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Identidades e trajetórias juvenis (neo)pentecostais em Londrina (PR)
(Neo)pentecostal youth identities and trajectories in Londrina (PR)
Identidades y trayectorias juveniles (neo)pentecostal en Londrina (PR)
Revista NUPEM (Online), vol. 14, núm. 31, pp. 191-212, 2022
Universidade Estadual do Paraná

Dossiê


Recepción: 02 Julio 2021

Aprobación: 18 Septiembre 2021

DOI: https://doi.org/10.33871/nupem.2022.14.31.191-212

Resumo: O artigo apresenta estudos acerca da identidade de jovens religiosos pertencentes a Reviver Church, localizada em área nobre da cidade de Londrina (PR). A contribuição é sui generis aos estudos acerca das práticas religiosas, por considerar o lócus de pesquisa uma igreja emergente (neo)pentecostal. Por meio da observação participante intensiva foi possível identificar as interfaces entre os jovens (sujeitos), evidenciando as continuidades e descontinuidades das suas trajetórias religiosas e as novas formas de sociabilidades juvenis constituídas. A partir de uma perspectiva híbrida e sincretizante associa-se contribuições oriundas das denominações religio-sas (pentecostal ou neopentecostal) já classificadas e consolidadas nos estudos sociológicos.

Palavras-chave: Identidade juvenil e religião, Geração Fusion, Reviver Church, (Neo)pentecostal.

Abstract: The article presents studies on the identity of religious youth from the Reviver Church, located in a wealthy area of the city of Londrina (PR). The contribution is unprecedented to the studies on religious practices, considering the locus of research to be an emerging (neo)pentecostal church. By means of intensive participant observation, it was possible to identify the interfaces between young people (subjects), evidencing the continuities and discontinuities of their religious trajectories and the new forms of youth sociabilities constituted. From a hybrid and syncretizing perspective, it associates contributions from religious denominations (pentecostal or neo-pentecostal) already classified and consolidated in sociological studies.

Keywords: Youth identity and religion, Geração Fusion, Reviver Church, (Neo)pentecostal.

Resumen: El artículo presenta estudios sobre la identidad de jóvenes religiosos pertenecientes a la Iglesia Reviver, ubicada en una zona noble de la ciudad de Londrina (PR). La contribución no tiene precedentes en los estudios de las práticas religiosas, por considerar que el lugar de la investigación es una iglesia (neo)pente-costal emergente. A través de la observación participante intensiva, fue posible identificar las interfaces entre los jóvenes (sujetos), las continuidades y discontinuidades de sus trayectorias religiosas y las nuevas formas de sociabilidad juvenil constituídas. Desde una perspectiva híbrida y sincretizante se asocian aportes de denominaciones religiosas (pentecostales o neopentecostales) ya clasificadas y consolidadas en los estudios sociológicos.

Palabras clave: Identidad y religión de los jóvenes, Geração Fusion, Reviver Church, (Neo)pentecostal.

Introdução

A investigação ocorreu especificamente numa instituição religiosa emergente e autônoma que aguça a imaginação e curiosidade sociológica, a Reviver Church de Londrina (PR). O Geração Fusion é um culto específico desta denominação religiosa paranaense, que ocorre exclusivamente aos sábados, em que o público-alvo são os jovens pertencentes ou não ao meio (neo)pentecostal. Há um casal de Pastores que conduz este culto, atraindo dezenas de jovens, num ambiente religioso, porém receptivo com os erros e acertos da juventude, onde a música e liberdade para os jovens se expressarem e interagirem uns com os outros.

Os problemas de pesquisa permeavam a temática das identidades juvenis, suas semelhanças, diferenças, trajetórias e sociabilidades no mesmo lócus religioso sui generis, por isso, definir uma metodologia de pesquisa e consequentemente adaptá-la de acordo com as demandas do campo foi um exercício básico me utilizando de saberes metodológicos constituídos na Sociologia e, também, buscando suporte na Antropologia. Os dados e resultados são oriundos da perspectiva qualitativa com observação participante intensiva que foi realizada entre os anos de 2016 e 2018, semanalmente nos cultos do Geração Fusion aos sábados, no culto dominical, e nos eventos da Reviver Church, como palestras, pastores de outras igrejas, shows, entre outros1.

O foco de pesquisa perpassa a busca pela compreensão das mudanças que constantemente ocorrem no campo das religiões, especificamente do meio (neo)pentecostal, aqui exposto. De forma norteadora, formulamos as questões sociológicas: quais são os processos de reconfiguração religiosa entre jovens do Grupo Geração Fusion em Londrina (PR)? Quais são suas trajetórias e como se aproximaram do universo pesquisado? Quais são os processos de rupturas e de continuidades dos jovens no contexto contemporâneo local?

Para subsidiar dados, informações e os resultados acerca das novas dinâmicas que envolvem o contexto contemporâneo religioso e suas conexões com os jovens, a observação participante intensiva ocorreu nos cultos2 associados com a Geração Fusion e consequentemente com a Reviver Church nas noites de sábado entre setembro de 2016 e o mesmo mês de 2017.

Aproximação com o campo e os jovens3

A Reviver Church é uma instituição religiosa fundada em meados de 2014, a partir de uma dissidência com a Igreja do Evangelho Quadrangular. O líder e fundador da Reviver Church, Ricardo Batarse, nasceu num lar católico e sua mãe foi catequista por alguns anos. Ele, ainda na juventude, chegou a ser jogador profissional de futebol, mas converteu-se aos 18 anos num culto da Igreja do Evangelho Quadrangular de Curitiba (PR). Após a conversão continuou sua trajetória profissional no futebol, porém um pastor revelou uma profecia e nela o fundador seria um grande líder religioso, tal contexto o incentivou a ingressar também no curso de Teologia. No ano de 1999 começou sua atividade enquanto pastor na Igreja do Evangelho Quadrangular na qual permaneceu até 2014 quando iniciou a Igreja, a Reviver Church.

Destacamos que a Reviver possui liberdade e flexibilidade teológica, devido ao fato de ser uma igreja independente/autônoma sem lastros institucionais, cabendo ao pastor fundador o encargo de estabelecer as diretrizes e hermenêuticas. A Reviver possui até o momento uma instalação física, localizada em Londrina (PR). Sua classificação de (neo)pentecostal utilizando-se os parênteses na palavra neo, tornou-se uma opção teórica-metodológica porque a Reviver Church não corresponde a um tipo de organização pentecostal clássica, nem mesmo neopentecostal4 (Mariano, 1999). Desta forma, expressa-se com essa perspectiva híbrida e sincretizante que associa as contribuições oriundas das denominações religiosas (pentecostal ou neopentecostal) já classificadas e consolidadas nos estudos da Sociologia das Religiões.

A partir da observação e investigação é possível afirmar que a Reviver Church possui características como: a) os fiéis esperam e anseiam por inovações místicas; novidades no campo religioso, mesmo que as práticas não tragam efetivamente resultados; b) uma aproximação entre o mercado, preceitos neoliberais e religião possibilitando uma sensação de pertença e inclusão na sociedade atual; c) uma espontaneidade litúrgica, de hábitos, doutrinária e estética; d) busca por libertação do passado opressor, atuando também como agência de inserção social; e) estímulo ao consumo como um sinônimo de felicidade e sacralização dos serviços religiosos através de linguagens do próprio mercado.

Sendo assim consideramos que a Reviver Church perpassa todos os elementos que conceituam as pentecostais de primeira, segunda e terceira onda, possuindo um caráter forte da Teologia da Prosperidade, com cultos terapêuticos, cultos para empresários, maior liberação dos “usos e costumes” e pastores cujos poder de influência advém dos carismas pessoais aproximando-se inquestionavelmente do neopentecostalismo. Porém, (sujeito) não declara guerras santas contra os deuses de outras religiões, não demoniza os cultos das religiões de matriz africana, não se apropria de elementos mágico-religiosos, não abençoa objetos materiais nem mesmo realiza amplos e rotineiros rituais de cura e exorcismo.

No entanto, não foi possível considerar que a Reviver Church possua elementos essencialmente novos para sustentar outra conceituação, tal como a quarta onda de Passos (2012). A sua própria forma de organização respalda-se ainda nos modelos pentecostais clássicos, pentecostais e neopentecostais, evidenciando uma estrutura que a todo o momento busca em diferentes períodos e conceituações suas formas de ações.

Por esses motivos foi utilizada a expressão (neo)pentecostal, com o cuidado epistemológico que essa Igreja não corresponde necessariamente a nenhuma das classificações clássicas de (Freston, 1994; Mariano, 1999), mas transita entre diferentes elementos que compreendem os respectivos processos constitutivos analisados pelos autores.

A luta por contexto juvenil da Reviver Church

O Geração Fusion é frequentado em grande parte por diferentes jovens, oriundos de várias regiões de Londrina, sendo a juventude um importante agrupamento não só da população brasileira, mas mundial. Ao considerarmos os parâmetros já estabelecidos, uma vez que é possível referir-se a juventude enquanto um grupo ora heterogêneo, ora homogêneo. Dialogando numa ampla perspectiva, através das multiplicidades a juventude vêm conquistando cada vez mais expressividade e relevância, por meio de movimentos sociais, movimentos políticos, das massificadoras redes de relacionamentos virtuais, ou mesmo de grupos religiosos, dentro das diversas denominações religiosas espalhadas pelo país.

Recorrendo a fatos históricos recentes e de grande relevância para a própria organização social do país, as juventudes representam um grupo que participou ativamente de diferentes processos sociais. Tal aspecto também acarreta novos comportamentos e formas de sociabilidades entre os jovens e suas atuações são notadas num contexto de fortalecimento da identidade e da organização política do país. Foram eles os precursores da Semana de Arte Moderna, Movimento Tenentista e Movimento Político-Partidário, todos iniciados no ano de 1922 (Sofiati, 2011).

Outro importante contexto de inserção das juventudes no Brasil é o período da ditadura militar (1964-1985), quando, reunidos em grupos, articulavam ações contra o regime ditatorial, fazendo com que os movimentos religiosos, nesse contexto, fossem fundamentais para pressionar o governo pela redemocratização do país. A juventude católica popular se organizava em grupos, como JOC (Juventude Operária Católica), JUC (Juventude Universitária Católica) e AC (Ação Católica), ligadas a movimentos sindicais que se opunham ao regime.

Os movimentos estudantis possuem relevância na transformação da sociedade brasileira, uma vez que foram fonte de grande contestação social, como no contexto ditatorial, por exemplo. O estudante, enquanto uma categoria social que influencia diretamente na sociedade brasileira, acaba por evidenciar diferentes realidades e comportamentos, abrindo espaço para uma abordagem que perpassa o jovem, o estudante e o trabalhador, categorias relevantes para a contextualização do cenário brasileiro, marcado por desigualdades sociais.

Há uma massificação de compreensão a respeito das juventudes, seja através de políticas públicas, na saúde e educação ou mesmo em programas sociais e correcionais: “no Brasil, a partir dos anos 80 [do século XX], as crianças e adolescentes passaram a ser considerados como sujeitos com direitos, e não apenas futuros adultos” (Groppo, 2009, p. 41).

Dentro de uma perspectiva etária através das “idades da vida”, como se refere Groppo (2004), o “Estatuto da Criança e do Adolescente” determina que são adolescentes os indivíduos entre 12 e 16 anos. Aos 16, inicia-se a juventude, porém quanto ao seu término ainda não se chegou a consenso, podendo ser aplicada para diferentes idades etárias. Isso reforça que as idades etárias são construções sociais e que existem incontáveis especificidades nessas determinações.

No início dos anos 2000, 47 milhões de indivíduos tinham de 15 a 29 anos, o que despertou a atenção da agenda pública para essa significativa parcela da população que, supostamente seriam os jovens. Perspectivada uma crise dos jovens, o olhar governamental tende a enxergar uma crise envolvida por instabilidades emocionais, violência, desemprego, gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, evidenciando assim como a juventude sempre é associada a criminalização, precarização e marginalização (Camarano, 2006).

Em relação a essa parcela da população brasileira, quando analisada na perspectiva macro, segundo Camarano (2006), evidencia-se um contexto preocupante da própria realidade brasileira, que em grande medida está associado à pobreza. Homicídio, renda inferior a um salário-mínimo, maternidade e desemprego atingem diretamente esse grupo, expondo sua vulnerabilidade social. Porém, simultaneamente surge um contexto favorável onde se evidencia uma maior inserção dos jovens na educação formal, correspondendo a um aumento de 1,2 anos de estudos para essa população entre os anos de 1980 e 2000, fazendo com que pudesse se adaptar mais facilmente a informatização e digitalização (Camarano, 2006).

O mito da juventude, enquanto solução para vários problemas, por supostamente ter ideias revolucionárias, faz-se presente nesse contexto, uma vez que a extensão territorial do país e as desigualdades ao longo do seu território implicam em dois cenários distintos. Por um lado, há uma perpetuação da pobreza e, por outro, a ampliação das oportunidades, mesmo num mundo globalizado, onde cada vez mais os empregos exigem um prolongamento nos anos de estudos e possivelmente acarretam um amplo processo de dependência material dos pais, o que implica novamente na autonomia e independência discutidas anteriormente. De acordo com Ribeiro (2014, p. 434): “A expansão da cidadania e dos benefícios sociais funcionam como um forte mecanismo de padronização, levando a uma homogeneização dos padrões de transição entre diferentes grupos sociais, ou seja, diminui a diferença entre os padrões de transição para vida adulta de jovens com diferentes origens socioeconômicas”.

Adentrar o espaço juvenil e religioso do Geração Fusion, proporcionou ricas e diversificadas experiências devido ao contato com uma parcela da juventude que reside em Londrina e região, além de possibilitar a compreensão da forma como os jovens vêm associando suas práticas de fé e religiosidades ao cenário moderno. Foi possível imergir num universo particular, em que para muitos há incontáveis dúvidas e angústias, onde por vezes são amenizadas, silenciadas e respondidas a partir de um atendimento particular dos líderes religiosos, ou mesmo de um transe religioso.

Os jovens da Reviver Church, como ressaltado anteriormente, não são compreendidos enquanto homogêneos para esta pesquisa. Uma vez que caracterizam um grupo específico dentro de um cenário mais amplo, porém, suprimindo essa compreensão, buscamos as singularidades dos jovens que lá coexistem.

Aproximadamente doze jovens, com os quais tivemos contato direto, são da cidade de Cambé (PR), que se mescla com a cidade de Londrina, constituindo uma região metropolitana. A filiação desses jovens à Reviver Church ocorreu por motivos também familiares, uma vez que o líder já tinha sido pastor em Cambé dos pais desses jovens que agora frequentam o Geração Fusion, evidenciando que a relação atual não é mera coincidência. Outros poucos residem nas proximidades da Igreja e os demais em outras regiões da área metropolitana de Londrina, e por vezes distantes da Reviver Church. O espaço possui uma riqueza de histórias e trânsitos religiosos, sendo que todo os jovens com quem tivemos contato são filhos de pais já convertidos ao protestantismo5.

Ser “crente”, como ressaltam constantemente é algo que lhes foi ensinado desde a infância; logo, adentrar a Reviver não consiste numa grande mudança ou readequação de comportamentos, uma vez que transitar entre diferentes Igrejas do segmento protestante é algo comum e rotineiro. Por vezes deparamos com conversas paralelas a respeito de eventos que ocorreriam em outras instituições religiosas, aos quais os jovens gostariam de ir.

O jovem ao enfatizar-se como crente evidencia uma categoria nativa muito comum nesse meio, existindo uma reapropriação desse termo justamente por se identificarem enquanto tal e tornar isso um valor positivo que também reflete uma moral cristã de afastamento de bebidas alcoólicas e entorpecentes lícitos e ilícitos, além de valorizar e supostamente manter a castidade. Ser crente consiste basicamente em pertencer a alguma Igreja de matriz cristã protestante, em sua infinidade de denominações. O fato de ser crente também é um “escudo moral”, por vezes numa justificativa e explicação, seja para recusar qualquer tipo de ambiente não condizente com os preceitos éticos e religiosos como uma forma de manter as prerrogativas interiorizadas religiosamente ou mesmo para evitar as experiências “mundanas”.

A quantidade de jovens solteiros na Reviver Church é expressiva, porém não é possível perceber a intenção ou fortalecimento de laços entre eles próprios para que futuramente possa surgir algum tipo de compromisso, uma vez que todo namoro deve ter apenas a intenção final de se casar, segundo os preceitos cristãos que esses jovens compartilham.

Uma outra parcela de jovens do Geração Fusion, são aqueles que ainda estão cursando o Ensino Básico ou acabaram de adentrar no Ensino Superior, mas que se alinham melhor com os jovens “adolescentes” e com os comportamentos típicos desse grupo que por onde passa chama atenção, grita, canta, dança e troca socos, tudo em completo tom de brincadeira e descontração.

Certa vez uma Pastora, que também atuava junto ao Geração Fusion, começou em tom jocoso a questionar todos os jovens solteiros que estavam próximos a ela se eles desejavam começar um namoro, obviamente a intenção seria alinhar os desejos das meninas que momentos antes estavam conversando com a Pastora, com os desejos e intenções dos meninos. Porém nenhum jovem declarou interesse em namorar, causando até mesmo uma frustração na Pastora que saiu gritando para as meninas não se iludirem com esses rapazes, mas que elas perseverarem na oração que ainda chegaria a hora.

Nesse ciclo de investigação realizado, os rapazes, em sua maioria, não tinham a pretensão de se casarem nos próximos anos. Os planos eram a longo prazo e o desejo do sucesso financeiro era maior do que qualquer possibilidade matrimonial. Esses jovens em alguns poucos momentos demonstravam interesse nas garotas do Geração Fusion, porém voltavam a afirmar que elas eram demasiadamente novas e ainda não teriam maturidade suficiente para um relacionamento. O desinteresse dos meninos sempre é justificado através de uma culpabilidade nas meninas, enfatizando também que não possuem muitas opções na Igreja.

Parte das lideranças que participaram da pesquisa, compreendem os jovens enquanto indivíduos que devem ser inseridos na estrutura social cristã, sendo reconhecida a importância das juventudes. Enfatizam que o verdadeiro lugar de crente e de seus filhos é na Igreja como um importante espaço de socialização na fé cristã e de edificação familiar. Ganha ênfase a todo momento a permanência na comunidade religiosa, pois o tempo lá gasto é dedicado exclusivamente à construção da “obra do Senhor”. Porém tal compreensão e afirmação é uma tentativa de fazer com que principalmente os jovens, permaneçam mais tempo na Igreja e envolvidos em suas atividades, possibilitando menos brechas para o pecado ou mesmo se aproximarem de festas e amizades seculares.

Assim como enfatiza Groppo (2009), os jovens são um potencial para todas e quaisquer mudanças sociais, porém nesse contexto devem sempre estar dentro do perfil tipológico, ou seja, afastado de festas, do consumo de bebidas alcóolicas, devolver o dízimo, frequentar os cultos, não ter vida sexual ativa antes do matrimônio, entre outros. Havia, por parte dos discursos das lideranças no Geração Fusion, uma constante legitimidade da juventude enquanto uma fase específica da vida, sendo possível ao jovem errar, porém tendo plena ciência do erro e do abalo que sua vida espiritual sofrerá, pois a cada erro o distancia mais do reino dos céus.

Luís António Groppo (2010) elenca a moratória social como um período de possibilidade de erro aos jovens, ou seja, a juventude pode ser compreendida como uma fase de erros e acertos, de tentativas e também de experimentação, tanto daquilo considerado certo, quanto do errado, sendo possível ao indivíduo posteriormente optar por uma conduta aceitável socialmente.

Por incontáveis vezes durante as pregações ouvíamos falar sobre o mundo, sobre álcool, drogas, sexo e masturbação, enfatizando que eram coisas pecaminosas e conduziriam os jovens a dependência química, desgraça financeira e afastamento de Deus. Em paralelo, observamos uma valorização daqueles indivíduos que já estiveram no “mundo”. Dessa forma, tais indivíduos dão seus testemunhos afirmando terem vivenciado a solidão, as dívidas, o desespero, a depressão, o sexo descontrolado, entre tantas outras adversidades que se instalaram por estarem afastados da fé e de alguma Igreja. Não é desejo das lideranças que os jovens saiam da Igreja para vivenciar tudo isso, mas que aprendam e tenham medo a partir dos testemunhos dos fiéis que já vivenciaram tais situações.

Porém, nem todos os jovens que ali frequentam abdicam do estar no “mundo”, alguns consomem bebidas alcóolicas, frequentam festas seculares e não guardam castidade. Em alguns sábados notamos um grupo diferente de rapazes entre 20 e 25 anos que frequentavam o Geração Fusion e que havia uma especulação entre outros garotos que aquele grupo iria a uma casa de shows sertanejo, lugar secular, com fácil acesso a bebidas, sexo e substâncias psicoativas. O carro em que estes jovens estavam evidenciava valores e personalidades um pouco destoantes dos demais, pois era rebaixado, com rodas grandes e músicas seculares reproduzidas por um som extremamente alto e potente.

Vítor Sérgio Ferreira (2008) afirma que as microculturas são uma problemática expandida pela industrialização, pois essa enfrenta períodos de expansão e lucratividade, mas também de intensas crises, desestabilizando financeira e emocionalmente qualquer estrutura familiar. Olhando a respeito das diferentes origens familiares e financeiras, no contexto dos jovens do Geração Fusion, eles possuem condições sociais díspares e consequentemente rotinas desiguais, havendo diferença no acesso à educação, ao lazer e principalmente aos bens de consumo, por vezes tão característicos das juventudes. Havia um esforço durante os cultos para que todos se compreendessem enquanto iguais perante Cristo, uma vez que a condição social não gera nenhum diferencial para entrar no reino dos céus, buscando assim solidificar uma comunidade cristã moderna.

Os símbolos que demarcam as juventudes ultrapassam os bens materiais. Nesse espaço impõe-se a corporeidade, ou seja, a capacidade e a disposição de dançar, pular, correr e gritar também são um demarcador dessas juventudes. É interessante notar que tais características das juventudes são ressaltadas justamente por aqueles que não mais se consideram jovens, por aqueles que não possuem disposição física e, dessa forma, enxergam nitidamente um contraste entre um adulto e um jovem. A juvenilização toma conta do espaço religioso, uma vez que este não está protegido nem alheio às influências midiáticas e também simbólicas presentes na sociedade de modo geral (Groppo, 2009, 2010).

Com a caracterização dos jovens religiosos da Reviver Church, é necessário destacar que durante as tardes de sábado, eles chegavam para ensaiar e preparar a programação do Geração Fusion, sempre portando mochilas com roupas limpas, perfumes e maquiagens. A preparação para o culto levava horas, exigindo ensaios das performances que seriam apresentadas. Ao término dessa etapa e instantes antes de começar toda a movimentação para a noite, havia um intenso fluxo de jovens no banheiro, se aprontando. Os meninos com um cuidado extremo em relação ao cabelo, aos acessórios e as jovens em relação ao batom e aos sapatos. É possível ressaltar que esses jovens não residem nas proximidades e ir em casa preparar-se para voltar consiste em algo completamente dispendioso para eles.

De maneira geral o mercado da fé vem passando por amplas modificações, sejam referentes a divulgação, pertença, circulação ou mescla de diferentes elementos das mais variadas religiões. Mariano (1999) aponta que as mudanças vieram ocorrendo ao longo das ondas pentecostais e das próprias mudanças da sociedade brasileira, refletindo nas Igrejas através de uma maior liberalização de usos e costumes além de ampla inserção em diferentes áreas da vida social, tal como na política, economia e mídias sociais.

O avanço da religião aliada a promessa de curas físicas e geração de riquezas materiais associado a uma diminuição do número de católicos e protestantes históricos propicia um terreno de ampla circulação de fiéis na matriz religiosa (neo)pentecostal. A desregulamentação das crenças e pertenças religiosas é uma realidade do Brasil, e também de Londrina, possibilitando um que os trânsitos religiosos possibilitem experimentações e não uma definição para toda a vida.

Dessa forma, o Geração Fusion é composto por jovens comuns, estes enfrentam as dificuldades do mercado de consumo e de trabalho, da saída do ensino básico e do acesso ao ensino superior, além de estarem presentes nas redes sociais. Porém, distanciam-se dos cenários clássicos pentecostais, uma vez que há certa liberalização dos usos e costumes para os fiéis da Reviver Church, possibilitando assim uma experiência e vivência religiosa que caracteriza o (neo)pentecostalismo.

Percursos juvenis no Geração Fusion

A pesquisa de campo realizada por um ano, possibilitou um contato direto com diferentes jovens, estabelecendo vínculos e uma zona de confiança. Dessa forma, foram captadas diferentes trajetórias, narradas pelos próprios jovens, enfatizando, revelando ou mesmo omitindo parte de seus percursos de vida até chegarem à Reviver Church. Os percursos de vidas dos jovens podem ser compreendidos a partir de um amplo leque, onde incontáveis fatores constituem trajetos de vida transversalmente de diferentes cursos, resultando assim em singularidades. As singularidades, nuanças, e especificidades são características dos percursos, uma vez que estes apenas possuem definido o ponto de partida.

José Machado Pais (1993) compreende os cursos de vida enquanto a forma de transição dos jovens para a vida adulta, em que é necessário para uma pesquisa observar não só as atividades cotidianas dos jovens, mas seus trajetos, uma vez que eles possibilitam evidenciar diferentes cenários de ações passadas. O curso de vida equivale-se a uma caminhada que conforme acontece possibilita uma bagagem cultural adquirida, percorrendo um trajeto e possibilitando que o passado seja intrínseco aos indivíduos em seu presente (Pais, 1993).

Os cursos são constituídos por trajetórias encadeadas em temporalidades e ritmos diferentes, onde as individualidades dos jovens tornam-se pluralidades de relações. Desse modo os cursos de vidas possibilitam “a constituição de conjunturas biográficas marcadas por certa singularidade que, por sua vez, estão na base de trajetórias específicas, pessoais, familiares e sociais e de formas de transição para a vida adulta” (Pais, 1993, p. 59).

Em certa medida, de acordo com o campo religioso os jovens vêm constituindo cada vez mais seus percursos de vida através de trajetórias ziguezagueantes, transitando entre diferentes denominações. Bartz (2012) afirma que os jovens não são os únicos, nem mesmo o maior grupo que transita, sendo o trânsito religioso uma realidade para todas as faixas de idades.

Ao transitar, os jovens, sujeitos desta pesquisa, provocam um rompimento com a instituição religiosa da família, porém tal fator não desencadeou grandes crises, uma vez que eles acabam mantendo-se dentro de uma mesma matriz religiosa (neo)pentecostal. Como enfatizado, os jovens da Reviver Church em grande maioria são oriundos de famílias já cristãs do segmento pentecostal, neopentecostal, batista, metodista ou presbiteriano.

A seguir apresentamos as trajetórias de vida narradas por dois jovens6 participantes do Geração Fusion que expressam dados de uma realidade encadeada com percursos juvenis de outros sujeitos encontrados e analisados ao longo da pesquisa. As duas histórias de vida guardam similaridades: são oriundos de um lar evangélico; em dados momentos desviaram-se dos caminhos sagrados; transitaram entre religiões e denominações religiosas; vivenciaram experiências “mundanas” e acabaram por voltar à prática religiosa (neo)pentecostal.

Os dados aqui explorados apresentam que mesmo os jovens de famílias com tradição protestante/pentecostal, estão sujeitos a se desviarem dos caminhos religiosos e se inserirem em meios sociais que proporcionam experiências típicas seculares. Ou seja, apesar de inseridos numa tradição familiar de evitação e afastamento, a religião não consegue garantir a perpetuação desses valores, nem mesmo consolida uma postura nos jovens que será levada por toda a vida. São notórias as vulnerabilidades que podem resultar em abandono da religião, através de seus percursos, evidenciando assim que também estão sujeitos a trânsitos de matriz religiosa e intra pentecostais.

Festas, álcool e salvação

Leonardo é um jovem de dezoito anos, trabalhador informal e estudante do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) que possui percursos de vida e religiosos interessantes, representando possivelmente um dos perfis juvenis que frequentam a Reviver Church. Nascido em berço cristão de família evangélica, como enfatizou, esse jovem até os nove anos morava em São Paulo, com pai, mãe e irmãos. Cresceu com assídua frequência à Igreja, acompanhado principalmente por sua mãe, porém, num processo cirúrgico a mesma teve complicações pós-operatórias e faleceu.

Perder a mãe ainda quando criança foi um fardo para Leonardo. Em seguida, viu seu pai casar-se novamente e foi obrigado a migrar para Londrina (PR). A entrada na adolescência foi marcada pela rebeldia contra o pai, madrasta e demais familiares, uma vez que Leonardo afirmou ter perdido sua pouca liberdade e tendo se tornando alvo de assédios por parte de alguns membros da nova família, gerando no jovem uma grande revolta. Os problemas começaram, segundo relata, aos doze anos, quando passou a se envolver com práticas ilícitas (drogas, armas, dentre outras).

Adentrar no mundo do crime acarretou-lhe experiências e poder aquisitivo, possibilitando a ele obter sexo, participar de festas exclusivas, consumir todo tipo de entorpecentes, sair da casa da madrasta, comprar carros, roupas de marca e joias, contexto antes inimaginável para um jovem oriundo da periferia de São Paulo. Concomitantemente vivenciava constantes atribulações familiares, o jovem sofria constantemente agressões físicas por parte do pai que tentava desesperadamente tirar o filho da criminalidade, fazendo com que ele voltasse para a escola e trabalhasse. Os esforços familiares foram inúteis, o jovem enfatizou que afirmara incontáveis vezes, principalmente durante as agressões físicas que, seu único desejo era ser um “grande bandido e ele seria”.

Leonardo em certa ocasião foi flagrado pela polícia numa residência com armas e drogas que seriam revendidas, resultando em dois meses de internamento em um centro de reabilitação para jovens. O cárcere/internato de nada adiantou, o jovem reincidiu.

Durante esse período de afastamento da Igreja e de Deus, a família perseverou, todos ainda continuavam assíduos, especificamente na Reviver Church, pois a madrasta de Leonardo já frequentava este espaço por possuir vínculos com as lideranças.

O percurso de vida desse jovem volta para o ambiente religioso após um acidente de carro. Ter visto a morte de perto, como relatou, fez com que Leonardo voltasse a se submeter aos ordenamentos familiares e retornasse à Igreja. Desde então, o jovem vinha se (re)inserindo na Reviver Church, pois mesmo durante seu período de afastamento, por vezes frequentava o Geração Fusion, mas não se identificava com as pessoas, sentia que todos estavam lhe julgando, impossibilitando assim qualquer aproximação espontânea. Hoje, compreende que tal percepção anterior era obra do “inimigo”7 em sua vida.

O jovem atualmente frequenta tanto o Geração Fusion quanto os cultos de domingo, voltou a estudar e pretende cursar administração, devido a convicção de que Deus planeja uma carreira de sucesso no mundo empresarial para ele. Como forma de recomeçar uma relação com a Igreja e com os familiares, excluiu todas as redes sociais e criou novos perfis, buscando a ruptura radical com qualquer vínculo que o ligasse aos indivíduos do mundo externo à Igreja. A restrição do ciclo social, consistia, na visão do jovem, na preservação da sua idoneidade, das suas crenças e de seus valores, capaz de afastá-lo de qualquer tipo de tentação que, porventura, o conduziria novamente à antiga vida, ultrapassando a identidade do jovem religioso.

Sua readesão, ao meio religioso, foi consolidada simbolicamente por meio do batismo no Espírito Santo, momento este de extrema importância para as Igrejas (neo)pentecostais, pois consolida a fé do crente e possibilita a ele um novo começo, uma vez que o batismo compreende o nascimento para Cristo e a morte para o mundo, isto é, para o pecado. Para Leonardo este momento não foi inédito, pois afirmava que já havia descido as águas do batismo no Espírito Santo quando ainda estava no ventre de sua mãe.

Parte de sua revolta e inserção no mundo da criminalidade é oriunda de questionamentos e feridas que o jovem possui devido a perda de sua mãe. Disso, Leonardo afirmou que sentia uma grande revolta com Deus - daí o afastamento da Igreja. Portanto, ao retornar à Igreja e aceitar Cristo, o jovem relatou que cada pequena ferida vinha sendo curada. A reconstrução do elo com o sagrado possibilitou, ao seu modo de ver, o surgimento de um “novo” Leonardo, com grandes propósitos, pois, como disse, iria tornar-se missionário e empresário.

Os percursos de vida para Leonardo evidenciam que o jovem se deslumbrou com as práticas ilícitas, que resultaram em prazeres, segundo ele, momentâneos. Entendemos esse processo como uma medida de risco. Para Mendola (2005) o risco é uma forma de fuga, como uma busca, por vezes improdutiva, de fortes emoções na tentativa de se esquecer das obrigações e da vida cotidiana.

Ao retornar para o meio familiar e religioso, Leonardo evidencia o fracasso na tentativa de mudança de vida pela criminalidade. Assim, o jovem retornou ao ponto inicial, como num constante ciclo em que a Igreja consiste na máxima expressão de modernização em que um jovem com suas condições pode acessar. Ora, o cotidiano já é conhecido, apresenta poucas perspectivas e possibilidades de ascensão para um jovem possivelmente já excluído (Mendola, 2005).

Naquela ocasião, as experiências de Leonardo serviram para reforçar sua fé e o seu retorno a pertença de alguma religião de matriz (neo)pentecostal. De forma similar, encontramos outra jovem, Aline, que possui um percurso de vida próximo ao narrado por Leonardo.

Aline é uma jovem professora da Educação Básica e graduanda em Pedagogia, assídua aos cultos, na época vinha passando por uma intensa preparação para se tornar uma líder na Reviver Church, e no Geração Fusion, porém os trânsitos religiosos que influenciam sua vida surgiram antes mesmo de seu nascimento. A mãe vem de família evangélica/(neo)pentecostal e o pai de família católica. A mãe, ainda na juventude, por um período afastou-se da Igreja, rompendo os vínculos e inserindo-se no “mundo”, onde conheceu e casou-se com aquele que viria a ser seu pai, malgrado a manutenção das divergências religiosas de ambos. Aline, enquanto filha única, foi criada na religião da mãe, perspectiva esta comum, uma vez que no Brasil as mulheres são maioria em todos os segmentos religiosos e são as que mais realizam trânsitos religiosos.

Até o período da adolescência este não foi um problema, apesar da jovem ter ainda na infância sido batizada na Igreja Católica. A rebeldia, os conflitos intergeracionais e necessidade de experimentação do novo, frequentemente associadas ao período de juventude, fez com que a jovem, buscando confrontar a mãe, recorresse ao pai, até então católico, para que a colocasse na Catequese Católica8.

Tendo seu pedido atendido e confrontando diretamente a mãe, Aline realizou a primeira eucaristia e a crisma, dois sacramentos católicos. Participou de grupos de jovens da Renovação Carismática Católica9, serviu na missa e tinha uma vida intensa e assídua nesta religião, tal trânsito religioso em direção ao catolicismo ocorreu a partir dos dezesseis anos. No entanto, vivenciar a religião Católica enfrentando a rejeição da mãe trouxe diversas consequências para a vida da jovem, principalmente financeiras e afetivas.

Durante este período de inserção no catolicismo, a mãe de Aline negava-se a corresponder ao desejo juvenil da filha, como forma de coerção para que ela retornasse à Igreja do Evangelho Quadrangular, propiciando-lhe apenas o básico tal como moradia e alimentação. Nesse contexto, a jovem desamparada financeiramente e emocionalmente, teve de buscar seu primeiro emprego como forma de se sustentar e consumir aquilo que lhe parecia necessário.

A passagem de Aline pelo catolicismo foi rápida, a jovem não especificou exatamente por quantos anos esteve envolvida nessa religião, porém relatou que vivenciou tudo de forma bastante intensa. Após alguns anos a jovem rompeu com todos os vínculos religiosos católicos. Tal momento é compreendido pelos crentes, enquanto um período de desvio, no sentido de desviar-se do caminho dos céus e dos desígnios de Deus, justamente pela lógica comunitária e participativa dessa religião através da frequência e assiduidade aos cultos.

Durante o período em que esteve desviada, Aline conheceu bares, baladas, incontáveis festas e experimentou tudo aquilo que contradiz a concepção cultural e religiosa do contexto em que ela foi criada.

Os relacionamentos amorosos também fizeram parte de sua vida nessa ocasião, alguns namoros breves, outros intensos e em sua grande maioria relacionamentos banais e conturbados. A noção do risco deve ser compreendida a partir da noção de sociedade, não sendo apenas a possibilidade de eventos negativos acontecerem, mas aos resultados e ao valor social a eles atribuídos (Jeolás; Paulilo; Capelo, 2013). A jovem, inserida nesse contexto de múltiplos riscos e buscando alguma forma de êxtase com esses relacionamentos, se percebeu “carente e frágil”. Aline narra que viveu completamente distante de Deus e de qualquer instituição religiosa por sete anos.

Nesse ínterim, os pais ansiavam pelo retorno de Aline a qualquer Igreja, uma vez que consideravam que ela, naquele contexto, estava completamente perdida, tendo se tornado uma pessoa irreconhecível. A preocupação dos pais em relação à filha, fez com que o pai da jovem, numa atitude de busca pelo resgate espiritual e moral de Aline, acabou se convertendo para a mesma Igreja da esposa, a Igreja do Evangelho Quadrangular.

Nem mesmo a conversão do pai de Aline foi suficiente para que ela retornasse imediatamente para alguma religião. A insistência para que a jovem participasse dos cultos, agora frequentados pelo pai e pela mãe, era constante, até que em certa ocasião, como de rotina, os pais a convidaram e ela se dispôs a ir. Em contrapartida, a jovem exigiu que naquela noite eles fossem a Igreja (Reviver Church) do Pastor e antigo líder da Igreja do Evangelho Quadrangular da região onde residem, em Cambé (PR).

A jovem afirmou que estava insatisfeita com vida mundana, evidenciando uma elaboração a respeito dos constantes riscos e vulnerabilidades que sofria, justamente porque levava uma vida sem preceitos religiosos. Após aceitar o convite dos pais, a jovem relatou que seu retorno se deu de forma gradual, sobretudo aproximou-se novamente da mãe e do pai.

No contexto de reconversão à religião cristã/(neo)pentecostal, os relacionamentos amorosos foram se fragilizando, resultado da total dedicação da jovem às atividades religiosas, que impossibilitava qualquer outro tipo de compromisso. As experiências e afastamento de Deus, hoje, fazem com que a jovem permaneça fiel em seu propósito que é ser pregadora ou missionária. Sua obra se iniciou no ministério da dança, do qual, até então, ela é a responsável.

Notamos nos percursos juvenis de Leonardo e Aline alguns elementos centrais. Ambos são filhos de pais que já realizaram algum tipo de trânsito religioso, especificamente em direção à religião (neo)pentecostal. Os familiares, durante o período de afastamento dos jovens, permaneceram fiéis à Igreja e religião que já seguiam, ou seja, os comportamentos considerados inadequados dos filhos não influenciaram os pais a se distanciar da religião.

O afastamento de uma religião para esses jovens resultou numa maior inserção secular. Como evidenciaram, as lacunas de suas vidas foram preenchidas por lazeres tidos como “mundanos”. Os relacionamentos amorosos também aparecem nos percursos desses jovens. Ambos relataram em algum momento que saíram machucados ou mesmo que ainda gostavam de alguém que conheceram durante esse período no “mundo”, porém retornar a esses amores ou mesmo dar espaço para tal relação seria diretamente confrontar os preceitos religiosos aos quais escolheram se submeter.

O retorno à matriz religiosa familiar de ambos os jovens ocorreu após grandes e significativas experiências “mundanas”, utilizando o vocabulário nativo. É possível notar nas narrativas desses jovens que havia uma completa falta de perspectiva, seja ela financeira, emocional, familiar, ou mesmo de cuidado de si; a preocupação se dava apenas com o tempo presente, onde o gozo e o prazer momentâneo tornavam-se a única busca e motivação constante para esses jovens.

De maneira generalizada esses dois percursos evidenciam um contexto ainda clássico de entrada/readesão para o meio religioso (neo)pentecostal, resultando numa readequação de comportamentos, condutas e até mesmo seleção de locais para frequentar. Tais percursos possibilitam aos jovens reafirmarem a posição de que necessitam permanecer na Igreja.

Ainda observamos que parte significativa dos problemas enfrentados no contexto de distanciamento da religião por parte desses jovens perpassa até mesmo por uma falta de criatividade ou de interesse em buscar outras companhias, ciclos, espaços e lazeres que não estejam diretamente associados ao consumo de bebidas alcoólicas, sexo e entorpecentes e baladas. O fato de pertencer a uma denominação religiosa restringe o círculo social dos jovens, supostamente limitando, além de impossibilitar qualquer tipo de ação que não esteja revestida de princípios e valores cristãos. A religião aí é entendida como mediadora para os princípios e conduta de um bom cidadão, no sentido de buscar melhores oportunidades e condições de vida.

Ademais, não encontramos nesses relatos nenhum tipo de arrependimento por aquilo que já foi vivenciado; as suas motivações, como pudemos notar, foram justificadas pela necessidade de experimentar algo abominado pela religião a qual já pertenceram, por conflitos intergeracionais ou por ação maligna do diabo.

De modo geral, compreendemos, a partir dos percursos do jovem Leonardo e da jovem Aline que existem ciclos sociais, envolvendo a família, tradição religiosa e experiências mundanas, ambos passam por esses ciclos. A tentativa de saída da religião revela um fracasso dos jovens frente às oportunidades da sociedade brasileira modernizante, porém seleciona e possibilita melhores inserções àqueles que de alguma forma já estão incluídos. Esse contexto social reforça a organização já existente na sociedade, demarcando as fronteiras entre aqueles que são incluídos e os que são excluídos. Assim, a mesma sociedade que não possibilita oportunidades aos seus jovens, relegando-os à sua própria sorte e competência, também produz diferentes denominações religiosas que prometem estabilidade, sucesso financeiro e oportunidades socialmente negadas aos jovens. A igreja torna-se o refúgio e, por vezes, a possibilidade concreta para uma suposta inclusão do jovem hodierno.

Os percursos juvenis e sociabilidades (neo)pentecostais da Reviver

Observar tais percursos dos jovens que envolvem os trânsitos religiosos tanto deles quanto dos familiares nos apontam para algumas perspectivas analíticas. Inicialmente as religiões vêm passando por um processo intenso de desinstitucionalização. Teixeira (2014) ressalta que, de acordo com o censo do IBGE, atualmente o Brasil possui 64,6% de católicos; em 1872 esse número era de 99,7%. Por outro lado, as religiões evangélicas que, em 1942 representavam apenas 2,6% da população, chegou, em 2010, a compor 22,2% do cenário religioso brasileiro, totalizando mais de 42 milhões de fiéis.

O segmento pentecostal, que engloba os pentecostais clássicos, pentecostais e neopentecostais, corresponde a 13,3% de toda a população do país, sendo equivalente a 25,3 milhões de pessoas. Teixeira (2014) ressalta que o crescimento do contingente pentecostal é acima da média de crescimento da própria população brasileira. Porém o cenário de crescimento da matriz (neo)pentecostal ocorre desenfreadamente, com diferentes denominações, ênfases, teologias e atuações, provocando a diminuição do número de fiéis das instituições religiosas já consolidadas, tais como a Congregação Cristã e a Universal do Reino de Deus, que em menos de uma década perderam juntas mais de quinhentos mil membros. Observa-se que o decrescimento de instituições já consolidadas e tradicionais atinge também o recente meio (neo)pentecostal, uma vez que a Congregação Cristã possui pouco mais de cem anos e a Universal do Reino de Deus aproximadamente cinquenta anos.

O contexto de enfraquecimento de grandes instituições abriu um campo religioso plural possibilitando um movimento em que os indivíduos “busquem cada vez mais uma alternativa individual no processo de afirmação de sua identidade religiosa” (Teixeira, 2014, p. 37), impulsionando o trânsito religioso.

No contexto atual, Teixeira (2014) atribui essa tendência decrescente às filiações tradicionais ao desencaixe dos indivíduos com os laços anteriores, ou seja, os laços familiares, uma vez que a religião demasiadamente é herdada (Hérvieu-Léger, 2015). Tal situação evidencia-se a partir dos contextos juvenis apresentados anteriormente. Há uma ruptura com instituições religiosas tradicionais, mesmo aquelas tradicionais para a família ou para o meio (neo)pentecostal, possibilitando a criação e estruturação de novos laços e vínculos, a partir de religiosidades e pertenças cada vez mais fragmentadas, “desencadeia-se um processo de desfiliação em que as pertenças sociais e culturais dos indivíduos, inclusive as religiosas, tornam-se opcionais e, mais que isso, revisáveis, e os vínculos, quase só experimentais, de baixa consistência” (Teixeira, 2014, p. 39).

Pensar numa revisão dos vínculos religiosos implica em questionar as pertenças e em (re)construir uma identidade religiosa. Os jovens, buscam uma pertença religiosa que lhes satisfaça, correspondendo a diferentes perspectivas e anseios individuais. Souza (2015) ressalta que o (neo)pentecostalismo passa por um vertiginoso crescimento enquanto uma cultura, a cultura gospel. Nesse contexto é possível assumir um estilo que está associado às juventudes e consequentemente a sociedade de consumo, facilitando a junção entre alguns fatores, tais como a necessidade dos jovens em participarem de um segmento religioso, seja por questões morais, espirituais ou familiares. Dessa forma, a cultura gospel fortalecida na sociedade moderna e sendo atrativa aos jovens, possibilita um público específico e forte para as instituições religiosas.

Para se (re)construir, por vezes é necessário romper, seja com a instituição religiosa do pai, da mãe ou mesmo de toda a matriz familiar. Associado a tal processo nota-se uma liberalização dos usos e costumes por parte das “novas” Igrejas que os jovens buscam se filiar, uma vez que desejam ser compreendidos como jovens quaisquer, sem traços estéticos e comportamentais que sejam característicos do meio evangélico.

Rumstain (2007, p. 146) ressalta que

Uma das principais características do meio evangélico é seu incessante proselitismo, e a liberalização dos comportamentos tem a função de deixar mais palatável a vida evangélica: o circuito gospel atrai pessoas, principalmente jovens, por meio de um discurso que “parece” não-religioso, sem regras ou proibições. Disso surge uma ambiguidade quanto aos comportamentos e às possibilidades de interação com as práticas “mundanas”.

Tais implicações derivam das características do próprio contexto moderno, onde há uma massificação de informações e busca por uma identidade religiosa por parte dos jovens que seja moderna, construída com acesso, consumo e principalmente intensifica a exposição nas redes sociais.

Novamente o relato de Aline é explícito no que tange ao movimento de ruptura com a filiação institucional da família - percurso também apresentado por outros sujeitos -, revelando, por outro lado, um caráter de experimentação e busca por diferentes vivências do sagrado, tais perspectivas se fazem notórias através do modo com que foram lembradas outras denominações que os jovens já visitaram ou que ainda visitarão, fazendo notar um trânsito desobstruído. Porém, tal liberdade e facilidade de circulação só é possível devido ao fato de que eles transitam apenas dentro de Igrejas de matriz (neo)pentecostal, uma vez que sair desse eixo religioso, pode gerar aos jovens coerções e constrangimentos familiares: “Sair, voltar, permanecer, abandonar as instituições religiosas são ações mediadas pela assimilação do indivíduo a contextos e esferas mais amplos de sua inserção na sociedade, não restritos apenas à visão purista da instituição ou a um sistema de crenças fechado e supostamente constituído como imutável pelo indivíduo” (Fernandes, 2014, p. 57).

A vivência cotidiana dos jovens que perpassa os estudos, trabalho, família e demais ciclos sociais, faz com que eles busquem uma religião que se adeque também às características inerentes da juventude, tais como consumo assíduo, valorização da moda e tendências mundiais, músicas e vídeos virais, além de perspectivar um amplo crescimento profissional e financeiro. Os jovens inseridos e compartilhando valores seculares evidenciam seus desejos por colocarem piercing e fazerem tatuagens, adereços estes antes inimagináveis em qualquer Igreja evangélica. Assim, os valores e desejos mundanos são cada vez mais naturalizados e aceitos nesse contexto, “sendo o (neo)pentecostalismo uma religião de ruptura com o comportamento rígido tipicamente puritano do pentecostalismo clássico e do protestantismo histórico” (Souza, 2015, p. 161).

Pensar nas identidades dos jovens e nessa constante busca de construí-la, faz com haja um processo de relativização, resultando assim em diferentes níveis de relação entre o global e o local, acarretando em consumo, estilo de vida, circulação de mercadorias e também de imagens, passando elas cada vez menos por uma definição histórica, sendo do agora, do imediato (Mesquita, 2007). A religião, nesse contexto, passa por uma libertação da tradição, tal fato decorre da própria fragilidade dos laços identitários, onde o trânsito religioso se dá também por uma busca de emoções e sentidos (Souza, 2015).

Usamos tal exemplo, apenas para enfatizar como os jovens também buscam um ambiente religioso que esteja longe das antigas concepções do que é ser “crente”, pois eles enfatizam e dão grande destaque aos bens materiais e estéticos que possuem, zelando e apreciando tais características também nos outros jovens. A despeito disso, incontáveis foram as situações que presenciamos assuntos sobre a estética moderna, até mesmo entre os garotos. A ausência de uma estética puritana tradicional é uma característica marcante das Igrejas (neo)pentecostais, evidenciando uma estética de consumo diluída na liberdade, distante de quaisquer proibições e medo de obras malignas agirem em sua vida devido às vestimentas e estéticas, tudo isso tornam-se elementos característicos e também de uma qualidade de vida (Souza, 2015).

Os trânsitos religiosos intra-pentecostais realizados por esses jovens recaem justamente na forma como eles vivenciam a religião, em como ela também é “cobrada” ou mesmo “frouxa” no cotidiano de suas vidas, uma vez que não mais se demarca em roupas, estilos, posturas e pertenças únicas.

Um dos fatores também relevantes que estão associados aos trânsitos religiosos desses jovens consiste na busca por lazer, diretamente associado a uma maior permissividade, dada através dos usos e costumes. Mesquita (2007) associa a vivência da religião (neo)pentecostal atual com um hedonismo, ou seja, com a constante busca por um prazer que seja próprio, oriundo da perspectiva individualista que norteia as ações dos indivíduos, assim eles buscam uma instituição que não lhes exigirá muitas mudanças, onde ser um fiel é “fácil”.

O discurso e perspectiva moral positiva que a participação numa religião cristã, principalmente de matriz evangélica, possibilita aos indivíduos, ainda é bastante arraigado em nossa sociedade. Entretanto, nota-se, nessa experiência, uma compatibilidade entre o lazer e a construção da “obra do Senhor”, que resulta em uma espécie de “lazer regulado”. Essa compreensão se sustenta nas observações sobre a liberdade que possuem jovens da Geração Fusion, sempre justificada, ora sob a premissa do labor no interior da igreja (ir e vir em quaisquer horários por estarem trabalhando para a Igreja); ora sustentado no fortalecimento dos vínculos entre os próprios jovens pertencentes à denominação (por exemplo, aproveitando coletivamente o tempo livre em algum restaurante da cidade, após o culto).

Existe uma compreensão de que afastar-se da Igreja implica diretamente em compartilhar e exercitar valores mundanos que, por seu turno, são entendidos como ameaça à organização tradicional e conservadora da sociedade. Portanto, manter distância dos valores mundanos associa-se a uma moral ética de ser um bom cidadão. Porém, na prática os vínculos religiosos e maior adesão a eles não correspondem automaticamente ao fato de serem “bons” cidadãos. Joas (2015) enfatiza que tal perspectiva não se confirma, sendo as sociedades com menos crença em Deus lugares com menores taxas de homicídios, abortos, gravidez na adolescência e até corrupção.

A vida urbana permite cada vez mais um enfraquecimento das hierarquias tradicionais, tais como a família e lideranças religiosas, possibilitando aos jovens uma constante busca por novas referências e consequentemente com o preenchimento do tempo livre, por vezes maiores durante os períodos de juventude e transição à vida adulta. O processo de industrialização enfraqueceu as festividades, celebrações e folias genuínas, forçando um caráter sóbrio, sem ludicidade ou imaginação nos indivíduos (Gabriel; Marcellino, 2007).

Pensar nos jovens que frequentam o Geração Fusion, indica de modo conciso uma mescla entre religião e lazer. Participar constantemente de diferentes cultos, aprender a tocar um instrumento ou mesmo se preparar para dar alguma palavra diante da Igreja é uma forma vertiginosa de lazer e ocupação do tempo livre. Associar o tempo livre, ou seja, aquele tempo em que não se está trabalhando ou estudando às práticas religiosas, é visto por eles enquanto um ato de fé que possibilita um distanciamento do pecado, portanto, das tentações mundanas.

Na tentativa de fugir de um ciclo previsível e monótono, uma vez que os jovens sempre estão à procura de novidades, as lideranças institucionais acatam tais demandas enquanto algo bastante pertinente, buscando realizar cultos temáticos e atrativos, apostando em grandes eventos, realizando shows, entre outras atrações de caráter mundano. A esse respeito, Mesquita (2007, p. 134) é categórico ao afirmar que há “uma porosidade entre as atividades de lazer e as religiosas, busca-se no espaço da Igreja a experiência emocional que pode ser propiciada pelo lazer”.

Os cultos não contêm muitas surpresas, porém há um esforço nessa constante busca pelo diferente, por novas formas de evangelização que diretamente consistem em atividades recreativas e de lazer.

Rumstain (2007) enfatiza tal necessidade das instituições religiosas buscarem referências ou permitirem as tendências do universo secular juvenil. A inovação e permissividade é necessária, possibilitando uma constante atratividade para os jovens em relação ao religioso quando se mesclam tais elementos. De maneira geral há uma tentativa de fazer do espaço religioso um lugar com aspectos mundanos. Por outro lado, há uma constante busca dos jovens, estimulados pelas lideranças a sacralizarem, santificarem locais seculares, realizando cultos ou encontros de louvor e adoração em praças, shoppings e parques, movimentos estes que vem crescendo consideravelmente na cidade de Londrina (PR). Sendo assim, o estilo de vida gospel que engloba os jovens faz parte de um processo mais amplo, oriundo de uma significativa mudança do campo religioso brasileiro, intensamente no meio pentecostal, enfatizando um relaxamento de costumes e moral (Rumstain, 2007).

Nesse contexto, a ocupação do tempo livre, principalmente aos sábados durante a tarde, noite e início da madrugada, é uma necessidade constante para esses jovens, uma vez que tal período é tido como um dos únicos momentos, durante a semana, específicos para a descontração, festividade, alegria e lazer. Preencher esse tempo de forma saudável espiritualmente é uma busca intensa por parte dos jovens, quer por meio de sua participação no Geração Fusion, quer em outros movimentos religiosos, evidenciando novamente a necessidade de participar, independente da Igreja.

Notamos, assim, o quanto é válida a inserção desses jovens nessa instituição religiosa, uma vez que legitima as suas ausências em momentos familiares, com colegas do trabalho, escola ou faculdade. Por outro lado, é observável a centralidade que ocupa a sociabilidade entre esses jovens, que se expressam nos rotineiros momentos de encontro após os cultos, geralmente em espaços descontraídos. Momentos que acreditamos ser um dos mais importantes para eles, uma vez que desde o início do culto especula-se onde irão ao término.

Tornou-se ainda mais evidente que os jovens prezam pela companhia uns dos outros, apesar de seus desafetos e problemas internos, mas estar entre eles aos sábados em seus momentos de lazer era sempre uma prioridade para os jovens.

Considerações finais

A partir das observações de campo e dos percursos dos jovens aqui apresentados e que expressam um panorama dos demais que frequentam o Geração Fusion, podemos notar que eles desejam permanecer juntos, reunidos em organizações que legitimem sua juventude, suas identidades, compreenda seus desejos, atribua-lhes tarefas e reconheça neles algum potencial.

Tal situação consiste numa grande articulação entre as juventudes e as religiões, uma vez que a as religiões vem a ser uma das únicas instituições no contexto moderno que dão espaço, reconhecem e valorizam os jovens, mesmo que de forma bastante limitada e moralista.

A possibilidade de os jovens vivenciarem os elementos modernizantes da sociedade brasileira em meio a práticas religiosas é de extremo valor para eles, pois gera um sentimento de inclusão. O Geração Fusion, da Reviver Church consiste num local onde os jovens podem se inserir, construir relações, amizades e relacionamentos amorosos de forma facilitada, uma vez que a própria organização social brasileira, assim como para Leonardo, vem fechando as portas, tirando as possibilidades e relegando os jovens a sua própria sorte, num contexto de redução dos investimentos em políticas públicas, educação, saúde e geração de empregos.

De maneira geral percebe-se através das lideranças e de uma tendência desse segmento religioso a concepção de que devem transformar os elementos seculares e atrativos às juventudes em elementos religiosos, sagrados. Nitidamente esta é uma tentativa de sobrevivência e maior permeabilidade da religião nas juventudes; há esta constante busca por elementos que se façam presentes na vida dos jovens, uma vez que é impossível cercear todos os ambientes em que estes estão inseridos, sendo a Igreja apenas um período curto de tempo durante a agitada vida cotidiana. Uma Igreja, com todas as características elencadas neste trabalho, evidencia-se como uma das poucas instituições que acolhe, aceita e dá garantias, mesmo que baseada em crenças e práticas religiosas.

A Reviver Church é uma alternativa aos jovens que buscam nela dicas espirituais e terapêuticas através de uma roupagem e imagem que se impõe como moderna e atual. Por último, os jovens em transição à vida adulta e sujeitos a diferentes vulnerabilidades acabam por buscar nela condições físicas, espirituais e emocionais para os problemas cotidianos, além é claro de identificar-se com outros indivíduos de mesma faixa etária, dúvidas, anseios e códigos.

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Notas

1 O processo de pesquisa foi composto por participação nos cultos, nas atividades cotidianas com os jovens em âmbito interno, bem como em âmbito externo. Durante toda a inserção, foi elaborado um diário de campo, possibilitando assim um acúmulo de material de pesquisa, resultando assim em diferentes análises.
2 Que possuíam uma média de quarenta jovens presentes ao longo do ano de participação e observação.
3 As informações que são apresentadas a seguir são oriundas da pesquisa de campo e dos diálogos com os sujeitos vinculados à respectiva instituição religiosa. A convivência religiosa e a investigação, sob o prisma das Ciências Sociais, eram de conhecimento prévio, acordado e apresentado a todos(as) envolvidos(as).
4 O processo histórico de consolidação de religiões oriundas do protestantismo no Brasil perpassa uma ampla generalização, sendo normalmente reconhecidas enquanto Igrejas Evangélicas. Por vezes haverá referência nesse trabalho ao meio evangélico ou protestante, ambos englobam as vertentes pentecostal, neopentecostal, presbiteriana, metodista, episcopal, histórica, anabatista, entre tantas outras. Para maior aprofundamento na temática ver Cunha (2007).
5 As expressões “protestante” ou “evangélico” que estarão presentes no decorrer do texto compreendem um grande eixo de religiões oriundas do protestantismo e suas centenas de fragmentações, entre elas os batistas, presbiterianos, pentecostais, episcopais, renovados etc.
6 Nome fictício, uma vez que buscamos preservar a identidade dos nossos sujeitos.
7 No meio (neo)pentecostal o demônio e o satanás são seres que fazem parte de todo a crença religiosa, criando assim uma polarização entre Deus e os seus inimigos que, agem diretamente na vida dos fiéis influenciando-os a trilharem fora dos caminhos para uma vida sem pecados.
8 A Catequese é um período de preparação, estudos bíblicos e históricos sobre Deus, ou seja, é uma formação realizada pela Igreja para que os jovens cumpram os sacramentos religiosos, tal como a primeira eucaristia.
9 A Renovação Carismática Católica (RCC) é um movimento de reavivamento que surge no âmbito do catolicismo, tornando-se uma das principais frentes de combate ao avanço do pentecostalismo. Suas características aproximam-se do pentecostalismo, através da ênfase na ação do Espírito Santo, e no constante combate das forças espirituais, ver Oro e Alves (2013).


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