Dossiê
Recepción: 27 Enero 2024
Aprobación: 22 Abril 2024
DOI: https://doi.org/10.33871/nupem.2024.16.38.8699
Resumo: O artigo discute como o programa de governo de Aluízio Alves (1961-1965), no Estado do Rio Grande do Norte, foi implementado com a colaboração dos Estados Unidos e de agências governamen-tais, visando combater as mazelas do subdesenvolvimento e consolidar a hegemonia política desse gestor. Como estratégia, Alves buscou estabelecer a imagem de político conservador, reformista e anticomu-nista, o que lhe rendeu um aporte considerável de recursos financeiros. Esse processo contou com a confluência de interesses de uma aliança conservadora, objetivando controlar o poder político na região Nordeste no período que antecedeu o golpe civil-militar de 1964. Nessa perspectiva, evidencia-se a cultura política local e as relações de poder que mantiveram sob tensão os processos de lembrar e esquecer a memória coletiva. Espera-se que a rememoração desses eventos contribua para identificar zonas de sombra, silêncios e não ditos que invisibilizam o protagonismo potiguar da primeira metade da década de 1960.
Palavras-chave: Aluízio Alves, Nordeste, Conservadorismo.
Abstract: The article discusses how Aluízio Alves’s government program (1961-1965) was implemented in the State of Rio Grande do Norte with the collaboration of the United States of America and national government agencies, aiming to combat the afflictions of underdevelopment and consolidate the political hegemony of this administrator. As a strategy, Alves sought to establish the image of a conservative, reformist, and anti-communist politician, which garnered him substantial financial backing. This process involved the convergence of interests of a conservative alliance, aiming to control political power in Brazil’s Northeast region in the period preceding the civil-military coup of 1964. From this perspective, the local political culture and power relations that kept the processes of remembering and forgetting collective memory under tension are highlighted. The remembrance of these events is expected to help identify shadow zones, silences, and unspoken aspects that make invisible the Potiguar protagonism of the first half of the 1960s.
Keywords: Aluízio Alves, Northeast, Conservatism.
Resumen: Este artículo analiza cómo el programa de gobierno de Aluízio Alves (1961-1965) en el estado de Rio Grande do Norte, se ha implantado con la colaboración de Estados Unidos y agencias gubernamentales, con el objetivo de combatir los males del subdesarrollo y consolidar su hegemonía política. Como estrategia, Alves buscó establecer la imagen de un político conservador, reformista y anticomunista, lo que le valió considerables recursos financieros. Este proceso contó con la confluencia de los intereses de una alianza conservadora, que pretendía controlar el poder político en la región Nordeste en vísperas del golpe cívico-militar de 1964. Desde esta perspectiva, se destacan la cultura política local y las relaciones de poder que mantuvieron en tensión los procesos de recordar y olvidar la memoria colectiva. Se espera que el recuerdo de estos acontecimientos ayude a identificar zonas de sombra, silencios y no dichos que invisibilizan el protagonismo potiguar de la primera mitad de la década de 1960.
Palavras-chave: Aluízio Alves, Nordeste, Conservadurismo.
Prólogo
No ano de 1962, Aluízio Alves, então governador do Estado do Rio Grande do Norte, firmou um convênio direto com os Estados Unidos, visando implementar um programa administrativo. Esse programa tinha como finalidade “extirpar o subdesenvolvimento local, modernizar, investir em infraestrutura e erradicar o analfabetismo e a mortalidade infantil” (Alves, 1961b, p. 1) que impediam o crescimento econômico naquele contexto.
Todavia, no tocante às ambições políticas, Alves vislumbrava consolidar, em curto prazo, a sua hegemonia política e projetar-se como liderança regional. Por essa razão, os recursos americanos e brasileiros foram vistos como alternativa viável para o andamento desse projeto político.
Ao identificar Aluízio Alves como um aliado na região Nordeste, o governo estadunidense disponibilizou, entre os meses de janeiro de 1963 a dezembro de 1965, um aporte de 3,46 bilhões de cruzeiros, além de assessoria técnica, através da atuação da Agência dos Estados Unidos da América para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), na execução de projetos em áreas estratégicas, objetivando acelerar o processo de industrialização.
Com essas ações, Alves protagonizou um dos maiores feitos da história política e regional nos anos 1960, internacionalizando as relações políticas e econômicas locais em uma conjuntura eivada pela Guerra Fria e pela campanha de desestabilização do governo João Goulart.
Aluízio Alves se destacou como um político útil para o governo estadunidense por se caracterizar como um anticomunista1 e, também, como uma liderança regional, estabelecendo relações amistosas com líderes progressistas, governadores, deputados e militares, além de atuar no Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Esse papel de liderança regional levou-o a ser escolhido pelo Departamento de Estado como a principal Ilha de Sanidade Administrativa2 do Nordeste, na transição democrática para uma ditadura militar.
Dado esse contexto, evidencia-se, neste artigo, a atuação regional do Programa Aliança para o Progresso, notadamente as especificidades referentes ao Rio Grande do Norte. Por isso, defende-se a tese de que a Aliança para o Progresso no Estado do Rio Grande do Norte funcionou como uma ferramenta estratégica da política hegemônica de controle regional, considerando a efervescência dos movimentos sociais na região Nordeste. Tem-se, como se vê, uma clara tentativa de livrar o País da ameaça revolucionária espelhada por Cuba e China.
Nesse sentido, na etapa constitutiva para a cooptação de lideranças-chave, os recursos financeiros funcionaram como um atrativo para os políticos locais. Por isso, torna-se evidente o considerável aporte de recursos estadunidenses aplicado em obras e projetos desenvolvimentistas, visto que funcionaram como vitrine daquilo que os Estados Unidos poderiam realizar no País (Pereira, 2005).
O enfoque regional da Aliança para o Progresso
Nesta análise, destacam-se a cultura política do Rio Grande do Norte e a relação de per se com enfoque regional, cuja opção é necessária para compreender a atuação dos Estados Unidos no Nordeste na década de 1960. Essa abordagem contribui para a historiografia brasileira, uma vez que esta tem priorizado estudos sobre as regiões Sudeste e Sul. Entretanto, no que se refere aos estudos regionais sobre a Aliança para o Progresso, são mostrados acontecimentos envolvendo tão somente o Estado de Pernambuco, notadamente a atuação das Ligas Camponesas, o governo de Cid Sampaio e a gestão progressista de Miguel Arraes, que teve os recursos da Aliança para o Progresso reduzidos em 1963.
Ademais, ainda está por se fazer uma cartografia regional evidenciando como e de que forma políticos e lideranças regionais aplicaram os recursos dos Estados Unidos nesse período que marcou a transição de uma democracia para uma ditadura civil-militar. O estudo de Assis Gomes (2020), por exemplo, mapeou a atuação estadunidense no Nordeste, especialmente a industrialização no Cariri cearense, com a introdução do projeto RITA e o financiamento do governo de Virgílio Távora, no Ceará (Lage, 2001), assim como o governo de Pedro Gondim, na Paraíba, e de Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte.
Quanto aos estudos historiográficos nacionais, latino-americanos e americanos que abordam a atuação da Aliança para o Progresso nos anos 1960, destacamos os trabalhos de Cepêda et al. (2022), Oliveira (2022), Loureiro (2020) e Ribeiro (2006), os quais vêm, em áreas afins, analisando a atuação dos Estados Unidos no Brasil. De maneira geral, esses trabalhos têm destacado a história de Pernambuco, considerando a dimensão política daquele Estado e a sua representatividade regional. Com isso, as demais unidades federativas do Nordeste que colaboraram nesse processo histórico são pouco exploradas nas pesquisas históricas, a exemplo da Bahia, do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte.
A questão regional tem sido, em alguma medida, invisibilizada pelos pesquisadores, como menciona Oliveira (2022), com a justificativa da insuficiência de conjuntos documentais que apresentem dados concretos acerca dessa atuação. Para fins metodológicos, optou-se pelo recorte regional. Segundo Macedo (2005), o recorte regional somente foi evidenciado nas pesquisas históricas na década de 1970, com a expansão dos cursos de pós-graduação. Isso ocasionou o aumento de pesquisas em arquivos locais, consubstanciado pela liberação de documentação estadunidense sobre determinados processos históricos.
Também deve-se mencionar que a história regional foi vista, durante determinado período, como generalizante, sobretudo na abordagem de aspectos como desenvolvimento, educação e questão agrária. Mais recentemente, tem havido uma revalorização da história regional, tornando-a uma importante subárea da História, com os estudos que contribuem para ampliar a compreensão de eventos de ampla repercussão nacional, como as pesquisas sobre a Amazônia e Sertões, propiciando o avanço historiográfico das especificidades desses processos históricos.
Abordar a relação estadunidense com o Rio Grande do Norte na década de 1960 é, portanto, ressaltar o estudo regional como expressão de um lugar particular (Macedo, 2005). Esse enfoque traz a atenção para as formas de sobrevivência em um espaço diferenciado, evidenciando um programa de desenvolvimento forjado por um ideário desenvolvimentista, propagado pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal)3, consolidado pelo capital financeiro monopolista estadunidense.
Ao se destacar a aplicação desses recursos em âmbito estadual, amplia-se a lente analítica que ressalta o conceito de região, considerando a sua inserção no espaço circunscrito do Nordeste. Nessa abordagem, considera-se a perspectiva de região, conforme Albuquerque Junior e Castro ([s.I.] apud Macedo, 2005), cujos autores concebe-a como um quadro de referência da sociedade, um espaço plasmado socialmente, que tem o poder de dizibilidade mais proeminente.
Nesse sentido, a noção de região guarda também uma dimensão política, visto que o poder está presente na configuração que toma dela. Dessa maneira, a região configura-se como expressão do regionalismo, definida a partir das relações sociais e políticas estabelecidas pelo homem com o meio e seus símbolos. Além de serem apropriadas pela elite local que as reelaboram ideologicamente na identidade regional, essas relações conferem, segundo Macedo (2005), visibilidade e valor simbólico aos traços singulares da sociedade local, trazidas como expressão naquele contexto.
Mariz e Suassuna (2002) asseveram que a manutenção de um poder local ligado a eminentes famílias oligarcas e agrárias manteve, ao longo do tempo, lideranças políticas atuantes nas regiões potiguares. Essas lideranças controlavam o poder e os recursos econômicos para fins hegemônicos, interferindo, inclusive, no poder estatal, com a distribuição de cargos públicos e a execução de obras. Por essa razão, Aluízio Alves, mesmo identificado como dissidente da União Democrática Nacional (UDN) potiguar, procurou se sobressair e demonstrar o seu viés progressista, rompendo com práticas tradicionais de fazer política que representavam os interesses da burguesia, evidenciando, em seus discursos e práticas, a ideia de progresso (Alves, 1965).
Tal fato desvela a estrutura organizacional voltada para a finalidade de “modernizar o RN em um momento emblemático da história política nacional” (Alves, 1965, p. 8). Acredita-se que, nesse processo, os acordos bilaterais firmados nos anos 1950-1960 influenciaram a internacionalização das relações econômicas e políticas, apontando para uma forte dependência econômica e para a interferência estrangeira em áreas estratégicas. O Northeast Agreement, denominado de Acordo Nordeste, favoreceu esse processo de interferência nas instituições públicas, ao estabelecer parcerias entre o Governo Federal e os Estados da federação.
Assim, convênios com os Estados foram implantados em colaboração com a Sudene, Chesf, Dnocs, Batalhão de Engenharia do Exército e “uma série de ações vinculadas aos programas Food for Peace (Alimentos para a Paz) e Peace Corps (Corpos da Paz), conforme prerrogativas da Carta de Punta Del Este” (Alves, 1963, p. 5), que consistiam em “acelerar o desenvolvimento econômico e social” através das seguintes metas:
Distribuição equitativa da renda nacional, elevando as rendas e padrões de vida das classes mais pobres; aumento da produtividade e produção agrícola, transporte e distribuição; impulsionar programas de reforma agrária a fim de substituir o sistema de latifúndios; eliminar o analfabetismo entre adultos do hemisfério até o ano de 1970 e aumentar a capacidade para a pesquisa pura e aplicada, dentre outras (OEA, 1961).
Essa atuação foi impulsionada pelo braço estratégico da Usaid em colaboração com a Sudene, revelando a intencionalidade de intervir em áreas estratégicas sem o uso da violência, via acordos institucionais. Assim, para Cepêda et al. (2022), os Estados Unidos chancelaram a feitura de planos nacionais de desenvolvimento com investimento público e interferência direta em instituições nacionais. Esse processo funcionou mediante conflitos e confrontos entre brasileiros e técnicos estadunidenses durante a vigência dos programas regionais de desenvolvimento. Consequentemente, o Departamento de Estado apresentou, em 1962, limites de atuação política e econômica para a agência brasileira.
Paralelamente a isso, ocorre um movimento estratégico dos grupos conservadores, representados por militares, intelectuais, políticos udenistas, empresários, latifundiários, jornalistas, religiosos que ansiavam pela retomada do poder político temendo a influência no Governo Federal, e a efervescência de grupos progressistas que vinham atuando em processos educativos e culturais por todo o País. Isso nos leva a considerar esse movimento com determinada constância, como postulava Heráclito de Éfeso (Costa, 2002).
Tal analogia permite associar o primeiro movimento estratégico de desestabilização do governo Goulart ao modus operandi estadunidense que funcionou em várias frentes, consistindo em conhecer para dominar, controlar processos econômicos, conferir conhecimento e poder político, tendo a colaboração do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e da Escola Superior de Guerra (ESG). Dentre as formas de atuação desses grupos, estavam o financiamento de propaganda e cursos anticomunistas e candidaturas eleitorais e governos estaduais, evidenciando o uso político dos recursos da Aliança para o Progresso.
O Governo Alves: financiamento estadunidense e aplicação de recursos
Ao assumir o governo em 1961, Aluízio Alves constatou a falta de estrutura para o andamento de seu programa de governo desenvolvimentista. Para modificar a estrutura vigente, ele promoveu “uma mudança significativa na área administrativa, adotando a planificação nos moldes cepalinos, incentivando a formação técnica em parcerias e convênios” (Alves, 1962, p. 12). No entanto, os recursos da nova gestão não foram suficientes para propalar esse modelo, apesar de empréstimos e pedidos de auxílio ao Governo Federal ajudarem a efetivar algumas ações.
Já em 1962, Alves vislumbrou atrair para o Rio Grande do Norte os recursos estadunidenses, considerando o investimento nas gestões de Carlos Lacerda, na Guanabara, e Cid Sampaio, em Pernambuco. Entretanto, enfrentou dificuldades para integrar-se ao programa, tendo em vista a ausência do projeto potiguar, que não fora enviado em tempo hábil para a Sudene pelo ex-governador Dinarte Mariz. Além disso, o excesso de burocracia com etapas classificatórias e análise de condições técnicas e financeiras impediram a inserção do RN no programa estadunidense.
Assim, para solucionar o problema, Alves estabeleceu uma rede de relações promissoras, com Carlos Lacerda, Roberto Campos, embaixador brasileiro em Washington, e Eugene Delgado Arias, cônsul estadunidense em Recife (Page, 1972), os quais o ajudaram a viajar aos Estados Unidos, em junho de 1962 (Rio Grande do Norte, 25 jun. 1962), no fito de ir até a sede da Aliança para o Progresso em Washington D.C. e reivindicar a inclusão do Rio Grande do Norte nos programas financiados. Porém, ele não obteve sucesso, pois havia o impedimento institucional que restringia o acesso direto dos Estados. Além disso, na avaliação da Sudene, o Rio Grande do Norte não apresentava condições técnicas e financeiras para implementar projetos de desenvolvimento.
Mesmo com essa negativa, Aluízio Alves foi recebido pelo Departamento de Estado e conseguiu resultados favoráveis: firmou um convênio direto com os Estados Unidos e adquiriu uma aeronave para fins de vistoria das obras que seriam implementadas nos anos 1963-1965 (Rio Grande do Norte, 20 jul. 1962). Entretanto, ao regressar ao Brasil, constatou que havia um novo impedimento: a comissão da Aliança para o Progresso, ao tentar implementar o convênio, tomou conhecimento de que este não poderia ser efetivado em decorrência da legislação vigente no País, que não permitia a efetivação de acordos entre estados da federação e países.
Contudo, Alves não se deu por vencido, pois havia muito em jogo. Para isso, buscou apoio das lideranças udenistas que pudessem pressionar o presidente João Goulart e o primeiro-ministro Tancredo Neves, líder parlamentarista, para solucionarem o impedimento. Como estratégia, Alves tentou a barganha, envolvendo o apoio político dos governadores do Nordeste na campanha para o plebiscito sobre a volta ao presidencialismo. Ele ameaçava publicizar a posição do Governo Federal em não ajudar um estado nordestino a lutar contra o analfabetismo e a mortalidade infantil. Isso seria, segundo Loureiro (2012), uma péssima propaganda para um governo que dependia de apoio regional, pois Goulart intencionava voltar ao governo com a consolidação do presidencialismo. Assim, em dezembro de 1962, após receber uma nota oficial do Governo redigida por Francisco Clementino Santiago Dantas, ministro das Relações Exteriores, foi permitido firmar o convênio direto envolvendo o Estado do Rio Grande do Norte, a Sudene, o Ministério da Educação e Cultura e a Usaid, como mostra a imagem 1.

A imagem requisitada pelo embaixador Lincoln Gordon para documentar o evento foi captada por Hans Mann, funcionário da embaixada estadunidense (Rio Grande do Norte, 30 jul. 1963). Registra-se o momento que antecede a assinatura do convênio. Estão presentes Jack Kubish, representando a embaixada americana, e John Diefenderfen, diretor da Aliança para o Progresso no Nordeste. O Itamarati enviou o embaixador Francisco de Assis Grieco e Celso Furtado para representarem o Ministério do Desenvolvimento e a Sudene, respectivamente. Além disso, estiveram presentes o assessor técnico Almany Silvani, técnicos da Usaid e convidados, como o governador Pedro Gondim, dentre outros.
A formalização do convênio foi efetivada em colaboração com a Sudene, que, na ocasião, repassou ao governador Cr$ 100.000,00 (Cem mil Cruzeiros) para os trâmites iniciais. Em termos de estrutura, a prerrogativa era “gerir recursos para o programa de desenvolvimento, ocasionando a criação do Programa Cooperativo de Educação, que serviu de base para a captação de recursos oriundos da Aliança para o Progresso” (Alves, 1963, p. 10). Com isso, instituiu-se uma agência denominada Serviço Cooperativo de Educação (Secern) para gerir o recebimento dos recursos encaminhados pela Usaid.
Para as metas do convênio, foram equacionadas ações priorizando a criação de agências estatais, como a Companhia de Serviços Elétricos (Cosern), Telecomunicações (Telern), a Companhia de Habitação (Cohab), o Serviço Cooperativo de Educação (Secern) e a Companhia de Desenvolvimento (Codern), a fim de direcionar os projetos por área estratégica, melhorando a infraestrutura e a ampliação da rede escolar (Alves, 1961a, p. 5).
Dessa maneira, as relações meios-fim foram equalizadas com a manutenção dos interesses hegemônicos estadunidenses, pois Alves atuou como aliado, integrando uma rede de apoio no processo de monitoramento regional. Um conjunto de obras de infraestrutura foi empreendido, impulsionando a eletrificação, as comunicações, a construção de estradas e açudes, a criação e o incentivo aos polos industriais, o incentivo agrícola, as campanhas de erradicação do analfabetismo, financiadas pela Aliança para o Progresso (Alves, 1965, p. 20). O fato é que nunca na história do Rio Grande do Norte se recebeu tantos recursos para a implementação de projetos para fins de desenvolvimento.
Esse processo demonstra a força do protagonismo de Aluízio Alves, reforçando a internacionalização das relações políticas e econômicas, sendo ele um ator social reformista, conservador, a Ilha de Sanidade mais importante dessa região. Para alcançar essa meta, submeteu o Estado à interferência direta da Usaid e de técnicos da Aliança para o Progresso nos órgãos estaduais, “direcionando recursos, formulação e execução de projetos, assim como na fiscalização do andamento das obras” (Alves, 1964, p. 18).
Esse movimento demonstra que as políticas empreendidas por governantes em determinados processos históricos não podem ser entendidas apenas como textos e prescrições. Ao contrário, precisam ser entendidas como discursos. Tais discursos “produzem quadros de sentido e obviedade com os quais a política é pensada, falada e escrita. Textos políticos são definidos no interior desse quadro que constrange, mas nunca determina todas as possibilidades de ação” (Ball, 2006, p. 44).
Se considerarmos políticas como discursos, então, temos que olhar para elas não somente como “pré-eminentemente, declarações sobre a prática - o modo como as coisas poderiam ou deveriam ser - donde se baseiam, derivam, declarações sobre o mundo - sobre o modo como as coisas são” (Ball, 2006, p. 26), influenciadas pela conjuntura e pelos interesses pessoais.
Como visto, as relações meios-fim foram balizadas com grande aporte de recursos financeiros, formação técnica para o desenvolvimento e interferência em áreas estratégicas como solução para o subdesenvolvimento sistêmico, mantendo os interesses do sistema capitalista vigente. Por isso, Alves tornou o Rio Grande do Norte um modelo daquilo que os Estados Unidos poderiam fazer com recursos e técnicas para suprir as necessidades locais. Com isso, ficam evidentes as tramas políticas e as estratégias desenvolvidas por um dos principais atores sociais da região Nordeste.
Apesar de implantar uma gestão desenvolvimentista tecida e conectada no tempo e no espaço em cooperação com o Governo estadunidense, Alves não deixou de manter interlocução com o presidente João Goulart. Durante o seu governo, além de requisitar ajuda econômica e técnica, sendo contemplado com recursos de diferentes ministérios, Alves convidou o presidente para inaugurar, na cidade de Santa Cruz, a etapa de eletrificação com a energia de Paulo Afonso, assim como para a cerimônia de conclusão das 40 Horas de Alfabetização de Angicos, ambos com financiamento estadunidense (Alves, 1963). Todavia, colaborava no processo de desestabilização da gestão de Goulart, dando apoio incondicional aos grupos conservadores.
Porém, no ano de 1965, ao término da gestão de Aluízio Alves, constata-se que o uso político do programa serviu apenas para manter a sua hegemonia local, pois não foi capaz de alavancar o desenvolvimento. Além de as metas do convênio não serem alcançadas, os recursos também foram insuficientes para realizar a transformação econômica e social esperada, sobretudo no sentido de garantir as bases para efetivar a industrialização e erradicar o analfabetismo.
Com isso, desvelam-se formas sutis de atuação imperialista4 por parte de Alves, corroborada por discursos e práticas para manter-se no poder e controlar os núcleos políticos. No que se refere à sutileza dessa relação, identifica-se, por um lado, um jogo estratégico envolvendo anseios pessoais, e, por outro lado, as suas ambições políticas, considerando-se que Alves era um dos nomes cotados para concorrer à vice-presidência da República pela UDN nas eleições de 1965.
Tais fatos nos levam a considerar o financiamento estadunidense como parte da estratégia de manter aliados na região Nordeste. Em certa medida, essa estratégia ajudou a projetar Alves como liderança regional naquela conjuntura. Em ressalva, naquele contexto, parte da sociedade civil brasileira, sobretudo políticos conservadores, reproduzia a cultura estadunidense almejando o consenso, tendo em vista o êxito de projetos políticos de determinados atores sociais em diferentes regiões brasileiras, como apontam os estudos de Loureiro (2020).
Portanto, o fazer político mais amplo e direcionado para fins vinculados ao desenvolvimento foi utilizado como estratégia política para controle regional. Por isso, é urgente elucidar aspectos desse processo que se mantém em zonas de sombra, silêncios e não ditos do fazer político de Aluízio Alves nos anos de 1961-1965. No tocante à aplicação dos recursos, observa-se, em um primeiro momento, um conjunto de ações vinculadas ao setor de desenvolvimento, que congregou recursos financeiros e capital estrangeiro e nacional através de doações e empréstimos.
No que se refere às fontes oriundas dos demais recursos recebidos pelo Governo do Estado, tem-se uma diversidade de agências nacionais e internacionais: Banco de Desenvolvimento Internacional (BID), Banco do Brasil S/A, Banco do Nordeste, Banco do Rio Grande do Norte, Sudene, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Agricultura, Ministério da Educação e Cultura, INEP, Usaid, Alimentos para a Paz, Fundos Nacionais, bem como dotações orçamentárias e empréstimos, recursos advindos do programa Alimentos Para a Paz e Sudene e os recursos da Aliança para o Progresso, além dos recursos provenientes de ministérios e agências governamentais.
O gráfico 1 demonstra os valores destinados a projetos específicos que integravam o Programa Cooperativo de Educação e os valores correspondentes efetivamente implementados.
Os valores apresentados no gráfico 1 foram aplicados em diferentes regiões do Rio Grande do Norte preconizados pela planificação circunscrita ao desenvolvimento local do convênio de 1962. Com isso, tem-se: A) desenvolvimento urbano (1964-1965); B) desenvolvimento de comunidade (1962-1968); C) educação elementar (1962-1966); D) promoção de saúde (1962-1964); E) estradas e construções (1963-1964); F) habitação (1964-1965); G) educação elementar (1965); H) desenvolvimento econômico (1965-1966)5.
Os dados cotejados com a documentação do Governo corroboram com a documentação da Comissão Geral de Investigação de 1969 para a cassação de Aluízio Alves e com os valores encaminhados pela Usaid, correspondendo a Cr$ 3,46 bilhões em moeda nacional. Contudo, os ofícios expedidos no Arquivo do Estado apresentam dados inconsistentes sobre a aplicação dos recursos, inclusive lacunas acerca das obras e sobre quanto foi destinado na execução destas.
Já a tabela 1 demonstra os valores contabilizados de janeiro de 1963 a janeiro de 1966, registrados nos documentos de Governo e que foram de fato implementados nos projetos de desenvolvimento6.

No que se refere à aliança para o desenvolvimento, Alves se cercou de diferentes atores sociais que colaboraram para o sucesso de seu projeto político. Ademais, contou com uma rede de dependências de indivíduos, entremeadas por fatores sociais, profissionais, políticos, sexuais, tecnológicos e culturais, tornando-a possível. Isso nos leva a pensar acerca da produção de narrativas sobre episódios peculiares envolvendo a relação com o governo estadunidense e a transformação da realidade local com o objetivo de modernizar o Rio Grande do Norte, uma vez consolidado um parque industrial que visava reunir a produção dos polos de desenvolvimento regional e áreas de escoamento de produtos e matérias-primas.
Por um lado, sabendo que era monitorado pelo governo estadunidense, Alves também usou a estrutura administrativa para perseguir desafetos, radicalizando, em alguns momentos, ao enviar a polícia para refrear a greve de estudantes universitários e requisitar o Exército para conter a greve da Polícia Militar. No ano de 1963, convidou o educador progressista Paulo Freire para implementar o projeto-piloto de alfabetização de adultos em Angicos com financiamento estadunidense.
Por outro lado, continuou a se posicionar contra o Governo Federal, tecendo críticas a João Goulart, sobretudo devido às inconsistências com relação às ações do Programa Aliança para o Progresso e sobre a presença de lideranças da esquerda no Governo, o que foi evidenciado no texto do Manifesto do Nordeste elaborado pelos governadores. O documento foi entregue ao presidente Goulart em Recife durante a reunião do Conselho Deliberativo da Sudene, com Alves se destacando como porta-voz dos governadores, ao exigir um posicionamento definitivo sobre o financiamento da Aliança para o Progresso na região Nordeste no ano de 1963.
No tocante à eletrificação, foi destinado em 1962 o valor de 250 milhões de Cruzeiros através de dotação da Sudene e do Ministério de Minas e Energia. O Plano Cooperativo de Educação continuou a desempenhar o papel de catalizador dos recursos estadunidenses para o desenvolvimento, mesmo que a educação não tenha ocupado o espaço necessário para a transformação da realidade educacional demonstrado na prestação de contas (Alves, 1965).
A situação sui generis do Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte, além de ser considerado um ponto estratégico durante a Segunda Guerra Mundial, destacou-se, na primeira metade dos anos 1960, na luta contra o avanço de grupos progressistas, como também pelo protagonismo da capital potiguar administrada por Djalma Maranhão, político nacionalista e ex-militante do Partido Comunista, que, além de executar uma gestão democrática e participativa, criou uma campanha contra o analfabetismo e a favor da valorização da cultura popular, intitulada “De pé no chão também se aprende a ler”. Ou seja, Aluízio Alves precisava conter o avanço da esquerda em seu Estado.
Outra forma de atuação da educação popular foi a criação do Movimento de Educação de Base (MEB) formulado pela Igreja Católica no Rio Grande do Norte, que atuou sobretudo no campo, visando controlar o avanço da esquerda e das Ligas Camponesas. Com isso, foram estimuladas a educação popular, a formação de lideranças e a sindicalização rural e urbana, o que demonstrava a polarização da alfabetização e os interesses que envolveram esse processo na década de 1960.
Ademais, a estrutura administrativa, alinhada às recomendações internacionais, serviram de modelo para que os governantes locais formulassem projetos espelhados no convênio de 1962. Assim, demonstrava-se que a esfera política não está acima da economia e nem isolada das relações sociais, funcionando como estrutura da política que se expressa na superestrutura social.
Considerando esse contexto, dialogamos com Antônio Gramsci (2001), que considera a economia como fundamento das relações sociais mais amplas, afirmando que ela não produz apenas objetos, mas também relações sociais. Esse aspecto é percebido tanto na implantação do Acordo Nordeste quanto nos convênios diretos com os estados brasileiros. O resultado foi a politização do processo de implantação da Aliança para o Progresso, contrariando as diretrizes da “Carta de Punta Del Este”, elaborada em 1961, que consistia em fornecer recursos financeiros aos países latino-americanos, promovendo reformas pontuais (Oliveira, 2022).
Os projetos deveriam ser pensados de modo a contemplar esses objetivos, quais sejam, garantir as estruturas democráticas e liberais para receber recursos da Aliança para o Progresso. A Sudene e Usaid eram responsáveis pela avaliação das condições financeiras e estruturais dos estados nordestinos, a fim de dar andamento aos projetos de desenvolvimento.
Naquele contexto, havia um dilema prescrito para as nações latino-americanas, que, por um lado, deveriam absorver as transformações do capitalismo que inibem a integração nacional e o desenvolvimento autônomo; por outro, tinham de enfrentar a dominação externa que estimulava a modernização e o crescimento, mas que procurava, ao mesmo tempo, impedir a revolução nacional e a autonomia, como explicita Florestan Fernandes (1975).
Dessa maneira, a “Década do Desenvolvimento” trouxe a pressão pela incorporação da dependência econômica e técnica, retroalimentando a luta contra o subdesenvolvimento, transformando as relações internacionais em um bom negócio. Por isso, reconhecemos que, nessa conjuntura, a questão central da política constitui o “nexo entre a capacidade de construção de uma visão de mundo e a realização da hegemonia” (Dias, 2006, p. 62).
A capacidade de uma classe, seja ela subalterna ou, no caso daquele cenário, a classe dominante, conseguiria elaborar a sua própria visão de mundo, espelhada no modelo de desenvolvimento americanizado. Tem-se, assim, uma relação de dependência do capital estrangeiro, que controlou em certa medida a elaboração de políticas públicas aplicadas no País com as prerrogativas do programa estadunidense. Isso nos leva a entender o redimensionamento do sistema capitalista sob uma nova ideologia, através da introjeção de um padrão de vida que exigiu adaptações no plano do movimento das instituições, haja vista os direcionamentos de ordem moral, cultural e ideológica nas áreas estratégicas com traços desse americanismo.
O conceito de americanismo é analisado como um conjunto de mudanças do modo de ser e de viver (Warde, 2000), um processo de configuração objetiva e subjetiva pelo amoldamento de formas de pensar, sentir e viver, tornando-se parâmetro de progresso, felicidade, bem-estar, democracia, civilização. Em outras palavras, é um amoldamento da esperança em torno do desenvolvimento, mobilizando ações políticas e a construção de um imaginário coletivo.
Além disso, a incorporação de uma nova modalidade de gestão vinculada ao racionalismo, à planificação e à eficiência administrativa com forte dependência econômica em um processo de transformação das condições econômicas, sociais e costumes funcionou como uma combinação entre coação, autodisciplina e persuasão, espelhado como modelo introjetado conforme os interesses capitalistas e respaldados pelo american way of life and business.
Essa estrutura impediu a livre iniciativa, levando à dependência financeira, intelectual e técnica estrangeira e à desumanização dos trabalhadores, redimensionando espaços e inserindo “na mente a silhueta de um homem novo - racional, administrado e industrioso” (Warde, 2000, p. 43). No entanto, por trás desse processo, havia um plano mais amplo de desestabilização política, forjado com a cooptação de atores sociais dispostos a manter e adequar o estado aos interesses do sistema capitalista vigente, como alternativa de progresso para extirpar do País a imagem atrasada e subdesenvolvida.
A cultura política made in Aluízio Alves
Os anos 1960 foram marcados pela mudança significativa na cultura política local, sobretudo a partir da dissidência de Aluízio Alves e Dinarte Mariz, a guinada progressista de Djalma Maranhão marcada pelo processo eleitoral, com a criação da Cruzada da Esperança de 1960, e não apenas na sua forma, com a incorporação do marketing, passeatas e comitês populares. Acima de tudo, essa mudança evidenciou uma articulação em torno da modernização do Estado potiguar.
Ademais, a derrota de Dinarte Mariz, governador em exercício, líder udenista que representava o conservadorismo político vigente e a hegemonia oligárquica advinda da região do Seridó, representa aspectos de relações de coronelismo, patrimonialismo e mandonismo local. Por isso, considera-se que a história se constrói em uma dialética constante de crise e de continuidade, consoante citam Koselleck et al. (2013), além de que os contextos de experiências e atividades dos atores sociais possibilitam novas formas de compreensão e de representação do mundo.
Tal cenário pode, em larga escala, contribuir para ampliar a análise das culturas políticas, como Cefaï (2001) sugere. Com isso, o papel de liderança regional protagonizado por Aluízio Alves e a posição de destaque como “amigo americano” contribuíram para consolidar a imagem desse político entre os grupos conservadores, a exemplo de sua participação na Constituinte de 1946, quando estabeleceu uma relação amistosa com o deputado Carlos Lacerda. Posteriormente, destacou-se por defender ações com fins “modernizadores”, como a proposta de eletrificação dos municípios do Rio Grande do Norte com a energia de Paulo Afonso.
Em 1962, Alves utilizou como estratégia de manutenção de sua hegemonia o fortalecimento das relações com lideranças conservadoras e o convênio estadunidense, para também combater a ascensão progressista local, representada por Djalma Maranhão. O líder progressista que criou, em 1961, a Frente Nacionalista Potiguar na tentativa de impedir um golpe contra a posse do vice-presidente João Goulart, além de denunciar em jornais locais as investidas das empresas estrangeiras na economia local, rompeu politicamente com Alves devido à falta de apoio para a eleição de 1962 e o financiamento dos Estados Unidos no governo estadual. Nota-se que, no ano de 1961, na ocasião da renúncia de Jânio Quadros, Aluízio Alves fez questão de viajar, justificando a sua ausência em ofício encaminhado à Assembleia Legislativa, sob o argumento de “estar no centro dos acontecimentos” (Rio Grande do Norte, 27 ago. 1961).
Agindo de maneira contraditória, perseguiu adversários políticos, financiando com verba pública um evento internacional de combate ao comunismo em 1964, com pagamento das despesas dos representantes. Após o golpe civil-militar, foi o único governante a instituir uma comissão de investigação, levando à prisão não somente militantes progressistas, mas toda a equipe do prefeito Djalma Maranhão, além de destruir toda e qualquer lembrança dos acampamentos educacionais, símbolo da luta contra o analfabetismo local.
Considerações finais
O processo silenciado pela historiografia local perdurou até os dias atuais, mesmo após a morte de Aluízio Alves, o que nos causa estranhamento, embora, de acordo Marc Ferro (2017), também tenha se constituído como história. Como tal, esses fatos precisam ser conhecidos e analisados, tendo em vista os fatores que levaram à abertura política de 1985 e à manutenção dessa força hegemônica. A narrativa consubstanciada pela subserviência e pela coação de colaboradores, funcionários e intelectuais, ao escreverem sobre o contexto político, é produzida sob a justificativa de zonas sombrias pela falta de documentação oficial, o que inviabiliza uma análise mais aprofundada7.
As pressões políticas e o modelo centralizador que compactuava com a política estadunidense manteve o silêncio e o controle inclusive do campo de disputa, o que, segundo Antônio Montenegro (2010), pode ser caracterizado ora pela hegemonia do sentido, ora pelo significado das práticas cotidianas e do fazer político, espelhando ações que aparentavam definir a história da política nacional. Para tanto, reconhece-se a importância da história regional, sobretudo a história política com lentes mais amplas, inclusive pelo olhar estrangeiro, possibilitando a compreensão dos acontecimentos que antecederam o golpe civil-militar de 1964.
Acredita-se que há uma necessidade de especificar a atuação de determinados atores sociais como dever de memória, evidenciando o fazer político. Por isso, destacamos a trajetória de Aluízio Alves, não somente pela sua importância política como deputado, governador, senador e ministro com sólida carreira formativa. A trajetória de Alves é permeada também por práticas jornalísticas em diferentes momentos da história, como a atuação como deputado na Assembleia Constituinte de 1946, representando a coligação da UDN, e, depois, nas reeleições de 1955-1960, na secretaria geral e como vice-líder na bancada do partido.
Entretanto, desentendimentos internos e a recusa de sua candidatura para o Governo do Estado na eleição de 1960 levaram-no ao rompimento com a direção local. Por essa razão, modernizar o Rio Grande do Norte significava superar as forças políticas locais e afirmar o seu poder político pelo voto direto. Nessa análise, a eleição no Rio Grande do Norte configura-se como um marco do período pela consolidação da Cruzada da Esperança, e pelo fato de Aluízio Alves ter se popularizado como um político reformista e, sobretudo, populista.
A decisão de manter a candidatura vinculada ao Partido Social Democrático (PSD) e a aproximação com lideranças progressistas, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Republicano Brasileiro (PRB), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Social Trabalhista (PST), ajudaram a consolidar a vitória de Alves. Entretanto, a imagem que passou a vigorar era a de um hábil governante que mantinha ideias conservadoras, eivadas pelo reformismo moderado, patrocinado pelo capital estadunidense em meio a polêmicas locais, conflitos e confrontos, levando à tomada de decisões contraditórias.
Fontes
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Notas