemplo, e ter que desmistificar aquilo ainda (...). Ele faz um chamamento sobre aquele artigo, mas colocando só a frase que tem interesse, sabe? (...). Esse que cloroquina reduziu (...). Assim, assim, assim... E você vai estudar aquele artigo, você vê que o grupo que não usou cloroquina tinha muito mais chance de morrer, então, por isso o efeito benéfico. Então por que o dos grupos não foram feitos variados? Aí você tem que desmistificar isso no colega, sabe? (...) (LUCIA, LC).

Em terceiro lugar, contemplamos a compreensão de que a batalha contra essa forma de negacionismo tem tanto uma dimensão política, quanto pedagógica. Conforme exposto no seguinte fragmento:

(...) então, esse esforço da educação de estar lidando com quem tem uma questão política muito antes da medicina (...) é cansativo, mas a gente não desiste, porque, enquanto educador, a gente fica com essa coisa de ‘não, eu não posso desistir de ajudar, de clarear pra essa pessoa’. Né? (...) (LUCIA, LC).

Em quarto lugar, notamos a condenação da falta de protocolo para atendimento a pacientes com COVID-19 e a associação de tal fato à gestão da pandemia sob o governo Bolsonaro, conforme constatamos no seguinte trecho de seu depoimento:

(...) cada médico, ele faz o que ele acha melhor nessa pandemia, nós não temos um protocolo, nós (...), quando foi dengue (...) dengue o governo reuniu todos os especialistas, os experts, e dali tirou um protocolo, então a gente tinha segurança, né? (...). A partir desse governo (...), você não tem protocolo pra nada. E cada médico faz de acordo o que ele acha melhor, né? (...) (LUCIA, LC).

Em quinto lugar, testemunhamos a defesa da necessidade de mudança na política institucional do Ministério da Saúde objetivando contribuir para reduzir o discurso e a prática negacionista dentro da área médica, conforme o trecho de sua narrativa a seguir:

(...) tomara que entre alguém, né? que consiga reestabelecer a relação de confiança no protocolo, né? que, até mesmo em relação à vacina (...), tomara que haja uma mudança (...), que a gente deixe de ser regido por um general e entre alguém da área médica, que traga coisas mais consistentes, né? a necessidade de um protocolo, a necessidade da tranquilização com os resultados já da vacina, né? E é isso, a gente precisa de um norte, na verdade, a gente precisa de um norte, é, na verdade pode ser um sul também [risos] (...) (LUCIA, LC).

Em sexto lugar, assistimos à preocupação e ao espanto com colegas de profissão que tiveram uma formação científica e de defesa da vacina e agora assumem uma posição negacionista. Do mesmo modo, percebemos a desaprovação da politização da medicina. Segundo o que esclarece:

(...) essa pandemia foi desastrosa. Na questão de dividir a categoria médica. Se eu não prescrevo Cloroquina, eu sou comunista, eu sou de esquerda, eu vou jogar os velhinhos num grande fosso (...), vou tomar casa de alguém, entendeu? Agora se eu prescrevo Cloroquina, não. Eu sou um cidadão de bem, eu sou um médico do bem. Entendeu? (...) (LUCIA, LC).

Essa terceira e última modalidade de narrativa analisada, quando comparada aos padrões anteriores de depoimentos, representa, pois, a postura da imensa maioria dessa categoria médica no Brasil,14 desde o início da pandemia, a de consciência e comprometimento ético-profissional para com o “regime de verdade” (FOUCAULT, 2006) fundamentado na ciência e, por conseguinte, também em relação à saúde da população.

Considerações Finais

Este artigo buscou compreender a presença do negacionismo científico e político, sob a forma da defesa do tratamento precoce para pacientes com COVID-19, presente no cotidiano de médicos e médicas, durante o momento da pandemia caracterizado pelo crescimento trágico do número de casos e óbitos, além de uma campanha de vacinação contra o patógeno ainda não iniciada no país.

Procuramos demonstrar, do ponto de vista sociológico, que tais profissionais, que ainda fazem parte de uma elite no mercado de trabalho no Brasil, como categoria, atuaram de forma historicamente reconhecida na construção de um modelo civilizatório, fundamentado na aliança entre Estado e ciência.

Analisamos que neste contexto pandêmico, entretanto, ocorreu uma inflexão histórica levada a cabo por uma pequena, mas expressiva parcela dessa elite profissional no âmbito do bolsonarismo. Esse fato foi expresso no discurso e nas práticas de segmentos dessa categoria, afinados com uma agenda contracivilizatória, portanto, em descompasso com os fundamentos da formação científica de tais indivíduos e de braços dados com valores e bandeiras neoconservadoras do atual governo.

Evidenciamos, a partir de literatura especializada e de fontes primárias, além da análise de fontes orais provenientes de entrevistas com tais profissionais, diferentes formas de relacionamento de indivíduos desta categoria com o negacionismo científico e político no âmbito do governo Bolsonaro. Nos depoimentos analisados, constatamos diferentes posicionamentos que oscilam do alinhamento15 até a luta contra essa forma de negacionismo, representados, por sua vez, por três modalidades de narrativas relativas ao tratamento precoce para pacientes com COVID- 19.

Ademais, essa variação na forma como os médicos e médicas em questão se posicionaram em relação a tal método de tratamento é explicada pela nossa concordância com a análise de que os indivíduos não são simplesmente determinados pelas estruturas, mas também atuam sobre elas (THOMPSON, 1981). Nessa perspectiva, explicamos que tais profissionais também atuam sobre o “regime de verdade” em foco a partir de relações de poder, determinações específicas, situações e relações produtivas perpassadas por necessidades, interesses e conflitos.

Em outras palavras, vivenciam essa “economia política da verdade” (FOUCAULT, 2006) fundamentada na ciência, a partir de temporalidades as quais fazem parte da tessitura do cotidiano de cada um, de forma a dialogar ativa, diversa e permanentemente com duas estratégias biopolíticas de gestão da pandemia (CAPONI, 2020) presentes neste artigo: a negacionista e baseada na lógica neoliberal que estimula os diferentes sujeitos sociais a assumirem os próprios riscos e que expõe populações a morte; e a antinegacionista e fundada na ideia de que o esforço de recuperação da economia não pode estar descolado do direito à vida, à saúde e de uma morte com dignidade.

Logo, dialogando com Thompson (1981) e Foucault (1994), concluímos que, no interior da categoria profissional analisada, particularmente no cenário pandêmico antes do início da campanha de vacinação contra a COVID-19, uma pequena, mas muito representativa parcela desta, de maneira complexa e em função de inúmeros fatores examinados, configurou distintos graus e modos de resistência em relação a legitimação do “regime de verdade” centrado na ciência.

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Notas

1 O conceito da categoria médica enquanto elite profissional no mercado de trabalho resulta do fato de que “(...) nenhuma outra profissão exercita este poder na escala em que o faz a medicina, certamente porque nenhuma outra profissão se iguala a ela no grau de autonomia ou autorregulação. A profissão médica é este estereótipo de profissão com alto grau de autonomia técnica (saber) e econômica (mercado de trabalho)” (MACHADO, 1996, p. 32). Na mesma linha, a autora explica que, “(...) de forma sucinta, podemos dizer que a medicina possui algumas prerrogativas monopolistas que a diferenciam da maioria das profissões que disputam o mercado de serviços especializados. Ela tem, por exemplo, um projeto profissional bem sucedido, no qual, ao longo de sua história, fez uma notável aliança com o Estado (concedendo-lhe prerrogativas legais para seu exercício exclusivo) e com a elite (vendendo-lhe serviços particulares a preço de mercado)” (MACHADO, 1997, p. 22).
2 De outra forma, como detalham Arán e Júnior (2007, p. 850), no “(...) campo da política, foram muitas as transformações a partir das quais as ciências passaram a desempenhar um papel determinante (...), passou-se a uma biopolítica fundada no controle da vida, visando à produção de subjetividades mais afeitas ao modo de vida pós-industrial. Para essa vida, não interessa mais “fazer viver ou morrer”, mas, fundamentalmente, ‘fazer sobreviver’, produzindo o que Giorgio Agamben chamou de ‘vida nua’ (...)”.
3 Tal como aconteceu em cidades como Londres, Paris, São Petersburgo, Barcelona, Praga, Viena etc. (CHOAY, 1994), além, guardadas as devidas diferenças, do padrão dominante de modernismo periférico (SOUZA, 2003) representado pela reestruturação de cidades como Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Processo histórico também representado pela frente modernizadora do Brasil Central expressa pela construção de Brasília e Goiânia e para o qual foi, da mesma forma, fundamental o saber científico de tais especialistas (VIEIRA, 2009). Trata-se de um fenômeno que ocorre tanto em função da ampliação indefinida de processos de sanitarização das cidades, como também da medicalização de todas as esferas da vida social por meio da administração sobre os corpos e condutas, em particular sobre a força de trabalho e a pobreza (ZORZANELLI; CRUZ, 2018).
4 MOVIMENTO MÉDICOS PELA VIDA-COVID-19. 09 mai. 2020. Disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/quem-somos/. Acesso em: 11 ago. 2021.
5 MOVIMENTO MÉDICOS PELA VIDA-COVID-19. Manifesto em defesa da vida e do tratamento pré-hospitalar da COVID-19. 12 mai. 2020. Disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/manifesto/index.php?manifesto=1. Acesso em: 11 ago. 2021.
6 MOVIMENTO MÉDICOS PELA VIDA-COVID-19. Em defesa da vida, do exercício da medicina e da conciliação nacional. jul. 2020. Disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/documentos/tratamento-ambulatorial-da-covid-19/. Acesso em: 11 ago. 2021.
7 MOVIMENTO MÉDICOS PELA VIDA-COVID-19. Manifesto pela vida - médicos do tratamento precoce Brasil. 16 fev. 2021. Disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/manifesto/index.php?manifesto=3. Acesso em: 11 ago. 2021.
8 Alguns exemplos do negacionismo científico de médicos e médicas nas redes sociais, defendendo o chamado tratamento precoce para pacientes com Covid-19, encontramos na seguinte matéria do “Boletim Radar” (26/02/2021): “Impulsionados pela imprensa, médicos que desinformam sobre Covid-19 somam 30 mi de visualizações no YouTube”. Disponível em: https://www.aosfatos.org/noticias/impulsionados-pela-imprensa-medicos-que-desinformam-sobre-covid-19-somam-30-mi-de-visualizacoes-no-youtube/. Acesso em: 10 out. 2021.
9 Cabe ressaltar também que essa onda de negacionismo científico causou uma grande divisão entre esses profissionais. Assim, muitos médicos e médicas, de forma coletiva e organizada, num contramovimento, manifestaram publicamente seu repúdio a tal forma de atuação profissional, por meio, por exemplo, da Associação Médica Brasileira (AMB) e da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), entre outras. Ver: “Informativo conjunto da Associação Médica Brasileira (AMB) e Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) sobre vacinação e tratamento farmacológico preventivo”. Disponível em: https://infectologia.org.br/wp-content/uploads/2021/01/informativo-conjunto-da-amb-e-sbi-sobre-vacinacao-e-tratamento-farmacologico-preventivo-covid-19.pdf . Acesso em: 17 jul. 2021.
10 A aluna e pesquisadora Heyde Cunha Gomes, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás) e estudante do curso de graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), desenvolveu um papel fundamental no processo de transcrição das entrevistas.
11 Essas três modalidades de narrativas identificadas estão muito influenciadas por fatores, tais como: 1) existência ou não de afinidades ou formas de alianças políticas deste grupo ocupacional com elites políticas e econômicas locais e/ou que detêm o controle do Estado, objetivando reproduzir e ampliar privilégios profissionais (MACHADO,1997); 2) crescimento intensificado da desinformação em saúde durante a pandemia, que impactou os indivíduos desta categoria; 3) presença ou não de afinidade política de parte dos entrevistados com a necropolítica (MBEMBE, 2018) neoliberal bolsonarista de gestão da pandemia, caracterizada por colocar populações em risco de morte; 4) formação acadêmica e cientifica insuficiente, ou não, comumente observada entre segmentos desta categoria no Brasil (CREMESP, 2018); 5) identificação, ou não, de superposição de interesses individuais ou corporativistas em relação a interesses coletivos num cenário pandêmico de crise social e sanitária; 6) conivência de órgãos representativos da categoria médica (associações, conselhos regionais de medicina e também o próprio CFM, como já demonstrado), com práticas laborais descoladas do código de ética profissional desta.
12 De acordo com Foucault (2010a, p. 67 apud BERNARDES et al., 2016, p. 3), “(...) por regimes de verdade se compreende uma forma de organização daquilo que se diz a partir de um conjunto de regras que apoiam o que é da ordem do verdadeiro. Essas regras são modalidades que definem o dizer como um enunciado da verdade, ou seja, estabelecem os elementos que devem ser articulados para que um enunciado seja tomado como verdadeiro. Não se trata, então, de quem ou o lugar de enunciação da verdade, mas do modo como ao dizer afirma-se um conjunto de relações que sustentam a verdade do que é dito (...)”. Portanto, os regimes de verdade se tornam formas de produção de verdades a partir de relações de poder que os atualizam. Nesses jogos entre verdade e poder se produzem subjetividades. A produção de subjetividade refere-se às modalidades de relação que os sujeitos estabelecem consigo, com o outro e com o mundo que habitam.
13 Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (CREMEGO).
14 Embora ainda não tenhamos números consolidados, o levantamento inicial realizado por este autor indica que o número de profissionais que subscreveram abaixo assinados cientificamente negacionistas como aqueles promovidos pelo Movimento Médicos pela Vida nunca alcançou sequer 10% do total dos indivíduos pertencentes a esta categoria no país. Ressaltando que, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Brasil tinha em 2020 502.475 médicos e médicas. Ver: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA-CFM. Brasil tem mais de 500 mil médicos. 11 dez. 2020. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/noticias/brasil-tem-mais-de-500-mil-medicos/. Acesso em: 23 out. 2021.
15 Compreendemos que o que denominamos de alinhamento dessa “elite profissional” com o governo Bolsonaro não é um fenômeno homogêneo e nem simples, dada a complexidade da categoria de trabalhadores analisada.
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