Temática livre

Expressões econômicas da feira-livre: perfil e perspectiva dos feirantes

Economic expressions in open-air fairs: vendors’ profiles and perspectives

Expresiones económicas y sociales del tianguis: perfil y perspectiva de los productores

Viviane Guimarães Pereira
Universidade Federal de Itajubá, Brasil
Miguel de Souza Pereira
Universidade Federal de Itajubá, Brasil
Tayrine Parreira Brito
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Ana Luiza Vieira Goulart
Universidade Federal de Itajubá, Brasil
Samanta Borges Pereira
Universidade Federal de Itajubá, Brasil

Expressões econômicas da feira-livre: perfil e perspectiva dos feirantes

Revista NUPEM (Online), vol. 15, núm. 35, pp. 205-225, 2023

Universidade Estadual do Paraná

Recepción: 05 Julio 2022

Aprobación: 12 Diciembre 2022

Resumo: As feiras-livres são importantes canais de comercialização, configurando-se como um espaço de integração cultural e socioeconômica. Enquanto circuitos curtos de negociação, elas aproximam produtor e consumidor, fortalecendo vínculos e dinamizando a economia. Esta pesquisa objetivou analisar a expressão econômica da feira-livre em um bairro de Itajubá, sul de Minas Gerais, a partir do perfil e da perspectiva dos feirantes. Para tanto, foram entrevistados 56 feirantes, entre maio e dezembro de 2019, por meio de roteiros semiestruturados, divididos em duas partes fundamentais: (i) caracterização geral da feira e (ii) caracterização dos feirantes. Os resultados mostraram que a maioria dos feirantes comercializam sua própria produção e, de forma estratégica, complementam sua oferta adquirindo produtos constantemente demandados por frequentadores. A renda da feira se mostrou fundamental para a composição do faturamento dos empreendedores. Enfim, esta pesquisa pode subsidiar ações do poder público para o fortalecimento de outras feiras do município contemplado e região.

Palavras-chave: Agricultura familiar, Circuitos Curtos de Comercialização, Segurança alimentar, Geração de renda.

Abstract: Street markets are important commercialization channels, configuring themselves as a space for cultural and socioeconomic integration. Short marketing circuits bring producers and consumer closer, strengthening ties and boosting the economy. This research aimed to analyze the economic expression of the street market in a neighborhood in Itajubá, Minas Gerais, from the profile and perspective of its market vendors. Between May and December 2019, 56 street market vendors were interviewed using semi-structured interview scripts, divided into two fundamental parts: (i) general character-rization of the street market and (ii) characterization of the street market vendors. Results showed that most street market vendors produce what they sell, although strategically, they complement their offer by purchasing demanded products. The income from the street market proved to be fundamental for the composition of the income of the street market vendor. Finally, this research can subsidize government actions for strengthening other fairs in the contemplated city and region.

Keywords: Family farming, Short Commercialization Loops, Food security, Income generation.

Resumen: Los tianguis son importantes canales de comercialización, configurán-dose como un espacio de integración cultural y socioeconómica. Como circuitos cortos de comercialización, acercan al productor y al consumidor, fortaleciendo los lazos y dinamizando la economía. El objetivo de esta investigación fue, desde el perfil y la perspectiva de los comerciantes del mercado, analizar la expresión económica del Tianguis de Itajubá, Minas Gerais. Se entrevistaron 56 productores entre mayo y diciembre de 2019, mediante entrevistas semiestructuradas, divididas en dos partes fundamentales: (i) carac-terización general de la feria; (ii) recinto ferial. Los resultados mostraron que la mayoría de los productores producen lo que venden, aunque algunos necesitan comprar productos para diversificar la oferta. Los ingresos del tianguis resultaron ser fundamentales para la composición de los ingresos del productor. La encuesta podrá subsidiar acciones del poder público y de los tianguis para el fortalecimiento de ésta y otras ferias de la ciudad y región.

Palabras clave: Agricultura familiar, Circuitos Cortos de Comercialización, Seguridad alimentaría, Generación de ingreso.

Introdução

As feiras-livres são importantes canais de comercialização de produtos oriundos da agricultura familiar, desempenhando importante função econômica e cultural, uma vez que viabiliza à população o acesso direto a produtos locais e regionais de qualidade, a preços mais acessíveis. Elas também são espaços de socialização, identidade regional/cultural e de articulação política, com movimentação de produtos, pessoas, informações e cultura, compondo uma dinâmica integrada à paisagem local.

Tomada como espaço de integração cultural, social e econômica, as feiras transformam o contexto social da localidade em que se instalam. Elas asseguram renda e escoamento da produção local de agricultores familiares, sendo fundamentais como estratégia de geração de renda para estas famílias.

As feiras são reconhecidas como Circuitos Curtos de Comercialização (CCCs) de produtos da agricultura familiar, ou seja, um modo de comercialização sem intermediários entre produtores e consumidores (ou com intermediação mínima), associado à proximidade geográfica e relacional entre quem produz/vende e quem consome (Schneider, 2016).

Apesar de competirem com o comércio varejista, formado por mercados e supermercados, as feiras ainda resistem, reforçando o seu papel econômico, social e cultural. Além de garantirem uma elevação da renda da agricultura familiar, contribuem também para a segurança alimentar e nutricional, impactando a economia e a sociedade. A despeito de sua importância para as dinâmicas locais, ainda são incipientes os estudos e políticas públicas voltadas para o seu fortalecimento.

A presente pesquisa está inserida no contexto de Itajubá, município localizado no sul do estado de Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira, pertencente à bacia hidrográfica do Rio Sapucaí. A região se encontra próxima aos principais eixos rodoviários do país e das capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo o último Censo Demográfico, Itajubá possui 97.782 habitantes, numa área territorial de 294.835 km² (IBGE, 2010).

O contingente de agricultores familiares no município é de 466 estabelecimentos, que representa cerca de 49% do total de pessoas ocupadas em atividades agrícolas (CensoAgro, 2017), o que equivale a 898 pessoas, contribuindo efetivamente para a geração de ocupação e renda, sendo fundamental para a economia local.

Diante desse contexto, o objetivo desta pesquisa foi, a partir do perfil e da perspectiva dos feirantes, analisar a expressão econômica da feira-livre do bairro Porto Velho. Esta feira acontece todos os sábados e existe há mais de 50 anos.

O levantamento de informações sobre organização, estrutura, participação, diversificação da oferta, perfil do feirante e a importância da feira como local de trabalho e renda poderá subsidiar ações do poder público local e ações coletivas dos feirantes, no sentido de fortalecer esses espaços, tão importantes para a agricultura familiar e para o desenvolvimento rural e territorial.

Circuitos Curtos de Comercialização, territórios e feiras-livres

Em decorrência dos efeitos gerados pela pandemia da COVID-19, sobretudo no agravamento da crise alimentar, com aumento exponencial de pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, a eficiência dos sistemas agroalimentares dominantes foi mais uma vez colocada em cheque e os Circuitos Curtos de Comercialização (CCCs) ganharam destaque como caminho ideal de garantia de acesso aos alimentos (Alpino et al., 2020; Rodríguez; Laverde; Perez, 2021).

Os CCCs são as formas mais antigas de comércio que temos na sociedade e ganharam visibilidade como alternativa às longas cadeias que compõem os modernos sistemas agroalimentares, que torna cada vez mais distante o contato dos consumidores com a origem do alimento (Grisa; Schneider, 2014).

O alongamento das cadeias de comercialização se agravou, no Brasil, entre os anos de 1930 e 1970, em especial com o advento da “Revolução Verde” (década de 1970), cujo objetivo foi a capitalização da cadeia produtiva agrícola, por meio da inserção de técnicas de manejo exóticas, monocultivo, espécies transgênicas e uso intensivo de agrotóxicos (Frederico, 2013).

A difusão desses pacotes tecnológicos favoreceu a expansão da agroindústria, companhias processadoras, corporações transnacionais dos setores varejista e supermercadista, deixando a agricultura familiar à margem (Frederico, 2013; Grisa; Schneider, 2014; Schneider; Schubert; Escher, 2016).

As problemáticas vinculadas ao alongamento das cadeias agroalimentares possuem múltiplas dimensões e consequências: na saúde, com o consumo cada vez maior de alimentos ultraprocessados, que resulta nos altos índices de diabetes e obesidade; no gasto enérgico da logística, que contribui para as mudanças climáticas; na desigualdade social, pela baixa remuneração na produção da matéria-prima (Contrigiani, 2020; Rodríguez; Laverde; Perez, 2021), entre outras.

A troca comercial de alimentos realizada a curta distância se caracteriza por uma relação interativa de negociação, que se difere dos mercados convencionais. O acordo de venda/aquisição depende de variáveis específicas do contexto. Dentre os benefícios gerados pelos CCCs estão: a possibilidade de melhor remuneração do produtor; o acesso a preços justos pelos consumidores; a valorização da produção local e regional; a geração de empregos; a dinamização das economias locais e regionais (Fantini et al., 2018; Dragicevic, 2021).

Os CCCs podem ser divididos em dois tipos principais: (i) mercados de proximidade, onde existe uma relação estreita entre quem produz e consome; (ii) mercado locais e territoriais, onde estão envolvidos outros sujeitos na relação de comercialização, que pode ser direta ou indireta, havendo a presença de intermediários (Schneider, 2016). Eles podem ser entendidos como fenômenos contra-hegemônicos, engajados em construir meios alternativos ao modelo de produção e consumo industrial (Murdoch; Marsden; Banks, 2000).

Independentemente de sua tipologia, a redução da distância entre produtores e consumidores promovida pelos CCCs tem efeito na produção da espacialização e socialização, através do alimento (Schneider, 2016; Renting; Marsden; Banks, 2017). A espacialização do alimento em escala local e regional cria condições para a construção social de um mercado confiável, uma vez que o consumidor toma conhecimento da origem do alimento e se aproxima de seu sistema produtivo (Marsden; Banks; Bristow, 2000).

Podemos compreender a espacialização como o ato de produção do espaço geográfico, isto é, um processo fruto do contexto histórico e cultural, cuja materialização se dá nas formas geográficas, a partir da socialização por meio das relações de produção constituídas (Colucci; Souto, 2011).

A espacialização e a territorialização caminham juntas, pois são o resultado da interação material e simbólica dos seres humanos com o espaço ocupado, criando uma identificação entre espaço e pessoas que ali se socializam (Santos, 2007; Colucci; Souto, 2011; Espíndola, 2015). Bonnal, Cazella e Delgado (2012) apontam que a abordagem territorial apresenta uma contribuição importante para o enfoque do desenvolvimento sustentável.

O território não pode ser compreendido apenas como o espaço físico, pois o que o define é seu uso e sua identidade, promotora de pertencimento (Santos, 2007). O “território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida” (Santos, 2007, p. 14). Ou seja, os territórios são a representação da vida cotidiana.

Dentre as expressões de identidade de um determinado território estão os hábitos alimentares, que são construídos a partir de inúmeros fatores, dentre os quais se destaca a disponibilidade dos alimentos (Moschin; Ramires; Priolli, 2018). Neste sentido, abordamos a feira-livre, um dos tipos mais antigos de CCCs e uma das formas mais longevas de comercialização de alimentos, responsável por abastecer diferentes territórios nas distintas regiões do Brasil.

A feira-livre pode ser compreendida como uma organização social autônoma (Cruz et al., 2022). Diferentemente das feiras mais recentes, que possuem denominação específica - como feira da agricultura familiar, feira agroecológica, feira ecológica, etc. -, na feira-livre é possível encontrar diferentes sujeitos trabalhando como feirantes. Nela há agricultores familiares, agricultores familiares intermediários, apenas intermediários, comerciantes de alimentos preparados, a exemplo do pastel de feira, além de comerciantes de roupas, adereços e produtos eletrônicos. Em suma, os feirantes são trabalhadores que têm a feira como fonte de renda principal ou complementar.

A feira-livre representa e influencia os hábitos alimentares locais/regionais. Nela é possível encontrar os alimentos padronizados, presentes em quaisquer feiras e supermercados, ao mesmo tempo em que se encontra alimentos exclusivos de cada região e em épocas específicas do ano (Araújo; Ribeiro, 2018b). Isso acontece porque a feira, como um fenômeno social, é atravessada tanto pela globalização, quanto pela memória biocultural do território. Destacamos a importância da compreensão da feira na perspectiva territorial, pois o local e o regional compõem e expressam um determinado território, que não se restringe somente aos limites geográficos.

Apesar das feiras-livres estarem pouco presentes nas estatísticas econômicas - o que faz com que sua relevância seja ignorada ou subdimensionada -, elas atravessam décadas exibindo a “força de costumes vivos na sociedade”, sendo responsáveis por promover “a comunhão do abastecimento com o território”, se reafirmando como um “sistema de abastecimento regular, territorializado e soberano” (Cruz et al., 2022, p. 2).

Para Silva e Borges (2020), a feira-livre é um dos principais meios de comercialização da produção da agricultura familiar brasileira. Ocupando apenas 23% das terras agrícolas do Brasil (CensoAgro, 2017), a agricultura familiar é responsável por garantir a diversidade alimentar no prato da população e preservar os costumes alimentares regionais, fenômenos que podem ser facilmente observados nas feiras-livres.

Nos pequenos municípios, a feira é como um evento semanal (Cruz et al., 2022), manifestação de uma organização desordenada do interesse de quem quer vender e quem quer comprar. Sua existência está preconizada na ação coletiva, pois não existe feira de uma pessoa só. Os estudos sobre as feiras-livres são frequentemente relacionados ao tema do desenvolvimento local, regional ou territorial (Silva; Borges, 2020; Oliveira et al., 2020; Cruz et al., 2022).

As feiras são responsáveis por geração de ocupação, renda e qualidade de vida, que não se restringem à circunscrição da feira, mas alcançam o comércio local, municípios vizinhos e regiões circunvizinhas, sendo comum que os produtores transitem nas feiras municipais de sua região (Araújo; Ribeiro, 2018a; Pereira; Brito; Pereira, 2018).

A presença na feira permite que os produtores se beneficiem da venda à vista, da redução dos custos de comercialização, da aproximação entre produtor e vendedor, além de possibilitar o acesso à serviços urbanos, pois aproveitam o dia da feira para realizar outras atividades na cidade. Essa integração favorece a distribuição de renda, uma vez que os produtores conseguem ampliar seus rendimentos, retornando seus ganhos para a economia local quando utilizam os serviços e/ou consomem nos comércios da cidade (Silva et al., 2017; Araújo; Ribeiro, 2018b).

As feiras também se apresentam como um importante local de trocas de experiências e conhecimentos, que também se convertem em impacto econômico. Isso porque a troca de conhecimento pode resultar no aprimoramento de uma técnica, ou na apropriação do manejo de um novo produto (Ploeg, 2016; Silva et al., 2017).

A feira-livre é um mercado com representação econômica relevante (Oliveira et al., 2020, Cruz et al., 2022), um espaço de exercício político (Pereira; Brito; Pereira, 2017) e de garantia da segurança alimentar (Ramos et al., 2019), com características ambientalmente mais harmônicas (Contrigiani, 2020). Sua presença representa uma alternativa para o desenvolvimento territorial, contribuindo para a variedade e a melhoria na oferta de alimentos à população urbana (Ploeg, 2016; Silva et al., 2017).

Mas há sempre algo a mais que não se pode capturar do fenômeno da feira. A sociabilidade envolvida no “fazer feira” contempla um fazer do conjunto de pessoas, sujeitos na ação do acontecimento da feira - o produtor faz feira, o feirante faz feira, o consumidor faz feira. Nesse fazer, as relações econômicas e sociais são tecidas e manifestas no próprio fazer, que acontece no cotidiano da feira.

Percurso metodológico

O objeto de estudo desta pesquisa foi a feira-livre do bairro Porto Velho, localizada em Itajubá, sul de Minas Gerais, e teve como foco o espaço da feira e o feirante. A metodologia desta pesquisa foi inspirada no trabalho de Ribeiro (2007), denominado “Feiras do Jequitinhonha: mercados, cultura e trabalho de famílias rurais no semiárido de Minas Gerais”, resultado de anos de pesquisas sobre feiras-livres do Jequitinhonha, que contribuíram para as políticas públicas de desenvolvimento rural na região.

Os sujeitos da pesquisa foram os feirantes, totalizando 56 entrevistas, realizadas na própria feira, entre os meses de maio e dezembro de 2019. Foram utilizados roteiros semiestruturados, contendo questões objetivas e questões abertas. O roteiro foi dividido em duas partes fundamentais: (i) A primeira parte tratou da caracterização geral da feira, abordando tempo de existência da feira e de participação do feirante; participação de gerações anteriores; ingresso, organização e estrutura; diversificação da produção ofertada; presença de produtos não alimentícios; preço e precificação; vantagens e desvantagens de participar deste espaço. (ii) A segunda parte tratou do feirante, sendo subdividida em: perfil do feirante; a importância da feira para a renda familiar; sistemas produtivos.

As informações sobre a caracterização da feira foram analisadas de maneira descritiva, apresentando as informações referentes à opinião dos entrevistados sobre a localização e estrutura da feira e estratégias de precificação. Foram utilizadas quatro fotografias que ajudaram a ilustrar a diversidade da produção ofertada na feira.

As informações referentes ao feirante foram ilustradas na forma de gráficos, apresentando seu perfil (sexo, idade, escolaridade), município/bairro de origem, participação em outras feiras e outros mercados, formas associativas, sistema de produção, diversificação da produção, renda advinda da feira.

Caracterização da feira-livre do bairro Porto Velho

A feira é local de transação, de burburinho, de conversa e sociabilidade. Ela também demonstra a importância da regularidade em que a agricultura familiar assegura a soberania alimentar e aquece a economia local.

A feira-livre na qual se debruça este trabalho acontece semanalmente no bairro Porto Velho (Imagem 1), situado no município de Itajubá (MG). Localizado na região da Serra Mantiqueira, Itajubá está no bioma da Mata Atlântica e tem como municípios limítrofes São José do Alegre, Maria da Fé, Wenceslau Braz, Piranguçu, Piranguinho e Delfim Moreira.

Feira-livre de Itajubá
Imagem 1:
Feira-livre de Itajubá
Fonte: Google Maps (2022).

A feira-livre do bairro Porto Velho (Itajubá-MG) já passou por três lugares diferentes e há 30 anos está assentada onde se encontra hoje. Ela acontece aos sábados, das 06h00 às 13h00 - horário oficial de alvará emitido pela prefeitura. Entretanto, como comumente acontece em toda feira, as vendas já iniciam de madrugada, por volta das 04 horas, quando os feirantes chegam para montar suas barracas.

Sobre o período em que os feirantes comercializam seus produtos nesta feira, a pesquisa apontou ser bem distribuído, abrigando feirantes com maior e menor tempo de feira: 44,7% dos entrevistados estão na feira há mais de 25 anos e 9% participam há mais de 40 anos; a participação dos outros 46,3% é mais recente. Grande parte dos feirantes possui familiares que já foram feirantes (avós, pais, tios), demonstrando sua tradição, fazendo parte da dinâmica do município há décadas.

A prefeitura, através da Secretaria Municipal de Agricultura de Itajubá (SEMAG), é a responsável pela organização das feiras que acontecem no município, incluindo a feira do bairro Porto Velho. Para ter direito a um ponto de comercialização na feira, o interessado precisa se cadastrar na SEMAG, momento a partir do qual ele entrará para a lista de interesse. A prioridade de acesso é dos agricultores familiares.

Quanto à organização, localização e estrutura da feira, 88% dos feirantes consideram bom, ótimo ou ideal, enquanto que 12% estão insatisfeitos. Ainda que a prefeitura ofereça algum tipo de apoio, através de cuidados básicos de conservação, limpeza, disponibilização das bancas e energia elétrica, os feirantes apontaram como principais problemas: falta de organização e limpeza adequada do espaço, falta de fiscalização, poucos banheiros disponíveis para uso dos feirantes e calçamento irregular da rua.

A posição das bancas no espaço da feira influencia no movimento de clientes em cada banca e na facilidade ou dificuldade de montagem e desmontagem. A localização mais ao meio da feira é considerada melhor em termos de venda, pois a área central é onde os frequentadores costumam ficar por mais tempo. Porém, para a montagem das bancas, essa localização dificulta a circulação do carro, já que é preciso atravessar pontos em que a maioria das bancas já estão montadas. Há também que se considerar a estratificação conforme o tipo de banca: frutas, verduras e hortaliças; agroindústria familiar; produtos industrializados.

A possibilidade de sombra também é observada como um critério para avaliar a qualidade da posição na feira. Cada feirante tem seu lugar determinado, não sendo autorizada mudança sem negociar previamente com a SEMAG, exceto quando o feirante comercializa produtos sensíveis ao sol, como hortaliças, queijos ou peixes. Para esses casos, é preciso fazer o pedido junto à secretaria, para que seu ponto seja estabelecido em local de sombra, de modo a preservar seus produtos.

Quanto à oferta dos produtos, esta mantém certa estabilidade ao longo do ano, não sofrendo grandes alterações com a sazonalidade, exceto por alguns produtos in natura. Isso demonstra que a oferta da feira pesquisada não é tão pautada pelas safras e de acordo com as estações, como acontece, por exemplo, em feiras mais tradicionais do nordeste de Minas Gerais. A pouca oscilação na oferta se deve à forte presença de produtos adquiridos na CEASA (Central de Abastecimento) de Itajubá. As CEASAs são locais que reúnem a produção de hortifrutis oriundos de grandes e pequenos produtores, de diferentes regiões.

A presença de produtos da CEASA nas feiras-livres é paradoxal e demanda aprofundamentos. Defendemos as feiras-livres como um espaço de fortalecimento da agricultura familiar, de construção de políticas públicas de desenvolvimento rural. Nesse sentido, a presença da CEASA ocupa esse espaço, que deveria ser prioritariamente e predominantemente ocupado pelos agricultores familiares. A produção da CEASA tem maior poder de entrada em outros canais de comercialização (redes de supermercados, hotelarias, etc.). Já os agricultores familiares sempre tiveram que enfrentar o gargalo da comercialização da sua produção, pois têm dificuldade em acessar outros canais.

Entretanto, a produção advinda da CEASA - apesar de suas problemáticas, como a exploração dos agricultores no baixo preço pago pelos alimentos e de serem predominantemente alimentos produzidos no sistema de plantio convencional, com grande carga de agrotóxicos - diferencia-se da produção de commodities para exportação. Essa produção envolve uma rede de trabalhadores que produz alimentos (a despeito das formas de produção) e tem relevância no abastecimento doméstico e na garantia da segurança alimentar da população, o que não deve nos impedir de pensar nos processos de transição para formas de produção mais sustentáveis.

Diante disso, a presença da CEASA de Itajubá garante aos feirantes a manutenção da oferta de produtos com demanda constante, cuja produção própria não consegue suprir. Essa demanda constante pelos mesmos produtos indica que os consumidores possuem uma dieta baseada em hábitos de consumo que pouco acompanham a variação que ocorre nas estações, através de produtos da época, mas num consumo baseado numa agricultura mais empresarial e capitalizada, que mantém distanciamento da natureza. Não há espera pelo tempo da natureza.

A presença das bancas que comercializam caldo de cana e pastel também são elementos a serem analisados dentro da dinâmica da feira. Elas possuem baixa oscilação na oferta e conseguem manter o ritmo de comercialização durante todo o ano. Destacam-se as bancas de pastel, totalizando sete. Isso demonstra a capacidade da feira em abarcar outros grupos sociais para além dos agricultores-feirantes, gerando renda e dinamizando um tipo de economia mais popular.

Vale lembrar que o caldo de cana remonta aos anos 1.500. A combinação do pastel com o caldo de cana começou por volta de 1.950, espalhando-se pelo país. O consumo de caldo de cana e pastel nas diversas feiras do país é uma tradição que resiste ao tempo e envolve socialização, memória afetiva, além de movimentação da economia local.

Há, ainda, a produção das agroindústrias domésticas, como quitandas, compotas, conservas, doces, farinha, geleias e queijo. Estes produtos apresentam especificidades do local, contemplando aspectos culturais. Também foram identificados alguns produtos com maior valor agregado, como o frango limpo, frango vivo, mel, ovos e peixe.

Há um crescente interesse, por parte de alguns grupos de consumidores, na aquisição de produtos produzidos em pequena escala, que utilizam técnicas manuais, tradicionais ou artesanais, com forte apelo regional e que carregam uma história produtiva e um conjunto de saberes. A presença da produção das agroindústrias domésticas contribui tanto para a diversificação da produção ofertada na feira, melhorando o fluxo de consumidores e seu potencial econômico, quanto fortalece o espaço da feira no seu aspecto histórico de tradição cultural, podendo também ser potencializado como um espaço turístico.

No que diz respeito à diversificação da oferta de frutas, foi identificada uma grande variedade (conforme ilustrado nas imagens 2, 3 e 4), tais como: abacate, abacaxi, acerola, ameixa, atemóia, banana, caqui, carambola, coco, goiaba, jabuticaba, kiwi, laranja, limão, maçã, mamão, maracujá, manga, melancia, melão, mexerica, morango, pera, pêssego, poncã, tangerina, uva.

Barraca de frutas
Imagem 2:
Barraca de frutas
Fonte: Acervo da pesquisa.

Diversidade de frutas
Imagem 3:
Diversidade de frutas
Fonte: Acervo da pesquisa.

Frutas e legumes
Imagem 4:
Frutas e legumes
Fonte: Acervo da pesquisa.

Há também grande variedade de hortaliças e legumes (Imagem 5), tais como: abóbora, abobrinha, acelga, agrião, alface, alho, alho-poró, almeirão, beterraba, brócolis, cebola, chicória, chuchu, couve, couve-flor, espinafre, jiló, manjericão, mostarda, mogango, pepino, pimenta, pimentão, rabanete, repolho, rúcula, tomate, serralha, amendoim, batata, batata doce, cará, cenoura, fava, inhame, mandioca, mandioca salsa, taioba, vagem.

Barraca de legumes
Imagem 5:
Barraca de legumes
Fonte: Acervo da pesquisa.

Das hortaliças e legumes, os mais presentes são couve, brócolis, alface, cebola, cenoura, tomate e batata, disponíveis em cerca de 35% das barracas. Também foram identificados grãos, tais como: arroz, feijão, milho e soja.

Dentre as frutas mais produzidas pelos agricultores-feirantes, é possível citar o abacate, a banana, a laranja, o limão e a manga. Algumas frutas não são produzidas por nenhum desses feirantes e, portanto, são compradas e revendidas, como: ameixa, atemóia, carambola, coco seco, coco verde, kiwi, maracujá, melancia, uva e amendoim. Outros itens alimentícios vendidos, mas não produzidos pelos feirantes são: arroz, farinha, mel e queijo.

Foi possível identificar algumas Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), como a serralha, a taioba e o cará, que se caracterizam por serem facilmente produzidas, pois demandam poucos cuidados. As PANCs fazem parte da produção e dos hábitos alimentares dos agricultores familiares, mas são pouco consumidas pela população urbana.

A presença desses alimentos reafirma a importância da feira-livre na oferta diversificada de alimentos, podendo influenciar no enriquecimento da formação dos hábitos alimentares da população local, mais adequados à disponibilidade dos alimentos, além de contribuírem com a segurança alimentar.

No que diz respeito às formas de precificação, elas também se relacionam com uma dinâmica muito própria. A formação dos preços se dá através de “cálculos” que os feirantes fazem a partir de sua capacidade de conhecer o mercado, ainda que nem todos os produtos tenham preços negociáveis.

As estratégias de precificação, sobretudo de produtos perecíveis, se diferem das práticas dos supermercados e grandes varejistas. A variação dos preços ao longo do dia acontece para 53,6% dos feirantes entrevistados, enquanto 46,4% não praticam variação de preço ao longo do dia.

A variação para baixo costuma ocorrer entre os feirantes de hortifruti. Dentre os motivos apresentados para alterar os preços, destaca-se a necessidade de diminuir as sobras e perdas dos produtos, adequando o preço à demanda, principalmente no final da feira, quando os feirantes desejam vender os produtos mais rapidamente. Também há uma variação de preços para cima, que tendem a aumentar quando a banca oferta um produto que está em falta no restante da feira.

Mesmo realizando variação dos preços durante o dia, 89,8% dos feirantes não conseguem vender todos os produtos, sendo estes recolocados à venda nas demais feiras, que acontecem aos domingos e terças-feiras. Os produtos mais perecíveis são doados ou usados para o trato dos animais.

Ainda com relação à precificação, a maioria dos feirantes tem seu preço definido pelo custo de produção (51,8%), seguido por pesquisa de mercado (41,1%) e de acordo com a concorrência da feira (28,6%). Para os feirantes-agricultores (ou seja, aqueles que possuem produção própria), a definição dos preços depende da época do ano e da dificuldade de produção de cada produto, mas também da negociação com o consumidor. Para os feirantes-revendedores, o preço é determinado de acordo com o valor pago no produto que revende. A pesquisa demonstrou que o preço de revenda é calculado adicionando 40% em cima do preço de compra.

A feira do bairro Porto Velho não se apresenta como uma feira essencialmente tradicional, já que não é um espaço exclusivo de agricultores, pois conta com comerciantes, intermediários e com produtos advindos da CEASA. Pode-se afirmar que a feira é um fenômeno que goza de certa autonomia, já que os feirantes determinam os produtos, as quantidades e os preços que são ofertados. É um equipamento comunitário construído coletivamente e regulado pelos usuários, embora seja a prefeitura a estabelecer algumas normas, sobretudo acerca da disposição das bancas.

O feirante: perfil, trabalho, renda e condições de produção

A maior parte dos feirantes da feira do bairro Porto Velho é do sexo masculino, 76,8%, dentre os quais 46,4% possuem entre 36 a 50 anos. Quanto ao grau de escolaridade, 5,4% não foram alfabetizados, 19,6% possuem o ensino primário, 28,6% possuem o Ensino Fundamental (completo e incompleto), 42,8% possuem o Ensino Médio (completo e incompleto), 1,8% possuem o Ensino Técnico incompleto e 1,8% possuem o Ensino Superior incompleto.

Os agricultores que participam da feira vêm, predominantemente, de bairros rurais do próprio município de Itajubá (58,9%), mas também de municípios vizinhos: Brazópolis (19,6%), Maria da Fé (16,1%), Delfim Moreira (1,8%), Pouso Alegre (1,8%), Piranguçu (1,8%). Esse fluxo, ilustrado na imagem 6, é indicativo da importância econômica e territorial que a feira do bairro Porto Velho representa para a região.

Fluxo dos feirantes
Imagem 6:
Fluxo dos feirantes
Fonte: Acervo da pesquisa.

Com relação à residência, 41,1% dos feirantes moram na zona urbana e 58,9% são residentes da zona rural. Isso acontece porque a feira é composta não apenas por agricultores familiares, mas também por comerciantes de outros setores alimentícios, como os pasteleiros, além dos vendedores de roupas, brinquedos e itens eletrônicos.

A ausência de transporte aparece como um dos principais problemas enfrentados pelos feirantes-agricultores em diversas regiões do país. Entretanto, o transporte não aparece como uma demanda dos feirantes da feira do bairro Porto Velho. Isso é reforçado pela expressiva quantidade de feirantes que possuem veículos próprios (89,3%) e utilizam deste veículo para levar seus produtos à feira.

Porém, 10,7%, mencionaram dificuldades de locomoção, tendo que optar por caronas, ônibus, carroça ou bicicleta para se deslocarem até a feira. Não existe nenhuma ação por parte da prefeitura que viabilize esse transporte. Na região do Jequitinhonha, os feirantes apontaram o transporte como um dos principais problemas. Para apoiá-los, as prefeituras estabeleceram rotas de deslocamento de ônibus ou caminhões para o transporte gratuito dos feirantes e de sua produção (Cruz et al., 2022).

Ainda que o número de feirantes que necessitam de transporte seja baixo, é importante que haja atenção e apoio do poder público para viabilizar a participação dos mesmos, dada a importância da feira na geração de renda dessas famílias. A indisponibilidade de apoio no transporte dificulta a presença desses feirantes, além de ser um impeditivo para a participação de outros agricultores que tenham interesse em fazer parte da feira, mas podem ter sua presença inviabilizada devido à essa dificuldade.

Além da feira-livre do bairro Porto Velho, os feirantes participam de outras feiras existentes no município de Itajubá. Estas acontecem às terças-feiras, em região próxima à rodoviária da cidade, e aos domingos, na CEASA do município, em região mais afastada do centro.

Em relação à frequência, todos os feirantes entrevistados participam da feira do bairro Porto Velho toda semana. A assiduidade dos feirantes é uma exigência da SEMAG para que se tenha o local de venda garantido, já que é um espaço disputado e com uma fila de espera para os outros interessados.

Quase todos os entrevistados mencionaram que também participam das feiras que ocorrem às terças-feiras e aos domingos (ou uma ou outra), sendo que a metade participa de ambas, conforme apresentado no gráfico 1.

Participação em outras feiras do município de Itajubá
Gráfico 1:
Participação em outras feiras do município de Itajubá
Fonte: Dados da pesquisa.

Quanto à comercialização em diferentes mercados, a maioria vende exclusivamente nas feiras, mais uma vez reforçando a importância deste espaço de comercialização.

Em torno de um terço vende também em outros tipos de comércio, conforme apresentado no gráfico 2. Ressalta-se a baixa participação dos feirantes na comercialização para o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).

Comercialização em outros mercados1
Gráfico 2:
Comercialização em outros mercados1
Fonte: Dados da pesquisa.

Sobre as formas de organização, a pesquisa mostrou que quase a totalidade dos feirantes não participa de nenhuma associação (Gráfico 3). Daqueles que participam, 1,8% é membro da Central de Associação de Brazópolis (CEABRA), 1,8% é membro da Associação do Produtor do município de Brazópolis e 3,6% participam, mas não souberam especificar o nome da associação.

Participação em algum tipo de organização social
Gráfico 3:
Participação em algum tipo de organização social
Fonte: Dados da pesquisa.

Os feirantes já tentaram se organizar em comissão, para que houvesse melhor diálogo com a prefeitura municipal, porém, é relatada a desmobilização por parte de alguns feirantes. A construção de diálogo entre feirantes e prefeitura, através de algum tipo de organização, poderia assegurar a proposição de ações mais cooperadas em favor da feira e dos feirantes, com potencial para elaboração de programas de desenvolvimento rural.

No que diz respeito à comercialização da produção e revenda (Gráfico 4), a pesquisa mostrou que 67,9% dos feirantes comercializam algum tipo de produção própria. Destes, a minoria comercializa somente aquilo que é produzido. No que se refere à revenda, mais da metade dos agricultores revende algum produto que não cultiva (63%). Durante as entrevistas houve relatos de agricultores que pretendem, futuramente, expandir a produção e diminuir a revenda.

Comercialização da produção própria e revenda
Gráfico 4:
Comercialização da produção própria e revenda
Fonte: Dados da pesquisa.

Dentre os agricultores que vendem exclusivamente o que produzem, os principais alimentos comercializados são: chicória, serralha, cará, taioba, ervas frescas, cana, frango caipira, geleias, conservas, compotas e biscoitos. Vale destacar a produção de quitandas/processados, produzidos pelo próprio feirante e sua família. A produção própria demonstra a autonomia que a família tem sobre seu autoconsumo, expressão importante da soberania alimentar.

A agroindústria doméstica rural contribui na agregação de valor aos produtos da agricultura familiar e se caracteriza pela criação de um produto artesanal, com inserção em mercados locais e processos produtivos específicos, definidos pelos recursos do local. O beneficiamento de alimentos é um processo que combina fatores como cultura, conhecimento, tradição e técnica. A elaboração destes alimentos envolve um saber que foi transmitido ao longo de gerações, que não é estático, mas fluido e incorporado por novos hábitos, experiências e práticas de produção.

Esse tipo de produção está relacionado, principalmente, ao trabalho das mulheres no campo. A pesquisa não teve acesso ao detalhamento desta produção, mas vale ressaltar a invisibilização do trabalho feminino também no campo. Apenas 23,2% dos feirantes são mulheres, o que não significa que não haja produção feminina, mas que esta produção é comercializada pelos homens. O trabalho da mulher agricultora é mais voltado para os afazeres em torno da casa, sendo ainda difícil a presença das mulheres nas atividades de negociação nesta região.

No que diz respeito à importância da feira na composição da renda, as vendas se mostraram essenciais para o sustento das famílias dos feirantes. O gráfico 5 ilustra o percentual representativo da renda advinda da feira. Quase metade dos entrevistados tem, por meio da feira, toda a renda familiar. Para 83,9% dos feirantes, as vendas da feira compõem boa parte de suas rendas, indicando o potencial socioeconômico e de geração de renda da feira-livre.

Representação da renda da feira na composição da renda familiar
Gráfico 5:
Representação da renda da feira na composição da renda familiar
Fonte: Dados da pesquisa.

O gráfico 6 apresenta o valor estimado das rendas das famílias dos feirantes. Os dados mostram que a feira garante a estabilidade da renda dos feirantes, mas que também há uma diversidade em suas fontes. É importante chamar a atenção para o fato de que a renda de agricultores familiares é difícil de ser aferida, tendo em vista a diversidade de fontes monetárias (vendas da produção, rendas de programas sociais, pagamentos por serviços prestados, aposentadorias, etc.) e a diversidade de possibilidades de produção para consumo da própria família (pomar, horta, criação de pequenos animais), que não são contabilizados como renda, mas ajudam a poupar seus recursos financeiros. Sendo assim, é difícil precisar a renda gerada e consumida por agricultores familiares, salvo nos casos em que ela se origina de uma única fonte monetária, que são raros.

Renda familiar dos feirantes
Gráfico 6:
Renda familiar dos feirantes
Fonte: Dados da pesquisa.

Com relação ao sistema produtivo, ressalta-se que o universo de feirantes entrevistados que são produtores se restringe a 33 feirantes, ou seja, 58,9%. Para este grupo, questionou-se sobre a disponibilidade de água, problemas com intempéries climáticas, preparo do solo e utilização de insumos para a produção, além do recebimento de assessoramento em relação às formas de produção.

No que diz respeito à disponibilidade de água, o município de Itajubá está localizado em uma região privilegiada, em meio à Serra da Mantiqueira, região conhecida por sua riqueza hídrica. Diante disso, a pesquisa não mostrou problemas relacionados à escassez de água.

Com relação às intempéries climáticas, a geada e a chuva de granizo foram apontadas como problemas por 35,7%, afetando a produção de 21,4% e sendo motivo de grandes perdas produtivas para 46,6% dos entrevistados.

Com relação ao preparo do solo, grande parte dos produtores disseram usar como adubo o esterco bovino produzido no próprio estabelecimento ou nos estabelecimentos vizinhos, o que implica em redução de custos com a realização da adubação; boa parte compra adubo químico e natural, havendo, portanto, gastos com a adubação. Uma pequena parte dos produtores mencionou a utilização de agrotóxicos para realizar o controle de pragas. Tais práticas são características do modelo convencional de produção na agricultura.

Devido a multiplicidade de realidades da agricultura familiar brasileira, a classificação dessa categoria - convencional, tradicional, orgânico, agroecológico, etc. - com pouco aprofundamento, pode gerar equívocos de interpretação dessas realidades tão complexas. Entretanto, os relatos dos agricultores-feirantes mostram a manutenção de práticas de produção tradicionais e sustentáveis, como o uso do esterco e a utilização de semente ou muda própria.

Também foram relatadas a compra de sementes e mudas, mencionada por quase metade dos entrevistados. Dentre os principais gastos envolvidos na produção comercializada na feira estão: a cal, os adubos, os agrotóxicos, as sementes e as mudas. A quantidade utilizada desses insumos externos influencia na renda que o feirante terá sobre o produto comercializado. Esses dados estão presentes no gráfico 7.

Insumos utilizados nos sistemas produtivos
Gráfico 7:
Insumos utilizados nos sistemas produtivos
Fonte: Dados da pesquisa.

Sistemas produtivos mais dependentes de insumos externos exigem renda monetária para montar e manter a produção, que depende diretamente da capacidade da unidade familiar em gerar um montante de dinheiro que a sustente. A baixa utilização de agrotóxicos corresponde ao que a literatura indica sobre a realidade da agricultura familiar, em que o motivo não é somente pela consciência dos impactos ambientais gerados, mas por não ser economicamente sustentável. Não conseguimos nos aprofundar sobre as motivações das sementes e das mudas compradas, mas se trata de uma realidade nacional da agricultura familiar, sobretudo na produção de hortaliças.

Com relação ao recebimento de apoio e orientação na produção, apenas 3,6% disseram que são assessorados pela EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) ou SEMAG, e que utilizam maquinários emprestados da prefeitura, como os tratores para capina e aração do solo. A EMATER é um braço operacional das secretarias de agricultura na execução de programas de desenvolvimento e de estímulo à agricultura familiar.

O trabalho técnico de campo que costuma ser executado pela EMATER merece alguns destaques: (1) os técnicos da empresa nem sempre são diretamente vinculados às secretarias e são, prioritariamente, executores de programas do governo; (2) os técnicos costumam ser bastante móveis, ou seja, são constantemente transferidos de uma cidade a outra. Isso cria grande dificuldade para as secretarias formularem e executarem programas próprios, pois não têm servidores específicos para isso, dispondo de apenas parte do tempo de trabalho do técnico da EMATER, que nem sempre tem vínculo orgânico com o município.

A ausência de apoio técnico da extensão rural dificulta o acesso às políticas públicas voltadas à agricultura familiar, impedindo a obtenção de direitos. A insuficiência desse apoio impede o acesso ao crédito, a participação em mercados institucionais e, até mesmo, dificulta o alcance da aposentadoria rural, haja vista que as normas e regulamentos são, muitas vezes, instrumentos estranhos para o agricultor, demandando a tradução pelo extensionista rural.

Além disso, o apoio da extensão rural fortalece o bom uso dos recursos naturais da terra e da água, inclusive com o estímulo à produção dentro da perspectiva agroecológica, com o olhar para produção de alimentos com segurança alimentar. A assistência técnica e a extensão rural são fundamentais como ferramentas que agregam conhecimento e articulação política.

A realização desta pesquisa configurou-se como uma primeira aproximação junto a esses sujeitos e teve como propósito um diagnóstico inicial da feira e do perfil dos feirantes. Não foram levantadas perspectivas futuras sobre os temas abordados, nem com relação ao contexto social, econômico e político.

Entretanto, diante dos relatos dos feirantes entrevistados, há interesse em fortalecer este espaço, devido à sua importância para a geração de renda, como um canal de escoamento da produção, mas não só. Os feirantes também mencionaram a perspectiva de manter esse espaço devido à sua tradição, respeitando a história de seus antepassados que estiveram presentes nesse espaço e construíram suas vidas através do trabalho na feira. Também há, por parte de alguns feirantes, a perspectiva de início ou aumento da produção própria, melhorando a diversificação e diminuindo a dependência da revenda.

Considerações finais

A pesquisa demonstrou que a feira provoca impactos reais na renda dos feirantes, auferindo renda advinda da sua produção e de seu trabalho de comercialização, contribuindo na manutenção familiar e oferecendo, com regularidade, alimentos para a população, com ganhos que impactam economicamente o município e a região. Assim, ela se configura como um mercado de grande relevância, não somente para a agricultura familiar, mas para todos os envolvidos.

A feira-livre estudada tem realidade similar às outras feiras-livres brasileiras, com presença marcada da agricultura familiar, mas também com outros sujeitos feirantes, sendo, em suma, realizada por trabalhadores que têm a feira-livre como fonte de renda. Enquanto classe trabalhadora, observamos o perfil dos feirantes, em sua maioria, com baixa escolaridade e com renda inferior a dois salários mínimos.

Os principais problemas apontados com relação à feira se referem à falta de fiscalização, falta de banheiros (poucos e inacessíveis para alguns feirantes), calçamento e segurança. Essas são questões de responsabilidade da prefeitura, o que demonstra a necessidade de organização dos feirantes para a construção de diálogo entre a feira e o poder público local. Não existe política de fomento ou apoio das feiras-livres no município.

É preciso destacar os limites da pesquisa: ela foi realizada num período específico do ano, não permitindo compreender possíveis flutuações ao longo das estações e do ano (que fazem mudar o tipo de alimento produzido nas unidades familiares), o que altera, mesmo que parcialmente, a oferta de produtos.

A pesquisa também não se aprofundou sobre as diferentes categorias sociais, como, por exemplo, mulheres, jovens, negros. Pesquisas futuras poderão abarcar esses grupos e analisar a importância e o impacto da produção e da feira em seus contextos.

As questões não abordaram a utilização de práticas agroecológicas, nestes termos. Portanto, recomenda-se o aprofundamento sobre os modos de produção, buscando identificar e compreender as práticas sustentáveis ou, ainda, possíveis processos de transição agroecológica.

Além disso, a compreensão do perfil e a percepção dos consumidores sobre a feira poderia dar uma dimensão maior sobre a relevância da feira-livre para a segurança alimentar e a influência que ela pode exercer sobre os hábitos alimentares.

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Notas

1 A categoria “outros mercados” se refere a hotéis, padarias e quitandas.
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