Dossiê
Religião, identidade e diferença: perspectivas decoloniais
Religion, identity and difference: decolonial perspectives
Religión, identidad y diferencia: perspectivas decoloniales
Religião, identidade e diferença: perspectivas decoloniais
Revista NUPEM (Online), vol. 14, núm. 31, pp. 6-8, 2022
Universidade Estadual do Paraná
Nesta edição da Revista NUPEM contamos com o Dossiê “Religião, identidade e diferença: perspectivas decoloniais”, organizado pelos pesquisadores e professores Marcos Vinicius de Freitas Reis e David Junior de Souza Silva, da Universidade Federal do Amapá, e Kênia Gonçalves Costa da Universidade Federal do Norte do Tocantins. O dossiê reúne textos que abordam a temática da religião sobre a perspectiva decolonial, discutindo realidades do Brasil, América Latina e África.
Os artigos tratam a temática das religiosidades, relacionando-a com as dinâmicas das identidades sociais, étnicas e culturais e com os marcadores da diferença e da diversidade, em uma perspectiva que procura se construir como alternativa ao eurocentrismo e à matriz colonial de poder.
Foram contempladas também pesquisas sobre as relações de solidariedade e adesão estabelecidas entre pertencimentos identitários, trajetórias sociais e narrativas religiosas, bem como as relações entre identidades, religiosidades e territórios, como resistências ao racismo religioso e defesa de direitos sociais e territoriais.
Do ponto de vista epistemológico, o dossiê reúne pesquisas que abordam a temática das religiosidades, espiritualidades, filosofias de vida e ordens filosóficas, a partir de abordagens pós-coloniais, das epistemologias feministas, da interseccionalidade, da teoria crítica negra, das teorias sociais africanas, dos estudos culturais e dos pensamentos pós-de-coloniais. Categorias como raça, gênero e etnia são fundamentais em suas relações com as dinâmicas da esfera religiosa.
Observam-se, na realidade social, dinâmicas de fortalecimento das identidades, suas interseccionalidades nos contextos das religiosidades e dinâmicas de discriminação e desumanização de sujeitos e coletividades, também alimentadas por ideologias religiosas fundamentalistas. Outrossim, temas como intolerância religiosa, fundamentalismos, racismo religioso, etnocídio, direitos sociais humanos são prioritários no conjunto da reflexão apresentada.
O texto de abertura é de Vera Lúcia Ermida Barbosa, da Universidade de Évora, intitulado “‘Nossa Senhora do Bichinho’: a devoção das identidades não subalternas em um povoado no Brasil”. A autora, em uma perspectiva decolonial, traz uma etnografia e reflexão sobre o catolicismo popular e como ele foi construído durante o período colonial e pós-colonial no povoado de Vitoriano Veloso em Minas Gerais.
Em seguida vem o artigo intitulado “‘Tão mulher como as outras mulheres da terra’: freiras contra o patriarcado no agreste central de Pernambuco” de autoria de Julyana de Andrade (UNITA) e José Almir do Nascimento (UPE). Por meio de investigação empírica, pautada em gênero e feminismo, os autores demonstram como as freiras da comunidade em Riacho das Almas, cidade do agreste pernambucano, atuam pela equidade de gênero na igreja e na sociedade.
O artigo “O discurso da identidade e os ritos angolanos em ‘Maka na Sanzala’, de Uanhenga Xitu”, de Juma Manuel, da Universidade Púnguè, e Martins Mapera, da Universidade Zambeze, apresenta uma interpretação das representações identitárias e rituais na obra “Maka na Sanzala”.
Com o texto “Movimento Lumpa: aprendizagens étnicas para uma identidade cristã em Zâmbia”, Jefferson Olivatto da Silva (UEL) debate como o movimento Lumpa se apresentou como resistência africana frente ao domínio estrangeiro cristão, econômico e político, influenciando no processo identitário e de aprendizagem da comunidade africana.
O artigo “Escola em Moçambique: reflexões sobre preconceito étnico-racial” é de autoria de Almeida Meque Gomudanhe da Universidade de Rovuma e João Francisco de Carvalho Choé da Universidade Púnguè. O texto apresenta, a partir de entrevistas com professores, a questão étnico-racial em uma escola portuguesa na província da Zambézia.
O artigo seguinte é intitulado “Suicídio a longo prazo? Estudo sobre uma moralidade xintoísta nos Skilled Veterans Corps”, de autoria Ricardo Cortez Lopes (UFRGS). O autor trata sobre os idosos que se ofereceram para trabalhar nos escombros do acidente nuclear de Fukushima.
Com “Resistencia o asimilación: el reto de las comunidades alevíes em Turquía para el reconocimiento de las casas Cem”, de Carlos Ortega Sánchez da Universidad de Istambul, é discutido o alevismo turco e as políticas de sua assimilação por parte do Estado, o confronto com o Islã e seu não-reconhecimento como religião por parte do Estado turco.
O artigo de Carlos Page, intitulado “La primera evangelización jesuita de los Huarpe desde la residencia de Mendoza. ¿Catequizar o salvar vidas?”, busca demonstrar a situação social dos Huarpes a partir do ponto de vista jesuíta. Ali se percebe dilemas entre a evangelização e a empatia pelo sofrimento desses povos.
Com “Os conceitos de jihad e de hijra sob a luz do relato de viagem de Ibn Jubayr o caso do Reino da Sicília (1184-1185)”, de autoria de Matheus Kochani Frizzo e Otávio Luiz Vieira Pinto, é realizada uma análise sobre a cultura árabe-muçulmana, sendo norteado pelo discurso de Dominique Maingueneau, analisando a relação do caso do reino da Sicília ao contexto de guerras religiosas e identidades religiosas.
Os autores Vanda Serafim e Gabriella Bertrami Vieira tratam de uma análise do documentário “Santo Forte”, buscando identificar narrativas retratadas sobre entidades da Umbanda. O texto leva o título “O cinema na encruzilhada: Eduardo Coutinho e a proposta de credibilizar os saberes afrorreligiosos no documentário ‘Santo Forte’ (1999)”.
Os autores Fabio Lanza, Kaique Matheus Cardoso e Luiz Gustavo Patrocino contribuem para os estudos da Sociologia da Religião com o artigo “Identidades e trajetórias juvenis (neo)pentecostais em Londrina (PR)”. Por meio de uma observação participante, investigam a trajetória e o convívio social de jovens dentro de uma igreja neopentecostal.
Fernando Neves, em seu artigo “Católicos e protestantes: as religiosidades em disputa na Amazônia oitocentista (1850-1888)”, traz uma abordagem histórica sobre a expansão do protestantismo dentro da Amazônia como forma de conversão e que teve como obstáculo o catolicismo que já estava presente nesta região.
Concluindo o dossiê contamos com o artigo de Ivan Lima e Linconly Jesus, intitulado “Religiões de matrizes africanas em Marabá (PA): ações nos espaços públicos, afirmando identidades negras”. O autor reflete sobre os discursos de participantes das religiões de matrizes africanas que buscam a ampliação de espaços sociais para a propagação da igualdade racial. Para tanto, analisa a busca de representação em diálogo com ações estatais para manutenção das raízes da população praticante dessa religiosidade.
Acreditamos que este dossiê, em sua diversidade de abordagens e fenômenos empíricos analisados, contribui para a construção de perspectivas epistêmicas e políticas decoloniais para os estudos de religião.