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A constelação sensível do imaginário das ambiências urbanas
Fabio La Rocca
Fabio La Rocca
A constelação sensível do imaginário das ambiências urbanas
The sensitive constellation of the imaginary of urban ambiances
La constelación sensible del imaginário de los ambientes urbanos
Revista NUPEM (Online), vol. 15, núm. 35, pp. 8-19, 2023
Universidade Estadual do Paraná
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Resumo: O artigo traz uma reflexão sobre como pensar a cidade contemporânea e seus espaços: seus fragmentos significativos e sensíveis. Para tanto, investiga-se “como” a cidade é e se apresenta, e de que maneira posicionamos nosso olhar em uma estratégia de ontologia do presente. O “como” acompanha o pensamento e a observação em profundidade, trata-se de um situacionismo metodológico que se opõe ao pensamento a priori. Desde uma perspectiva da ontologia da atualidade, a análise nos permite dizer o que se experimenta no aqui e agora da existência. Enfim, o imaginário das ambiências urbanas pode ser tido como um efeito de percepção da cidade, que não pode ser separada do real, pois dela fazem parte efeitos, partes e atmosferas.

Palavras-chave: Cidade, Espaço, Imaginário, Ambiências.

Abstract: This article reflects on how to think about the contemporary city and its spaces: its meaningful and sensitive fragments. It also investigates “how” the city is and presents itself and how we position our gaze in an ontology of the present strategy. The “how” accompanies the thought and in-depth observation; it is a methodological situationism that opposes a priori to thinking. From an ontology of the present perspective, the analysis allows us to say what is experienced in the here and now of existence. The imaginary of urban ambiance can be considered an effect of the perception of the city, which cannot be separated from the real, as its effects, parts, and atmospheres are part of it.

Keywords: City, Space, Imaginary, Ambiences.

Resumen: El artículo reflexiona sobre como pensar la ciudad contemporánea y sus espacios: sus fragmentos significativos y sensibles. Investigamos “cómo” es y se presenta la ciudad, y como posicionamos nuestra mirada en una estrategia ontológica del presente. El “cómo” acompaña al pensamiento y la observación en profundidad, un situacionismo metodológico que se opone al pensamiento a priori. Desde una perspectiva de ontología de la actualidad, el análisis permite decir lo que se experimenta en el aquí y ahora de la existencia. En suma, el imaginario de los ambientes urbanos puede ser tenido como efecto de percepción de la ciudad, que no se puede desligar de lo real, pues sus efectos, partes y atmósferas forman parte de ella.

Palabras clave: Ciudad, Espacio, Imaginário, Ambientes.

Carátula del artículo

Dossiê

A constelação sensível do imaginário das ambiências urbanas

The sensitive constellation of the imaginary of urban ambiances

La constelación sensible del imaginário de los ambientes urbanos

Fabio La Rocca
Université Paul-Valéry, França
Revista NUPEM (Online), vol. 15, núm. 35, pp. 8-19, 2023
Universidade Estadual do Paraná

Recepción: 16 Febrero 2023

Aprobación: 10 Abril 2023

Introdução

Como pensar sobre a cidade contemporânea e seus espaços? O que são estes fragmentos significativos? É com base nestas perguntas sobre “como” a cidade é e se apresenta que devemos posicionar nosso olhar em uma estratégia de ontologia do presente. O “como” acompanha, assim, nosso pensamento e a observação em profundidade, trata-se de uma espécie de situacionismo metodológico que se opõe ao pensamento à priori. Posicionamo-nos então em uma perspectiva da ontologia da atualidade, inspirada na análise de Michel Foucault, que nos permite dizer o que se experimenta no aqui e agora da existência. Tentando compreender a essência de uma episteme, um conceito que no pensamento de Foucault (1966) representa a tentativa de transformar o conhecimento. Recordemos que a episteme de uma época se refere a uma forma de pensar e representar o mundo, e na tentativa “arqueológica” de Foucault expressa no famoso “Les Mots et les Choses” (“As palavras e as coisas”), trata-se de atualizar o campo epistemológico que descreve as condições de possibilidade do conhecimento.

Cada época, portanto, de um ponto de vista foucaultiano é caracterizada e definida por sua episteme: ou seja, um conjunto de problemas, hipóteses, métodos. Inserindo-nos nesta visão ontológica do conhecimento, poderíamos propor uma episteme “sensível” ou, melhor, äesthetic (em referência ao termo criado pelo filósofo alemão Alexander Gottlieb Baumgarten). Isto então determina uma teoria da sensibilidade que Baumgarten ilustra em 1735 em sua “Meditationes philosophicae de nonnulis ad poema pertinentibus”, colocando em perspectiva a ciência de um modo de conhecimento de exposição sensível. Não entraremos nos detalhes histórico-filosóficos da terminologia da estética, mas tentaremos dar conta da dimensão estética como conhecimento do e sobre o sensível, que, em nosso caso, encontra expressão na cidade, suas qualidades atmosféricas e suas tonalidades. Em tal estratégia de um pensamento que podemos definir como orgânico, existe a possibilidade de observar que o cotidiano urbano está constantemente inventando e se reinventando, porque está sempre em movimento perpétuo em uma dimensão dinâmica das atmosferas. Isto nos leva a conceber nossa relação singular com os lugares como um produto dos efeitos do ambiente atmosférico de um ponto de vista simbólico, afetivo e sensível, construindo assim uma fenomenologia do conhecimento sensível da experiência vivida e do espaço urbano entre a percepção das atmosferas e ambiências.

O espaço vivido é então da ordem da construção de uma identificação coletiva enquanto se desenvolve uma diversidade de espacialidades e práticas sensíveis, que constituem uma variedade de atmosferas formando uma visão complexa (no sentido de vários elementos entrelaçados): pode-se dizer mais precisamente, uma visão microssociológica que nos permite trazer à tona as qualidades estéticas dos lugares e experiências. Portanto, propomos nos concentrar no episódio de ambientação onde o espaço urbano será abordado através de suas qualidades sensíveis, inscrevendo-nos em um quadro de reflexão da teoria sensível. É claro que, como Raymond Ledrut (1984) nos diz, a cidade ou realidade urbana tem diversas formas e múltiplos significados. Assim, é sobre esses múltiplos significados que poderíamos concentrar nossa atenção a fim de observar e revelar as características do cenário urbano numa perspectiva “climatológica” (La Rocca, 2018) constituída pelas qualidades tonais dos lugares.

Paradigma estética

Na abordagem teórica de Thomas Kuhn (2008), em uma perspectiva paradigmática, as expectativas e a teoria devem ser sempre revistas. Neste caminho paradigmático, acreditamos que devemos sempre atualizar as categorias de pensamento para poder descrever o mundo em que vivemos e, portanto, nos “situar” em relação aos tempos em que vivemos, para poder observar e descrever a cidade e seus espaços.

Propomos assim um pensamento e uma visão “climatológica” (La Rocca, 2018) que mergulha no espírito da época contemporânea para captar o ar que respiramos, a atmosfera em que nos banhamos: uma observação e uma percepção permanente da mutação estética, ou seja, sensível. Uma mutação do ambiente urbano que é sempre acompanhada pela mutação da experiência, pondo em perspectiva a ideia básica da relação inseparável entre espaços e indivíduos e sua influência simbólica recíproca. O paradigma estético nesta reflexão coloca em perspectiva uma forma de perceber o imaginário urbano em suas peculiaridades sensíveis. Assim, uma conexão do espaço com as emoções, sentimentos e tons que são formados e nos influenciam em nossas práticas.

Deste ponto de vista, o método mais adequado para escrutinar e perceber esta mudança permanente em profundidade é um método sensível, o de um flâneur com um olho fotográfico. Aqui o olhar escrutinador se torna um espaço entre a consciência e o mundo, onde a percepção rima com a compreensão. Se nos referirmos, por exemplo, ao pensamento de Siegfried Kracauer, podemos ver como um olhar fotográfico dará forma à construção de uma pintura para “fazer as pessoas pensarem”. Uma espécie de olhar ampliado pelo shot que constituiria uma imagem ideal da cidade e de seus espaços. Há, portanto, uma intenção do olhar sobre o espaço que nos leva a explorar o cotidiano urbano através do passeio experimental. Se, como Walter Benjamin (1986) mostrou em seu tempo, a cidade deve ser pensada como um texto, então o flâneur é o leitor. Uma cidade como um livro aberto onde percorreremos suas páginas a fim de escolher e mostrar fragmentos significativos - em uma abordagem subjetiva - de sua essência. Desta forma, construiremos um pensamento mosaico, ou seja, uma espacialização do imaginário com ênfase no presente, o cotidiano, que destaca os vários fragmentos que formarão em seu conjunto significativo o quebra-cabeça do imaginário urbano. Posteriormente, é estabelecido um método para decifrar os significados entre os vários elementos do urbano. Uma visão fragmentária feita de montagens e impressões flutuantes, como nos ensina Benjamin.

Pensar no fragmento como um método é também uma modalidade que encontramos na perspectiva teórica de Georg Simmel (2007), e isso significa renunciar a ver o mundo como uma totalidade. Portanto, é melhor tentar encontrar pistas, traços e indicadores através de uma forma de pensar em mosaico, para que possamos formar uma tabela de referência para descrever a cidade e seus espaços, e para ilustrar as características da vida em suas particularidades. Não estamos tentando construir uma visão sui generis da totalidade urbana, mas sim enfatizar aspectos, fragmentos da experiência sensorial, situações e momentos vividos que, quando reunidos, podem formar uma constelação significativa do imaginário urbano.

Além disso, deve-se ressaltar que o habitat (ou seja, a forma expressiva de estar no espaço urbano) não é dado, mas é construído. Esta construção é gerada pela experiência que cada pessoa tem do espaço em toda sua complexidade em um determinado momento. Há então uma espécie de engajamento estético onde estamos imersos em nossa atmosfera sensível. Aqui é onde a valorização da vida cotidiana urbana e uma espacialização da existência são colocadas em perspectiva. O espaço desempenha um importante papel central ao nos dar, observando-o e examinando-o, informações sobre o estado de uma sociedade.

Nós nos projetamos em uma ideia da cidade pensante, na qual a cidade é o lugar da teoria, como Benjamin indicou na época; ou - numa perspectiva simmeliana - pensar o problema da metrópole como uma obra humana prática e sensível a partir da vida da mente, o que Simmel (2007) chamou Geistleben.

Nesta sensibilidade teórica, originam-se uma teoria sensorial e uma sociologia dos sentidos, que coloca os diversos fatos decorrentes da constituição sensorial do homem no centro da análise. Assim, uma teoria sensorial do ponto de vista hermenêutico se articula em uma análise das transformações do ambiente, que afetam a noção de experiência e, portanto, nos dão uma história social da sensibilidade; e uma análise das formas pelas quais o espaço urbano é estruturado a partir do substrato sensorial do homem, e, portanto, uma história sensorial do social.

Nesta estratégia paradigmática, podemos ver como os efeitos do ambiente geográfico influenciam o comportamento afetivo dos indivíduos, gerando uma espécie de gozo do prazer subjetivo experimentado na imersão da situação. Há aqui uma centralidade da dimensão espacial como uma modalidade de experiência, permitindo representar a si mesmo na teatralidade das ruas contemporâneas para ser entendido como um espelho das representações sociais. Na análise estética há uma redescoberta do espaço e seu simbolismo, como Maffesoli (2003) indica, de um sentimento reforçado de pertencimento, de uma partilha emocional.

Emocionalidade urbana

No pensamento da urbanidade, o tempo é espacializado e o espaço favorece uma estética e simultaneamente segrega uma ética. Este espaço compartilhado, onde as emoções e os efeitos circulam, encoraja a identificação. É uma dupla identificação ligada à relação recíproca entre o homem e o espaço urbano. A cidade é, portanto, um processo contínuo de transformação que sempre oferece algo novo. O caráter urbano destrói e reestrutura seus elementos, e como resultado, para citar Henri Lefebvre (1968), no fenômeno urbano persiste a “socialização da sociedade”. A cidade é abordada como um espaço para uma narrativa coletiva. Nesta narrativa, se poderia dizer em um storytelling urbano, uma função central é desempenhada pela emocionalidade, a sensibilidade que invade as situações espaciais. Além disso, a arquitetura é também um dos elementos que desencadeiam uma aura sensível e atmosférica, uma vez que nos envolve e exerce um poder simbólico sobre nosso corpo.

A forma arquitetônica assume um papel simbólico na análise da vida cotidiana, ela se torna, nas palavras de Frederic Jameson (1992), a linguagem estética privilegiada do espaço pós-moderno. Na arquitetura, há uma vontade de fazer um espaço que depois é vivido e contemplado. Ela impõe uma visão de transformação da realidade social. E neste contexto, de perpétua mudança de aventuras espaciais, é necessário “escutar” o lugar para sentir e gerar emoção. Vamos nos concentrar por um momento em um evento histórico e, ao mesmo tempo, paradigmático do nascimento do movimento pós-modernista. O pós-modernismo, como conceito plural, refere-se a várias concepções estéticas que encontram ecos nos campos disciplinares que têm como objeto a cidade e seu ambiente. Além disso, ao dar uma data simbólica ao nascimento do pós-modernismo, podemos observar claramente que ele está estritamente relacionado à cidade, e mais especificamente à arquitetura. De fato, a data que simboliza o fim do modernismo e a transição para o pós-modernismo é o 15 de julho de 1972, às 15h32, quando os blocos de apartamentos Pruitt-Igoe - a versão de Le Corbusier da máquina viva - foi explodido como um ambiente inabitável (Harvey, 1990). O termo pós-modernismo foi imediatamente utilizado para analisar a cidade como o cenário de grandes transformações que influenciam tanto sua estrutura arquitetônica quanto a vida cotidiana dos indivíduos. Estes dois elementos devem ser considerados como um processo inseparável, constituindo a forma essencial da experiência diária onde a existência vivida da arquitetura, os rituais da vida cotidiana formam assim nossa experiência da cidade.

Por que estamos falando aqui de pós-modernismo? É uma marca histórica e social de transformação de uma sensibilidade estética, uma mudança de paradigma que afeta as modalidades das formas urbanas. Mesmo que o discurso sobre o pós-modernismo esteja agora ultrapassado, quase desestimulado, ele representa um ponto de viragem, uma mudança de sensibilidade que afetou a maneira de pensar sobre a cidade, seus espaços e sua arquitetura. Uma mudança de forma que contamina a expressividade atmosférica do lugar. A arquitetura do espaço é tanto uma reconstrução de redes de socialidades quanto um ambiente simbólico das experiências do indivíduo que consome lugares e espaços. Um consumo que também se baseia no que encontramos, ou seja, a forma arquitetônica, que nos influencia em um sentimento atmosférico, uma produção pura e simples de ambiências. Pode-se apontar para uma espécie de passagem da materialidade ao sensato, onde a noção de atmosfera articula a relação entre o homem e o sensato espacial. Ou seja, o ambiente produz e é produzido em uma constelação de elementos que variam a experiência in situ. Isto cria um espaço afetivo (ou “tímico”), como diz Binswanger (1998) e esta ideia se correlaciona com a espacialidade onde a disposição tímica representa a modalidade de ser-afetado. O espaço tímico, na visão do Binswanger (1998), gera “direções de sentido” onde o ser se encontra nos espaços carregados de significado através da corporeidade que alimenta as várias direções no nível sensorial. Se as ambiências estão inscritas nas múltiplas situações da vida cotidiana, podemos trazer uma narrativa sensível do ambiente urbano onde o homem está em uma predisposição sensorial e sensível que afeta suas práticas. O homem desenvolve a cognição espacial ao possuir informações sobre a cidade que ele adquire através de seus sistemas perceptuais. Em outras palavras, o comportamento de um indivíduo é uma reação à sua representação cognitiva do ambiente. Falamos de um espaço de referência porque ele é reconhecido de acordo com as motivações das pessoas. Aqui estamos alinhados com a lógica do mapeamento cognitivo, que permite a cognição espacial, onde cada sujeito traz dentro de si uma imagem do espaço que chamamos de “representação cognitiva”.

Kevin Lynch (1960) foi um dos primeiros a enfatizar a importância das características do ambiente na representação espacial de uma cidade. São então as motivações que nos levam a fazer uso do espaço e, ao mesmo tempo, estas motivações induzem às especificidades de representação destes espaços. A pesquisa sobre a cognição espacial do ambiente urbano é uma tentativa de compreensão de nossa experiência diária e das práticas urbanas. Dentro deste campo descritivo, a análise feita por Edward Hall (1971) mostra a importância de considerar o território de cada ser vivo, o espaço necessário para seu equilíbrio onde os ambientes arquitetônicos e urbanos criados pelo homem são a expressão de um processo de filtragem cultural.

Assim, cada civilização tem sua própria maneira de conceber o movimento do corpo na estrutura urbana. Nesta direção, também poderia ser feita referência à noção de “proxêmica” (criada por Hall), um termo que se refere ao conjunto de observações e teorias sobre o uso que o homem faz do espaço como um produto cultural específico. Tudo o que o homem concebe está sem dúvida ligado à experiência do espaço. Nosso senso de espaço, como aponta Hall (1971), é o resultado de uma síntese de muitos inputs sensoriais: visual, auditivo, cinestésico, olfativo e térmico. O mundo perceptual também é estruturado de acordo com a natureza das relações humanas, afetividade, stimmung. Existe, portanto, uma configuração espacial singular na diversidade de apropriações mentais através da qual se forma a frequência de um lugar, práticas e representações da cidade. Como resultado, o espaço urbano é como uma matriz de fragmentos sensíveis, composta de placas tectônicas heterogêneas, gerando e misturando múltiplas atmosferas que consequentemente, envolverão o indivíduo e o meio ambiente. Este é um ato estético que estabelece o contato, cria modalidades de convivência, uma presença, uma visibilidade que, repetimos, enfatiza o vivido, o existencial. Assim, o homem se projeta no espaço e através dele e o faz existir enquanto cria formas de estar no mundo.

Placas tectônicas sensíveis

A cidade em todos as suas formas é apreendida pelos sentidos: nossas percepções, suas imagens, odores e sons formam uma relação instantânea, carnal e imanente com as particularidades das atmosferas que são geradas. Pensemos, por exemplo, nas derivações e peregrinações que os cheiros dos alimentos podem provocar em nossa sensorialidade urbana, influenciando nossa trajetória e nossa maneira de “sentir” os lugares; ou dos vários sons como ruídos, ou da música difundida por nossos objetos nômades que estruturam as rotas. E para continuar com a energia táctil do solo em cidades como Rio de Janeiro, Nápoles, Istambul, Nova York, que sentimos ao caminhar pelo corpo; a invasão dos raios de luz das luzes de neon e das gigantescas imagens difusas em superfícies arquitetônicas em bairros como Shibuya em Tóquio, Times Square em Nova York, Gangnam em Seul, que nos fazem sentir o “estímulo dos nervos” de forma intensa e particular. Este “estímulo”, que teve origem no pensamento de Simmel sobre a metrópole moderna, deve ser reconsiderado à luz do mundo contemporâneo. Se é verdade que a Nervenleben, a “intensificação da vida nervosa” da qual Simmel falou, é o resultado de uma rápida mudança em nossas impressões internas e externas, então é necessário se concentrar na experiência contemporânea e ver como a mobilização sensorial do indivíduo é multiplicada em situações urbanas.

Podemos pensar, por exemplo, na inundação cada vez maior de imagens em muitas das grandes metrópoles atuais, que no espaço urbano, através de seu tamanho gigantesco, luminosidade e presença de tela, estruturam e influenciam a forma como estamos no espaço e o sentimos. Ou a velocidade do movimento, esta velocidade contemporânea à qual a análise de Hartmut Rosa (2010) em sua visão de aceleração chama nossa atenção e pode nos ajudar a entender esta “nova” intensificação que, do nosso ponto de vista, também é ampliada pela onipresença tecnológica através, por exemplo, da duplicação do espaço criado pelo smartphone. Esta condição tecnológica de existência ressoa fortemente com a implicação espacial nos diversos movimentos e ações, causando assim uma alteração do espaço. Uma espacialidade híbrida como uma das formas do imaginário contemporâneo cada vez mais difundido: de fato, o hibridismo, seguindo aqui o pensamento de Philippe Descola (2014), representa uma sobreposição dos mundos dos indivíduos e, portanto, dos espaços. E a tecnologia é a produtora de uma destas sobreposições, criando, por este fato, outra configuração de espaço e tempo e das modalidades de vivência. Estamos, portanto, diante de uma percepção emocional do espaço; uma modalidade urbana capturada de nossas experiências sensoriais que pode dar origem a espaços de emoção, a uma espacialidade referencial.

Com Michel de Certeau (1990) e sua visão das práticas dos espaços, podemos assim expressar que a cidade é considerada como um texto que os habitantes se apropriam e transformam por sua maneira de fazer “com” os lugares. Um texto que contribuímos para modificar, escrever e reescrever através de nossas diversas práticas. É nesta estratégia, para dar alguns exemplos, que podemos entender a dinâmica do grafite ou as aventuras espaciais de certas práticas como o skate e outras acrobacias culturais. Trata-se, portanto, de maneiras de fazer as coisas, de gestos para chegar a um entendimento do espaço e transformá-lo por sua presença, sua marcação, seus traços que estes diversos atos provocam. É também a maneira pela qual podemos observar esta “carne do mundo” como Maurice Merleau-Ponty (1964) indicou: ou seja, uma energia do espaço, uma carne que abre o lugar onde o corpo está imerso em uma espacialidade “topográfica”, um meio de ser sensível.

Se Merleau-Ponty afirmasse “eu sou meu corpo”, poderíamos acrescentar a este “eu sou meu espaço” para marcar ainda mais a relação do corpo humano com o corpo espacial da cidade onde, precisamente, o ser humano se harmoniza com o meio ambiente em uma reciprocidade permanente. As várias formas de habitação são então uma modalidade estratégica para pensarmos sobre as transformações da sociedade e nossa percepção e formas de sentimento. Daí o fato de que a metrópole representa um conjunto de lugares existenciais e atmosferas sensíveis onde as práticas coletivas atuam para dar forma e substância ao imaginário urbano. Lugares, territórios, espaços escolhidos como formas de moradia são significativos da afetividade e apego do ser humano ao espaço praticado através de rituais de presença, visibilidade, marcação, símbolo. Nesta direção, a rua se torna o palco onde a existência é jogada (e também desfrutada) e a vitalidade das formas constitutivas da relação homem/espaço é trazida à tona. Uma espécie de dasein (Heidegger, 1958) espacial é implementada nesta estratégia de “conquistar o presente” no complexo de ambientes urbanos. Estamos assim diante de uma relação de mediação, de acordo com a teoria de Augustin Berque (2000), que é concebida como uma forma de relação com o meio ambiente. Uma relação que está se tornando cada vez mais importante em nossa vida contemporânea através da relação com a dimensão natural, que em grande parte influencia as formas de representação da metrópole de hoje. E isto nos leva a fazer a pergunta sobre a influência, ou melhor, o lugar da natureza na estruturação das formas de vida. Este discurso mereceria obviamente um exame mais profundo, que não encontra aqui muito espaço em nossa reflexão, mas é, no entanto, relevante, a nosso ver, ilustrar este fragmento como parte integrante da estruturação do imaginário urbano. De fato, no atual paradigma estético, poderíamos sublinhar a importância da ecosofia (Maffesoli, 2017) como forma de dinamismo da vida social e cultural, e também como sintoma de mutação orgânica do espaço urbano. Há então um verdadeiro re-encantamento da natureza no ambiente urbano que influencia, de um ponto de vista epistemológico e fenomenológico, as formas de pensar o urbano e, portanto, as mutações deste pensamento, bem como a visualização de nossa existência social em um sistema de interdependência que está condensado no que pode ser chamado de hibridismo de formas sensatas.

Se nos concentramos na natureza, em nossa perspectiva a ênfase está em uma espécie de figura ideal da “cidade ecosófica”, que se impõe como uma das características do imaginário ambiental que organiza a arquitetura, a geografia das cidades e as atmosferas sensíveis do território. Neste sentido, poderíamos até falar de uma sucessão organizada em uma narrativa (Durand, 1993) ou de esferas (Sloterdijk, 2006) onde a ecosofia e a biosofia são modalidades que nos permitem pensar em formas contemporâneas de vida em estrita relação com a atmosfera sensível. Uma atmosfera onde a natureza interage com a cultura, produzindo assim novas formas orgânicas de convivência. É nesta perspectiva, por exemplo, que podemos entender o verde como um modo de operação ou melhor, como uma estratégia urbana e arquitetônica, e naturalmente também sócio-cultural, nas figuras propostas do jardim vertical, dos jardins suspensos, da agro-tectura ou da natureza selvagem recriada nos edifícios. Estes são sinais e símbolos de uma espécie de enxerto da pele arquitetônica contemporânea que, considerando o ponto de vista eco-industrial, dão vida a formas de harmonia visual com a natureza e como forma de acompanhamento da vida cotidiana urbana dos indivíduos.

O verde do espaço forma a psicologia do urbano, do qual ilhas verdes, jardins de cobertura, eco-arquitetura, mas também o imaginário de utopias do futuro próximo com cidades flutuantes, são a centralidade em um discurso de consciência eco-social das metrópoles contemporâneas, visando uma mutação da percepção e da experiência urbana. Existe, portanto, um sensível efeito de contaminação do espírito ecosófico como uma forma existencial de enfatizar o re-encantamento do mundo através da transfiguração da natureza. Este último não se torna um objeto a ser explorado, mas uma relação estética que particulariza e revitaliza o cotidiano, ao mesmo tempo em que influencia o sentimento.

Teoria as ambiências

Se o espaço urbano é uma narrativa coletiva, então devemos ilustrar o significado de significados e atmosferas na leitura que podemos fazer de sua tecelagem de significados. Poderíamos pensar na imagem metafórica do palimpsesto como uma série de camadas sobrepostas, camadas significativas inscritas no tempo e atualizadas pela forma como habitamos e sentimos o espaço. O palimpsesto também nos permite pensar na hibridização, no cruzamento de várias imagens, narrativas e projeções. É necessário então ver como questionar este espaço e ao mesmo tempo o ser humano já que, como já sublinhado, a questão espacial deve ser pensada como uma realidade humana e, consequentemente, o ser humano deve ser concebido como um ser moldado pelo ambiente que ele molda ao mesmo tempo. Existe, assim, uma inter-relação orgânica que determina as formas de experiência no ambiente sócio-espacial que suscita tonalidades nos vários lugares. Isto significa que na realidade concreta, uma “tonalidade” se enfatiza como qualidade do ambiente considerando as formas pelas quais ele afeta o corpo social. Nesta reconfiguração de pensar a cidade, sugerimos uma climatologia como uma ciência capaz de descrever e identificar as especificidades da poética espacial baseada na percepção sensorial e nos modos de existência e experimentação dos espaços no universo urbano. Nossa reflexão está centrada no imaginário das “situações”. Este imaginário é composto de características essenciais, uma constelação de fragmentos onde a climatologia indica as relações emocionais, afetivas e sensoriais que temos com a urbanidade. Capturar o ar dos tempos significa levar em conta a diversidade das ambiências como percepção sensível e experiência estética. Nosso pensamento urbano e social se baseia na estética, ou seja, na percepção através dos sentidos. A ênfase está em uma fenomenologia do espaço na qual a qualidade das atmosferas fortemente enraizadas na experiência pode ser trazida como atividade tonal.

A ambiência é uma realidade específica que se apresenta em uma dimensão imanente ao indivíduo. O indivíduo se adapta e adota suas capacidades sensoriais ao contexto urbano e suas múltiplas dimensões em mudança. Em nossa concepção, a atmosfera e seus reflexos sensoriais formam impressões que captamos através da imersão espacial. É a forma de sentir, de ser banhado em atmosferas que nos permite trazer à tona fragmentos da realidade urbana em sua dimensão vivida. Nossas percepções dos espaços, seus cheiros, ruídos, luzes, sons, imagens, organizam uma relação sensual, íntima com a cidade. Devemos nos colocar em uma perspectiva qualitativa próxima da “poética” de Pierre Sansot (2004) para perceber os múltiplos tons dos lugares e do que os anima. A imersão sensível, em nossa opinião, é o gesto prático e metodológico de uma abordagem impressionista que nos permite estabelecer uma visão figurativa do que nos cerca e, consequentemente, dar vida aos detalhes, aos fragmentos comuns. Impressões do real: esta é a maneira de explorar os ambientes e os vários estímulos de sensibilidade espacial, colocando-nos numa dinâmica de exploração e decifração através da mobilidade do olhar e dos sentidos. É de uma perspectiva perceptiva fenomenológica que podemos compreender a imersão sensorial no espaço e assim refletir sobre como e onde o sensível está enraizado.

O que está em jogo no imaginário das atmosferas da metrópole contemporânea, segundo nossa concepção, é uma espécie de narrativa coletiva onde, para ler as páginas deste livro aberto que é a cidade, é preciso imergir nestes espaços e absorver estas múltiplas produções de ambiências. Produções que estão em ação nos diversos percursos perceptivos em que o ambiente urbano se torna uma espécie de dispositivo de difusão de sinais, códigos e símbolos que temos que decifrar. É nesta decifração de formas que podemos colocar em perspectiva as formas expressivas que afetam o espaço urbano com uma estruturação de códigos de percepção e captura visual que podemos encontrar nos diversos percursos.

A percepção do espaço não pode ser entendida numa visão euclidiana ou cartesiana de um espaço que pode ser dito “fechado” e que, dessa forma, não leva em conta as várias tomadas perceptíveis. Pelo contrário, o espaço não é mais da ordem do objetivo, do concreto, mas sim da ordem do subjetivo e do percebido. Do nosso ponto de vista, o imaginário contemporâneo em ação no espaço urbano é jogado nestes múltiplos porões sensíveis que são ativados através de nossos cinco sentidos, que por sua vez nos dão informações sobre o mundo externo que o homem transforma em experiência perceptiva, como também nos mostra a análise de Jean-Paul Thibaud (2015). O imaginário da cidade contemporânea está assim orientado para mudar a estrutura da sensibilidade urbana, que deve ser entendida a partir de uma perspectiva baseada na estética: ou seja, através da percepção. É sobre este princípio que se baseia a noção interdisciplinar de ambiências, experiência estética e percepção sensível. De acordo com a abordagem teórica de Thibaud (2015), o ambiente envolve a maneira como nos sentimos no mundo e a maneira como o experimentamos. Assim, nesta perspectiva, nossa sensibilidade urbana é representada por uma presença no mundo através de uma relação sinérgica com vários tons afetivos que também significam o “como” da experiência.

A teoria das ambiências nos coloca em uma afetividade do espaço que nos circunda, onde cada detalhe, cada fragmento, influencia nossa maneira de sentir e experimentar. Isto dá força à ideia de que a compreensão da fenomenologia do espaço não passa por sua materialidade e sua única concepção urbanística positivista, mas também pela dimensão da experiência individual e coletiva e, portanto, no nível do emocional, do simbólico, da afetividade, da sensorialidade, das atmosferas. Naturalmente, temos aqui uma derivação do que Sansot (2004) falou em sua “poética”: ou seja, uma conotação subjetiva dos lugares. Esta conotação nos coloca em uma dimensão de afetividade espacial que se define na relação com os diversos lugares que vivenciamos. A relação homem-espaço é alcançada através da imersão nos contextos sensíveis. Neste sentido, a imagem de movimento, mobilidade e ritmo é da ordem de uma intensidade de experiência em suas características atmosféricas, que definem o ser do espaço e o ser no espaço. Naturalmente, esta é uma análise microssociológica onde a comunicação sensível é um condicionamento da experiência, influencia o comportamento e opera sobre nossas emoções.

Se, então, o imaginário é cada vez mais uma parte de nossa realidade cotidiana, ele constitui uma estruturação de projeção espacial através das tomadas sensoriais. Em nossa perspectiva, as ambiências participam da produção e fabricação do imaginário urbano coletivo, através das múltiplas dimensões sensoriais da experiência. Esta dimensão alimenta a visão das essências urbanas (em uma perspectiva fenomenológica) através do conteúdo sensível e da extensão das qualidades sensoriais do espaço que estruturam as percepções e ações dos seres. Em nossa opinião, as percepções das atmosferas e das relações tonais contribuem para a construção da visão do urbano na memória coletiva.

O imaginário das ambiências assume formas variáveis e assim permite uma reinterpretação da experiência sócio-urbanística, permitindo-nos observar as modalidades pelas quais experimentamos o espaço com todos os nossos sentidos. Se o imaginário é uma compreensão do mundo, então através das ambiências é possível ver como o indivíduo pode representar o mundo urbano vivido através das associações de percepções que um sentido lhe dá. A polissemia do imaginário anda de mãos dadas com a polissemia dos ambientes e isso forma uma atividade diária que dá sentido às práticas do espaço. O imaginário das ambiências urbanas, que podemos tentar determinar aqui, nos permite compreender as urbanidades e o que se encontra como uma forma mediadora do ser com seu mundo ambiental. O imaginário tem sempre um efeito sobre a percepção da cidade, pois ela não pode ser separada do real simplesmente porque é um de seus efeitos e partes, e as atmosferas então, através do corolário das modalidades perceptuais individuais, contribuem para a transformação do imaginário social coletivo da cidade.

Material suplementario
Referências
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