Dossiê
O Brasil pós-Comissões da Verdade: reflexões 60 anos depois do golpe de 1964
Brazil post Truth Commissions: reflections 60 years after the 1964 coup d’etat
Brasil después de las Comisiones de la Verdad: reflexiones 60 años después del golpe de 1964
O Brasil pós-Comissões da Verdade: reflexões 60 anos depois do golpe de 1964
Revista NUPEM (Online), vol. 16, núm. 38, e2024022, 2024
Universidade Estadual do Paraná
Recepción: 15 Enero 2024
Aprobación: 28 Marzo 2024
Financiamiento
Fuente: Fapemig
Nº de contrato: BPD-00832-22
Financiamiento
Fuente: CNPq
Nº de contrato: 2023/29541
Descripción del financiamiento: Este artigo é fruto de pesquisas financiadas pela Fapemig e pelo CNPq, processos BPD-00832-22 e 2023/29541, aos quais agradecemos.
Resumo: Este artigo parte do argumento de que a implantação de comissões da verdade no Brasil foi o estopim para uma virada con-servadora que tomaria proporções inimagináveis na ocasião da criação de tais comissões. Sessenta anos após o golpe de 1964, partindo de uma análise historiográfica, socioló-gica e comunicacional, o texto discute o impacto e o legado das comissões da verdade no Brasil, assim como a ascensão de uma perspectiva autoritária após a divulgação dos relatórios finais das principais comissões. Pretende-se avaliar o papel desempenhado pelas comissões de forma articulada com a Comissão Nacional da Verdade (CNV), compreender tal virada conservadora a partir das políticas de direitos humanos e articular essas reflexões ao debate acadêmico acerca da memória, da censura e da liberdade de expressão no Brasil.
Palavras-chave: Comissão da Verdade, Virada conservadora, Memória, Autoritarismo.
Abstract: This article is based on the argument that the implementation of truth commissions in Brazil triggered a conservative turn that would take on unimaginable proportions at the time of the creation of such commissions. Sixty years after the 1964 coup d’etat, based on a historiographical, sociological, and communicational analysis, the paper discusses the impact and legacy of truth commissions in Brazil, as well as the rise of an authoritarian perspective after the release of the final reports of the leading commissions. It is intended to evaluate the role played by the commissions in articulation with the National Truth Commission (CNV), to understand this conservative turn from the point of view of human rights policies, and to articulate these reflections to the academic debate on memory, censorship and freedom of expression in Brazil.
Keywords: Truth Commission, Conserva-tive turn, Memory, Authoritarianism.
Resumen: Este artículo se basa en el argumento de que la implementación de las comisiones de la verdad en Brasil fue el detonante de un giro conservador que tomaría proporciones inimaginables en el momento de la creación de dichas comisiones. Sesenta años después del golpe de Estado de 1964, a partir de un análisis historiográfico, sociológico y comunicacional, el texto analiza el impacto y el legado de las comisiones de la verdad en Brasil, así como el ascenso de una perspectiva autoritaria después de la publicación de los informes finales de las principales comisiones. Se pretende evaluar el papel desempeñado por las comisiones en articulación con la Comisión Nacional de la Verdad (CNV), comprender este giro conservador desde el punto de vista de las políticas de derechos humanos y articular estas reflexiones al debate académico sobre la memoria, la censura y la libertad de expresión en Brasil.
Palavras-chave: Comisión de la Verdad, Giro conservador, Memoria, Autoritarismo.
Introdução
No ano de 2024, rememoramos os 60 anos do golpe civil-militar que destituiu o presidente João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e instaurou uma ditadura militar1, que perdurou por 21 anos no Brasil. Foi um período marcado por intenso autoritarismo de Estado que deixou marcas profundas na sociedade brasileira. Essas marcas puderam ser percebidas, por exemplo, em período recente quando da eleição presidencial de Jair Messias Bolsonaro, então Partido Social Liberal (PSL)2, em 2018. Defensor explícito da ditadura militar, que ele nega ter sido uma ditadura, o político muitas vezes exaltou o golpe de 1964, denominando-o como “o grande dia da liberdade”. Em sua carreira política, chegou a mencionar algumas vezes que os militares, à época que governaram o país, deveriam ter matado mais gente.
A escolha majoritária pelo eleitorado de um político que se reconhece como ultraconservador, defensor do regime militar, aponta para uma virada conservadora na política brasileira. Essa guinada teve início em meados de 2013, foi marcada, ainda, pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2016, e culminou com o governo Bolsonaro (2019-2022), que contou com o apoio de setores da sociedade para a adoção de um modelo político da ultradireita. Este artigo parte da hipótese de que essa virada conservadora foi influenciada, dentre outros fatores, pela criação e implementação, pela presidente Dilma Rousseff, da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2012, que teve impacto significativo em um movimento de articulação das novas direitas ultraconservadoras no país. Bolsonaro, inclusive, tornou-se um nome viável no cenário da política nacional após ampla campanha contra a CNV, que ele liderou no Congresso Nacional enquanto deputado federal.
Muito se tem estudado e pesquisado no Brasil acerca do backsliding, do backlash cultural - nos termos de Pippa Norris e Inglehart (2019) -, da ascensão da nova extrema-direita ou da virada conservadora, fenômeno que diz respeito à recessão democrática e que ganhou nomes distintos conforme o foco da análise. Todavia, a avaliação de que a CNV foi um componente importante nesse processo no país ainda foi pouco explorada.
Para discorrer sobre os aspectos dessa reflexão é necessário, inicialmente, empreender um trabalho conceitual sobre comissões da verdade e um esforço histórico de compreensão dos momentos políticos que viabilizaram tal conjuntura. Pretende-se, neste artigo, abordar a relação da CNV com tal processo de virada conservadora, buscando empreender uma análise que seja ao mesmo tempo historiográfica, sociológica e comunicacional.
A próxima seção tratará dos conceitos de comissão da verdade e justiça de transição, que são caros a este debate. Na sequência, a partir da historiografia, apresentaremos alguns episódios-chave para a compreensão social da conjuntura política envolvida no momento estudado, especialmente os anos 2010, retomando elementos do período da ditadura militar que não podem ser desconsiderados. Por fim, buscaremos testar a hipótese do papel da CNV como componente importante para a compreensão da ascensão da ultradireita no país no século XXI.
Compreendendo os conceitos
O entendimento do conceito de comissão da verdade demanda um saber prévio da noção de justiça de transição. Isso porque, em geral, comissões da verdade são frutos de processos transicionais. O termo justiça de transição funciona tanto como conceito teórico quanto para designar os processos e mecanismos adotados durante as transições democráticas, com o objetivo de mitigar e prevenir violações de direitos humanos ocorridas devido a conflitos, guerras, regimes de segregação e governos autoritários. Ainda que não haja unanimidade teórica sobre as medidas transicionais, há certo consenso de que se trata das ações necessárias aos períodos de redemocratização, até que seja consolidada uma nova ordem democrática.
O termo foi cunhado por Ruti Teitel (2003), em 1991, para se referir à noção de justiça atrelada a períodos de mudança política. Mas, antes disso, no pós-Segunda Guerra, os trabalhos de reflexão do campo já tinham se iniciado.
Por influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e pelo desejo de se evitarem novos genocídios e lidarem com os resquícios das violações ocorridas, as transições democráticas passaram a assumir alguns princípios gerais, dentre os quais a ideia de que, para a superação da herança traumática, seria necessária a garantia de direito à memória sobre o que ocorreu (Sanglard; Oliveira; Shimomura, 2018, p. 10).
Tais princípios passaram a incorporar uma série de medidas, não só jurídicas, mas também sociais e memoriais, que servem para estabelecer e fortalecer o Estado de Direito, a prestação de contas e a reparação de danos. Assim, a noção de justiça de transição se sustenta no âmbito dos direitos humanos numa interface multidisciplinar, que, reunindo as perspectivas de diversos autores (Teitel, 2003; Freeman, 2006; Hayner, 2011; Sanglard; Oliveira; Shimomura, 2018), incorpora cinco eixos constitutivos essenciais: (1) memória; (2) verdade; (3) justiça; (4) reformas institucionais e (5) reparação.
Conforme Sanglard, Oliveira e Shimomura (2018), enquanto o direito à memória prevê que se conheça o passado traumático e dê visibilidade às narrativas memoriais eleitas como emblemáticas, que essencialmente são memórias impedidas de serem manifestas nos regimes de exceção, o direito à verdade envolve a necessidade de se investigar as violações de direitos humanos e suas motivações numa tentativa de também conter o negacionismo histórico ou possibilitar o surgimento de contranarrativas que se oponham às versões memoriais que ocultam a versão das vítimas. O direito à justiça, por sua vez, prevê uma resposta do Estado aos anseios das vítimas e/ou seus familiares e a identificação (e em alguns casos a responsabilização) dos agentes violadores, principalmente quando se trata de agentes públicos/estatais e seus apoiadores. Já a reforma institucional tem o sentido de fortalecer as instituições democráticas, prevendo instrumentos de controle, monitoramento e não repetição das práticas abusivas. Por fim, a reparação, que pode ser material ou simbólica, envolve o reconhecimento público e até mesmo legal das violações praticadas.
Tais eixos inspiraram o pensamento teórico que sustentou a criação de boa parte das comissões da verdade. Na tentativa de compreender as peculiaridades da justiça de transição brasileira, Sanglard (2017) propõe um quadro com eventos políticos nacionais considerados essenciais para o processo.
Entre a Lei de Anistia e a promulgação da Constituição de 1988, as ações mais relevantes foram principalmente conduzidas pela sociedade civil. Já, a partir de 1995, é possível perceber que o Estado assumiu a condução das principais políticas, ainda que muitas delas tenham sido fruto da pressão de movimentos sociais. Fato é que o processo transicional brasileiro foi se modificando em suas fases.
Sanglard, Oliveira e Shimomura (2018) explicam que não há um prazo para que a justiça de transição seja concluída e citam o trabalho de Jon Elster para apontar que há, ao menos, três possibilidades temporais para que ela ocorra. A primeira, a “imediata”, ocorre quando a adoção de mecanismos transicionais acontece logo após o fim do regime autoritário e as medidas duram em média cinco anos. A segunda, denominada “prolongada”, acontece quando as medidas são adotadas logo após o período de conflito, mas demandam um tempo maior para se efetivarem e surtirem efeito. Já a terceira, a “postergada”, realiza-se quando as medidas transicionais são tomadas a partir de dez anos após o fim do regime repressivo. Este último modelo parece se encaixar à experiência brasileira, todavia, Sanglard, Oliveira e Shimomura (2018, p. 14) fazem uma ressalva:
À primeira vista, poderia ser considerado como “justiça de transição postergada”, se considerarmos que as comissões da verdade [...] levaram quase 30 anos após o fim da ditadura para serem criadas no País. Todavia, a controversa Lei de Anistia (Lei n. 6.683/79), que permitiu o retorno dos exilados e “perdoou” os presos políticos, ao mesmo tempo em que garantiu impunidade aos agentes do Estado envolvidos na repressão, pode ser considerada uma medida de transição adotada em 1979, quando o Brasil ainda vivia sob o regime autoritário. Sob a perspectiva de considerar-se apenas o primeiro gesto de transição, a experiência brasileira poderia ser de uma “transição prolongada”. Todavia, quando se analisa com profundidade todas as ações adotadas pelo Estado brasileiro, bem como o tempo transcorrido entre elas, é possível concluir que se trata de uma transição atípica, que não se encaixa nos moldes propostos por Elster.
A partir do exposto por Sanglard, Oliveira e Shimomura (2018), nota-se a peculiaridade da justiça de transição brasileira, que se iniciou ainda durante a ditadura militar, de forma controlada e estimulada no Governo Geisel, com a Lei de Anistia, primeiro marco identificado e sancionado em agosto de 1979, já no Governo Figueiredo. Essa lei foi viabilizada por um “acordo” que objetivava a reconciliação nacional. Contudo, seu texto final acabou por permitir a autoanistia, uma vez que os setores responsáveis pelas violações “perdoaram”, em nome do Estado, a si e aos seus, antes mesmo de serem julgados ou colaborarem para o estabelecimento da verdade. Desta forma, de acordo com Sanglard, Oliveira e Shimomura (2018), o processo de anistia contribuiu à justiça de transição brasileira como um modelo às avessas, que ainda se encontra em andamento e que se iniciou com medidas de perdão, seguidas de reparação, antes que o exercício de memória e esclarecimento dos fatos fosse realizado.
As controvérsias acerca da Lei de Anistia, fruto de disputa política cujo debate sobre sua interpretação e amplitude foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), e a mencionada transição atípica ajudam também a entender por que, no Brasil, a Comissão da Verdade de âmbito nacional só foi criada por lei em novembro de 2011, quase 30 anos após o fim da ditadura militar. Iniciativa tardia, comparada às comissões instaladas em outros países da América Latina, como Argentina, Chile, Peru e Uruguai, que desenvolveram ações deste tipo em espaço temporal menor, entre o fim do período de exceção e o início das investigações.
Em um dos principais estudos sobre comissões da verdade no mundo, Priscilla Hayner (2011) apurou a existência de 40 comissões da verdade entre 1974 e 2009. A primeira que se teve notícias foi criada em Uganda, na África, em 1974. Mas a comissão que se tornou mais conhecida internacionalmente veio na sequência, em 1983, na Argentina, com o nome de Comissão Nacional de Desaparecidos (Conadep). Mais tarde, nos anos 1990, a comissão da África do Sul também ganhou notoriedade.
Em atualização dos conceitos de Priscilla Hayner (2011) e Mark Freeman (2006), Fernanda Sanglard (2017) propõe a compreensão de comissões da verdade como órgãos que: (1) estão focados no passado dos eventos, em vez dos em curso; (2) auxiliam na (re)construção de memórias de grandes traumas de determinada região; (3) investigam um padrão de acontecimentos relativos a atos de violência ou repressão que tiveram lugar durante um período de tempo; (4) envolvem-se diretamente e amplamente com a população afetada, coletando informações sobre as suas experiências; (5) desenvolvem ações temporárias com o objetivo de elaborar um relatório final; (6) são oficialmente autorizados ou habilitados pelo Estado; (7) diferem-se dos órgãos governamentais de direitos humanos e dos órgãos de investigação do Judiciário; e (8) visam afetar a compreensão social a partir de ações que incentivem o debate público e estimulem a repercussão midiática e cultural.
Sanglard (2017) defende que as comissões da verdade são provocadoras do debate público e as principais responsáveis por retornar com a temática dos grandes traumas na mídia. Nesse sentido, o componente comunicacional das comissões da verdade deve ser considerado, visto que as mediações entre Estado e sociedade se dão de modos distintos e os resultados e impactos das políticas públicas estão articulados com a forma como o debate público sobre elas é promovido. Comissões da verdade também têm um importante papel ao procurarem “fixar” a memória e institucionalizar uma visão sobre o passado controvertido e conflituoso de um determinado Estado (Wilson, 2005). São elas que indicam fatos passados que já não podem ser negados, além de estabelecerem algum nível de consenso sobre o que é intolerável em termos de violência. Claro que essas comissões não são capazes de investigar o passado violento em sua totalidade. Elas precisam fazer escolhas, já que possuem limitações em termos de duração e, também, de recursos (Hayner, 2008).
No Brasil, a CNV foi instalada com o intuito de investigar os crimes cometidos pelo Estado brasileiro, mas sem a prerrogativa de realizar julgamentos e punições. Essa Comissão divulgou seu relatório final em dezembro de 2014 e foi responsável por impulsionar a criação de dezenas de outras comissões da verdade, que foram instituídas em âmbitos estaduais, municipais e setoriais. O historiador Mateus Pereira, em artigo publicado em 2015, analisou os impactos da presença da CNV no cenário brasileiro e afirmou “que talvez estejamos assistindo hoje, no Brasil, à passagem de um ‘clima’ ou ‘regime’ de ‘não inscrição’ para um ‘clima’ ou ‘regime’ de ‘inscrição frágil’” (Pereira, 2015, p. 865). O “regime” de “não inscrição”, proposto por Pereira, se referia a um total distanciamento com o passado, em que a memória sobre a ditadura militar é silenciada, apagada, torna-se névoa. Já o “regime” de “inscrição frágil” procura resgatar alguns aspectos dessas memórias, de forma ainda fragmentada e precária. De acordo com o autor (2015, p. 891), “nos últimos anos o silêncio vem sendo quebrado e tem havido certo reconhecimento de direitos de vítimas e de famílias das vítimas”.
A análise de Pereira, conforme já afirmado, foi publicada no ano seguinte à divulgação do relatório final da CNV, período marcado por discussão mais ampla sobre a violência cometida durante a ditadura militar. Todavia, o que se notou nos anos subsequentes, com a virada conservadora na política brasileira, foi o retorno ao regime de “não inscrição”, sendo a própria existência de uma ditadura militar no país contestada por determinados grupos da ultradireita.
A Comissão Nacional da Verdade: importância e limitações
No Brasil, o silenciamento é uma característica marcante do modo como a sociedade, de forma coletiva, lida com seus passados traumáticos (Rovai, 2013; Ansara, 2012). O passado sobre o período da ditadura militar, por exemplo, é pouco lembrado pela memória coletiva e, também, pelas memórias institucionalizadas. Segundo Marta Rovai, trazer à tona fatos ocorridos durante a ditadura militar (de 1964 a 1985) passou a ser entendido por alguns setores como remexer em algo pertencente a outro tempo, sobre o que não valeria a pena se debruçar. A memória construída oficialmente sobre o período colaborou para esse distanciamento por parte das novas gerações em relação ao passado traumático brasileiro: “O passado passou...” (Rovai, 2013, p. 31).
Em 2024, 60 anos depois do início desse regime de exceção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu terceiro mandato, afirmou que o melhor é não lembrar desse passado e que não o ficaria “remoendo”, já que queria “tocar esse país pra frente”. Postura que confirma as afirmações de Rovai apontadas acima.
O passado sobre a ditadura militar e outros momentos autoritários, como o período colonial e escravista, são vistos como “um passado que passou” e, portanto, não necessitam ser lembrados. Por esse motivo, poucos foram os movimentos no país em busca desses passados traumáticos. Concentrando no período da ditadura militar e em seu impacto até os dias atuais, rever as principais políticas de direitos humanos e memória implementadas no Brasil desde o fim desse regime é importante para dimensionar o modo como a justiça transicional foi se desenvolvendo até culminar nas comissões da verdade, que foram instituídas a partir de 2011, após a criação da CNV.
Conforme Brito (2013), o presidente José Sarney, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que governou o Brasil entre 1985 e 1990, por ter sido da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e próximo aos militares, não tomou medida no sentido de “resolver a questão das violações dos direitos humanos” ou de rememorar os anos de autoritarismo. Seu governo tentou apaziguar as relações com os militares e colocar uma pedra sobre o passado. Posteriormente, buscando focar o “Brasil do futuro”, os governos de Fernando Collor de Mello, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), e Itamar Franco (PRN/sem partido), que vigoraram de 1990 a 1994, não desenvolveram políticas públicas de impacto envolvendo a rememoração da ditadura, mas realizaram ações que consistiram na autorização da transferência dos registros policiais para os governos municipais e estaduais, o que facilitou a abertura de alguns arquivos do período da ditadura, como os arquivos dos Departamentos de Ordem Política e Social (Dops), a famosa “polícia política” responsável pela repressão nos estados3. Após o processo de impeachment de Collor, que levou à sua renúncia em 1992, familiares de mortos e desaparecidos políticos propuseram ao ministro da Justiça, Maurício Corrêa, que o Poder Executivo criasse uma comissão para investigar os desaparecimentos durante a ditadura, mas a ideia não prosperou no governo Itamar (Mezarobba, 2009). Foi a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que iniciativas em prol da justiça de transição começaram a ter mais impacto. Coincidência ou não, Fernando Henrique e seus dois sucessores - Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (ambos do PT) - foram vítimas da ditadura.
A entrada efetiva dos direitos humanos na agenda política nacional aconteceu principalmente a partir de 1995, com a elaboração do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (Adorno, 2010). Nesse contexto, houve cobranças de organismos internacionais por políticas públicas de direitos humanos após o processo de redemocratização. O primeiro passo foi a criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH), voltada a operacionalizar tais políticas. Inicialmente atrelada ao Ministério da Justiça, depois transformada em uma secretaria ligada diretamente à Presidência da República e com status de ministério, foi transformada em Ministério dos Direitos Humanos (MDH), que foi mantido, extinto ou recriado nos governos que se sucederam, e recebeu nomes distintos desde então. Em 2023, no início do terceiro mandato de Lula, recebeu o nome de Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Outra relevante iniciativa para a pauta dos direitos humanos foi a criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), instituída em 1995, para proceder o reconhecimento de pessoas mortas e desaparecidas em razão de atividades políticas. A CEMDP teve seus trabalhos iniciados em 08 de janeiro de 1996, com estrutura de funcionamento fornecida pelo Ministério da Justiça. Essa comissão realizou várias incursões para tentar localizar o paradeiro de desaparecidos políticos, com o objetivo de identificá-los e devolver os restos mortais aos seus familiares, conseguindo analisar, durante 11 anos de trabalho, 475 casos (Silva, 2021).
Em 2002, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi instituída a Comissão de Anistia, com o objetivo de oferecer reparação econômica para os perseguidos políticos ou seus familiares. A partir de 2007, a Comissão de Anistia passou a elaborar ações que permitiram outras formas de reparação, com a realização de programas que combinaram diferentes formas de justiça de transição, como os direitos à memória e à verdade, a promoção da memória, além da reparação nos âmbitos econômico, moral, simbólico, coletivo e psicológico (Brasil, 2016).
Outro marco da justiça de transição foi a elaboração do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), divulgado pelo governo em dezembro de 2009, com articulação da sociedade civil e das instituições formais da política. Pela primeira vez, o Brasil incluía formalmente, em documento público, a necessidade de desenvolver ações pelo direito à memória e à verdade. E, assim, surgiu a proposta de criação de uma comissão da verdade.
Diferentemente do ocorrido com as duas primeiras comissões citadas, a CEMDP e a Comissão de Anistia, os trabalhos da CNV, desde a sua instalação, em maio de 2012, tiveram forte repercussão no espaço público, tendo motivado debates acalorados entre diferentes setores da sociedade civil e do Estado brasileiro. A CNV exerceu papel importante na publicização de muitos casos de violações de direitos humanos identificados anteriormente. Ainda que muitas das verdades já fossem conhecidas, “nenhuma comissão de reparação, instituída anteriormente, teve tanta força política quanto a CNV” (Schettini, 2023, p. 180).
É importante ponderar que a CNV foi criada em momento político favorável. Foi, naturalmente, criticada por alguns setores, mas encontrou ambiência propícia de políticas pró direitos-humanos, incentivos internacionais, como da Organização das Nações Unidas (ONU), além de índices de popularidade do governo bem maiores do que os verificados posteriormente, em 2014 e 2016. No ano de 2012, conforme o Datafolha, o Governo Dilma Rousseff possuía 62% de aprovação. Segundo a pesquisa, o desempenho de Dilma era considerado o melhor entre todos os presidentes eleitos desde Fernando Collor no mesmo período de governo, os dois primeiros anos. Lula havia completado seus dois primeiros anos de governo sendo avaliado como ótimo ou bom por 45%, patamar similar ao de Fernando Henrique Cardoso, que, em dezembro de 1996, era aprovado por 47% dos entrevistados (Datafolha, 2012).
Contudo, em quatro anos, a popularidade de Dilma despencou, e o segundo mandato teve início com baixos índices de aprovação, como demonstra pesquisa do mesmo instituto. Em dezembro de 2014, quando a CNV divulgou seu relatório final, apesar de estar recém-reeleita, a presidente já terminava o primeiro mandato com dificuldades de articulação política e queda nos índices de aprovação. Pouco mais de um ano depois, em abril de 2016, o governo Dilma era avaliado como ruim ou péssimo por 63% dos brasileiros (Datafolha, 2016). Após alguns meses, a presidente deixaria o governo definitivamente, findado o processo de impeachment que havia sido aberto pelo Congresso Nacional, em dezembro de 2015.
As alas militares e as lideranças das novas direitas, como o recém-surgido Movimento Brasil Livre (MBL), que ganhou protagonismo após as manifestações de junho de 2013, foram agentes importantes pró-impeachment. E ainda que tivessem pautas bastante distintas, esses grupos uniram-se com o propósito de alimentar a campanha antipetista. A polêmica frase de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, quando dedicou seu voto - a favor da destituição de Dilma - ao coronel Carlos Brilhante Ustra, que comandou a tortura no DOI-CODI4 durante a ditadura militar, representa um ponto-chave da ascensão conservadora. É surpreendente que grupos políticos favoráveis ao processo de impeachment tenham sido coniventes com esse tipo de homenagem, que vangloria um agente da repressão em um país que teve milhares de vítimas do regime autoritário e cuja Constituição proíbe a prática de tortura.
Os militares posicionaram-se desde o início contrários ao estabelecimento da CNV. Em nota assinada por 98 militares da reserva, intitulada “Eles que venham. Por aqui não passarão”, de 2012, o grupo afirmou: “[A comissão é um] ato inconsequente de revanchismo explícito e de afronta à Lei da Anistia com o beneplácito, inaceitável, do atual governo” (Folha de S. Paulo, 2012). Os militares, assim como outros grupos conservadores, utilizam-se das prerrogativas da Lei da Anistia de 1979 para sustentar a visão que deseja manter a impunidade aos violadores de direitos humanos cometidos no passado ditatorial. Afinal, como já afirmado, a Lei de Anistia impediu a punição dos crimes ao anistiar vítimas e perpetradores da violência.
Tensões entre a Comissão Nacional da Verdade e as Forças Armadas foram constantes, principalmente devido à pouca colaboração dos militares com os trabalhos desenvolvidos. Foi emblemático o caso do tenente da reserva do Exército, José Conegundes, que, ao ser convocado para prestar testemunho à CNV, por sua atuação na Guerrilha do Araguaia, informou em ofício escrito de próprio punho: “Não vou comparecer. Se virem. Não colaboro com o inimigo”. Além de Conegundes, o general do Exército José Brandt Teixeira também se recusou a comparecer alegando que, “segundo orientação do Comando do Exército, as convocações devem partir daquela autoridade” (G1, 2014).
Segundo Silva (2021, p. 248), as Forças Armadas praticamente em nada contribuíram para o andamento das investigações realizadas no âmbito da CNV: “Os militares cumpriram os trâmites burocráticos, formalmente atendendo às solicitações feitas pela CNV e Ministério da Defesa, mas as respostas para essas solicitações não esclareciam as questões colocadas”. Além disso, muitas foram as negativas dos militares para a disponibilização de documentos dos acervos do CIE, CISA e Cenimar5. Os militares não reconheceram as graves violações de direitos cometidas, mesmo após a divulgação do relatório final da CNV, em 2014, que comprovou o caráter generalizado e sistemático da violência praticada durante a ditadura militar.
Apesar de ter promovido vários avanços em termos de reconhecimento da violência praticada pelo Estado brasileiro, o trabalho da CNV também apresentou algumas limitações. Um ponto que merece ser destacado foi o estabelecimento de uma “tipologia restrita sobre quem foram as vítimas da ditadura” (Pedretti, 2017, p. 63). Grupos historicamente marginalizados, como negros, moradores de favelas e periferias foram excluídos do escopo das investigações. Já outros grupos periféricos, como indígenas e camponeses, que foram inseridos no rol das pesquisas devido a fortes pressões para que fossem investigados, tiveram tratamento diferenciado em relação às vítimas da militância de esquerda, já que a violência que atingiu essas populações apresenta especificidades que dificultam o seu reconhecimento como de responsabilidade do Estado brasileiro. Isso porque as formas de violência praticadas contra esses grupos foram diferentes daquelas cometidas contra militantes políticos. A CNV ao delimitar quatro categorias centrais para nomear a violência - tortura, prisão ilegal, desaparecimento forçado e execução sumária - acabou por negligenciar práticas como remoções forçadas, esbulhos de terras e omissões em questões de saúde, situações frequentemente vivenciadas no meio rural brasileiro no período.
Além disso, ao tratar da violência cometida contra indígenas e camponeses, a CNV, na maior parte dos casos, não nomeou de forma individualizada quem foram as vítimas, como fez com os militantes de esquerda. A Comissão optou por contabilizar os mortos no campo (indígenas e camponeses) separadamente dos mortos na militância urbana. O que fez com que indígenas e camponeses assassinados pela ditadura permanecessem em sua grande maioria sem nome, rosto ou história.
A partir do que foi exposto é possível notar que os trabalhos da CNV tiveram suas limitações tanto por questões externas quanto internas. A dificuldade de diálogo com as Forças Armadas, que insistiram em não reconhecer os crimes cometidos, além de não franquear o acesso a importantes acervos, foi um dos principais empecilhos externos para as investigações. Já a seleção interna das temáticas e a forma como elas deveriam ser elaboradas revelou o apagamento de determinados sujeitos e de certos tipos de violências empreendidas durante o período ditatorial. O próprio relatório da CNV reconheceu as limitações de sua atuação, indicando a relevância do incentivo, consolidação e manutenção de outras “comissões da verdade na maioria dos estados, e mesmo municípios, brasileiros, cujos trabalhos, em muitos casos, terão continuidade mesmo após a conclusão do mandato da CNV” (Brasil, 2014, p. 69).
Em consequência desses limites, o relatório final da CNV acabou sendo criticado por diferentes setores da sociedade. Se, por um lado, segmentos ligados aos militares se mostraram insatisfeitos desde o início dos trabalhos e atribuíram os resultados apresentados ao ódio e ao desejo de vingança, por outro, militantes de direitos humanos e sobreviventes da ditadura o consideraram superficial e acusaram a comissão de ter suavizado “a narrativa de abusos cometidos por militares, substituindo o termo ‘tortura’ pela terminologia ‘graves violações de direitos humanos’” (Batista Neto, 2018, p. 98). Essas críticas oriundas de setores antagônicos evidenciam as disputas pela memória existentes na sociedade brasileira, que ganharam maior destaque com a virada conservadora vivenciada no país a partir de 2013.
Sustentando o argumento
O apogeu das novas direitas em todo o mundo no século XXI é analisado por Norris e Inglehart (2019) como um choque geracional pelos valores pós-materiais. Os autores explicam o auge do populismo de direita como uma reação aos avanços progressistas. Löwy (2015) atribui o sucesso desses grupos em todo o mundo, primeiramente, ao processo de globalização capitalista neoliberal, que produz e reproduz o pânico de identidade. O segundo fator apontado pelo autor é a crise econômica, que está diretamente relacionada à hegemonia neoliberal do capital financeiro, que não explica tudo, visto que fatores históricos e a conjuntura internacional ainda favorecem esse cenário de ascensão das novas direitas, também denominadas de extrema direita ou ultradireita.
No Brasil, as novas direitas começaram a se organizar entre o final do primeiro governo Lula e o início do segundo, conforme Camila Rocha (2018). Segundo a pesquisadora, tal articulação foi estimulada pelo surgimento na internet de fóruns de discussão, blogs, sites e comunidades, principalmente na já extinta rede social Orkut e no Facebook. Tais grupos discutiam temas relacionados ao livre-mercado, à defesa de valores cristãos e às conjunturas políticas nacional e internacional: “Pioneiro nesse sentido foi o jornalista e escritor Olavo de Carvalho, que após a polêmica causada pela publicação de livros em que criticava intelectuais e acadêmicos de esquerda, resolveu apostar na divulgação de suas ideias na internet” (Rocha, 2018, p. 2). Apesar de não terem conseguido fundar um partido, os ultraliberais criaram organizações civis, como o Instituto Mises Brasil, Estudantes Pela Liberdade, Ordem Livre, entre outras.
Todavia, foi a partir de 2013 que tal movimento ultraconservador e, também, ultraliberal, que se opunha tanto às propostas progressistas no campo dos direitos humanos quanto ao neoliberalismo das direitas tradicionais, passou a se articular de modo mais organizado e a ganhar mais visibilidade. Segundo Goldstein, “a extrema direita começou a se fortalecer no mesmo momento em que começava a agonizar o projeto nacional desenvolvimentista do PT” (Goldstein, 2019, p. 22).
O ano de 2013 foi marcado pela existência de manifestações em todo o Brasil, cujo estopim inicial foi o aumento dos preços da passagem do transporte público em São Paulo, que se desdobraram em protestos em diferentes estados e em outras reivindicações, como os gastos excessivos do governo Dilma com a Copa do Mundo e a reforma política. André Singer (2013) identificou três fases iniciais do movimento. Segundo ele, “a ebulição foi iniciada por fração pequena, embora valorosa, da classe média, com mobilizações praticamente circunscritas à cidade de São Paulo”. Já a segunda fase ganhou fôlego na segunda quinzena de junho de 2013, quando a violência policial começou a reprimir com maior veemência os protestos e a ganhar visibilidade;
O uso desmedido da força atraiu a atenção e a simpatia do grande público. Inicia‑se, então, a segunda etapa do movimento, com as manifestações de 17, 18, 19 e 20 de junho, quando alcança o auge. Agora outras frações da sociedade entram espontaneamente em cena, multiplicando por mil a potência dos protestos, mas simultaneamente tornando vagas as suas demandas. De milhares, as contas de gente na rua passam a centenas de milhares (Singer, 2013, p. 25).
A terceira fase, de acordo com o autor, ocorreu na última semana do mês de junho, quando o movimento se fragmentou em mobilizações com os mais distintos objetivos: da redução de pedágios à derrubada da PEC 37, de protesto contra o Programa Mais Médicos ao movimento anticorrupção, das bandeiras pró-democracia aos gestos golpistas:
Socialmente heterogêneos, os acontecimentos de junho foram também tão multifacetados no plano das propostas que não espanta haja todo tipo de imputação ao seu sentido ideológico: desde o ecossocialismo até impulsos fascistas, passando por diversas gradações de reformismo e liberalismo. [...] O que havia sido um movimento da nova esquerda passou a ser um arco-íris, em que ficaram juntos desde a extrema‑esquerda até a extrema‑direita. As manifestações adquirem, a partir daí, um viés oposicionista que não tinha antes, tanto ao governo federal quanto aos governos estaduais e municipais (Singer, 2013, p. 35).
Singer identifica que os grupos de direita buscaram levar às manifestações um sentimento anticorrupção, bandeira que penetra em todas as camadas sociais por fluir com facilidade pelo senso comum. Assim, com o objetivo de atingir o governo federal e o PT, escolhidos como inimigos número um por tais grupos, a direita inicia ali o movimento que culminaria com o impeachment de Dilma, em 2016. Singer destaca o papel da classe média branca nesse processo, todavia sem muito se aprofundar neste aspecto.
As ações do MBL, Vem Pra Rua e Revoltados On-line contra a reeleição de Dilma Rousseff e o pedido de recontagem de votos protagonizado pelo opositor nas eleições de 2014, Aécio Neves (PSDB), deram estímulo e mais notoriedade ao movimento das novas direitas (Rocha, 2018). O escândalo político envolvendo a Operação Lava-Jato e os casos de corrupção também serviram de ignição para que movimentos de centro e de direita encontrassem pontos de interseção.
Para Rocha, o relativo sucesso das direitas junto à opinião pública, a partir desse momento, se deve à percepção de ameaças e oportunidades por parte da militância, consolidação de laços e identidades comuns, mobilização de afetos e ao uso de redes sociais. O argumento da autora reforça o deste artigo, de que setores militares se apropriaram da oportunidade de queda de popularidade da presidente Dilma e da brecha de recessão democrática aberta pelo processo de impeachment para se unir às novas direitas e criar condições de viabilidade política a um candidato que pudesse incorporar tantas demandas do conservadorismo.
Bolsonaro surgia aí como um candidato atípico, porém ideal. Aliado dos militares e contrário às principais políticas de direitos humanos, entre elas a CNV, homofóbico e defensor de valores “cristãos”, era também capaz de dizer atrocidades, de chocar e provocar as alas progressistas, promovendo cortina de fumaça para os problemas estruturais de sua candidatura - como a falta de um programa robusto de governo. Bolsonaro se tornou uma liderança capaz de pautar o debate público a partir das polêmicas que ensejava. Assim, ele dizia barbaridades que ora eram interpretadas pelos seus apoiadores como “brincadeiras”, ora como sinceridade e “verdades” que todos gostariam de expressar, mas não teriam coragem.
Conforme Porto (2023), o ressentimento entre alguns públicos fomentou a revolta conservadora ocorrida no Brasil, entre 2013 e 2018, que culminou com a viabilidade política de Bolsonaro. O argumento central do autor é que a classe média branca tem sido protagonista dessa revolta que levou à recessão democrática. Bolsonaro caiu como uma luva para reforçar essa revolta conservadora identificada por Porto (2023). Ao chamar de “mimimi” as demandas das minorias e fortalecer o discurso da branquitude como uma figura politicamente incorreta, Bolsonaro alcançou uma parcela da população que não pertencia aos grupos militares nem às novas direitas, mas que se sentia incomodada e ameaçada pelo debate interseccional.
Defendemos que os elementos aqui apresentados com base em revisão de literatura e na historiografia servem para reforçar o argumento de que a ambiência da Comissão Nacional da Verdade foi um elemento importante nesse processo de virada conservadora vivenciado no Brasil, mas não o único ou o mais importante. A seguir, discorreremos mais especificamente acerca do legado autoritário e da relação da CNV com esse processo.
A manutenção do legado autoritário
Logo após o fim dos trabalhos da CNV, uma série de transformações se sucederam em um processo mais amplo de desmonte das políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação até então implementadas. Foi a partir de maio de 2016, no bojo do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que se deflagrou o início do desmonte das políticas públicas existentes, que atingiram seu ápice no governo de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022), assumido defensor da ditadura militar.
Logo após tomar posse como presidente, em 02 de setembro de 2016, Michel Temer (do então PMDB, hoje MDB) adotou a primeira medida que afetou as políticas de memória do país ao alterar a composição da Comissão de Anistia. Foi uma intervenção inédita na comissão, que até então tinha seus membros indicados após consulta à sociedade, sendo escolhidas pessoas com histórico de atuação na defesa dos direitos humanos. Para além da intervenção na autonomia da comissão, é relevante observar quem foram os escolhidos para integrá-la, sendo alguns membros explícitos simpatizantes da ditadura militar, como foi o caso de Paulo Lopo Saraiva, ex-sargento do Exército. Com a mudança de alguns de seus membros a comissão alterou a sua forma de atuação. Foi descontinuado, por exemplo, o pedido de perdão, em que integrantes da comissão e, em alguns casos, até do governo, pediam perdão pelos atos de violência e crimes praticados contra as vítimas da ditadura.
Outra atitude que revelou o desapreço do governo Temer pelas políticas de memória, verdade e justiça foi a nomeação do general Sérgio Etchegoyen, filho e sobrinho de dois notórios torturadores da ditadura militar - Leo Etchegoyen e Cyro Etchegoyen - para ocupar o cargo de ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Temer indicou ainda militares para ocupar outros postos chaves do seu governo. Segundo Fernandes (2022), essa presença dos militares no governo revela como estes foram pavimentando sua volta ao poder, ainda que isto fosse feito de forma democrática; além de apontar como resultado da maior presença de militares no governo a menor atenção dada às políticas de memória.
O desmonte das políticas públicas de memória, verdade e justiça, como já afirmado, atingiu seu ápice no governo Bolsonaro, que, desde que assumiu a presidência do país, em 2019, adotou uma política oficial de negacionismo histórico sobre a ditadura militar. De acordo com Napolitano (2022), o negacionismo histórico é um fenômeno intimamente ligado à ação de grupos organizados, sobretudo de extrema direita, que procuram negar evidências de acontecimentos históricos, a fim de encobrir, por exemplo, a responsabilidade por crimes contra a humanidade.
De acordo com Benetti et al. (2020), o governo Bolsonaro atuou na produção de um novo discurso que ressignificou o período da ditadura militar em chave positiva, como passado a ser recuperado e não superado. Neste sentido, em abril de 2019, menos de três meses após assumir o cargo, o presidente determinou que os quartéis deveriam celebrar o golpe de 1964. Dias depois, o Palácio do Planalto divulgou por WhatsApp vídeo negando que um golpe de Estado teria instaurado a ditadura militar no Brasil (G1, 2019).
O esvaziamento dos trabalhos da Comissão de Anistia, iniciado no governo Temer, prosseguiu com Bolsonaro, que transferiu a comissão para a pasta de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e nomeou novos membros, considerados pelo Ministério Público Federal como incompatíveis com as funções. Isso porque entre eles havia militares das Forças Armadas e da Polícia Militar.
A CEMDP também sofreu alterações durante o governo Bolsonaro que comprometeram o seu trabalho de busca e identificação de pessoas desaparecidas e nas políticas de reparação aos familiares de mortos e desaparecidos. Já no início de 2019, foram dissolvidos o Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) e a Equipe de Identificação de Mortos e Desaparecidos Políticos (EIMDP). Ou seja, o trabalho de identificação de ossadas de desaparecidos políticos foi interrompido, sendo que ainda existem 208 vítimas da ditadura militar cujos corpos nunca foram encontrados (Revista Piauí, 2023). Em agosto de 2019, a CEMDP teve sua composição alterada, com a substituição de quatro dos seus sete membros. A então presidente Eugênia Gonzaga foi demitida por Bolsonaro, depois de publicar, via comissão, uma nota atestando que Fernando Santa Cruz - pai do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Felipe Santa Cruz - havia sido morto pela ditadura. Assim como para a Comissão de Anistia, as pessoas escolhidas para atuar na CEMDP eram enaltecedoras do período da ditadura militar e, em consequência disso, os trabalhos dessas duas comissões foram praticamente paralisados.
Além desse esvaziamento dessas duas comissões, já nos primeiros dias de seu mandato, Bolsonaro extinguiu ainda a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), que cuidava das pautas de direitos humanos e diversidade junto às políticas educacionais6.
O processo de articulação da bancada conservadora cristã nos anos de 2010 em relação à agenda moralista coincide com o período de implementação de uma comissão da verdade de âmbito nacional. A formação de uma base de oposição política à presidente Dilma, a partir de agendas aparentemente distintas, foi essencial para o crescimento da ultradireita no país e do recuo das políticas relativas à justiça de transição nos anos subsequentes à publicação do relatório final da CNV. Se os primeiros anos de 2010 foram marcados por avanços na pauta pró-direitos humanos, na segunda metade da década o movimento foi em direção oposta, sendo caracterizado por retrocessos.
Atencio (2014) e Sanglard (2017) ressaltam a onda positiva de políticas públicas de memória e direitos humanos que foram desenvolvidas no Brasil, nos anos 2000. A esse movimento, Atencio deu o nome de “ciclo de memória cultural”. O conceito surge da tentativa de compreender as ocasiões em que a produção cultural em torno da ditadura no Brasil ocorre de forma articulada com determinados movimentos políticos e a mobilização social. Assim, Atencio (2014) descreve quatro fases das produções culturais em relação às iniciativas institucionais: surgimento simultâneo (seja por coincidência ou propósito), ligação imaginária entre os eventos (identificam-se relações entre as ações culturais e institucionais), alavancagem (apropriações das ligações imaginárias no sentido de alavancá-las) e propagação (serve de modelo e fomento a novas iniciativas). A autora identifica que, até 2005, os principais protagonistas de contestações das políticas públicas de memória até então vigentes foram os grupos de direitos humanos e ativistas, que se engrandeceram com o interesse de produtores culturais pela temática. Assim, a classe artística “contestou as políticas oficiais de reconciliação por esquecimento institucionalizado, insistindo na necessidade de se lembrar para não repetir o passado, para restaurar a dignidade das vítimas e suas famílias, e para fortalecer a democracia” (Atencio, 2014, p. 123, tradução nossa). Tal movimento, conforme a autora, originou ciclos de memória cultural que criaram vínculos - mesmo que imaginários - entre trabalho cultural e política pública. Assim, as ações sociais e institucionais nutriram-se desta existência conjunta e simultânea.
Conforme Atencio, a partir desse movimento, o Estado brasileiro abandonou a posição de falsa “neutralidade” e optou por desenvolver um novo “ciclo de memória”, que assumiu a forma de iniciativas para educar o público sobre a ditadura e suas garantias constitucionais de direito à memória e à verdade. Momento que culminou com a criação da CNV.
Sanglard (2017) defende que a CNV influenciou e foi influenciada por ações e manifestações culturais dos mais variados tipos, auxiliando na constituição de ambiente propício para o desenvolvimento de um novo ciclo de memória. Todavia, destaca que tal ciclo parece ter entrado em fase de esgotamento e transformação a partir de 2016, quando passou a ocorrer a desaceleração das políticas de direitos humanos e a redução dos financiamentos de produções artísticas com tal abordagem.
A apologia à ditadura militar, que parecia ter sido silenciada ou reconhecida como inapropriada desde a redemocratização, a partir de 2013, voltou a ser normalizada e não ficou restrita à esfera governamental, quando Bolsonaro esteve à frente da condução do país. Os protestos pedindo intervenção militar até então eram isolados e pouco levados a sério, até que, em janeiro de 2023, ganharam vulto e implicaram em uma tentativa de golpe de Estado, com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, alguns dias após a posse de Lula para exercer seu terceiro mandato como presidente. Antes disso, os discursos de elogio e defesa dos militares já se espraiavam para outros campos, incluindo atos de intolerância e tentativas de censura às manifestações sociais, artísticas e culturais (Orlandini et al., 2021).
A censura, tão praticada durante a ditadura militar, ainda que vedada pela Constituição de 1988, não deixou de ser exercida no Brasil. Mas é nítido que, desde a redemocratização, passou a ocorrer com menos frequência e a ser mais combatida. Contudo, estudos apontam que, a partir de 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, a censura ou as tentativas de censurar a imprensa, a educação e as manifestações artísticas aumentaram sensivelmente no país (Miguel, 2018; Orlandini et al., 2021). Esse dado revela o crescente monitoramento praticado pela ultradireita que, além de procurar descontinuar as políticas de memória e verdade até então realizadas no país, retomou práticas autoritárias realizadas durante a ditadura militar, como é o caso da censura. Apesar de a censura contemporânea apresentar características diferentes daquela realizada no passado, ela pode ser vista como um traço do legado autoritário brasileiro.
Esse legado ainda tão presente é um entrave para que se avance nas políticas de memória, justiça e verdade e necessita ser melhor compreendido para que no futuro sejamos capazes, enquanto sociedade, de modificar esse cenário.
Conclusões
As comissões da verdade possuem papel fundamental no processo de justiça de transição e são por isso importantes mecanismos para tentar construir, em meio a sociedades marcadas pela violência e por discursos negacionistas, perspectivas dotadas de autoridade acerca de passados violentos controversos e contestados (Schettini, 2023). No Brasil, os trabalhos da CNV foram marcados por restrições de diferentes naturezas, além de terem sido alvo de intensas disputas políticas, que fizeram com que seus resultados fossem limitados. Nessa disputa, conseguimos notar que a memória que enaltece a ditadura militar e que tem como grande divulgador o ex-presidente Jair Bolsonaro parece ter ganhado relevo nos anos subsequentes à divulgação do relatório final da CNV com a virada conservadora vivenciada no país.
Os tensionamentos ocasionados após o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão da base conservadora de apoio a Bolsonaro parecem ter sido um componente fundamental para solidificar os gestos de intolerância e repressão baseados em moralidades relativas a questões de gênero, raça e espectro político. Com a eleição de Bolsonaro à Presidência, os grupos ultraconservadores encontraram o apoio político - e até mesmo o respaldo - que almejavam para perseguir todo tipo de manifestação que apresentasse posição contrária à deles.
O artigo procurou discorrer sobre como a CNV exerceu papel importante nessa virada conservadora, apesar de não ter sido a única responsável por tal acontecimento. A ultradireita ganhou espaço político durante os debates da CNV, com a atuação dos militares e, também, de políticos como Bolsonaro, que, como deputado federal, se posicionou constantemente contra os trabalhos desta comissão. Foi também neste contexto que a ultradireita cresceu e ganhou força. Resta saber se ela conseguirá manter-se pujante após a derrota eleitoral de Bolsonaro, em 2022. Mesmo com o retorno de Lula ao comando do país em 2023, as extintas políticas de direitos humanos não conseguiram, até o momento, retomar sua força, e o risco de apagamento ou silenciamento de algumas memórias sobre a ditadura militar ainda existe, já que a ultradireita continua a ter força no Congresso Nacional e em diversos setores sociais.
O cenário político atual, marcado pela descrença nas instituições e, também, pelo crescimento de grupos de ultradireita que negam o passado autoritário e pregam violações de direitos humanos como algo socialmente aceitável, demonstra como as memórias sobre a ditadura ainda se encontram em disputa.
Agradecimentos
Este artigo é fruto de pesquisas financiadas pela Fapemig e pelo CNPq, processos BPD-00832-22 e 2023/29541, aos quais agradecemos.
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Notas