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O início de carreira de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental
The career start of an educator who teaches mathematics in the early years of Elementary School
El principio de carrera de una maestra que enseña matemática en la educación primaria
Revista NUPEM (Online), vol. 14, núm. 31, pp. 263-279, 2022
Universidade Estadual do Paraná

Temática Livre


Recepción: 18 Noviembre 2020

Aprobación: 17 Septiembre 2021

DOI: https://doi.org/10.33871/nupem.2022.14.31.263-279

Financiamiento

Fuente: FAPEMIG

Nº de contrato: APQ CHE 00771-14

Descripción del financiamiento: Agradecemos ao apoio da FAPEMIG (APQ CHE 00771-14).

Resumo: O objetivo, neste artigo, foi identificar e discutir desafios de uma professora iniciante que ensina matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Desenvolveu-se um estudo de caso que oportunizou a utilização de diferentes fontes de dados e o uso da triangulação para análise. São aqui apresentados dados da narrativa oral da professora. As discussões realizadas indicaram que a professora apresentou características do início de carreira e também de professores experientes, revelando que esses momentos não tem fronteiras e limites bem delimitados. Sobre a sobre-vivência, a docente explicitou insegurança por ser sujeito da pesquisa, dificuldades em relação a ensinar matemática, em lidar com alunos com deficiência e com situações inesperadas. Além disso, as reflexões evidenciaram também aspectos da descoberta como buscar formação continuada, satisfação em conseguir desenvolver atividades planejadas, utilizar jogos e questionar sobre a avaliação.

Palavras-chave: Formação de profes-sores, Início de carreira, Matemática, Anos iniciais.

Abstract: The objective of this article was to identify and discuss challenges of a beginning teacher who teaches mathematics in the early years of Elementary School at the School of Application of the Federal University of Roraima (UFRR). A case study was developed, thus allowing the use of different data sources and triangulation for analysis. Data from the teacher's oral narrative are presented here. The discussions held indicated that the teacher presented characteristics of her early career and also of experienced teachers, revealing that these moments do not have well-defined borders and limits. Regarding survival, the teacher showed insecurity for being the subject of the research, difficulties in relation to teaching mathematics, dealing with students with disabilities and with unexpected situations. In addition, the reflections also highlighted aspects of the discovery such as seeking continuing education, satisfaction in being able to develop planned activities, using games and asking questions about the assessment.

Keywords: Teacher education, Early career, Mathematics, Early years.

Resumen: Este artículo tuvo como objetivo identificar y discutir desafíos de una maestra iniciante que enseña matemática en la Educación Primaria del Colegio de Aplicación de la Universidad Federal de Roraima (UFRR). Se desarrolló un estudio de caso que permitió la utilización de diferentes instrumentos de recolección de datos y la triangulación para análisis. Los datos presentados aquí son de la narrativa oral de la maestra. Las discusiones realizadas indicaron que la maestra presentó características del principio de carrera y también de maestros con experiencia, revelando que dichos momentos no tienen fronteras y límites bien definidos. Sobre la supervivencia, la maestra explicitó inseguridad por hacer parte de una investigación, dificultades en relación a enseñar matemática, a tener alumnos con deficiencia y a situaciones inesperadas. Además, las reflexiones evidenciaron también aspectos del descubrimiento, como la búsqueda por formación continuada, la satisfacción de lograr desarrollar las actividades planeadas, la utilización de juegos y la reflexión sobre la eficacia de la evaluación.

Palabras clave: Formación de profesores, Inicio de carrera, Matemática, Educación Primaria.

Introdução

Os estudos sobre formação de professores, com o passar dos anos, vêm se desenvolvendo no sentido de buscar compreender o professor, seus conhecimentos, suas angústias, seus dilemas e suas dificuldades, ou seja, conhecer o professor em exercício e não somente analisar os cursos de formação, pois “no processo de formação e, em especial, a formação de professores, é reconhecida a importância da existência de determinadas características pessoais e de contextos profissionais que favoreçam sua operacionalização” (Papi; Martins, 2010, p. 40).

Faz-se necessária, por parte do professor, uma conduta de disponibilidade e abertura e isso pode ocorrer a partir do momento em que os contextos profissionais estimulem, valorizem, abram espaços e deem tempo para sua realização. Nunes (2001) ressalta a importância de considerar a formação dos professores como uma (auto)formação, uma reelaboração dos saberes que os docentes trazem. Com isso, seus saberes vão sendo constituídos a partir de uma reflexão sobre sua prática. Para o autor, essa tendência reflexiva vem se apresentando como um novo paradigma na formação de professores.

Pensando nessas problemáticas, a partir da participação dos autores na pesquisa “Práticas docentes em ciências e matemática de professores dos anos iniciais em início de carreira” financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)1 e também pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Juiz de Fora, temos como objetivo, neste estudo, identificar e discutir desafios de uma professora iniciante que ensina matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

Para esta investigação, desenvolvemos um estudo de caso no qual utilizamos, para produção dos dados, questionário de caracterização, observação direta das aulas, diário de campo e narrativas escritas e orais da professora pesquisada. Com a escolha desses instrumentos, buscamos enriquecer e contribuir com as discussões do campo de pesquisa que trata do professor iniciante como um sujeito que, em sua inserção na carreira docente, enfrenta dilemas, desafios e sentimentos de medo, angústia e incertezas.

Para tanto, traremos o referencial teórico que embasou nossas discussões e os caminhos percorridos na pesquisa. Em seguida, apresentaremos e analisaremos os dados e, por fim, teceremos algumas considerações.

A formação de professores e o início de carreira docente

A expressão “formação” tem significado próprio e não pode ser confundida com outros termos que lhe são correlacionados, pois esse conceito “possui uma dimensão que é pessoal e se relaciona ao desenvolvimento humano, o que impossibilita sua vinculação restrita ao âmbito da técnica” (Papi; Martins, 2010, p. 40).

A formação de professores pode propiciar uma prática docente organizada de maneira a promover a educação das crianças para sua inserção social. Para Costa (2012), compreender a formação de professores tem favorecido a superação da racionalidade técnica, que vem acompanhando historicamente os cursos de formação inicial. Superar essa concepção enseja outra visão de formação e dos saberes exige outras formas de ensinar e de aprender para lidar com a complexidade do cotidiano docente.

Gatti (2010) pondera que a formação de professores para a Educação Básica tem que partir do seu campo de prática e agregar a ele os conhecimentos necessários de acordo com seus fundamentos e com as mediações didáticas exigidas, sobretudo por se tratar de uma formação para o trabalho educacional com crianças, jovens e adultos.

Na mesma linha, relacionando a formação ao processo de ensino e aprendizagem e ao campo da prática, Carneiro (2012) destaca que este é complexo e que as crenças dos professores precisam sofrer rupturas, de forma a incentivá-los a buscar sua formação continuada e modificar sua prática de sala de aula, e não apenas servir para justificar práticas engessadas.

A partir de 2002, segundo André (2006), as pesquisas mudaram de foco, de modo que os cursos e os programas de formação, que eram o centro das pesquisas, começaram a ficar em segundo plano, enquanto as investigações sobre o professor e seus desafios em sala de aula tiveram destaque, com o objetivo de compreender suas opiniões, representações, idealizações, saberes e práticas. Desenvolveram-se, a partir daí, estudos que utilizam uma abordagem teórico-metodológica que dá a voz ao professor, a partir da análise de suas trajetórias e histórias de vida (Nunes, 2001).

Essa mudança de foco possibilitou também o surgimento de estudos sobre a relação da formação de professores com o início da docência, configurando-se como uma das temáticas dentro desse campo maior. Entretanto, não se trata de um olhar fragmentado para a formação e/ou para as histórias de vida de professores, pois compreendemos, assim como Corrêa e Portella (2012), que a formação de professores é um processo contínuo, sem um fim estabelecido a priori, do qual fazem parte a experiência acumulada durante a passagem pela escola enquanto estudante, a formação inicial, a iniciação à docência, a passagem de estudante a professor e, por fim, a formação continuada.

Por conseguinte, considerando todo o processo formativo é possível entender que a formação assume grande relevância para os professores iniciantes, visto ser nesse período que ocorre a intensificação do aprendizado profissional e pessoal, a transição de estudante a professor, a mudança da condição de trabalho leigo para profissional, de inexperiente para expert, de identificação, de socialização e de aculturação profissional (Romanowski, 2012; Marcelo, 2009) em que se constrói o “eu” profissional que se desenvolve ao longo da carreira docente.

Os professores vivenciam o ciclo de vida profissional que, segundo Huberman (1995), é distribuído em fases. A primeira delas, o início de carreira, expressa como ocorre a inserção do professor na carreira docente com seus medos, suas dúvidas, suas angústias e diversos sentimentos que marcam esse período. Para esse autor, o desenvolvimento da carreira é um processo com patamares, regressões e descontinuidades.

Para a entrada na carreira, Huberman (1995) descreve dois estágios: a sobrevivência e a descoberta. A sobrevivência, também chamada de “choque de realidade”, é a confrontação inicial com a complexidade da comunidade escolar, em que o profissional compara as teorias e as ideias estudadas no curso de formação inicial com a realidade do dia a dia de trabalho e experimenta a convivência com todos que atuam nesse espaço. A descoberta, por sua vez, traduz o entusiasmo inicial por estar finalmente com a responsabilidade de ter sua própria sala de aula e seus alunos. É possível verificar os dois estágios acontecendo simultaneamente, porém, pode ocorrer também apenas um desses aspectos.

Papi e Martins (2010, p. 43) destacam os primeiros anos de exercício profissional como fundamentais para a configuração das ações profissionais futuras e para a própria permanência na profissão. Esse momento pode se tornar mais fácil ou mais difícil de ser enfrentando “dependendo das condições encontradas pelos professores no local de trabalho, das relações mais ou menos favoráveis que estabelecem com outros colegas, bem como da formação que vivenciam e do apoio que recebem nessa etapa” de construção profissional. Segundo as autoras (2010, p. 44):

É no período de iniciação profissional que o professor se defrontará com a realidade que está posta e com contradições que nem sempre estará apto a superar. Seus conhecimentos profissionais são colocados em xeque e a postura que assume pode ir desde uma adaptação e reprodução, muitas vezes, pouco crítica ao contexto escolar e à prática nele existente, a uma postura inovadora e autônoma, ciente das possibilidades, dos desafios e dos conhecimentos profissionais que sustentam sua ação pedagógica.

A construção da autoimagem do professor iniciante se dá também a partir das influências de seus pares. Os dados da pesquisa de Mariano (2008) mostram a influência do professor mais experiente na atuação profissional do iniciante. É no início da carreira que o docente se depara com intensas aprendizagens e enfrenta contradições em sua postura e em sua prática por não conseguir incorporar aspectos que, em seu imaginário, são antagônicos como, por exemplo, ser tranquilo com os alunos e, ao mesmo tempo, rigoroso. Embora trabalhando em conjunto, num ambiente coletivo, sente-se isolado, passando por uma solidão que parece tornar ainda mais difícil o início da docência.

Nono e Mizukami (2006) ressaltam que o início de carreira é um período no qual os professores procuram ajustar suas expectativas e seus ideais sobre a profissão às condições reais de trabalho, procurando lidar com uma série de limitações que impactam diretamente sobre ele, tentando permanecer na profissão e manter certo equilíbrio diante dos sentimentos contraditórios que marcam a entrada na carreira.

Ainda que tais características sejam marcas constantes dessa fase da carreira docente, estudos sobre esse início e professores iniciantes aparecem apenas mais recentemente nas investigações, devido, possivelmente, ao fato de poucos pesquisadores estarem envolvidos com pesquisas sobre esse momento da carreira. Segundo Romanowski (2012), isso contribui para a permanência da situação de abandono com que se deparam esses profissionais e não favorece uma perspectiva de mudança das culturas, das políticas e das práticas em torno desse período da carreira docente.

É importante que o professor iniciante seja compreendido de maneira diferente, porém, o atendimento a essa necessidade não é levado em consideração pela maioria das instituições escolares, que ainda pouco conhecem ou discutem as pesquisas sobre a temática e, portanto, não têm condições de criar políticas de acolhimento e de formação de professores em início de carreira.

A formação do professor que ensina matemática nos anos iniciais

Uma das características dos anos iniciais do Ensino Fundamental é a presença de um professor licenciado em Pedagogia e que, na maioria dos casos, ministra todas as disciplinas do currículo. Essa tarefa é complexa para esses profissionais que precisam desenvolver saberes teóricos e práticos capazes de possibilitar a aprendizagem dos alunos, respeitando aspectos, culturais, sociais e científicos de cada componente curricular.

Para Carneiro e Passos (2014), a formação do pedagogo tem sido foco de muitos questionamentos frente a diferentes necessidades que esses profissionais precisam ao concluírem a licenciatura em Pedagogia, pois ele é formado para atuar na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, na Educação de Jovens e Adultos e ainda participar da gestão escolar, da administração etc.

Com tantas atribuições, esse professor tem um contato muito reduzido com metodologias e aprendizagens do que e como ensinar os conteúdos e conceitos das disciplinas. Um dos questionamentos em diversos trabalhos sobre professores dos anos iniciais refere-se à carga horária reduzida das disciplinas para o ensino de matemática (Carneiro; Passos, 2014, Curi, 2005).

Um desafio no curso de Pedagogia é a resistência dos futuros professores em compreender os conteúdos de matemática, tendo em vista que apresentam dificuldades de aprendizagem desses conhecimentos que, segundo estudos na área aqui apresentados, é decorrente da forma como aprenderam matemática durante sua escolarização.

Os problemas no ensino de matemática envolvem vários fatores devido à lacunas na formação dos docentes, principalmente, quando se trata dos anos iniciais, pois, segundo a Resolução CNE/CP n. 1/2006 (Brasil, 2006), o pedagogo pode trabalhar com diferentes áreas disciplinares do conhecimento, bem como realizar diversas e distintas atividades educacionais.

Percebe-se que as atribuições do pedagogo são múltiplas, configurando, com isso, uma complexidade no que diz respeito ao fazer docente desses profissionais. Segundo Nacarato (2010), os futuros professores que atuarão nos anos iniciais do Ensino Fundamental podem apresentar dificuldades relacionadas às marcas negativas que trazem com relação à disciplina e aos bloqueios de sua aprendizagem, fatores esses que acabam por deixar o ensino de matemática ainda mais complexo, uma vez que eles ensinarão não somente matemática, mas outras disciplinas também. Para a autora, esses dados alertam que é preciso adotar práticas de formação nas quais essas crenças e esses modelos de aulas sejam explicitados, discutidos e problematizados.

Como foi analisado no trabalho de Nacarato, Passos e Carvalho (2004, p. 10):

Um dos grandes desafios para os formadores de professores que ensinam ou ensinarão Matemática - graduandos da Pedagogia - não reside apenas em romper barreiras e bloqueios que estes trazem de sua formação matemática da Escola Básica, mas, principalmente, em provocar a tomada de consciência desses fatos, trazendo-os à tona para que possam ser objeto de reflexão, superação e (re)significação.

Para as autoras, as disciplinas referentes ao ensino de matemática devem ser pautadas nos fundamentos, nas questões filosóficas, nas sociológicas e nas metodológicas, para que se tenha uma construção profissional do professor que lhe permita lidar com as incertezas, as dúvidas e com os diferentes pontos de vista de seus alunos.

Apesar de todas as discussões sobre os cursos de Pedagogia, verificam-se poucas mudanças. O estudo sobre as grades curriculares e as metodologias nas disciplinas da área de matemática dos cursos de Pedagogia revela um quadro bastante preocupante (Curi, 2005). Ainda segundo a autora, a organização da disciplina de Metodologia do Ensino de Matemática, em algumas instituições de ensino, era unificada à outra referente aos conteúdos matemáticos e abordava aspectos metodológicos com predominância de temas de caráter mais geral do ensino de matemática.

Os professores polivalentes, como são chamados os licenciados em Pedagogia, por trabalharem com as diversas disciplinas, levam consigo suas histórias, seus medos e suas angústias relacionadas ao ensino de matemática nos anos iniciais. Para Curi (2005), o primeiro desafio na disciplina de matemática consiste em romper as barreiras que muitas deles trazem com relação ao ensino enraizadas na Educação Básica. Na sua pesquisa, foi verificado que muitos professores apresentam lembranças de docentes que os influenciaram, até mesmo na escolha da profissão e que, muitas vezes, utilizavam em suas aulas apenas lousa, giz e livro didático.

Ao longo dessa trajetória, os futuros professores apropriam-se de metodologias usadas por seus professores da Educação Básica ou mesmo da graduação, que, na maioria das vezes, não trazem momentos de reflexão e compreensão do ensino de matemática nos anos iniciais.

A partir das narrativas das alunas-professoras participantes da pesquisa de Carneiro (2014), o autor percebeu que os conhecimentos explicitados pelos seus sujeitos eram baseados em suas vidas escolares e o ensino de matemática fundamentado na reprodução de conteúdos.

Refletir sobre a prática pedagógica é fundamental para a (re)significação dos saberes e o fazer docente. Para Carneiro (2014), o ato de refletir e escrever sobre a docência é um passo importante para professoras dos anos iniciais enfrentarem as dificuldades que surgem durante sua trajetória acadêmica. Esse movimento de (re)conhecer, (re)encontrar e (re)significar o fazer docente tem papel fundamental para refletir e atuar na incorporação de novos conceitos e metodologias de ensino nesse nível escolar.

Vale destacar que, ao se deparar com o cotidiano escolar, o professor em início de docência encontra um ambiente complexo em que precisa estabelecer relações com seus pares, com seus alunos, com a coordenação pedagógica e com a comunidade escolar. Essa realidade traz à tona vários sentimentos, entre eles o medo, a solidão, as angústias, os conflitos pessoais, a insegurança como também muitas aprendizagens repentinas e intensas. A forma como esse profissional vai enfrentar esses desafios é o que o tornará um professor que reflete e compreende seu papel na educação.

Marques (2013) compreende o ensino e a aprendizagem de matemática como uma atividade que se desenvolve em grupos, com foco nas aulas, nos planejamentos dessas aulas, nas relações entre alunos e professores e, certamente, essas atividades interferem positivamente nas práticas pedagógicas desses professores.

Perin (2011), ao investigar as vivências de professores de matemática em início de carreira, ressalta que os professores tentaram aproveitar todos os momentos de conversas com os colegas para aprender sobre a docência em matemática, além de buscaram apoio nas lembranças de seus antigos professores. Portanto, é preciso que a escola proporcione para esses profissionais oportunidades para compartilharem e refletirem sobre o fazer docente nos anos iniciais.

O diálogo e os processos de reflexão são instrumentos importantes para ajudar esses professores dos nos iniciais nessa fase da docência frente às várias disciplinas, incluindo, a matemática. Como cada professor atua na perspectiva que pensa ser a melhor, a cada início de ano, muitas sofrem um choque de realidade (Nacarato, 2013), possivelmente, um trabalho coletivo nesse sentido realizado pela escola minimizaria esses conflitos. Ainda para a autora, analisar as práticas pedagógicas de professores significa considerar que eles ocorrem num contexto real e não idealizado.

O professor é um profissional em constante aprendizagem e é importante que ele se compreenda e entenda também o seu papel na comunidade escolar, por isso, a importância de desenvolver a reflexão, pois eles podem trazem sentimentos de medo, de incertezas, de angústias, mas acima de tudo vontade de aprender e contribuir com a Educação das crianças nos anos iniciais. Por isso, também, são fundamentais discussões e reflexões sobre o início de carreira nos anos iniciais.

Percurso metodológico

As pesquisas sobre formação de professores e saberes docentes surgiram com a marca da produção intelectual internacional decorrente do desenvolvimento de estudos com abordagem teórico-metodológica que dá voz ao professor, a partir da análise de trajetórias e de histórias de vida (Nunes, 2001).

Como parte do crescente conjunto de trabalhos decorrentes desse investimento internacional, o presente estudo se situa entre aqueles que, por meio de diferentes instrumentos de produção de dados - questionário, entrevista e narrativas orais e escritas - busca identificar e discutir desafios vividos por uma professora em seu início na carreira docente.

Para dar início à construção da proposta metodológica, entramos em contato com a direção do CAp-UFRR, explicamos sobre o trabalho, os seus objetivos e solicitamos, em seguida, autorização para realizar a pesquisa na instituição. Esse contato com a coordenação do Colégio fez-se necessário para demonstrar a seriedade, o compromisso e a ética do pesquisador com a investigação e com os participantes da pesquisa. Submetemos a pesquisa ao Comitê de Ética de Pesquisas com Seres Humanos da UFRR e obtivemos sua aprovação2.

A princípio, buscamos desenvolver uma pesquisa baseada em encontros com as professoras dos anos iniciais do Colégio de Aplicação (CAp) que atuassem nas disciplinas de ciências e matemática e estivessem nos seus primeiros anos da docência. Para tanto, foi feito um levantamento no quadro de docentes a fim de identificar aqueles que se enquadrariam nos critérios da pesquisa: estar no início da carreira, com até três anos de atuação, e lecionar nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Foram encontradas três possíveis participantes, todas elas mulheres.

As professoras do CAp foram convidadas a participar de encontros quinzenais, em que escreveriam narrativas, a partir da leitura de textos, de atividades e de vídeos relacionados à docência, ao ensino de ciências e de matemática. No entanto, uma das três professoras que tinha potencial para participação na pesquisa ficou somente dois meses na escola, ou seja, saiu antes de começar a pesquisa de campo. Já a outra professora que seria sujeito da investigação estava lecionando as disciplinas de português, história e geografia, ou seja, não estava trabalhando com ciências e/ou matemática.

Esse momento de busca dos sujeitos da pesquisa mostra muito do que foi discutido em termos de início de carreira. A grande rotatividade de cargos e escolas devido à não efetivação na carreira que causa insegurança e é também uma prática cada vez mais comum nas escolas, decorrente da fragmentação das disciplinas.

No cenário apresentado, restou apenas uma professora que atendeu aos critérios do nosso estudo. Resolvemos então realizar um estudo de caso, por ser uma investigação empírica (Yin, 2015), um método que abrange planejamento, técnicas de produção de dados e sua análise. Com o estudo de caso, buscamos contribuir para a ampliação das investigações referente ao professor iniciante.

Utilizamos como instrumentos de produção de dados, neste artigo, uma narrativa oral da professora referente à aspectos ocorridos na disciplina de matemática, já que no estudo de caso são permitidas combinações de técnicas visando alcançar o objetivo proposto.

A professora participante desta investigação é Margarida, nome fictício escolhido pela pesquisadora, a pedido da professora, para manter seu anonimato. Margarida tinha 27 anos na época da pesquisa e formou-se em Pedagogia em 2014 pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Fez esse curso por ser totalmente noturno, pois precisava trabalhar durante o dia para ajudar a família com as despesas de casa. Depois de formada, fez uma pós-graduação lato sensu em gestão escolar e estava concluindo o mestrado em Educação na Universidade Estadual de Roraima (UERR).

As observações foram realizadas na sala de aula do 2º ano do Ensino Fundamental do CAp/UFRR, todas às quartas e às quintas-feiras nos horários de aula da professora, no período matutino, durante aproximadamente quatro meses, iniciando em agosto e finalizando em novembro de 2017. A turma era composta por 25 estudantes de aproximadamente 7 anos de idade, sendo que dois deles apresentavam deficiência e eram acompanhados por tutores.

Foram observadas, ao todo, 32 aulas, escritas 6 narrativas e registradas 33 entradas no diário de campo da pesquisadora. Esse material foi oferecido à leitura para a professora Margarida e foi objeto de uma narrativa oral gravada e, posteriormente, transcrita em que ela refletiu sobre esse material e fez observações.

Neste artigo, apresentamos desafios de Margarida a partir de sua narrativa oral realizada após o período das observações, em que conversamos a respeito do processo de reflexão e de escrita de narrativas sobre o início de carreira.

Desafios vivenciados por uma professora no início da carreira docente

Após a realização da pesquisa de campo foi marcado um encontro com a professora Margarida para apresentar os registros produzidos com base nas observações e nas narrativas. A professora ressaltou que, em um primeiro momento, foi muito complicado ser pesquisada, analisada, observada. Margarida relatou suas preocupações:

Será que vou conseguir ser natural?! Porque no início me senti incomodada e acuada com a situação e as crianças perguntavam o que tanto a professora pesquisadora escrevia, e isso era muito novo para mim. Mas ao mesmo tempo, me senti privilegiada e honrada por fazer parte de uma tese de doutorado e poder contribuir com as pesquisas sobre professores iniciantes (Margarida, entrevista, 2018).

Segundo a professora Margarida, ler sobre como alguém a vê foi estranho, mas percebeu que, mesmo tendo planejado todas as aulas e imaginado que faria exatamente como o planejamento, deparou-se com situações diante das quais precisou mudar ou adaptar a proposta inicial e, lendo o texto, percebeu que, por mais que tenha se preparado para dar aula, sentia-se muito insegura, mas que isso aconteceu porque era professora há pouco tempo e se cobrava muito. Acrescenta ainda que tinha muito medo de chegar à sala e não saber o que fazer, e que isso a “movia a estudar e preparar para entrar em sala de aula todos os dias”. Além disso, ao ler o texto e as observações feitas pela pesquisadora, primeira autora deste artigo, Margarida comentou: “conseguir realizar o que me propus com meus alunos, me deixa muito feliz e realizada por saber que estou no caminho certo” (Margarida, Entrevista, 2018).

Esse comentário de Margarida explicita o quanto é importante a devolutiva da pesquisa para o sujeito investigado. Ela relata as inseguranças e o medo do olhar da pesquisadora para sua prática de sala de aula. Em muitos trabalhos que lemos para construção desta investigação, não foi considerada a visão dos participantes após o estudo. Entretanto, a pesquisa pode ser um processo formativo também para o professor participante, que pode refletir sobre sua prática, como ocorreu com Margarida nesse momento relatado.

Essa insegurança de Margarida pode ter surgido devido à uma possível avaliação negativa de suas práticas docentes e que exporia dificuldades que já discutimos e que são comuns ao início de carreira. Esse fato poderia deixá-la envergonhada e ainda mais insegura para continuar com suas aulas, contribuindo para aumentar esse sentimento, nesse já conturbado período da carreira. Por isso, o pesquisador precisa ser ético, respeitoso, retornar os dados produzidos ao pesquisado e ter cuidado ao desenvolver estudos em sala de aula de professores.

Margarida mostrou-se surpresa ao ler o texto e sentiu-se satisfeita em saber que estava conseguindo realizar as atividades que se propunha a fazer com sua turma. Mesmo com pouca experiência e inseguranças típicas dos professores iniciantes, ela intercalava momentos de inquietação quando devia chamar a atenção dos alunos para prestarem atenção na aula, com momentos de alegria ao perceber que os estudantes estavam interagindo com ela nas aulas e aprendendo. Esses aspectos ressaltados pela professora mostram características tanto do professor iniciante quanto do experiente que são destacadas por Huberman (1995), ao esclarecer que não há fronteiras e limites bem definidos entre as fases propostas por ele no ciclo de vida do professor, assim aspectos de diferentes momentos do ciclo de vida do professor podem conviver ao mesmo tempo.

Para a professora, o ano em que desenvolvemos a pesquisa foi muito difícil e desafiador. A turma possuía, entre seus 25 alunos, duas crianças com deficiência que precisavam do auxílio de tutores e, além disso, houve a perda inesperada de um aluno que faleceu em decorrência de um acidente de moto. Segundo ela, “a formação inicial não ensina a passar por várias coisas que acontecem em sala de aula” (Margarida, Entrevista, 2018).

A sala de aula é um lugar de muita complexidade que, por vezes, não pode ser apreendida, compreendida pelo futuro professor e tampouco ensinada na formação inicial como uma receita, por isso, García (1999, p. 14) destaca que os docentes em início de carreira “são estrangeiros num mundo estranho, um mundo que lhes é simultaneamente conhecido e desconhecido”. Isso se deve ao fato de que, embora terem “passado milhares de horas nas escolas a ver professores e implicados nos processos escolares, os professores principiantes não estão familiarizados com a situação específica em que começam a ensinar”.

Toda a diversidade de situações que podem ocorrer em uma escola e em uma sala de aula não é possível de ser pensada e discutida em um curso de formação, por isso, a necessidade de aprendizagem constante ao longo de toda a carreira. Além disso, a importância de políticas públicas de acompanhamento do início de carreira docente.

Na perspectiva de Margarida, ensinar matemática foi desafiador. Por ter muito medo de não saber ensinar e mediar o conhecimento, participou de cursos de formação continuada sobre jogos e sobre como produzir materiais, estudou muito para começar a dar aula. Essa consciência da professora diz muito sobre como vivenciou a disciplina de matemática na Educação Básica e no curso de formação inicial. Além disso, demonstra a consciência da professora em relação às suas dificuldades, o que a fez procurar ajuda em cursos de formação.

Em suas narrativas, Margarida relatou suas memórias em relação ao ensino de matemática em que fez destaques dos momentos de dificuldades e de questionamentos:

Consegui contextualizar as questões e eles aprenderam a interpretar e não apenas a realizar as operações matemáticas. No início, percebi que estava reproduzindo as aulas como os professores que tive e propondo atividades que enfatizavam somente a memorização, por exemplo, ensinando apenas as operações da maneira que aprendi na época em que era aluna (Margarida, Entrevista, 2018).

Margarida percebeu que estava rompendo com a maneira como seus professores ensinavam, ao verificar que conseguiu contextualizar as práticas para o ensino de matemática.

A reprodução de professores que os docentes iniciantes tiveram em sua vida escolar é uma maneira de sentir segurança nessa fase da carreira e, de acordo com Nacarato, Mengali e Passos (2009), tem forte influência na sua identidade e na constituição do seu modelo de aula.

Esse modelo de aula que se baseia na memorização e na reprodução vem sendo construído ao longo da história, está cristalizado na cultura escolar e presente na formação escolar dos professores (Cezari; Grando, 2008). Dessa forma, é preciso romper com esse modelo e o relato da professora evidencia sua tomada de consciência desses aspectos levando-a a não querer proporcionar a seus estudantes um ensino de matemática da forma como vivenciou e colocando-a no movimento de buscar a formação continuada.

Uma prática que chamou a atenção foi a utilização dos jogos pedagógicos nas aulas da professora. Margarida explicou, em sua fala, que eles fazem parte do processo de aprendizagem dos alunos, pois estes demonstraram aprender com maior facilidade com a utilização de jogos para apresentar um determinado conteúdo. Em suas palavras, “com os jogos, eles podem visualizar a matemática no dia a dia, pois sempre são utilizados materiais de fácil acesso para sua construção, então para eles aquilo tudo era muito dinâmico” (Margarida, Entrevista, 2018).

Para a professora, eles poderiam construir conceitos e conteúdos matemáticos de maneira mais concreta, brincando e com os jogos conseguiram aprender brincando e levar essa aprendizagem para o cotidiano.

Os jogos no ensino de matemática, assim como qualquer estratégia metodológica, devem ter um objetivo claro e intencional de abordar determinado conteúdo matemático, pois, muitas vezes, a utilização dos jogos ocorre “espontaneamente, isto é, com um fim em si mesmo, ‘o jogo pelo jogo’, ou imaginando privilegiar o caráter apenas motivacional” (Grando, 2004, p. 15).

Ainda para essa autora (2004), a utilização de jogos pode desenvolver a formação de algumas atitudes nos alunos como uma atitude positiva perante o erro; a socialização, pois eles têm que tomar decisões em grupo; a necessidade de enfrentarem desafios e de desenvolverem a criticidade, a intuição, as estratégias para ganhar, etc.

Dessa forma, o uso de jogos pela professora é novamente uma característica de docente experiente, visto que modifica a dinâmica da sala de aula, muitas vezes, pode dar a ideia de que há indisciplina. Também é outra maneira de romper com a forma como aprendeu matemática durante sua vida escolar. Novamente, vemos ela se distanciar dos professores que pautavam suas aulas na memorização e na reprodução.

Ainda de acordo com Margarida, o fato de constatar no texto que ela chama a atenção das crianças, principalmente, nas aulas de matemática pode ser um indício de que eles já chegam com a crença de que matemática é difícil e mais importante que outras disciplinas. Isso também é observado pela professora, pois apenas alunos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) para as disciplinas de matemática e português, por serem, para muitos professores e coordenadores, disciplinas mais difíceis. Os alunos acabam reproduzindo essa compreensão.

O PIBID tem como objetivo contribuir para a formação de docentes e incentivá-la, mobilizando os professores da rede pública a participarem como coformadores, inserindo os alunos de licenciatura nas escolas e promovendo a articulação entre teoria e prática (Oliveira; Lugle, 2013). Ainda, segundo as autoras (2013, p. 282), baseadas nas ideias de Arendt (1988), são vários os caminhos pelos quais o professor pode assumir a responsabilidade coletiva, sendo um deles tornar o processo de ensino e aprendizagem mais significativo para a criança, relacionando-o aos saberes necessários para a compreensão do mundo.

A contribuição dos professores-bolsistas para essa construção do saber pelas crianças com o uso dos jogos pedagógicos sugeridos pela professora Margarida foi relevante para a aprendizagem dos alunos e trouxe satisfação e segurança, principalmente, no que se refere ao ensino de matemática.

Percebemos que a participação dos bolsistas foi além do desenvolvimento de práticas pedagógicas, pois esses futuros professores podem ter aprendido a lidar com os sentimentos dos alunos, da professora e, principalmente, com as vivências do dia a dia escolar. Essa experiência possibilita um início de carreira menos traumático para os professores iniciantes que passam por programas que inserem os alunos-professores no universo escolar.

Contudo, percebemos não só na fala da professora Margarida, mas também nas observações que fizemos a importância dos professores-bolsistas do PIBID para a realização de atividades em sala de aula, pois identificamos um trabalho em equipe da professora com os bolsistas. Ademais, foi importante perceber, na relação dos alunos com os professores-bolsistas, o afeto e a interação entre eles, o que contribuiu significativamente no processo de ensino e aprendizagem de ambos.

Além disso, podemos asseverar que a professora Margarida teve papel de formadora de professores na relação com os alunos do PIBID, o que pode ser considerado mais uma dificuldade para uma docente iniciante, visto que além das funções que já fazem parte de suas responsabilidades como professora, ainda teve que lidar com aspectos relacionadas à organização e ao planejamento do trabalho com os bolsistas, contribuindo com a formação deles. Porém, pelos seus relatos, essa tarefa levou-a a refletir sobre sua prática e colaborou para a formação dos futuros professores.

Durante as aulas, percebemos a importância da colaboração dos professores-bolsistas para a realização das atividades propostas pela professora Margarida. A sala de aula tornou-se um ambiente de intensas aprendizagens, em que era possível utilizar diferentes estratégias de ensino em consonância com as exigências de uma sala repleta de alunos com características distintas e peculiares. A presença dos professores-bolsistas parecia deixar a professora Margarida mais segura para o desenvolvimento das atividades, pois eles a ajudavam a organizar a turma e a sanar as dúvidas que surgiam.

Outro aspecto que merece destaque nas reflexões da professora remete à prática de exercícios e à avaliação da aprendizagem em sala de aula. Para a professora, os exercícios fazem parte do processo de ensino e aprendizagem do conteúdo e é preciso trabalhar muito bem os conceitos com eles. Já as avaliações começam a ser vinculadas a um sistema de provas no 2( ano, que é difícil para as crianças e para os professores, pois, como Margarida percebeu, é preciso realizar um trabalho que insira as crianças nas avaliações e lhes permita compreender que essas farão parte de sua vida escolar.

A docente ao apontar que os exercícios são parte do processo de ensino e aprendizagem, explicita que ainda não conseguiu romper totalmente com práticas engessadas de ensino de matemática, pois a concepção que se tem de exercício é que são tarefas fechadas que apresentam uma estrutura fechada e sem grande complexidade (Ponte, 2013), principalmente, se eles se pautarem apenas na reprodução de conceitos e conteúdos vistos em sala de aula.

Percebemos, também na fala de Margarida que ela não concordava com a necessidade de aplicar avaliações em forma de testes e de provas a seus alunos, porém, relatou que era obrigatória essa aplicação na escola onde atuava, mesmo sabendo da imaturidade dos seus estudantes para esse tipo avaliação. Segundo a docente, a avaliação é algo muito sério para os alunos, pois eles ficam nervosos; no entanto, esse é um momento burocrático e obrigatório exigido pelo sistema de ensino no Colégio de Aplicação, mas não comprova uma efetiva aprendizagem do aluno.

Esses contrastes são discutidos no texto de Charlot (2014, p. 94):

No Brasil, hoje, as práticas pedagógicas são basicamente tradicionais; aliás, a própria organização da escola, com espaço e tempo segmentados e avaliação individual, impõe, de fato, práticas tradicionais. Mas o professor tem de enfrentar uma dupla contradição. Em primeiro lugar, a pedagogia tradicional já não funciona em uma sociedade que tenta satisfazer os desejos e não mais os denuncia e combate. Em segundo lugar, o discurso oficial, o dos formadores, dos pesquisadores, das próprias autoridades acadêmicas, despreza a pedagogia tradicional e valoriza um “construtivismo” cuja realização prática em salas de aula normais permanece um tanto misteriosa.

Ainda segundo o autor, esse modo de articulação promove efeitos no funcionamento da própria escola que se torna cada vez mais um lugar de competição entre alunos. Assim, os processos e os modos de avaliação tendem a determinar, por um processo de feedback, os conteúdos e as formas de ensino.

Ao lidar com a contradição entre formas de ensino mais abertas e dinâmicas como, por exemplo, o uso de jogos no ensino de matemática e a avaliação tradicional na forma de provas, a professora Margarida enfrenta mais um desafio próprio do início de carreira, porém, com a experiência foi buscando formas de resolver. Esse sentimento contraditório é apontado por Nono e Mizukami (2006) como marca da entrada na carreira, quando os docentes tentam conciliar suas aspirações e crenças com as limitações impostas pelas condições reais de trabalho.

No dia da avaliação de matemática existia na sala um clima de tensão entre os alunos: todos estavam nervosos, ansiosos e questionavam a todo momento a professora sobre as questões da avaliação. Margarida explicava que era uma avaliação com assuntos que eles já tinham estudado e não era para ficarem nervosos, mas deveriam fazer silêncio e prestar atenção.

Esse momento de avaliação trouxe algumas indagações: como a escola pode exigir novas práticas pedagógicas do professor, mas continuar a impor métodos tradicionais de avaliação escrita para “medir” o conhecimento do aluno, principalmente, nos anos iniciais? Até que ponto essa avaliação tem importância significativa no processo de aprendizagem desses alunos?

O que observamos na sala de Margarida foram alunos confusos ao responder às questões da avaliação e uma professora angustiada com aquela situação, pois, ao mesmo tempo em que solicitava às crianças para responderem às questões, também ia até suas mesas para ajudar. Percebemos que o simples fato de falar que era uma avaliação mudou muito o modo como os alunos e a professora encaravam aquele momento, já que durante a aplicação de atividades as crianças agiam de forma mais tranquila e natural.

Para Andrade et al. (2015), o processo de avaliação nos anos iniciais do Ensino Fundamental pode fornecer uma contribuição significativa à prática diagnóstica e formativa do professor. Para tanto, é urgente que a avaliação passe a assumir o caráter transformador e não de mera constatação e classificação de alunos. Antes de tudo importa valorizar a promoção da aprendizagem e o desenvolvimento de todos os estudantes. É preciso que se realizem novos estudos e discussões para compreender a finalidade e a aplicabilidade da avaliação tanto para os professores quanto para os próprios alunos.

Percebemos que Margarida foi se descobrindo professora no dia a dia, junto com seus alunos. Os desafios foram sendo superados e a insegurança, diminuindo. Esse ciclo, definido por Huberman (1995), não se constitui em etapas fixas, mas em um processo dinâmico com características peculiares ao percurso pessoal e profissional de cada professor. Nessa perspectiva, segundo Corsi (2008, p. 3), essa fase da docência representa “um período em que o professor encontra situações inesperadas e, às vezes, difíceis de serem enfrentadas, mas que também é um período rico na construção de um saber especificamente ligado à prática pedagógica”.

Buscamos mostrar, com essas discussões, desafios vivenciados no dia a dia de uma professora no início da docência nos anos iniciais.

Considerações

A partir do objetivo proposto, identificar e discutir desafios de uma professora iniciante ao ensinar matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Roraima (UFRR), desenvolvemos um estudo de caso que apresentamos neste artigo.

Observamos nas discussões que Margarida apresentou, em diferentes situações, características tanto do início de carreira quanto de professores com mais experiência, revelando que esses momentos não tem fronteiras e limites bem delimitados como aponta a literatura da área.

Além disso, conseguimos verificar aspectos que fazem parte tanto da sobrevivência quando da descoberta.

No que se refere à sobrevivência, discutimos sobre a insegurança em relação ao fato de ser sujeito em uma pesquisa de doutorado. Esse sentimento foi amenizado pela prática da pesquisadora de apresentar à professora os textos produzidos a partir das observações de suas aulas e da escrita das narrativas que possibilitaram momentos de reflexão sobre a própria prática.

A partir de suas vivências em uma sala de aula do 2( ano do Ensino Fundamental, a professora iniciante experienciou diversos desafios, como a insegurança em relação ao seu planejamento e às aulas de matemática, dificuldade em lidar com alunos com deficiência e com situações inesperadas como o falecimento de um estudante.

Também se mostrou como um desafio lecionar a disciplina de matemática com a qual a professora não tinha muita afinidade. Ainda relatou dificuldade com relação ao trabalho com bolsistas do PIBID e contradição ao fazer uso de exercícios no ensino dos conceitos e conteúdos matemáticos.

Por outro lado, evidenciamos também diversos aspectos relacionados à descoberta como a busca por formação continuada como uma maneira de romper com a forma como aprendeu matemática na escola enquanto estudante e que não usar essas mesmas práticas com seus alunos.

A professora também pôde sentir satisfação ao verificar que conseguiu realizar as atividades planejadas com sua turma indicando a vontade de mudar a prática de sala de aula para romper com práticas engessadas. Para isso, por exemplo, usou os jogos.

Além disso, tornou-se formadora de professores ao organizar e ao planejar o trabalho dos futuros professores que participavam do PIBID e questionou-se em relação à proposta de avaliação da escola. Sobre esse aspecto, Margarida viveu um conflito em relação à obrigatoriedade de inserir a avaliação formal, em forma de provas e de testes, e a necessidade de acalmar e orientar as crianças sobre esse momento da vida escolar.

As discussões realizadas, neste artigo, evidenciam que os desafios de lidar com as contradições da profissão são muito intensos nos primeiros anos da docência e vão sendo vencidos, ou ao menos reconhecidos pelo professor, à medida em que aumenta a experiência na profissão.

Enfatizamos, a partir deste estudo, a necessidade de contextos profissionais que acompanhem e propiciem momentos reflexivos a professores em início de carreira, pois, conforme revela a professora participante, é por meio dessas reflexões que é possível entender as necessidades profissionais e compreender os desafios da prática de sala de aula.

Fontes

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MARGARIDA. Entrevista concedida à Francisca Edjane Scacabarossi. Boa Vista, 20 set. 2018.

Referências

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Notas

1 Agradecemos ao apoio da FAPEMIG (APQ CHE 00771-14).

Notas

2 Processo n. 70661917.6.0000.5302.


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