Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
A carta: breve análise acerca da escrita epistolar
Alex Rezende Heleno
Alex Rezende Heleno
A carta: breve análise acerca da escrita epistolar
The letter: a brief analysis of epistolary writing
La carta: un breve análisis de la escritura epistolar
Revista NUPEM (Online), vol. 15, núm. 34, pp. 114-126, 2023
Universidade Estadual do Paraná
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Este artigo busca discutir a relação do autor com a escrita da carta ao longo dos séculos. Além disso, faz uma aproximação entre a escrita da carta e a escrita literária. Para essa discussão utiliza-se a contribuição de Françoise Simonet-Tenant e Brigitte Diaz. Em seguida, faz-se uma comparação entre a escrita epistolar e os novos meios de comunicação, baseando-se, sobretu-do, nos estudos de Jean-Philippe Arrou-Vignod e Benoît Melançon. Nota-se que a partir do uso dos novos meios de comunicação houve uma perda da poesia encontrada na escrita epistolar.

Palavras-chave: Literatura, Corres-pondência, Tecnologias da comunica-ção.

Abstract: This article seeks to briefly discuss the relationship of authors with the writing of letters throughout the centuries. In addition, it makes an approximation between letter writing and literary writing. For this discussion, the contribution of Françoise Simonet-Tenant and Brigitte Diaz is used. It then compares letter writing with the new means of communication, based mainly on the studies of Jean-Philippe Arrou-Vignod and Benoît Melançon. It is noted that, from the use of new media, there has been a loss of the poetry found in epistolary writing.

Keywords: Literature, Epistolography, Communication technologies.

Resumen: Este artículo busca discutir brevemente la relación del autor con la escritura de cartas a lo largo de los siglos. Además, hace una aproximación entre la escritura epistolar y la escritura literaria. Para esta discusión se utiliza la contribución de Françoise Simonet-Tenant y Brigitte Diaz. A continuación, se hace una comparación entre la escritura epistolar y los nuevos medios, a partir, sobre todo, de los estudios de Jean-Philippe Arrou-Vignod y Benoît Melançon. Se nota que a partir del uso de los nuevos medios, hubo una pérdida de la poesía que se encuentra en la escritura epistolar.

Palabras clave: Literatura, Correspon-dencia, Tecnologías de la comunicación.

Carátula del artículo

Temática Livre

A carta: breve análise acerca da escrita epistolar

The letter: a brief analysis of epistolary writing

La carta: un breve análisis de la escritura epistolar

Alex Rezende Heleno
Instituto Federal de Roraima, Brasil
Revista NUPEM (Online), vol. 15, núm. 34, pp. 114-126, 2023
Universidade Estadual do Paraná

Recepción: 31 Agosto 2021

Aprobación: 13 Febrero 2022

O presente estudo busca fazer uma breve análise dos usos e modificações na escrita das cartas, sobretudo, na França1. Percorreremos os diferentes modos de utilização da carta durante os últimos séculos com a finalidade de perceber as mudanças ocorridas quanto aos objetivos do envio da mesma, quanto a sua composição e quanto ao seu conteúdo.

Será possível verificar, além disso, os diferentes posicionamentos do remetente com relação ao destinatário: o jogo de imagens de si que se constrói ao longo da comunicação e se modifica de um destinatário a outro, de um assunto a outro, o que ajuda a pensar as diferentes perspectivas daquele que envia uma carta. Além disso, serão analisados os variados estudos, de pesquisadores e teóricos, que tomam a correspondência como objeto de análise e pesquisa.

Nesse sentido, a constatação das décadas finais do século XX e do início do século XXI é que as cartas não são mais frequentes. Com o surgimento do telefone e, posteriormente, com a presença cada vez mais constante da internet, os meios de comunicação se modificaram drasticamente, havendo um abandono progressivo do uso da correspondência. A comunicação instantânea através do telefone e, principalmente, através do e-mail e dos novos programas de comunicação difere, em muito, da comunicação realizada através do envio de uma carta. Essa conta(va) com as incertezas do percurso, com a expectativa do recebimento por parte do destinatário, com a espera pela compreensão e pela resposta vinda desse interlocutor; além disso, a carta pode (podia) ter um tema único ou possibilitar a inclusão de mais de um assunto em seu conteúdo, tornando-se, às vezes, breve, às vezes longa, dependendo da situação comunicada, da distância e da frequência da troca epistolar.

O estudo da correspondência de um autor, torna-se importante justamente por ser um meio de comunicação que, muito além do simples objetivo de comunicar, revela, ainda, outros aspectos ligados à dinâmica da escrita, aos papéis desempenhados pelo remetente e pelo destinatário, ao tempo gasto entre o envio e o recebimento, aos assuntos e intenções da carta, ao grau de intimidade estabelecido, à compreensão estabelecida entre as partes, além dos ajustes e desajustes da imagem a ser remetida ao outro.

Deve-se questionar, portanto, em relação às mudanças nos meios de comunicação (em prol do telefone, do e-mail, das redes sociais - cujo objetivo é “acelerar” e “facilitar” a mesma): será que dessa forma não estamos perdendo também as experiências duradouras proporcionadas pela escrita de uma carta, deixando de lado, consequentemente, os detalhes da escrita, dos pensamentos, dos lamentos, da filosofia, da literatura, da política, do eu e de todas as dimensões que ela implica?

Com relação às dimensões que implicam a escrita da carta, Françoise Simonet-Tenant - pesquisadora, sobretudo, de textos que se ligam ao tema das escritas de si, em “Journal personnel et correspondance” (1785-1939) ou les affinités électives” - afirma que a carta foi, durante a Renascença, um meio de sociabilidade acadêmico e do saber. Além de seguir aspectos estruturais comuns, a carta tinha também uma função bastante específica:

A carta, na Renascença, foi antes de tudo o vetor de uma sociabilidade sábia e acadêmica: o exemplo mais notório é a rede epistolar constituída no entorno de Erasmo com os grandes desse mundo, detentores do poder político e religioso e com os humanistas disseminados por toda a Europa, onde a correspondência faz ofício “de encruzilhada de informações, de reflexões, de argumentações em escala europeia”. A carta, no século XVII, torna-se o instrumento de uma sociabilidade cosmopolita e ela será, por muito tempo, estranha a toda ideia de sentimentalismo e de intimidade (Simonet-Tenant, 2009, p. 28-292).

Ainda no século XVII, as mulheres começam a participar da sociabilidade epistolar, fato que, segundo Brigitte Diaz (em “L’épistolaire, ou la pensée nômade”), também pesquisadora de textos ligados às escritas de si, causa uma transformação na comunicação através das cartas:

A chegada das mulheres, no século XVII, ao cenário das cartas é a causa ou a consequência - talvez as duas ao mesmo tempo - de uma mutação nas sociabilidades epistolares. No passado, parte do microcosmo humanista, a carta torna-se nesse momento, mais modestamente, o agente de ligação de um grupo, de um clã, de um salão, fixando todos os argumentos de uma conivência do artifício. Dessas novas relações epistolares, as mulheres aparecem rapidamente como os intermediários e como os vetores privilegiados (Diaz, 2002, p. 213).

Houve, portanto, estudos (por vezes sexistas e machistas) que associaram o gênero epistolar à feminilidade, tendo em vista que a escrita se tornava cada vez mais ligada ao domínio do sensível, do íntimo, distanciando-se assim, numa visão pré-concebida, da escrita reflexiva e sábia, cultivada pelo sexo masculino (Diaz, 2002).

A escrita, bem como as intenções e objetivos da escrita da carta, vai se diferenciando ao longo das décadas. As regras estabelecidas pelos manuais epistolares vão sendo, com o tempo, abandonadas. A liberdade quanto à estruturação da carta e quanto à composição da mesma vai se transformando na medida em que a escrita da carta se aproxima de aspectos da intimidade do remetente e na medida em que esse encontra no destinatário o confidente ideal:

Ao final do século [XVII], não se esperava mais das cartas a perfeição bem calibrada de uma composição retórica impecável, mas, ao contrário, apreciam-se as falhas, os suspiros e os suspenses de uma palavra simplesmente humana. É, nesse momento, que a carta se reivindica claramente como um “espelho da alma”, segundo uma metáfora tanto emblemática quanto convencional (Diaz, 2002, p. 104).

“Espelho da alma”, uma definição bastante condizente com essa nova perspectiva quanto ao uso da carta. Isso justifica o fato de os estudos teóricos terem abordado a carta principalmente a partir do viés da escrita autobiográfica e intimista.

Dessa forma, a regulamentação da escrita de uma carta pelos manuais vai se tornando cada vez menos comum. Diversos autores do século XVIII e XIX escreverão contra as normas estabelecidas para a elaboração de uma carta, revelando uma escrita própria e uma identidade singular ao escrever. Há, em alguns casos, uma nova repartição entre o que é social e o que é individual, entre o que é coletivo e o que pertence ao foro íntimo:

É sem dúvida a razão pela qual os grandes epistológrafos do século XVIII e mais ainda aqueles do século XIX escreverão todos “contra”: contra as normas e os modelos enunciativos, contra a disciplina social e ideológica que esses modelos epistolares impõem insidiosamente. Em suas cartas, a única língua que eles pretendiam falar era a deles próprios, com sua gramática própria, seu vocabulário singular, seu alfabeto secreto (Diaz, 2002, p. 29-305).

Portanto, o século XVIII, definido como “o século das correspondências”, soube, de acordo com Brigite Diaz, se aproveitar da fluidez do gênero para explorar, com leveza ou profundidade, as diversas possibilidades da escrita epistolar. Seja se adequando às convenções estabelecidas ou inventando novas perspectivas de escrita, os autores desse século reinventaram o modo de emprego desse meio de expressão tão antigo:

Os epistológrafos e não somente os pensadores profissionais das Luzes, mas também as diletantes esclarecidas que fizeram a alegria de Stendhal ou de Sainte-Beuve - Mme. du Deffand, Julie de Lespinasse, Mme Roland, ou ainda Mme d’Épinay -, contornaram e transcenderam, com uma liberdade significativa, os interditos que o século precedente havia imposto à escrita epistolar para torná-la o terreno de uma atividade favorecida por um pensamento em progresso. Apesar de, bem antes deles, os pensadores da Antiguidade terem colocado a carta a serviço do exercício do pensar e terem posto, através do diálogo epistolar, as premissas do debate filosófico, os espíritos, os mais originais do século XVIII, reinventaram inteiramente “um novo modo de uso deste antiquíssimo meio de expressão que é a carta”, como escreveu Georges de May (Diaz, 2002, p. 426, itálico no original).

Quanto à classificação genérica da escrita epistolar e à relação desta com a literatura, Brigitte Diaz ressalta que as correspondências são “textos híbridos e indóceis a toda identificação genérica. Gênero literário incontornável, elas flutuam entre categorias fluidas: arquivos, documentos, testemunhos. Fazem-no tão bem, que não se sabe em qual lugar assinalá-las dentro da geografia bem ordenada da literatura” (Diaz, 2002, p. 57). As cartas possibilitam, desse modo, pontos de vistas variados quanto a sua análise e classificação. A “desordem”, com relação à “geografia ordenada da literatura”, é, possivelmente, o aspecto mais intrigante da correspondência, o que lhe possibilita transitar entre os diversos domínios do saber, do pensar, do agir e do sentir.

A carta representa, ainda, para alguns escritores, um modo de se desvincular da rigidez e do controle que exige a escrita literária. Isso não significa que tais cartas sejam menos literárias, ao contrário, essa liberdade tomada pelos autores representa um novo modo de expressão de si e de seus pensamentos e, em muitos casos, a “criação de si”. Aquele que escrevia a carta se via livre das regras fixadas para os gêneros literários considerados, portanto, como “fixos e de geografia definida”:

A carta, no século XIX, é anfíbia e híbrida, também, porque ela confunde as fronteiras do literário. O epistolar se oferece aos escritores - amadores ou profissionais da escrita - como um espaço de invenção ou de escape às prescrições poéticas que regem os gêneros constituídos. Exprimindo certa polifonia, a carta não procura construir, para lá do mosaico de discursos convocados, uma unidade impossível, e, sim, interrogar suas dissonâncias. Ela se torna, desse modo, um dispositivo à prova da literatura. Dentro da prática que tiveram inúmeros epistológrafos-escritores do século, o epistolar de fato se pôs frequentemente como a alternativa crítica à escrita literária - de alguma forma, o outro da literatura. O equívoco se impôs entre a literatura oficial, legítima, mas suspeita de todos os artifícios, e essa literatura menor, considerada mais autêntica (Diaz, 2002, p. 478).

Dizer que a carta é “o outro da literatura” define a relação estabelecida entre a escrita epistolar e a escrita literária. Entretanto, essa definição não deve servir para classificá-la como um gênero menor. Deve ser entendida como a possibilidade de pensar e criticar a própria escrita literária, que se mostra, por vezes, amarrada a convenções pré-estabelecidas e fixadas. Além disso, a perspectiva de se considerar a carta mais autêntica do que a escrita literária deve ser cuidadosamente analisada, tendo em vista a sua profunda relação com a própria ficção.

A instabilidade do texto epistolar, longe de ser um inconveniente, torna-se, portanto, o espaço apropriado às escritas mais variadas, o que contribui certamente para repensar a própria literatura: “Prospectivas e pragmáticas em seu início, laboratório clandestino de um eu em transformação, elas procuram rapidamente outros jogos e outros avatares: fórum intelectual, tribuna política, ateliê de obras em curso... A carta é verdadeiramente uma forma para todo o fazer e todo o pensar” (Diaz, 2002, p. 689).

Os séculos XVIII e XIX contribuíram, consequentemente, para a afirmação de um eu epistolar: “Por muito tempo presa a uma obrigação de reserva, o eu epistolar se afirma mais claramente no século XVIII e, sobretudo, no XIX, no qual se desenvolve um uso autobiográfico da carta: o eu se confia, se explora e se constitui livremente” (Simonet-Tenant, 2009, p. 14810).

Com o trabalho editorial, que visa à reunião das cartas em edições de correspondências gerais, pode-se perceber o quanto esse “eu” tende a variar, criando autorretratos diferentes para perceber a si mesmo bem como para construir uma imagem de si diante de cada correspondente:

Se o regime enunciativo do diário e da carta é adaptado à verbalização de uma interioridade que se move, o eu diarista é, não obstante, menos metamórfico e mais desligado da vida social do que o eu epistolar. Esse último, em certa medida, “entra na sacrossanta regra de adaptação ao tema e à pessoa que os Secretários comentaram largamente. Visa produzir um efeito sobre o outro (agradar ou desagradar) e para isso coloca à frente da cena a parte de si eficaz a esse jogo”. A leitura de uma correspondência geral mostra o quanto o eu epistolar pode se metamorfosear: ele dá, a cada espelho apresentado pelo correspondente, um reflexo sensivelmente diferente (Simonet-Tenant, 2009, p. 14911).

Consequentemente, a publicação das correspondências se torna propícia ao correr desse século. Contudo, as primeiras publicações dedicadas à reunião das cartas de escritores não se preocupavam com a fidelidade ao manuscrito original. Os cortes, as rasuras e, por vezes, os acréscimos ao texto eram frequentes:

Essa traição ao manuscrito original, se ela parece chocante ao leitor do século XXI, não apresenta, porém, nada de surpreendente. Os editores do século XIX têm nas mãos textos que não foram escritos dentro de uma perspectiva de publicação, que colocam, por vezes, arriscados problemas de decifração, nos quais o implícito ocupa um amplo espaço, que são repetitivos e que colocam à prova a ideia segura de início, meio e fim e que podem ser, por vezes, inconvenientes, indelicados e provocantes. Desses textos que resistem ao leitor, os editores quiseram fazer livros que não fossem ásperos, daí a necessidade de abreviar ou explicar, de purificar e de corrigir e, também, de reconstruir ou de reescrever (Simonet-Tenant, 2009, p. 54-5512).

Apesar das alterações feitas nessas primeiras publicações, as representações feitas pelo leitor, segundo as quais se tratava de um texto em que se conheceria a verdade sobre o autor, reforçam-se a partir da dicotomia “ser social” versus “ser em sua intimidade”. Acreditava-se haver uma maior sinceridade na escrita das cartas que revelariam a intimidade, pelo fato de que grande parte não se destinava ao público, ao contrário dos livros literários escritos para serem publicados:

A habitual dicotomia homem social / ser íntimo (ou homem exterior / homem interior), reforçada pela dupla artifício/sinceridade-profundidade é tomada com sua consequência imediata: os livros escritos para o público dão somente uma imagem composta e artificial ao passo que os escritos íntimos redigidos sem perspectiva inicial de publicação apresentam o homem em sua verdade (Simonet-Tenant, 2009, p. 6413).

Paralelamente a essas publicações, surgem textos que reúnem memórias, correspondências, documentos diversos que buscam satisfazer a curiosidade dos leitores. A frequência da escrita de si nas cartas, bem como o interesse pela escrita intimista por parte do público, leva a leituras e a publicações diversas, sempre atentas a determinadas motivações:

Victor-Hugo íntimo: memórias, correspondências, documentos inéditos por Alfred Asseline (1885), Charles Baudelaire. Obras póstumas e correspondências inéditas, precedidas de um estudo biográfico, por Eugène Crépet (1887), Lembranças e correspondências de Madame Octave Feuillet (1986), H. Taine, sua vida e sua correspondência (1904-1907), Correspondência: cartas da juventude (1907) e Correspondência: as cartas e as artes (1908) de Zola, Baudelaire íntimo: o poeta virgem: testemunho, documentos, notas, anedotas, correspondências, autobiografias e desenhos por Nadar (1911), Correspondência e fragmentos inéditos de Fromentin (1912) (Simonet-Tenant, 2009, p. 101-10214, itálicos do autor).

Nota-se que os títulos dessas obras, propositalmente escolhidos pelos editores, ao incluir termos tais como “íntimo” e/ou “inéditos” estavam se utilizando de uma estratégia para chamar a atenção do leitor, para despertar a curiosidade. Tais termos constituíam um argumento eficiente para a venda das edições de correspondência. A ânsia para se conhecer os detalhes da vida alheia (e, sabendo se tratar da vida de uma grande personalidade) aguçava os interesses (Simonet-Tenant, 2009, p. 102).

São relativamente recentes os estudos que, para além de uma visão das cartas apenas como fonte histórica e biográfica, conduzem suas pesquisas e debates críticos para um viés em que se discutem as fronteiras desses textos com a ficção: “os diários e as correspondências se tornaram, ao longo dessas últimas décadas, verdadeiros objetos de estudo quando, então, emerge no debate crítico, a questão das fronteiras da ficção” (Simonet-Tenant, 2009, p. 815).

A carta apresenta inúmeras significações dentre as quais se pode perceber a estreita relação com a escrita literária de um autor. De acordo com Luiz Felipe B. Neves (num estudo reunido sob o título de “As máscaras da totalidade totalitária: memória e produção sociais”): “A carta constitui uma ambivalência; é a exterioridade de uma interioridade. E ainda: é a exibição de uma invisibilidade. Materializa uma gama muito variada e ampla de sentimentos e pensamentos” (Neves, 1988, p. 191). Todos esses sentimentos e pensamentos contribuíram para que se visse nas cartas uma extensão das obras de um autor, o que não deixa de ser verdade, mas que deve ser visto com ressalvas, tendo em vista a consciência do autor de que tais textos serão, muito provavelmente, publicados postumamente.

Em comparação à conversação, pode-se concluir, com Neves (1988, p. 191), que a carta é “algo de pessoal, ou, antes, interpessoal, porque, de fato, ela supõe a existência de um outro - o destinatário. A carta é uma forma de comunicação que exige dois registros diferentes de enunciação / recepção (o que não se dá, por exemplo, na conversação)”. É nesse jogo de enunciação e recepção que se formam as imagens partilhadas, os autorretratos produzidos pelo autor para convencer seu interlocutor; uma imagem de si para o outro que está ausente.

Contudo, a “carta não se encerra, pois, com as despedidas e a assinatura do remetente; ela pretende ter vida posterior à leitura do destinatário pelas ações (inclusive ações públicas e/ou de alcance significativo) que desencadeará” (Neves, 1988, p. 193). O epistológrafo pretende ter influência sobre seu destinatário, convencendo-o de sua verdade, convencendo-o através da sua personagem epistolar.

Desse modo, essa análise da escrita da carta ao longo dos últimos séculos até o presente objetivou, principalmente, destacar a heterogeneidade do discurso epistolar, suas transformações e reformulações ao longo dos séculos. Observa-se que houve uma tendência, de acordo com a crítica literária em vigência, ora de se analisar a escrita epistolar como texto autobiográfico, biográfico e/ou intimista ora em se evidenciar os aspectos ligados ao momento histórico e político das mesmas e, mais recentemente, voltou-se para uma discussão acerca do caráter ficcional presente na escrita da carta.

Essa forma de comunicar-se com o interlocutor ausente, em que se questiona o outro distante, bem como a si mesmo, em que se discutem temas amplos ligados ao mundo, à vida, à literatura, à política, ou simplesmente, em que se apresentam relatos da rotina cotidiana, está desaparecendo. As novas tecnologias, surgidas a partir das últimas décadas do século XX, colocaram um ponto final no extenso período em que as cartas foram amplamente utilizadas, período em que foram questionadas, reinventadas, ficcionalizadas. Jean-Philippe Arrou-Vignod, em “Le discours des absents”, texto em que discute temas ligados à relação do remetente com o destinatário, à questão da substituição das cartas pelo telefone e pelos novos mecanismos de conservação e transmissão da imagem daquele que está ausente temporária ou definitivamente, escreve:

Multiplicando em torno de nós as presenças fictícias, a modernidade mudou a própria ideia de presença. As imagens azuis dos circuitos de vídeos nos circundam com um povo de fantasmas soberanos; como os marinheiros de Rabelais, ouvimos ainda as gélidas vozes daqueles que não existem mais; as máquinas para conservar, para reproduzir, para duplicar, aboliram o sentido do instante, do único, do singular. O sentido mesmo do que existe (Arrou-Vignod, 1993, p. 5816).

A modernidade tecnológica trouxe novos sentidos e sentimentos quantos à presença e a ausência do outro, não simplesmente do outro que está distante, mas até mesmo daquele que não existe mais fisicamente. As máquinas de reprodução, de filmagens, de cópias tiraram a sensação de instante, de único, diferenciando-se, portanto, da troca realizada através das cartas.

Modifica-se, desse modo, a própria sensação de tempo e de espaço. A rapidez das novas tecnologias proporciona uma comunicação instantânea. A voz do outro através do telefone modifica totalmente a relação que antes era estabelecida pelo movimento de ida e vinda das cartas. A escrita, nesse caso, exigia uma certa habilidade para que o destinatário compreendesse as intenções e os sentimentos do remetente. Não há, agora, longos períodos de espera ou de silêncio:

Não sofremos mais o Tempo, que era a poesia das correspondências, a escansão lenta de envios e respostas, o atraso. O comércio indefinidamente prolongado das cartas tomou a forma sufocante e febril de um grito, deixando-nos mais privados diante do mistério da separação. Aquele que escreve se retrai em si mesmo, se fecha, encontrando refúgio contra a ausência no diálogo com sua alma. O telefone nos multiplica, nos põe nus diante de nós mesmos. De repente, o outro se cala e nós não somos mais nada (Arrou-Vignod, 1993, p. 12017).

É significativo destacar que “o tempo era a poesia da correspondência”. Todo o processo de escolha que ia desde a seleção do papel, da caneta, da letra, das palavras, da frequência com que se escrevia e da organização do tempo de escrita e de espera, da ansiedade pela resposta de uma carta ou para se responder a uma carta, nos distancia em muito das novas tecnologias da instantaneidade, de fluxos rápidos e contínuos: “Medo do silêncio: a época não é mais para as cartas./ [...] Não escrevemos mais, ligamos, como a criança que deixada só à noite, liga para conjurar o medo e a impaciência da noite. [...] Nós ligamos, é a imagem do outro que nos é necessária, a corporificação da voz, a presença calorosa que nos embala” (Arrou-Vignod, 1993, p. 12018).

Nos séculos das correspondências o silêncio não representava o medo. O silêncio estava ligado ao tempo, à distância daquele que estava ausente. Era parte do processo de comunicação por cartas. Por isso, pode-se concluir que, assim como o tempo, o silêncio também era a poesia das correspondências, era o momento de reflexão, de encontro com os sentimentos e sensações que marcavam a espera.

Nos últimos anos, uma nova revolução nas comunicações instantâneas tem transformado mais uma vez a relação entre o locutor e o interlocutor. A voz que aproximava o outro através do telefone está dando lugar, ironicamente, à escrita. Mas, agora, trata-se de uma escrita desmaterializada, e que pouco (ou nada) se aproxima da escrita de uma carta. Benoît Melançon, pesquisador da epistolografia, deixa explícito em “Épistol@rités” (texto no qual faz comparações acerca da escrita das cartas e da escrita por meio das novas tecnologias da comunicação), de modo bastante irônico, as diferenças existentes entre a escrita atual, em que se utiliza a tecnologia, e a escrita epistolar, à maneira das cartas:

Com relação às evidências, é pertinente lembrá-las, insistir-se-á primeiramente no fato de que a troca eletrônica é, no sentido literal, desmaterializada [...]. Salvo somente exceções extremas, constatar-se-á que não é nada agradável colocar fogo em seu terminal, que um écran catódico dificilmente se resfria, que as lágrimas ou as gotas de perfumes versadas sobre um teclado não são recomendadas por nenhum fabricante, que não se conhece exemplos de portáteis transformados em pedacinhos e depois jogados ao vento ou no rio, que o progresso tecnológico não autoriza ainda escrever com o próprio sangue, que ninguém pagaria altos valores para comprar uma mensagem eletrônica - matérias que os epistológrafos e seus leitores se vangloriam de terem feito (Melançon, 2013, p. 1019).

Toda a poesia ligada ao tempo, ao silêncio, à ausência e mesmo à escolha das palavras torna-se diferente com a nova tecnologia. A velocidade da escrita (exigência da vida moderna!?) não permite que se faça uma escolha em relação ao vocabulário, em relação à estrutura e à disposição das frases. Os erros de grafia do passado estavam ligados à escrita “despreocupada e livre” (quando comparada à literatura); já os erros de hoje, em geral, estão ligados à própria desatenção daquele que escreve, tendo em vista que muitas palavras são automaticamente corrigidas pelas máquinas: “Os limites físicos do écran, também impostos pelo computador, determinam as condições de escrita e de leitura [...] os manuais de etiqueta eletrônica nos advertem a não enviarmos mensagens que ultrapassem certo número de caracteres, se quisermos ser lidos” (Melançon, 2013, p. 1120).

Percebe-se que, ao contrário dos epistológrafos, aqueles que escrevem um e-mail, hoje, não têm que se preocupar com os erros gramaticais, tendo em vista a existência de programas que corrigem o que foi digitado errado. Nem mesmo a inadequação ortográfica de outrora, tido como uma forma de liberdade, um modo de ir contra a rigidez da escrita literária, não é mais natural e, por vezes, nem sequer admitido.

Em outra comparação, relacionando a escrita instantânea através da tecnologia com a escrita epistolar, Melançon expõe as modificações que se operaram quanto aos sentimentos e sensações daquele que escreve a um destinatário:

o epistológrafo tradicional não sabia, antes de receber uma resposta, escrita ou não, se sua carta havia chegado adequadamente e a espera dessa resposta podia ser longa e, frequentemente, ela o parecia; o usuário eletrônico, a partir de manobras relativamente simples, em alguns minutos, onde quer que esteja no planeta, pode se assegurar de que sua mensagem foi recebida (se foi lida já é um problema a parte, igualmente complexo no plano tecnológico) (Melançon, 2013, p. 1721).

A diferença quanto aos sentimentos (ou a falta deles) em relação ao que se escreve também evidencia o abismo existente entre as distintas formas de escrita da carta em comparação ao e-mail. Para o autor de uma carta, vários elementos podem entrar em cena: a descrição intimista de si mesmo, de seus sentimentos; a pintura do lugar em que ele se encontra; as influências desse mesmo lugar em suas sensações e emoções; a justificativa quanto ao que se escreve e como se escreve; as desculpas quanto à extensão da carta (às vezes breve, às vezes longa); a criação de um personagem e/ou de uma imagem que se deseja estabelecer.

Para Melançon, a “experiência de todo internauta ensina que similar autorrepresentação não caracteriza as dificuldades de um ou outro software de redação ou de comunicação”, e, talvez mais evidente, o fato de que o “e-mail não parece convidar a se mostrar escritor: ostensivamente eficaz, a comunicação eletrônica é disposta em torno de um objetivo e não em direção à introspecção” (Melançon, 2013, p. 2322).

A atitude dos internautas, um terço rapidez, um terço brevidade e um terço precisão não é aquela dos que se correspondiam por cartas. O tempo dedicado à escrita, à elaboração do texto, à escolha e organização das palavras, dos sentimentos e sensações, a pintura de um autorretrato que é enviado ao outro coloca em cena a reação do correspondente, portanto, “a interface sem rosto não é para eles” (Melançon, 2013, p. 25).

Ainda, de acordo com Melançon (2013, p. 4223), quando se trata da correspondência, tudo é questão de escolha. E essa escolha se faz pensando no seu destinatário, que é a razão ou a motivação para a escrita da carta:

Salvo exceções, não se escreve um romance, um conto, uma peça de teatro, uma antologia de ensaios para uma só pessoa que se conhece de perto ou de longe; em matéria de escrita de cartas ocorre precisamente o inverso. Essa interlocução direta é própria da carta. Também possível no correio eletrônico, mas ameaçado constantemente pela facilidade de enviar a muitos, aquilo que estava destinado a um só [...]. Ora, a história da carta ensina: comunicar não tem o mesmo significado quando nos dirigimos a um e quando nos dirigimos a vários.

Com base nas colocações ora apresentadas, conclui-se que a comparação entre a carta e as novas formas de comunicação é fundamental para que se perceba a aproximação entre a escrita de uma carta e a sua relação com a literatura, além do distanciamento notável que se percebe entre a escrita epistolar e a escrita que se faz através das tecnologias da comunicação. Mostra também a importância dos elementos ligados à epistolografia: o tempo, o silêncio, a ausência, o pensamento íntimo, por vezes, a abertura de si ao outro, a formação de um autorretrato e a construção de uma cenografia autoral. O que se perde com o desuso desse gênero é uma parte da própria literatura, da própria poesia contida no epistolar.

Material suplementario
Referências
ARROU-VIGNOD, Jean-Philippe. Le discours des absents. France: Éditions Gallimard, 1993.
DIAZ, Brigitte. L’épistolaire, ou la pensée nomade. Paris: Presses Universitaires de France, 2002.
MELANÇON, Benoît. Épistol@rités. Canadá: publie.net, 2013.
NEVES, Luiz Felipe Baêta. Para uma teoria da carta: notas de pesquisa. In: NEVES, Luiz Felipe Baêta. As máscaras da totalidade totalitária: memória e produção sociais. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1988, p. 191-195.
SIMONET-TENANT, Françoise. Journal personnel et correspondance (1785-1939) ou les affinités électives. Belgique: Bruylant-Academia S.A, 2009.
Notas
Notas
1 A bibliografia utilizada para este estudo não esgota a abrangência e a complexidade da fortuna crítica relacionada ao estudo do epistolar. Sugere-se consultar, para além da presente bibliografia, texto seminais como “L’équivoque épistolaire”, de Vincent Kaufmann, a coletânea “La lettre entre réel et fiction” (dirigido por Jürgen Siess), o livro “L’Écriture épistolaire”, de Genéviève Haroche-Bouzinac (já traduzido para o português), a comunicação “Le statut littéraire de la lettre”, de Jeanne Bem (no livro coletivo “Les correspondances inédites”), bem como diversos estudos de Louïc Chotard, Cécile Dauphin, dentre outros. Além disso, o leitor poderá encontrar rico material no site da revista “l’AIRE” (Association Interdisciplinaire de Recherches sur l”Epistolaire).
2 “La lettre à la Renaissance fut avant tout le vecteur d’une sociabilité savante et académique: l’exemple le plus spectaculaire en est le réseau épistolaire constitué autour d’Erasme avec les grands de ce monde, détenteurs du pouvoir politique et religieux, et avec les humanistes disséminés à travers l’Europe, où la correspondance fait office ‘de carrefour d’informations, de réflexions, d’argumentations à l’échelle européenne’. La lettre devient au XVIIe siècle l’instrument d’une sociabilité mondaine, et elle reste longtemps étrangère à toute idée d’épanchement et d’intimité” (Simonet-Tenant, 2009, p. 28-29). Todas as traduções foram realizadas pelo autor do artigo.
3 “L’arrivée des femmes, au XVIIe siècle, sur la scène de la lettre est la cause, ou la conséquence - peut-être les deux à la fois - d’une mutation des sociabiletés épistolaires. Autrefois dans le microcosme humaniste, la lettre devient plus humblement l’agent de liaisons d’un groupe, d’un clan, d’un salon, cimentant tous ses actants dans une connivence d’artifice. De ces nouvelles liaisons épistolaires, les femmes apparaissent très vite comme les relais et les vecteurs privilégiés” (Diaz, 2002, p. 21).
4 “À la fin du siècle [XVIIe], on n’attend plus des lettres la perfection bien calibrée d’une composition rhétorique impeccable, mais on y apprécie tout au contraire les failles, les souffles et les suspens d’une parole simplement humaine. C’est alors que la lettre se revendique clairement comme un ‘miroir de l’âme’, selon une métaphore aussi emblematique que convenu” (Diaz, 2002, p. 10).
5 “C’est sans doute la raison pour laquelle les grands épistoliers du XVIIIe siècle et plus encore ceux du XIXe siècle écriront tous ‘contre’: contre les normes et les modèles énonciatifs, contre la discipline sociale et idéologique que ces modèles épistolaires imposent insidieusement. Dans leurs lettres, la seule langue qu’ils prétendent parler, c’est la leur, avec sa grammaire propre, son vocabulaire singulier, son chiffre secret” (Diaz, 2002, p. 29-30).
6 “Les épistoliers, et pas seulement les penseurs professionnels des Lumières, mais aussi ces dilettantes éclairées qui ont fait le bonheur de Stendhal ou de Sainte-Beuve - Mme du Deffand, Julie de Lespinasse, Mme Roland, ou encore Mme d’Épinay -, ont avec une aisence remarquable contourné et transcendé les interdits que le siècle précédent avait imposés à l’écriture épistolaire pour en faire le terrain d’exercice favori d’une pensé en progrès. Si, bien avant eux, les penseurs de l’Antiquité avaient eux aussi mis la lettre au service de l’exercice de la pensée et posé à travers le dialogue épistolaire les prémices du débat philosophique, les esprits les plus originaux du XVIIIe siècle ont bel et bien réinvinté ‘un nouveau mode d’emploi de ce très ancien moyen d’expression qu’est la lettre’, comme l’écrit Georges de May” (Diaz, 2002, p. 42).
7 “des textes hybrides et rétifs à toutes les identifications génériques. Genre littéraire introuvable, elles flottent entre des catégories floues: archives, documents, témoignages. Si bien qu’on ne sait trop quelle place leur assigner dans la géographie bien ordonnée de la littérature” (Diaz, 2002, p. 5).
8 “Amphibie, hybride, la lettre au XIXe siècle l’est aussi parce qu’elle brouille les frontières du littéraire. L’épistolaire s’offre aux scripteurs - amateurs ou professionnels de l’écriture - comme un espace d’invention où échapper aux prescriptions poétiques qui régentent les genres constitués. Rendue à une certaine polyphonie, la lettre ne cherche plus tant alors à construire, au-delà de la marqueterie des discours convoqués, une impossible unité, qu’à interroger leurs dissonances. Elle devient de ce fait une mise à l’épreuve de la littérature. Dans la pratique qu’en eurent de nombreux épistoliers-écrivains du siècle, l’épistolaire s’est de fait souvent posé comme l’alternative critique à l’écriture littéraire - en quelque sorte, l’autre de la littérature. Le faussé s’est alors creusé entre la littérature officielle, légitime, mais soupçonnée de tous les artifices, et cette littérature mineure, présumée plus authentique” (Diaz, 2002, p. 47).
9 “Prospectives et programmatiques à leurs débuts, laboratoire clandestin d’un moi en devenir, elles poursuivent vite d’autres enjeux sous d’autres avatars: forum intellectuel, tribune politique, atelier des oeuvres en cours... La lettre est véritablement une forme à tout faire et à tout penser” (Diaz, 2002, p. 68).
10 “Longtemps tenu à une obligation de réserve, le je épistolaire s’affirme plus nettement au XVIIIe et surtout au XIXe siècle où se développe un usage autobiographique de la lettre: le moi se confie, s’explore et se construit librement” (Simonet-Tenant, 2009, p. 148).
11 “Si le régime énonciatif du journal et de la lettre est adapté à la verbalisation d’une intériorité mouvante, le je diariste est néanmoins moins métamorphique et plus dégagé de la vie sociale que le je épistolaire. Ce dernier, peu ou prou, ‘entre dans la sacro-sainte règle d’adaptation au sujet et à la personne, que les Secrétaires ont largement commentée. Il vise à produire un effet sur l’autre (plaire ou déplaire) et pour cela place sur le devant de la scène la part de soi efficace à ce jeu’. La lecture d’une correspondance générale montre combien le je épistolaire peut se métamorphoser: il donne dans chacun des miroirs que lui tendent ses correspondants un reflet sensiblement différent” (Simonet-Tenant, 2009, p. 149).
12 “Cette trahison du manuscrit original, si elle semble choquante à un lecteur du XXIe siècle, n’a cependant rien d’étonnant. Les éditeurs du XIXe siècle ont entre les mains des textes qui n’ont pas été écrits dans une perspective de publication, qui posent parfois de redoutables problèmes de déchiffrement, dans lesquels l’implicite occupe une large place, qui sont répétitifs et remettent en cause l’idée rassurante de début, de milieu et de fin, qui peuvent être parfois inconvenants, indélicats voire provocants. De ces textes qui résistent au lecteur, les éditeurs veulent faire des livres sans aspérité, de là la nécessité d’abréger ou d’expliciter, de toiletter et de raboter, voire de reconstruire ou de réécrire” (Simonet-Tenant, 2009, p. 54-55).
13 “L’habituelle dichotomie homme social / être intime (ou homme extérieur / homme intérieur), redoublée par le couple artifice / sincérité-profondeur, est invoquée avec son corollaire : les livres écrits pour le public ne livrent qu’une image composée et artificielle tandis que les textes intimes écrits sans perspective initiale de publication livrent l’homme dans sa vérité” (Simonet-Tenant, 2009, p. 64).
14 “Victor-Hugo intime: mémoires, correspondances, documents inédits par Alfred Asseline (1885), Charles Baudelaire. Œuvres posthumes et correspondances inédites, précédées d’une étude biographique, par Eugène Crépet (1887), Souvenirs et correspondances de Madame Octave Feuillet (1896), H. Taine, sa vie et sa correspondance (1904-1907), Correspondance: lettres de jeunesse (1907) et Correspondance: les lettres et les arts (1908) de Zola, Baudelaire intime: le poète vierge: Déposition, documents, notes, anecdotes, correspondances, autographes et dessins par Nadar (1911), Correspondance et fragments inédits de Fromentin (1912)…” (Simonet-Tenant, 2009, p. 100-102).
15 “les journaux personnels et les correspondances sont, au fil de ces dernières décennies, devenus de véritables objets d’étude alors qu’émerge dans le débat critique la question des frontières de la fiction” (Simonet-Tenant, 2009, p. 8).
16 “En multipliant autour de nous les présences fictives, la modernité a changé l’idée même de présence. Les images bleues des circuits vidéo nous entourent d’un peuple de fantômes souverains; comme les marins de Rabelais, nous entendons encore les voix gelées de ceus qui ne sont plus; les machines à conserver, à reproduire, à dupliquer, ont aboli le sens de l’instant, de l’unique, du singulier. Les sens même de ce qui est” (1993, p. 58).
17 “Nous ne souffrons plus le Temps, qui était la poésie des correspondances, la scansion lente des envois et de réponses, le retard. Le commerce indéfiniment étiré des lettres a pris la forme haletante et fébrile du cri, nous laissant plus démuni devant le mystère de la séparation. Celui qui écrit se retire en lui-même, forme bloc, trouvant refuge contre l’absence dans le dialogue avec son âme. Le téléphone nous multiplie, nous jette nu au-devant de nous-mêmes. Soudain l’autre se tait et nous ne sommes plus rien” (Arrou-Vignod, 1993, p. 120).
18 “Peur du silence: l’époque n’est plus aux lettres. / [...] Nous n’écrivons plus, nous appelons, comme l’enfant resté seul dans le noir appelle pour conjurer le peur et l’impatience de la nuit. [...] Nous appelons, c’est l’image de l’autre qu’il nous faut, la chair de la voix, la présence chaude qui nous berçait” (Arrou-Vignod, 1993, p. 120).
19 “Les évidences étant bonnes à rappeler, on insistera d’abord sur le fait que l’échange électronique est, au sens littéral, dématérialisé [...]. Sauf à n’insister que sur des exceptions, on constatera qu’il n’est guère loisible de mettre le feu à son terminal, qu’un écran cathodique ne se froisse que difficilement, que les larmes ou les gouttes de parfum versées sur un clavier ne sont recommendées par aucun fabricant, que l’on ne connaît pas d’exemples de portatifs déchirés en petits morceaux puis confiés au vent ou à la rivière, que les progrès technologiques n’autorisent pas encore à écrire avec son sang, que personne ne paierait de grosses sommes pour acheter un message électronique - toutes choses que les épistoliers et leurs lecteurs, depuis des siècles, se vantent d’avoir faites” (Melançon, 2013, p. 10).
20 “Les limites physiques de l’écran, elles aussi imposées par l’ordinateur, déterminent les conditions d’écriture et de lecture [...] les manuels d’étiquette électronique n’enjoignent-ils pas aux utilisateurs de ne pas envoyer de messages dépassant un certain nombre d’écrans s’ils désirent être lus?” (Melançon, 2013, p. 11).
21 “l’épistolier traditionnel ne savait pas, avant de recevoir une réponse, écrite ou non, si sa lettre était parvenue à bon port, et l’attente de cette réponse pouvait être longue et, le plus souvent, elle le paraissait; le communicateur éléctronique, lui, au prix de manoeuvres relativement simples, en quelques minutes, où qu’il soit sur la planète, peut s’assurer que son message a été reçu (s’il a été lu est un problème à part, autrement complexe sur le plan technique)” (Melançon, 2013, p. 17).
22 “l’expérience de tout internaute enseigne que pareille autoreprésentation ne caractérise pas les difficultés de tel ou tel logiciel de rédaction ou de comunication. / Le e-mail ne paraît pas inviter à se montrer écrivant: ostentatoirement efficace, la communication électronique est tendue vers un objectif, pas vers l’introspection” (Melançon, 2013, p. 23).
23 “Sauf exceptions, on n’écrit pas un roman, un conte, une pièce de théâtre, un recueil d’essais pour une seule personne, que l’on connaît, de près ou de loin; en matière d’épistolarité, c’est précisément l’inverse. Cette interlocution directe est le propre de la lettre. Encore possible dans le courriel, mais menacé constamment par la facilité d’envoyer à plusieurs ce qui était destiné à un seul [...]. Or l’histoire de la lettre l’enseigne: communiquer ne signifie pas la même chose que l’on s’adresse à un ou à plusieurs” (Melançon, 2013, p. 42)
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS por Redalyc