Resumo: O artigo aborda a licenciatura em Geografia e, nela, busca compreender o papel das memórias das experiências escolares e o diálogo com docentes da educação básica na formação inicial. Utiliza registros de uma disciplina do curso e o grupo focal como estratégia de geração dos dados. A análise identifica a necessidade de ampliação de oportunidades de aproximação entre teoria e prática da/na profissão. Também revela incertezas em relação às aprendizagens acadêmicas como capazes de dar conta dos desafios da profissão. Outro aspecto, vivências com a Geografia escolar e influências na formação inicial, indicou que o diálogo entre estudantes e docentes da escola básica é promotor de aprendizagens, porém, não há necessariamente um entendimento de que esses sujeitos são colaboradores da formação. A investigação indica que as experiências da vida escolar dos graduandos influenciaram em suas escolhas pela docência e o tipo de formação inicial vivenciada interfere em suas expectativas profissionais.
Palavras-chave: Formação de pro-fessores, Docência, Ensino de Geografia, Narrativas.
Abstract: The article addresses the Geography teacher’s education course seeking to understand the role of school experiences’ memories and the dialogue with teachers of basic education in initial training. For data generation, records from a course discipline and focus group research were used. The analysis identified the need to expand opportunities for approximation between theory and practice in the profession. It also reveals uncertainties in relation to academic learning as capable of dealing with the challenges of the profession. Another analyzed aspect, experiences with geography in school and influences on initial training, indicated that the dialogue between students and teachers at basic school promotes learning; however, there is not necessarily an understanding that they are collaborators in the student-teacher’s education process. The investigation indicates that the student’s school life experiences influenced their choices for teaching, and the type of initial training experienced interfered with their professional expectations.
Keywords: Teacher education, Teaching, Geography teaching, Narratives.
Resumen: El artículo aborda la licenciatura en Geografía, y en ella busca comprender el papel de las memorias de experiencias escolares y el diálogo con docentes de educación básica en la formación inicial. Utiliza registros de una materia del curso y el grupo focal como estrategias de generación de datos. El análisis identifica la necesidad de ampliar las oportunidades de acercamiento entre la teoría y la práctica de y en la profesión. También revela incertidumbres sobre el aprendizaje académico como capaz de afrontar los desafíos de la profesión. Otros aspectos, las experiencias con la Geografía escolar y las influencias en la formación inicial, indicaron que el diálogo entre estudiantes y docentes en las escuelas básicas promueven el aprendizaje. Sin embargo, no necesariamente existe una comprensión de que estos sujetos sean colaboradores en la formación. La investigación indica que las experiencias de vida escolar de los estudiantes influyeron en sus elecciones de enseñanza, y el tipo de formación inicial que vivieron interfiere con sus expectativas profesionales.
Palabras clave: Formación docente, Docencia, Enseñanza de Geografía, Narrativas.
Dossiê
A formação inicial de professores de Geografia: entre memórias escolares e experiências docentes
Geography teachers initial education: between school memories and teaching experiences
La formación inicial del profesorado de Geografía: entre memorias escolares y experiencias docentes
Recepción: 16 Mayo 2023
Aprobación: 18 Septiembre 2023
A proposta deste estudo põe em destaque as narrativas de estudantes de licenciatura, entendidas como estratégia para compreender processos de ensino e aprendizagem em suas possibilidades e fragilidades. Além disso, considera as experiências dos profissionais no exercício da docência como parte da trama formativa dos futuros docentes.
Desse modo, busca contribuir na formação de professores de Geografia considerando o papel que as memórias das experiências escolares exercem sobre os estudantes em formação inicial e o aporte que o diálogo com docentes da educação básica proporciona na compreensão da profissão docente. Faz isso por meio de uma pesquisa com estudantes do curso de licenciatura em Geografia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), entre os anos de 2021 e 2022 quando cursavam os segundo e terceiro semestres nas circunstâncias de ensino remoto devido à pandemia causada pela Covid-19.
A base de geração de dados foram registros de uma disciplina do curso que tratava de práticas socioculturais e dos impactos das políticas públicas na gestão democrática das escolas. Ocorreram em encontros semanais no ambiente virtual e-aula com treze estudantes matriculados. A dinâmica das aulas incorporou a participação de docentes da educação básica em exercício em dois encontros denominados rodas de conversa. Posterior ao término da disciplina, foi proposta a realização de quatro encontros na dinâmica de grupos focais (Gatti, 2005), também em ambiente virtual, dos quais aceitaram participar quatro estudantes da disciplina anteriormente referida, tratados no texto como Ana, Pedro, Maria e José. Os encontros do grupo focal buscaram cotejar as experiências escolares na educação básica com a formação no curso de licenciatura e, dessa forma, não só se estruturaram como estratégia de pesquisa, mas também compuseram um trabalho formativo dentro de um contexto vivido.
No processo de pesquisa e em diálogo com Abrahão (2003) e Abrahão e Freitas (2017), consideramos as memórias como elemento estrutural de investigações que trabalham com narrativas, possibilitando a compreensão de dimensões pessoais e sociais da realidade. No que se refere à formação inicial em Geografia, Menezes (2021) e Menezes e Costella (2019) salientam que as narrativas podem ser fontes de conhecimento sobre como a Geografia escolar é e foi produzida ao longo do tempo, pois dão visibilidade para registros de como os professores pensam e exercem a profissão, seus saberes, modos de ensinar e processos de formação. Além disso, a memória não se reporta apenas a uma experiência particular, mas compreende aspectos de experiências vividas coletivamente.
No que se refere ao suporte teórico, contou com dois enfoques principais: o ensino de Geografia (Kaercher, 2007; Castrogiovanni; Teixeira, 2016; Castellar, 2019; Bohrer; Rockenbach; Kaercher, 2021) e a formação de professores (Cunha, 2013; Nóvoa, 2017; Costa; Pimenta, 2021; Belletati; Pimenta; Lima, 2021), os quais deram sustentação para a análise dos dados.
O texto se organiza evidenciando e estabelecendo análises dos encontros realizados na disciplina da graduação, com ênfase nas rodas de conversa e, posteriormente, nos encontros do grupo focal. Na sequência, considerações que discutem os dois processos e apontam aspectos que contribuem na compreensão da formação docente são apresentadas.
Ao longo das aulas da disciplina, os estudantes demonstraram que tinham muitas dúvidas em relação ao cotidiano escolar, as quais estavam vinculadas a como lidar com as estruturas da gestão escolar, com a organização das rotinas administrativas, com os comportamentos de indisciplina dos alunos e estratégias para fazer com que se mobilizassem para aprender. Evidenciaram ainda, incertezas em relação ao que estavam aprendendo na universidade e se essas aprendizagens seriam suficientes para dar conta dos desafios das dinâmicas escolares e do exercício da profissão docente. Nesse contexto de estudos que buscavam articular dimensões teóricas e práticas, foram realizados dois encontros com docentes da educação básica, denominados de rodas de conversa, onde foram estabelecidas relações entre o estudado e o que os profissionais indicaram praticar diariamente. Esses momentos tiveram como eixo de discussão situações e ações vinculadas às gestões escolares.
A primeira roda de conversa contou com a participação de cinco membros da equipe diretiva de uma escola pública municipal − vice-diretora, diretoras dos turnos da tarde e noite e duas coordenadoras pedagógicas − oportunizando a percepção de um importante ponto de vista sobre a realidade escolar. Os estudantes demonstraram interesse em saber quais as maiores dificuldades de uma equipe diretiva, quais seriam as qualidades e aptidões para ser um gestor, quais os processos para chegar a essa função e as práticas escolares presentes em uma gestão democrática. Os docentes convidados manifestaram que as maiores dificuldades encontradas no cotidiano de trabalho são aquelas vinculadas a como lidar com as carências socioeconômicas dos alunos que frequentam a escola e com os cotidianos de violência e insegurança na comunidade. Além disso, outra dificuldade mencionada foi em relação a como tratar a distorção entre idade e série e proporcionar um ambiente propício para aprendizagens.
No que se refere às qualidades e aptidões dos profissionais que ocupam a gestão e coordenação pedagógica, indicaram ser necessário que os profissionais tenham capacidade de organização e articulação entre os setores e segmentos da comunidade escolar de modo que, dentro do calendário escolar, deem conta das exigências burocráticas − como cumprimento de carga horária e preenchimento de documentações em prazos hábeis − e das demandas de ensino e aprendizagem de docentes e discentes. Em relação aos processos para chegar a essa função, as docentes afirmaram a necessidade de um programa de gestão, um reconhecimento da comunidade e a disponibilidade para enfrentar as exigências do cargo. As práticas escolares presentes na gestão democrática são, principalmente, a realização de reuniões pedagógicas e administrativas para tratar das dificuldades e necessidades da comunidade escolar de modo a definir estratégias e planos de ação para o ano letivo.
O interesse e um tanto de entusiasmo dos alunos no contato com a equipe diretiva pode ser lida como decorrência da experiência escolar de distanciamento em relação ao trabalho da gestão escolar dentro da estrutura hierárquica institucional. Há um afastamento entre as questões administrativas e organizacionais e o cotidiano das salas de aula. Expressaram memórias escolares em que o diretor era solicitado para intermediar situações problemáticas ou para se pronunciar em reuniões e eventos da instituição escolar.
A partir da oportunidade da roda de conversa, ficou perceptível a dimensão da função gestora voltada para questões burocráticas e de administração financeira, em detrimento de questões pedagógicas, diante de exigências institucionais. Essa condição pode ser entendida na perspectiva do que alertam Costa e Pimenta (2021) sobre as políticas educacionais de princípios neoliberais que têm exigido da profissão docente uma perspectiva empresarial de controle e produtividade que minimiza a dimensão intelectual da profissão, fazendo dos professores e gestores técnicos que devem dar conta de metas com poucos recursos e investimentos.
As professoras da educação básica também evidenciaram que as condições de trabalho são de sobrecarga de atividades dentro da escola e fora dela, mesmo nos casos em que o espaço físico e os recursos pedagógicos estão a contento. Quanto a essa situação, Belletati, Pimenta e Lima (2021) chamam a atenção para a descontinuidade de políticas públicas, para a busca de qualidade atrelada a avaliações de larga escala e a tendência de entender e interpretar as escolas como empresas. Nessa lógica, o papel exercido pelos docentes e os resultados positivos em termos de aprendizagem dependeriam do esforço individual de cada professor, ignorando as condições de trabalho.
No que tange às dinâmicas escolares, expressaram a necessária atenção ao Regimento Escolar e ao Projeto Político Pedagógico (PPP) de cada escola como documentos que precisam ser valorizados, mas que também demandam atenção no que se refere à realização de adaptações e mudanças conforme necessidades da comunidade escolar ou de exigências institucionais e legais. Porém, não esclareceram nem foram perguntadas sobre a participação da comunidade na elaboração desses documentos. Nesse sentido, é pertinente a reflexão de Pinto (2012) sobre os projetos políticos e pedagógicos das escolas como caminho para vivência de autonomia e valorização da cultura de cada escola diante de ingerências do sistema escolar. Essa dimensão explicita uma frágil cultura democrática que dificulta o estabelecimento de demandas por parte de estudantes e suas famílias, aliada às condições de trabalho e à sobrecarga de funções burocráticas.
Na segunda roda de conversa, a convidada − responsável pelo setor pedagógico de uma secretaria municipal de educação de um município vizinho de Pelotas − abordou os princípios da gestão democrática. Os licenciandos realizaram diversos questionamentos, dentre eles, as dificuldades da gestão se realizar enquanto gestão democrática e a contribuição dos professores que estão em cargo de coordenação diante das demandas e conflitos, tanto de âmbito pedagógico quanto administrativo.
A exposição da convidada enfatizou as questões burocráticas presentes na dinâmica escolar e na relação das escolas com a secretaria municipal. Ressaltou a importância de as escolas estarem com a documentação escolar atualizada de acordo com as normas vigentes no ano escolar, no que se refere ao cumprimento do Regimento Escolar e do Projeto Político Pedagógico. Salientou a necessidade de um diálogo constante entre as equipes diretivas e os diferentes setores das secretarias de educação (setor pedagógico, financeiro e administrativo), facilitando o desenvolvimento e a fluidez dos processos de cunho burocrático, mas essenciais no apoio ao trabalho docente e demais atividades do contexto escolar. Porém, acentuou a dificuldade em fazer com que os professores se comprometam e se interessem pela realização e/ou atualização das documentações das escolas, pois estas ações não dependem somente dos membros da equipe diretiva, os quais expressam queixas por se sentirem um tanto solitários. Explicitou que os documentos dependem de uma atuação participativa e que, em sua percepção, a não participação ocorre, algumas vezes, por falta de interesse e, em outras, por não terem o entendimento e reconhecimento da sua importância para a boa gestão das escolas. Ponderou que muitos docentes não possuem conhecimentos sobre a função de tais documentos e suas implicações para o cotidiano escolar. Argumentou também que a formação e os processos seletivos de docentes deveriam se atentar para essa situação. Nesse contexto, ficaram perceptíveis as demandas recebidas pelos gestores diante das tarefas burocráticas e as queixas em relação aos seus pares e não em relação às condições de trabalho vinculadas ao que se pode considerar neotecnicismo em educação (Freitas, 2012).
Em diálogo com Nóvoa (2017), há políticas de desprofissionalização que criticam as instituições universitárias de formação de professores e buscam instaurar novas formas de regulação da formação e da profissão. Elas tendem a constituir uma visão técnica da docência, em detrimento de dimensões sociais, culturais e políticas. As discussões da disciplina buscavam resgatar essas dimensões e, com a participação dos docentes da educação básica, aproximar a escola do processo formativo realizado na universidade, reconhecer condições de trabalho e de inserção profissional. Também serviram de alerta aos futuros professores, ilustrando que a desprofissionalização “manifesta-se de maneiras muito distintas, incluindo níveis salariais baixos e difíceis condições nas escolas, bem como processos de intensificação do trabalho docente por via de lógicas de burocratização e de controlo” (Nóvoa, 2017, p. 1.109). Reconhecendo e compreendendo esse contexto, o autor afirma que é necessário construir um novo lugar institucional para a formação, ancorado na universidade, mas com encontro e interlocução entre as várias realidades que configuram o campo docente, com fortes ligações externas, para dar conta de uma boa formação de professores, visando uma zona de fronteira entre a universidade e as escolas.
Mesmo que a oportunidade das rodas de conversa tenha sido uma iniciativa pontual, não se configurando em uma prática institucional de aproximação entre universidade e escola, entre formação inicial e exercício da docência, contribuiu para identificar situações e dinâmicas escolares, bem como provocou reflexões e relações entre os estudos e as ações escolares.
Os encontros realizados na dinâmica do grupo focal (Gatti, 2005) foram organizados considerando os participantes como responsáveis por sustentar sua própria discussão, sendo o trabalho do moderador o de sistematizar os diálogos, instigar os participantes a expressarem suas opiniões ou relatos sobre o tema abordado e direcionar a discussão para não perder o objetivo pretendido. Tiveram como eixo as memórias da Geografia na educação básica e a intenção de buscar elementos da trajetória escolar dos participantes que pudessem contribuir na compreensão do processo de tornar-se professor(a).
As narrativas dos participantes trataram do contexto escolar e das interações entre docentes e estudantes para além da Geografia escolar. Desse modo, questões de infraestrutura física e de pessoal, bem como situações de âmbito pedagógico ganharam relevância. Os participantes fizeram referências às condições estruturais das escolas, como a falta de recursos materiais e condições inadequadas dos prédios. Reconheceram que essas lacunas influenciavam no desenvolvimento das aulas, nos seus processos de aprendizagem e no ânimo para estarem na escola e envolvidos no que era demandado em sala de aula.
Estabelecendo um recorte elucidativo, no primeiro encontro, Pedro (Entrevista, 28 abr. 2022) trouxe para a conversa suas memórias de muitos temporais que deixavam a escola com falta de energia elétrica devido aos problemas estruturais do prédio e à precariedade das salas de aula e das reformas realizadas. Narrou, com certo ressentimento e em tom de denúncia, que: “Os temporais fortes atingiam a estrutura da escola e depois contêineres foram colocados para substituir as salas de aula”. Por sua vez, Ana (Entrevista, 28 abr. 2022), ao tratar da estrutura das escolas que frequentou, contou que havia falta de itens básicos, o que comprometia a dinâmica da sala de aula. Salientou que: “A escola em que eu estudava ficava sem os mantimentos básicos de merenda e higiene. Sem materiais como folha e giz”. Também comentou que os quadros-negros estavam em precário estado de conservação, dificultando a visualização da apresentação dos conteúdos feita pelos professores. José (Entrevista, 28 abr. 2022) comentou da utilização de folhas mimeografadas em que parte delas ficava legível e a outra não, dos recursos pedagógicos limitados, de professores trazendo de casa seu próprio material, sendo a mesma situação vivenciada na rede pública municipal e estadual.
Maria contou que tem experiência docente na educação infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e que permanecem insatisfatórias as condições da escola e das salas de aula. Porém, ressaltou que foi no seu estágio do curso de Magistério, no Ensino Médio, que vivenciou as piores situações de escassez e instabilidade. Disse ela (Entrevista, 28 abr. 2022): “A situação no estágio foi precária, a falta de material atrapalhava o desenvolvimento das atividades, fora a questão de segurança, pois a escola passou por vários arrombamentos”.
As falas não culpabilizavam diretamente os profissionais do ensino, ao contrário, houve um reconhecimento do esforço dos integrantes da equipe diretiva, professores e funcionários para garantir o desenvolvimento das aulas, apesar das fragilidades do sistema público. Os participantes ressaltaram o entendimento de que a intenção dos professores era promover um bom ambiente de aprendizagem. Admitiam que a falta de estrutura adequada afetava os processos de ensino e de aprendizagem, mas que não chegaram a tratar de questões que envolviam políticas públicas e projetos educacionais mais abrangentes, nos quais podem ser compreendidas as precariedades presentes em suas memórias.
Outro aspecto bastante mobilizador das discussões, nesse primeiro encontro do grupo focal, foi a pequena disposição e iniciativa dos professores em inserir fatos e acontecimentos atuais, bem como vivências cotidianas dos estudantes, nas propostas pedagógicas. As conversas trouxeram situações de sala de aula em que estavam presentes descrições, memorizações e repetições. Foi indicada a pouca realização de aulas criativas ou com utilização de materiais diferentes do convencional, em que pese a dificuldade de explicitar o que seriam aulas mais criativas. Mesmo assim, os participantes do grupo focal consideraram que houve situações em que os professores incentivavam a manifestação oral dos estudantes sobre os conteúdos estudados e a relação destes com situações vivenciadas, ressaltando que esses encaminhamentos eram realizados, principalmente, por professores de História e Geografia.
José (Entrevista, 28 abr. 2022) afirmou para o grupo que: “Quando os conteúdos eram mais atuais, ficavam mais perto da realidade e mais interessantes também”. Dentro do mesmo contexto, Maria (Entrevista, 28 abr. 2022) contou que durante o Ensino Fundamental não teve contato com métodos de ensino que proporcionassem maior interação. Salientou ela: “Lembro do mapa pendurado no quadro e eu tinha muita vontade de poder manusear, tocar, conversar e saber mais sobre os países. Eu gostava de ler os nomes dos países”.
José (Entrevista, 28 abr. 2022) falou, sensibilizado, de uma professora do Ensino Fundamental que fazia a diferença nas aulas, mas que fora substituída por outra. Referia-se ao fato de a professora ser afetiva e estar atenta às falas e necessidades dos seus alunos. Pedro (Entrevista, 28 abr. 2022), por sua vez, argumentou que: “Quando eu estava no Ensino Fundamental eu tinha o mesmo professor dando as aulas de Geografia e História. Ele trabalhava bastante com atlas e mapas e conversava bastante com a gente, mas acho que aproveitava muitos materiais antigos, de anos passados”. Avaliou que ele não tinha uma leitura de mundo muito atualizada. No Ensino Médio, considerou que teve um professor mais qualificado e que se empenhava na aprendizagem dos alunos, relacionando os conteúdos escolares com situações da realidade local. Ana contou que no Ensino Fundamental as metodologias eram tradicionais, porém, havia um estímulo ao diálogo em sala de aula. No Ensino Médio, passou por duas escolas, com poucas aulas de Geografia e repletas de definições e textos que necessitavam ser decorados para as avaliações.
As trocas no grupo focal indicaram que o diálogo entre estudantes e docentes é identificado como algo assertivo e como condição que colaborou para um bom convívio no contexto da sala de aula, mesmo que as práticas pedagógicas desses profissionais fossem, em grande parte, de cunho mais convencional, com a utilização de poucos recursos didáticos. Nesse sentido, Costa e Pimenta (2021) ressaltam que o exercício do diálogo é um convite para a expressão das relações e condição para a valorização e existência dos sujeitos. Consiste em uma perspectiva teórica, política e metodológica que incide na profissão docente, nas possibilidades de aprendizagem e na constituição do contexto em que se insere.
Buscando indicadores para estabelecer compreensões da situação, pode-se considerar a condição trazida por Menezes e Costella (2019) de que as ações pedagógicas dos professores são delineadas a partir das vivências que eles tiveram enquanto alunos. Nessa perspectiva, entende-se o mérito de situações formativas, tanto na formação inicial quanto na formação continuada, que proporcionam a reflexão, considerando a memória individual e a recuperação de experiências coletivas.
As informações dos participantes sobre suas experiências na educação básica estavam preponderantemente vinculadas aos contextos das escolas públicas e às interações com uma variedade de professores de Geografia e suas atuações profissionais. A disciplina não foi identificada como um componente curricular de grande dificuldade para a aprendizagem, estando os conteúdos da Geografia Física dentre os mais significativos no sentido de caracterizar a área, porém, foram aqueles vinculados à Geografia Humana os que suscitaram as memórias mais expressivas, visto que possibilitavam mais reflexão, trocas de experiências e diálogos nas salas de aula. Mesmo assim, Ana (Entrevista, 28 abr. 2022) relatou que: “nem sempre a opinião que era oposta à da escola costumava ser bem aceita”. Ao fazer esta afirmação ponderou que, talvez se devesse ao fato de ser uma escola localizada na zona urbana de um município com características de uma cultura mais conservadora em relação ao lugar do aluno e de suas possibilidades de manifestação.
A circunstância de época em que os estudantes frequentaram o Ensino Básico foi posterior ao ano 2000 e em suas memórias foram salientadas a preponderância de aulas convencionais permeadas com algumas iniciativas de diálogo e aproximação com situações cotidianas, as quais identificaram como ambientes mais propícios para a aprendizagem. Podemos pensar sobre este período dialogando com Cunha (2013) que, ao abordar tendências na formação inicial e continuada e suas implicações na prática, salienta o período do final da década de 1990 e início dos anos 2000, marcado pela política neoliberal que trata o professor como gestor de pedagogias predeterminadas em forma de competências a serem alcançadas pelos estudantes, na perspectiva da produtividade. Mesmo com resistências, é um período de intensificação do trabalho docente que leva ao esvaziamento de sua condição intelectual, interferindo nas práticas. Nesse contexto, não é inesperada a permanência e predomínio de aulas mais convencionais.
No segundo encontro do grupo focal, a proposta foi estabelecer relações, aproximações e distanciamentos entre as vivências na Educação Básica e no Ensino Superior. Apesar da proposição, a ênfase dada pelos participantes foi no Ensino Básico. Pode ter sido porque estavam, no período de realização do grupo focal, em uma fase inicial do curso de licenciatura e com suas experiências de formação fragilizadas pela ausência de interação devido ao ensino remoto. Desse modo, não conseguiam se perceber na condição de estudantes do ensino superior e futuros professores.
Ao direcionarem o diálogo para suas experiências escolares, José (Entrevista, 05 maio 2022) argumentou que: “Os professores da área de humanas eram mais interessados nas mudanças e abertos ao diálogo, conseguiam trocar mais conhecimentos”. Considerou que, mesmo em aulas predominantemente expositivas, conseguia expor suas ideias e participar com mais entusiasmo. Também os considerou como tendo um olhar mais atento aos alunos e suas vivências. Fez a afirmação de modo mais genérico, sem explicitar situações mais efetivas que o fizeram ter essa percepção. Os demais não discordaram dessa referência aos professores da área de ciências humanas como mais abertos ao diálogo e interessados em interagir e conhecer experiências da turma, porém, não avançaram para propiciar referências ou trazer casos sobre essa condição. Nesse sentido, Castrogiovanni e Teixeira (2016) alertam para a importância de que a sala de aula propicie um ambiente mais acolhedor baseado em acontecimentos reconhecidos e vivenciados pelos educandos. Conforme os autores (2016, p. 283), “aproximar a vida do sujeito com o que acontece na escola é uma maneira de valorizar o lugar onde vive, dando significação ao que vai ser estudado”.
Pedro disse que teve, como estudante, experiência em escola pública e privada, salientou que as maiores recordações de incentivo ao pensamento e busca pelo conhecimento vieram da escola privada, assim como as cobranças pelo cumprimento das atividades escolares. Da escola pública, lembra da ausência de muitos professores e materiais para o desenvolvimento das aulas, o que prejudicava a aprendizagem dos estudantes pela falta de sequência nos conteúdos e nas atividades desenvolvidas. Não fez uma crítica ao ensino público e uma defesa da escolarização privada, mas, ao apresentar sua experiência, reafirmou a necessidade de maior investimento na escola pública. Teve o consentimento dos demais, que também vivenciaram condições de precariedades para o desenvolvimento do trabalho docente na escola pública.
Ana (Entrevista, 05 maio 2022), quando estudante, não se percebia como parte e motivo de atenção da escola ou dos professores. Tinha algumas dificuldades de aprendizagem e socialização no Ensino Médio, sendo necessário uma troca de escola, onde as adversidades foram amenizadas, mas não resolvidas. Manifestou que: “Eu gostava de falar, dar opiniões e no fundamental conseguia, porém, na escola do Médio esse meu jeito de me manifestar não era bem acolhido”. Hoje, como futura professora, pensa em se colocar no lugar dos alunos, buscar compreender suas experiências de vida, escutá-los e dialogar com eles. Pensa em ser uma professora melhor, a partir das suas experiências difíceis. A participante revela um processo de reflexão em relação ao que lhe aconteceu em sua trajetória escolar e projeta esse processo para a sua futura atuação profissional. Revela estar se constituindo professora a partir de um olhar investigativo que vai ao encontro das considerações de Belletati, Pimenta e Lima (2021, p. 22) sobre processos formativos que devem incluir a pesquisa a partir da compreensão e problematização dos contextos educacionais das escolas públicas. Conforme as autoras, a “formação do professor, em uma perspectiva crítica e emancipadora, pressupõe o desenvolvimento do olhar investigativo, o favorecimento da reflexão sobre as conjunturas, locais e mais amplas, em que ocorre a atividade docente, possibilitando a produção de conhecimentos”.
O desenvolvimento desse olhar investigativo na formação inicial permitiria problematizar e compreender algumas situações e afirmações que estão presentes nas memórias dos licenciandos. Essas memórias, muitas vezes, produzem generalizações sobre a escola pública como precária, como instituição que pouco investe na aprendizagem ou, ainda, que não promove possibilidades mais alargadas de diálogo com os estudantes. A pesquisa como princípio formativo na licenciatura, que toma a práxis escolar como objeto de reflexão, proporciona interpretações, questionamentos e compreensões diante dessas generalizações.
Mesmo identificando que suas expectativas enquanto alunos não eram reconhecidas, também ressaltaram o quanto eles não tinham o entendimento do porquê as metodologias eram repetitivas nem qual era a dificuldade que os docentes enfrentavam. Indicaram que os estudos proporcionados na licenciatura estão ampliando os entendimentos das situações escolares, das carências formativas dos docentes e das condições de trabalho. Desse modo, começaram a ter preocupações com a formação dos professores, incluindo eles mesmos nesse processo.
José e Maria reforçaram que passaram a questionar um pouco menos a falta de inovação nas aulas quando perceberam a complexidade do sistema escolar. Não expressaram críticas aos professores de forma ofensiva, mas sim na perspectiva de buscar compreensões e alternativas para as práticas, tanto dos professores em serviço, quanto dos que ainda estão em formação. Demonstraram certo entendimento e preocupação com a heterogeneidade e instabilidade do contexto escolar e com as suas próprias formações e futuras atuações. Nesse sentido, Cunha (2013) situa que o principal mérito da epistemologia da prática, influente nos investimentos da formação de professores no Brasil da década de 1990, foi o reconhecimento do trabalho docente visto por um contexto mais complexo tomando a prática como ponto de partida da formação e da profissionalidade.
Levando em conta que a ênfase das memórias foi nas fragilidades e lacunas experimentadas na vida escolar, bem como no reconhecimento do que poderia e deveria ter sido melhor, emerge o questionamento sobre a necessidade de a escola ser entendida como um coletivo no qual os diferentes segmentos precisam estar representados nas dinâmicas escolares. A manifestação dos alunos foi no sentido de admitir que não eram considerados em suas demandas e vontades, mesmo compreendendo as limitações presentes no exercício da docência.
No terceiro encontro, o eixo das discussões foi a relação entre as memórias da escolarização e as experiências no curso de licenciatura em Geografia. O diálogo inicial entre os participantes enfatizou uma perspectiva sobre a docência como sendo a profissão que possibilita contribuir para uma sociedade melhor, na qual as pessoas desenvolvem suas potencialidades individuais e contribuem com o coletivo. José sintetizou o diálogo expressando que: “o professor faz a diferença e o dinheiro não é o mais importante”. Nesse sentido, é necessário considerar tal representação bastante difundida de que a função docente contribui para o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade e de que esta condição supera em importância a remuneração, situação que minimiza a profissionalização docente quando associada a reivindicações salariais e condições de trabalho.
Dando prosseguimento, na mediação do grupo focal foi proposta uma interação abrangendo quatro ênfases: relação entre professores e alunos, relação entre conteúdo e prática, relação universidade e escola e relação entre a expectativa e a realidade.
No que se refere à relação entre professores e alunos, José contou que teve uma relação boa com seus professores e colegas no Ensino Fundamental e Médio, sendo essa uma das motivações pela escolha da licenciatura e que, no exercício da profissão, buscará seguir na base do diálogo para ter boas relações com seus futuros alunos. Maria, durante a Educação Básica, sempre teve uma relação amigável com os professores, sem atritos. Salientou que o diálogo, em alguns momentos, era incentivado pelos professores. Ana (Entrevista, 12 maio 2022) ressaltou que: “As disciplinas que eu gostava mesmo eram as de Geografia e História, principalmente quando tratavam de questões políticas. Eu sempre gostava de falar as minhas ideias, eu queria e defendia mudanças. Aí, eu não era bem-vista”. Manifestou, desse modo, que nem sempre as relações na escola, com os professores, eram satisfatórias. No que se refere a essas relações que se estabelecem entre professores e alunos, Kaercher (2007) nos ajuda a pensar em como ela está relacionada aos desafios da profissão. O autor acentua que o exercício da docência exige do professor se reinventar, requer a exposição dos sentimentos, aprender com os demais, ter autoria.
Dando continuidade e tratando de questões voltadas para a relação entre os conteúdos escolares e a prática, as situações de diálogo em sala de aula foram retomadas. Maria (Entrevista, 12 maio 2022) mencionou que buscar o diálogo é uma maneira de aproximar conteúdos escolares com as realidades cotidianas, mas que sente muita insegurança em mobilizar e possibilitar esse tipo de diálogo. Ana disse que suas memórias mais fortes são das aulas de Geografia e História, principalmente porque as aulas tinham associações com as suas vivências e com os fatos políticos que afetavam o cotidiano. Tensionando outro aspecto imbricado na relação entre teoria e prática, José salientou que na licenciatura em Geografia sente falta de metodologias de ensino que ajudem a pensar os objetos do conhecimento com os modos de ensiná-los, tendo a concordância dos demais. Enfatizou que: “estudamos muitas coisas, mas falta saber como ensinar, tem professor que conhece muito, mas não sabe passar para os alunos, não sabe ensinar”. Interligando as memórias de escolarização, nas quais experiências de memorização e descrição foram recorrentes nas aulas de Geografia, os participantes questionaram o curso de licenciatura na medida em que este também tem ênfase em modelos mais convencionais de formação docente que distanciam a formação de base teórica da área da formação pedagógica, a qual dará sustentação para a prática profissional.
Quanto à relação entre a universidade e a escola,José (Entrevista, 12 maio 2022) afirmou que sempre almejou entrar na universidade em um curso de licenciatura da área das ciências humanas. Maria (Entrevista, 12 maio 2022) salientou que há uma grande diferença entre a escola básica e a universidade, em termos de formas de organizar as atividades e responsabilidades, ao narrar experiências do primeiro semestre da graduação, dos primeiros fichamentos, leituras, das dificuldades no entendimento dos termos utilizados pelos docentes e na compreensão dos textos. Recordou da frase dita por um professor: “Aqui não é o Ensino Médio!”. Ana (Entrevista, 12 maio 2022) também relatou a dificuldade que teve no primeiro semestre na universidade e a grande diferença entre a escola e a universidade no seu primeiro curso de graduação, não tanto na licenciatura em Geografia. Contou que, no primeiro semestre do curso de licenciatura em Química, as frustrações foram muito grandes, tanto por falta de identificação com a área de estudo, como por carências advindas do ensino médio. Dentro da licenciatura em Geografia, o reconhecimento foi mais fácil, já que a base de conhecimentos que havia recebido no ensino básico na área foi maior e facilitou sua inserção.
Tratando da expectativa em relação ao Ensino Superior e à realidade encontrada e vivenciada, José narrou que a universidade superou suas expectativas, mesmo com as dificuldades causadas pela pandemia, principalmente pela sua participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e em laboratórios de estudos do curso. Maria (Entrevista, 12 maio 2022) contou que suas expectativas na universidade foram atendidas enquanto estava no ensino presencial, conseguiu ter mais autonomia nos estudos e atender aos prazos solicitados, também pôde participar e integrar grupos e laboratórios de estudos. Com a pandemia, a realidade foi diferente e frustrante, pois o modo remoto não atendeu as suas necessidades.
Os participantes expressaram que a escola básica não traz um preparo para a entrada dos alunos na universidade, principalmente em relação às rotinas de estudos, à capacidade de auto-organização e ao atendimento a um maior nível de dificuldade e complexidade de leituras. Entendem que saíram de uma estrutura mais fechada e com certo grau de prescrição e condução para outra instituição na qual a organização e encaminhamentos de estudos demandam mais autonomia, expressa em exigências para tomar decisões e assumir protagonismos de aprendizagem, independência e capacidade de abstração. Como é um curso de formação de professores, havia a expectativa de que questões pedagógicas pudessem ser mais valorizadas, ajudando-os nos seus processos de estudo e condução da vida acadêmica. Além disso, salientaram a necessidade de maiores oportunidades para o desenvolvimento de aprendizagens, de autonomia profissional e intelectual. Consideraram situações fora do currículo formal como as melhores oportunidades de qualificar a formação para a docência, bem como articular teoria e prática. Trata-se da oportunidade de participarem de grupos e laboratórios de ensino e pesquisa e, principalmente, de programas institucionais como o PIBID e a Residência Pedagógica. Porém, essas oportunidades não estavam disponíveis para todos os licenciandos, seja por falta de vagas ou por indisponibilidade de horários, gerando perspectivas diferenciadas de formação. Desse modo, entende-se que os participantes estavam indicando que inserir os graduandos no ambiente escolar com mais frequência e organicidade, na perspectiva de um trabalho mais integrado entre instituição formadora e instituição de atuação docente, beneficiaria a formação. Nessa perspectiva, Nóvoa (2017) entende que o ambiente universitário necessita de um novo encaminhamento e organização. Propõe que a universidade seja uma casa comum, acolhendo a profissão e a formação. Desse modo, não seria uma instituição somente de preparação do ponto de vista técnico, científico ou pedagógico, mas de construção de uma profissionalidade docente, pois o autor enfatiza que a formação depende da profissão e a profissão necessita da formação.
No quarto encontro do grupo focal, foi proposta uma discussão em torno das políticas públicas e suas influências em sala de aula. Os diálogos circunscreveram mudanças da época em que foram estudantes da escola básica em comparação com o momento atual. Consideraram que os alunos, hoje, têm um maior número de projetos de ensino nas escolas e de atividades extraescolares, oportunizando maior integração na comunidade escolar. Outro aspecto salientado foi a ampliação de atendimento a necessidades de formação e aprendizagem dos estudantes da Educação Básica, como as práticas pedagógicas voltadas para a inclusão, as salas de apoio pedagógico e as turmas de Educação de Jovens e Adultos.
Maria (Entrevista, 19 maio 2022) relatou que tem pouca compreensão do papel e da inserção das políticas educacionais na escola. Argumentou ela: “Parece ser do mesmo modo há bastante tempo, independente de mudanças exigidas por alguma política pública”. Ana (Entrevista, 19 maio 2022) salientou que muitos professores fizeram suas formações há bastante tempo e não percebe um auxílio das secretarias de educação na formação continuada desses docentes. Considerou que são inseguros em relação à utilização de recursos didáticos mais tecnológicos, como jogos e plataformas virtuais, e acabam priorizando o livro didático.
De modo geral, os alunos entendem que políticas educacionais visam proporcionar mudanças qualitativas tanto na escola quanto na formação, porém, consideram existir resistências dos docentes, tanto da educação básica como do Ensino Superior na operacionalização e adaptação às políticas. Também, identificam empecilhos e relutâncias na inserção e na utilização de novas tecnologias como suporte para o desenvolvimento das aulas. De acordo com Azevedo (1997), a escola e a sala de aula são espaços em que projetos político-pedagógicos são postos em ação e, dessa forma, concretizam determinadas intenções e compreensões sobre a política educacional. Considerando tal afirmação, as manifestações no grupo focal se direcionavam na perspectiva de que os professores necessitam conhecer para se ambientarem e se adaptarem às políticas educacionais, indicando uma certa fragilidade na compreensão do papel dos docentes como sujeitos que podem intervir, reivindicar, questionar as políticas públicas que incidem na formação e no trabalho dos professores.
Os participantes manifestaram expectativas em relação à docência, corroborando o que dizem Bohrer, Rockembach e Kaercher (2021), ao abordarem essa dimensão da expectativa dos futuros professores e professores iniciantes em relação à docência no contexto das relações entre as condições de trabalho e a prática docente, as quais são marcadas por incertezas, limitações e alterações que interferem nas práticas escolares. Nesse horizonte, os autores entendem que a manifestação e a aproximação com as histórias de vida e narrativas de professores, ao mesmo tempo que possibilitam compreender anseios, desejos e frustrações, também podem levar a novas perspectivas de atuação profissional.
Como era o último encontro, os participantes expressaram, com contentamento e animação, as suas memórias mais assertivas sobre as aulas de Geografia. As experiências escolares se entrecruzaram, mesmo tendo sido vivenciadas em municípios distintos. Salientaram aulas sobre latitude e longitude com recursos lúdicos para ampliar as possibilidades de compreensão do conteúdo, a presença de mapas para visualização e o desejo de explorá-los e manuseá-los. Trouxeram memórias relacionadas à Geografia Humana, as quais disseram estar mais relacionadas com encaminhamentos pedagógicos de maior interação entre discentes e docentes, como dinâmicas de conversas dirigidas pelo professor, aulas realizadas em outros ambientes como pátio da escola e ginásio, mudanças na configuração espacial do mobiliário da sala de aula com cadeiras em círculo, realização de tarefas coletivas para elaboração de cartazes e seminários. Também comentaram e acharam curioso todos terem assistido o filme “Tempos modernos”, de Charlie Chaplin, em aulas de Geografia.
Mesmo assim, com memórias rodeadas de afeto, os graduandos reafirmaram críticas das aulas mais expositivas, com base em suas experiências de escolarização. Afirmaram a necessidade de aulas mais criativas para ampliar aprendizagens e estimular a vontade de aprender e participar por parte dos alunos. Porém, a compreensão do que seria uma aula mais criativa permanecia não evidente e essa situação indica a necessidade de um maior investimento formativo no âmbito da licenciatura, com compartilhamento e discussão de experiências, aprofundamento teórico e prático vinculando a área específica com a área pedagógica. Nessa perspectiva, Castellar (2019) enfatiza que a educação escolar, com seus contextos diversificados, exige uma formação docente com conhecimentos conceituais e metodológicos sólidos, na perspectiva de que ser um professor também é ser um intelectual. A autora (2019, p. 4-5) enfatiza que:
As estratégias desenvolvidas para que ocorra a aprendizagem é algo muito maior do que simplesmente aplicar atividades, entende-se que a partir delas há uma intencionalidade pedagógica, planejada conscientemente para potencializar a aprendizagem [...]. Em várias investigações tivemos indícios de que as metodologias mobilizam mudanças conceituais quando há a aplicação de conceitos científicos para explicação dos fenômenos geográficos, e que a singularidade das situações do cotidiano envolvidas ao redor de um problema atribui sentido ao que se aprende.
Acrescenta-se que a experiência de diálogo ampliou a compreensão sobre a docência que os alunos disseram ter vivenciado no Ensino Básico, tendo em vista que o grupo focal se constitui em um recurso formativo com potencial para proporcionar reflexões sobre determinada situação, dentro de um contexto vivido, possibilitando, como afirma Abrahão (2003), um processo de formação e de profissionalização docente. Em concordância com Menezes e Costella (2019), problematizaram as memórias escolares, podendo acarretar a desconstrução de representações e ideias pré-estabelecidas que estavam consolidadas nas mentes dos sujeitos.
Retomando o propósito da investigação, ou seja, compreender a possível contribuição das memórias das experiências escolares e do diálogo com docentes da educação básica na formação dos professores de Geografia, podemos estabelecer algumas compreensões advindas do processo.
No que se refere à formação inicial, os participantes identificaram a necessidade de ampliação de oportunidades de aproximação entre teoria e prática da/na profissão, para além do estágio supervisionado. Reconhecem a existência de iniciativas, projetos e programas fora do currículo formal que vão nessa direção, beneficiando a formação, porém, não abrangem a totalidade dos estudantes, ficando restritas a vagas e possibilidades de participação. Chamaram a atenção para a necessidade de incorporar a dúvida, a incerteza e o estímulo à criatividade nos processos de ensino e aprendizagem nos cursos de licenciatura. Também reconheceram a exigência e a necessidade de maior autonomia de pensamento no Ensino Superior, a qual foi compreendida na perspectiva de uma demanda individual, não como um componente constitutivo da profissão que possibilita a realização de planejamentos, projetos pedagógicos e ações de ensino entendidas como um trabalho intelectual, compondo, portanto, um processo com implicações no coletivo.
Demonstraram incertezas em relação ao que estavam aprendendo na universidade e se essas aprendizagens, principalmente em relação aos conhecimentos pedagógicos, eram adequadas e dariam conta dos desafios das dinâmicas escolares e da prática da profissão. As incertezas estavam mais vinculadas aos saberes sobre como lidar com as estruturas da escola e ao como ensinar os conhecimentos da área específica. Questionaram o curso de licenciatura na medida em que este também estava sendo percebido como organizado em um formato mais convencional de formação docente, com distanciamento entre a formação de base teórica e a área da formação pedagógica, a qual dará sustentação para a prática profissional.
Quanto a examinar, através das memórias, as vivências com a disciplina de Geografia na escola e suas influências na formação inicial, os participantes indicaram que o diálogo entre estudantes e docentes na escola básica configurou um compromisso com as aprendizagens. Situação que colaborou para um bom convívio escolar, mesmo quando as práticas pedagógicas eram mais convencionais. Admitiram que a falta de estrutura adequada afetava os processos de ensino e de aprendizagem, mas não associaram questões que envolviam políticas públicas e projetos educacionais mais abrangentes na compreensão das precariedades escolares manifestadas em suas memórias.
Outra compreensão proporcionada pela investigação foi a da necessidade de um fazer docente distinto daqueles que tiveram na escola básica. Desse modo, abriu-se a possibilidade de que seus anseios e expectativas escolares fossem ressignificados e entendidos como direitos e possibilidades de outras práticas e experiências de aprendizagem. As experiências da vida escolar dos graduandos influenciaram em suas escolhas pela docência e interferiram em suas expectativas sobre a profissão. Nesse sentido, parece ser adequado que toda a ação direcionada para a formação de docentes esteja articulada com a prática docente.
Acerca da contribuição do diálogo com professores da rede escolar básica durante a formação inicial, houve um reconhecimento da sua importância, porém, não necessariamente um entendimento de que são parceiros e colaboradores da formação, devido à cultura formativa que não os inclui no processo de preparação dos futuros ingressantes na carreira. Mesmo assim, as rodas de conversa contribuíram na compreensão e problematização do trabalho nas escolas, não responsabilizando diretamente os docentes pelas fragilidades encontradas.
Nas rodas de conversa, surgiram muitas dúvidas sobre o funcionamento das escolas e uma constatação da importância de conhecer a escola para além da sala de aula de Geografia. O desconhecimento sobre as questões administrativas e burocráticas pode ser lido como a expressão do lugar distanciado dessas funções de gestão dentro da cultura hierárquica da escola e, de fato, de restrita gestão democrática. Também foi um indicador de fragilidade no entendimento do sentido de política educacional, não considerada como o resultado de disputas de grupos que envolvem determinadas concepções de docência e de profissão. As manifestações no diálogo com os docentes da Educação Básica e no grupo focal se direcionavam na perspectiva de que os professores necessitam conhecer e se ambientar às políticas, não sendo reconhecidos como sujeitos atuantes e detentores de autonomia.
O estudo trouxe contribuições para apoiar o constante processo de qualificar a formação, entendendo-a em suas especificidades e fragilidades, evidenciadas nas narrativas e trocas proporcionadas pelo grupo focal e nas rodas de conversa com professores da Educação Básica.
As memórias, ao evidenciarem as críticas em relação à experiência escolar que tiveram e, também, as expectativas em relação à formação docente no Ensino Superior, mostram a responsabilidade da licenciatura em formar e não desmobilizar os ingressantes na profissão. Houve uma correspondência com a indicação de Abrahão (2003) de que as narrativas de trajetórias pessoais e profissionais possibilitam apreender teorias e práticas de formação, de ensino e institucionais através da compreensão de diferentes contextos sociais, culturais e econômicos.