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25 anos do Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo (NMSPP) e suas contribuições para iniciativas de justiça de transição
25 years of the Research, Documentation, and Reference Center on Social Movements and Public Policies in Rural Areas - NMSPP - and its contributions to transitional justice initiatives
25 años del Núcleo de Investigación, Documentación y Referencia sobre Movimientos Sociales y Políticas Públicas en el Campo - NMSPP - y sus contribuciones a las iniciativas de justicia de transición
Revista NUPEM (Online), vol. 16, núm. 38, e2024024, 2024
Universidade Estadual do Paraná

Dossiê


Recepción: 15 Enero 2024

Aprobación: 05 Abril 2024

DOI: https://doi.org/10.33871/nupem.2024.16.38.8652

Resumo: Neste trabalho, refletimos sobre os 25 anos do Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo (NMSPP), analisando suas contribuições para a justiça de transição no Brasil. Quando da criação das comissões da verdade, entre 2012 e 2013, o NMSPP já possuía conjunto significativo de documentos sobre as lutas campone-sas, indígenas e as violações de seus direitos, deflagradas durante a ditadura empresarial-militar de 1964-1985. Tal acúmulo permitiu que pesquisado-res/as do NMSPP atuassem junto à Comissão Camponesa da Verdade e Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, seguidas de projetos de extensão e pedidos de reparação, experiências aqui relatadas e analisadas. Devido às especificidades da repressão no campo, tais investigações ajudaram a dar centralidade a um conjunto de violações que vão além das categorias incorporadas pelo direito internacional, que muitas vezes limitam as iniciativas da justiça transicional a um conjunto restrito de violações.

Palavras-chave: Justiça de Transição, Comissões da Verdade, Memória Social, Arquivos.

Abstract: In this study, we reflect on the 25 years of the Research, Documentation, and Reference Center on Social Movements and Public Policies in Rural Areas (NMSPP), analyzing its contributions to transitional justice in Brazil. At the creation of truth commissions, between 2012 and 2013, the NMSPP already possessed a significant collection of documents on peasant and indigenous struggles, as well as the violations of their rights, unleashed during the corporate-military dictatorship of 1964-1985. This accumulation allowed NMSPP researchers to work alongside the Peasant Truth Commission and the State Truth Commission of Rio de Janeiro, followed by community-engaged projects and reparation requests, experiences that are reported and analyzed here. Due to the specificities of repression in rural areas, such investigations helped to highlight a set of violations beyond the categories incorporated by international law, which often limit transitional justice initiatives to a restricted set of violations.

Keywords: Transitional justice, Truth Commissions, Social memory, Archives.

Resumen: En este trabajo, reflexionamos sobre los 25 años del Núcleo de Investigación, Documentación y Referencia sobre Movimientos Sociales y Políticas Públicas en el Campo (NMSPP), analizando sus contribuciones a la justicia de transición en Brasil. En la creación de las comisiones de la verdad entre 2012 y 2013, el NMSPP ya poseía un conjunto significativo de documentos sobre las luchas campesinas, indígenas y las violaciones de sus derechos, ocurridas durante la dictadura empresarial-militar de 1964-1985. Tal acúmulo permitió a los pesquisadores del NMSPP trabajar con la Comisión Campesina de la Verdad y la Comisión Estadual de la Verdad de Rio de Janeiro, seguidas de proyectos de extensión y solicitudes de reparación, experiencias aquí relatadas y analizadas. Debido a las especificidades de la represión en el campo, tales investigaciones contribuyeron a destacar un conjunto de violaciones que van más allá de las categorías incorporadas por el derecho internacional, que a menudo limitan las iniciativas de la justicia de transicional a un conjunto restricto de violaciones.

Palavras-chave: Justicia de Transición, Comisiones de la Verdad, Memoria social, Archivos.

Introdução

O Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo (NMSPP) foi criado em 1997 pela professora e pesquisadora Leonilde Servolo de Medeiros, do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). O “Núcleo”, conforme será chamado daqui em diante, nasceu da concepção de que era necessário tornar público para outros pesquisadores/as, gestores/as públicos e militantes o conjunto de documentos, clippings de jornais, anotações, boletins, cartazes e entrevistas que Medeiros havia coletado e produzido ao longo de sua trajetória. À essa concepção de produção de conhecimento, marcada pela disponibilização pública de materiais produzidos no decorrer das pesquisas, somaram-se outras/os pesquisadoras/es cujas trajetórias também passam pelo CPDA/UFRRJ. No início da constituição do acervo, o Núcleo também recebeu aporte significativo de material do Centro de Documentação da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), entidade que historicamente assessora diferentes movimentos camponeses no país, assim como de outras instituições e movimentos sociais que ao longo dos anos doaram documentações de natureza heterogênea, em diversos suportes, sejam físicos ou digitais, e em estados variados de preservação. Em 2003, se dá a consolidação do Núcleo, possibilitando sua fixação em sala própria e com profissionais especializados a partir do apoio recebido do então Núcleo de Estudos e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD/MDA) e de seguidos projetos de pesquisa obtidos junto à Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj)1.

Além de um centro de documentação e preservação, o NMSPP é vinculado à linha de pesquisa “Conflitos, movimentos sociais e representação política”, do CPDA/UFRRJ, e ao grupo de pesquisa “Movimentos sociais, relações de poder e políticas públicas no campo”, coordenado por Leonilde Medeiros. Atualmente, o acervo é composto por um conjunto vasto de entrevistas (realizadas em contexto de pesquisas acadêmicas ou obtidas por meio de clipping; impressas, transcritas ou em áudio); documentos impressos (relatórios, cartas, atas, ofícios, boletins, panfletos, cartazes; clippings de jornais diversos, entre eles, jornais produzidos por partidos políticos e organizações camponesas, etc.); publicações (livros, teses, dissertações, artigos avulsos, relatórios de pesquisa, ensaios, textos de análises políticas e sociais produzidas por pesquisadores/as e assessores/as de movimentos sociais etc.), dentre estas, algumas coleções de revistas, boletins e obras raras e gravações e transcrições de seminários e debates.

Em diálogo com as reflexões de Ricoeur (2007), compreendemos que a memória social é um sistema de significados dinâmico, um processo em constante andamento, cabendo ser exercitada e não acessada como algo estático e exterior. Nesse sentido, a disputa por diferentes interpretações do passado é um elemento fundamental para a formação de identidades individuais e coletivas (Jelin, 2003), sendo a memória a própria definição do processo político que constitui essa disputa (Olick, 2007), e sua compreensão como ação afasta a interpretação dos arquivos como testemunhos inertes do passado, sendo estes, portanto, parte da própria disputa social e política pela memória. Tais disputas se agudizam em contextos de regimes autoritários, no qual se apreende graus maiores de coerção para a manutenção das relações de dominação, e graus menores de fabricação do consenso em meio à crise de hegemonia, gerando situações ora abertamente totalitárias ora menos violentas (Fernandes, 2019; Gramsci, 2014b).

Entendendo a memória como ação, arquivos como os do Núcleo garantem a proteção de documentos históricos na sua materialidade e salvaguardam as múltiplas possibilidades de pesquisa e interpretação de conjuntos documentais. Desse modo, resguardam as possibilidades de reconstruir a história à contrapelo (Benjamin, 1985), a partir de experiências de grupos e classes sociais subalternas - identificadas como grupos, classes, frações de classes ou classes que ainda não se formaram como tal, mas que estão submetidas a relações de subordinação aos grupos e classes dominantes, relações essas mutáveis, pois sujeitas a alterações sociais, produtivas e políticas (Gramsci, 2002; 2014a; 2014b; Del Roio, 2007).

Assim como a própria memória dos processos sociais camponeses que este acervo se propõe a salvaguardar, a história do Núcleo, das suas condições de manutenção e de acesso público, é marcada por uma série de descontinuidades. Vinculado a uma instituição pública federal e dependente do acesso a recursos de pesquisa para contratação de pessoal e aquisição de materiais necessários às suas atividades básicas, tem sido desafiador mantê-lo funcionando em conjunturas políticas pouco ou nada favoráveis às iniciativas de valorização das memórias das populações camponesas e suas organizações.

Tendo isto em vista, o propósito central deste artigo é expor como a preservação das memórias coletivas do campesinato brasileiro, especialmente no estado do Rio de Janeiro, através do NMSPP, tem contribuído com iniciativas para a Justiça de Transição no país. Essa contribuição atuou no sentido de reverter representações do Rio de Janeiro como estado primordialmente urbano e lançar luz para uma dimensão da repressão até então pouco conhecida. Adicionalmente, em virtude das peculiaridades da repressão no campo, essas investigações auxiliaram na visibilização de um conjunto de violações que não se enquadram na categoria de “graves violações de direitos humanos”, utilizada pela Comissão Nacional da Verdade e outras comissões que seguem um entendimento tradicional da justiça de transição, ou seja, que analisam violações aos direitos civis e políticos, mas não incluem as violações aos direitos econômicos, sociais e culturais (Sharp, 2012).

Para atingir este objetivo, na primeira parte do presente artigo, sinalizamos para o debate acerca dos significados de arquivos como os do Núcleo, dedicado a processos sociais não contemplados ou silenciados por uma historiografia centrada em figuras singulares e fatos relevantes desde o ponto de vista das “razões superiores de Estado” (Ginzburg, 1993, p. 21). Procuramos refletir sobre o Núcleo como “lugar de memória coletiva” (Nora, 1993), dialogando também com as reflexões realizadas durante as mesas do seminário comemorativo de 25 anos do acervo, ocasião em que foram realizadas comunicações de trabalhos que tiveram como critério metodológico o uso da documentação do Núcleo, sendo esse um modo de acompanhar a diversidade de usos e potencialidades dadas aos materiais documentais em novas pesquisas2. Por fim, a segunda parte do artigo se propõe a refletir sobre as contribuições do Núcleo para iniciativas de justiça de transição centradas nas experiências de organização e resistência protagonizadas pelas populações camponesas antes e durante a ditadura empresarial-militar brasileira, contribuindo para trazer à tona aspectos da repressão política pouco visíveis ou mesmo invisibilizados por outras iniciativas voltadas aos direitos coletivos à memória, verdade, justiça e reparação. As iniciativas destacadas referem-se àquelas que contaram com participação ativa dos membros do Núcleo, se valendo sobretudo da documentação existente no acervo. Neste sentido, vale destacar que a documentação preservada pelo Núcleo foi consultada por pesquisadores/as de outras iniciativas de justiça transicional, que encontraram no acervo documentação importante para outras frentes de investigação, como no caso de pesquisadoras da Comissão da Verdade de Minas Gerais (COVEMG, 2017).

Antes de avançar para o próximo tópico, cumpre salientar que o termo “empresarial-militar” é aqui utilizado para caracterizar o golpe de 1964 e o regime ditatorial resultante, em diálogo com Melo (2014) e com as considerações de Dreifuss (1981) sobre o termo “civil-militar”. Apesar da composição de golpistas incluir grupos civis e militares, o setor social mais influente entre os civis, aquele que deu direcionamento ao movimento golpista e posteriormente assumiu papéis destacados na estrutura estatal subsequente, foi representado pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), com apoio de bancos, federações de indústrias, usineiros, grandes proprietários de terras e outros setores empresariais.

25 anos do NMSPP: “lugar de memória camponesa”

Em maio de 2022, foi realizado em formato híbrido um seminário de comemoração dos 25 anos do Núcleo3, celebrando a continuidade e importância de suas atividades e proporcionando espaço para reforçar seus laços com outras iniciativas semelhantes nos estudos de memória social - termo utilizado por Olick (1999) para se referir às memórias coletivas como um amplo campo de estudos, apontando também que toda lembrança é, de certa maneira, social, seja em espetáculos públicos, sonhos, recordações ou textos. O seminário procurou fomentar o debate sobre os desafios da organização e manutenção de acervos dedicados às memórias coletivas das lutas sociais, relacionando a experiência de constituição do Núcleo com outros arquivos públicos e iniciativas no mesmo sentido desenvolvidas por movimentos sociais, organizações ligadas à igreja e outras organizações da sociedade civil. O evento foi realizado a partir de três mesas de debate: Mesa 1 - Desafios da organização e manutenção de acervos e da pesquisa documental sobre trabalhadores: a experiência de arquivos públicos; Mesa 2 - Contribuições de organizações da sociedade civil para o resgate da memória; Mesa 3 - As lutas sociais e o papel da memória.

Assim, contemplando um conjunto diverso de iniciativas de órgãos públicos, participaram das atividades de comemoração dos 25 anos do NMSPP representantes do Centro de Referências das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) - Memórias Reveladas, ligado ao Arquivo Nacional; de duas experiências ligadas à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Programa de Memória dos Movimentos Sociais (MeMov) e o Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (Amorj); do Centro de Documentação e Imagem (Cedin) da UFRRJ e do Núcleo de Documentação sobre os Movimentos Sociais de Pernambuco (NuDOC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). As experiências desenvolvidas pelas organizações camponesas se fizeram presentes através do Centro de Informação e Documentação da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CID/CONTAG); do Coletivo de Arquivo de Memória dos Movimentos dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST); do Centro de Documentação da Central Única dos Trabalhadores (CEDOC-CUT); da Escola de Memória da Direção Estadual do Movimento de Pequenos Agricultores do Estado do Rio de Janeiro (MPA-RJ); e do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Duas iniciativas importantes e, talvez, pioneiras na preservação de materiais sobre os conflitos no campo no país são as experiências do Acervo Dom Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), também representados no seminário comemorativo. Finalmente, a presença do Centro de Referência Virtual - Armazém Memória; do Museu de São Bento, em Duque de Caxias/RJ e do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), de Belo Horizonte/MG, evidenciaram outras iniciativas da sociedade civil.

As discussões oportunizadas pela atividade de comemoração, e que são caras para a reflexão proposta pelo presente artigo, ajudam a problematizar a ideia dos acervos como lugares de memória, em diálogo com as provocações de Nora (1993). O autor identifica uma ruptura entre memória e história como sendo cara à modernidade, a um tempo histórico marcado pelo sentimento de sucessão ininterrupta de novos momentos e que transformou bruscamente nossa relação com a memória, rompendo com a tradição, com as memórias espontâneas e habitadas, trazendo o imperativo da constituição de lugares de memória como “referências tangíveis de uma existência que só vive através delas” (Nora, 1993, p. 14). Portanto, para o autor, lugar de memória pode não ser só o monumento arquitetônico, mas também o acervo, o documento, o calendário, a medalha.

Para Assmann (2011), a concepção de Nora é insuficiente para entender os locais traumáticos e as experiências que reelaboram as atrocidades cometidas em situações de graves violências e genocídios, fundamentais para a reconstrução de memórias e identidades sociais violentadas, bem como de suas formas de resistência e organização coletiva. Assim, sem renunciar à compreensão dos arquivos como “lugares de memória”, e a partir de alguns pontos discutidos no seminário comemorativo, procuramos refletir sobre o caráter de iniciativas como o Núcleo para a preservação e divulgação de memórias tornadas ocultas ou com difícil expressão pública, constituindo repositórios importantes para a disputa social e política pela memória e pela reconstrução da história à contrapelo, como provoca Benjamin (1985).

O conjunto de funções e vinculações do Núcleo, enquanto centro de documentação e espaço de articulação entre diferentes atividades de pesquisa, se expressam nos objetivos e formas de estruturação interna do acervo (Moreira et al., 2012; Luiz; Teixeira, 2013). Segundo Moreira et al. (2012, p. 89-90), é documento para o Núcleo qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico ou fônico “produzido, por motivos funcionais, jurídicos, científicos, técnicos, culturais ou artísticos”. Essa definição acompanha as concepções historiográficas que indicam a articulação de múltiplas fontes e de documentos como testemunhos das correlações de força e interpretações do passado (Le Goff, 2013).

Em diálogo com as teorias arquivísticas que garantem as estruturas mínimas e funcionais para a preservação e catalogação íntegra e coerente, a estrutura interna do acervo do Núcleo acompanha preocupações e intencionalidades de pesquisadores/as íntimos e com interesse no mundo rural. Desse modo, dentre os objetivos do Núcleo estão a reunião, preservação, análise e disseminação de documentos que sejam representativos das lutas sociais no campo, o que se expressa no arranjo do acervo. A documentação e as entrevistas são dispostas a partir das organizações que produziram os documentos e não a partir daqueles pesquisadores/as ou entidades que os doaram. Na avaliação de Moreira et al. (2012), essa organização permite a vinculação dos documentos entre si, mantendo um caráter orgânico. Ficam assim evidenciadas as relações de significado oriundas não somente dos objetivos para os quais um documento fora criado, mas também as relações que atravessam sua incorporação como parte de um determinado arranjo documental, a partir de onde pode ser interpretado e compreendido em seu valor social, histórico e cultural.

Assim, ao estabelecer as organizações coletivas como critério de classificação, o acervo evidencia a multiplicidade de experiências e formas de organização e atuação do campesinato, dos indígenas e do empresariado rural, bem como o conjunto das forças sociais em disputa. Esse elemento não é fortuito, sobretudo se refletirmos sobre a centralidade da categoria “trabalho” e dos núcleos de memória como representativos da diversidade do conjunto das classes trabalhadoras brasileiras, como propôs Elina Pessanha, coordenadora do Amorj/UFRJ, na Mesa 1 do Seminário 25 anos do NMSPP.

Frente à fragmentação das experiências de organização dos grupos sociais subalternizados por processos de desenraizamento e violência (Gramsci, 2002) e também pela dificuldade de armazenamento de documentação, ou mesmo sua ausência, a multiplicidade de materiais e de suportes que constituem os arranjos documentais do Núcleo torna possível articular essas diversas experiências de organização, mobilização, violência, expropriação e exploração em um quadro comum das classes trabalhadoras do campo. Essa fragmentação é frequentemente sentida e analisada na interpretação dos materiais, assumindo, do ponto de vista metodológico, o caráter indiciário sinalizado por Ginzburg (1989), identificando a importância de mobilizar diferentes fontes documentais de modo a articular elementos aparentemente menores que podem compor uma explicação de processos sociais e históricos mais amplos, bem como avançar na interpretação de signos construídos, tensionados, debatidos e compartilhados em grupos e incorporados por indivíduos.

Se o documento testemunha e cria um poder polivalente (Le Goff, 2013), a constituição do acervo centrado nas memórias coletivas das lutas sociais se configura na definição de Assmann (2011, p. 368-369) do arquivo como “armazenador coletivo de conhecimentos” e “memória potencial”. Isso significa compreender que a multiplicidade de vozes presentes na documentação das organizações sociais e sindicais do campo e de entrevistas de trabalhadores/as, lideranças, assessores/as oferecem rastros que, articulados na diversidade de materiais, nos ajudam a elucidar as linguagens, as formas de organização e ação coletiva, as necessidades e reivindicações. Ao proporcionar um elo e estabelecer conexões entre as memórias subterrâneas (Pollak, 1989) de grupos sociais subalternos, com experiências fragmentadas, muitas vezes postas no esquecimento (Gramsci, 2002), o trabalho de compartilhar a memória é também um empenho em construir e elaborar o passado, incidindo na reconstrução das identidades e pertencimentos (Jelin, 2003).

Lembrar e fazer lembrar se tornam um poder político central na reescrita da história oficial, atravessada por noções excludentes de desenvolvimento que desqualificam as formas de vida e de produção e reprodução sociais de grupos sociais subalternos (Gramsci, 2002), tais como populações camponesas e indígenas. Elaborar esse passado depende de uma compreensão crítica da continuidade das condições de conflito e de como o presente fala, oculta, mobiliza e recorta o passado (Adorno, 2020). Dar espaço e possibilitar o trabalho da memória constroem o que Assmann (2011) qualifica como uma memória habitada, uma força mobilizadora e capaz de dar sentido comum, de construir a comunidade e formar horizontes compartilhados.

Ao dar destaque às organizações sociais, incide-se também na dialética de presenças e ausências que constituem a memória e o trabalho necessário para constituí-la (Ricoeur, 2007), de modo a tornar vivo o que foi ocultado e esquecido pelos mitos nacionais, também eles produtores de significados e horizontes. Nesse sentido, é significativo o relato de Galvão (2023) sobre os bloqueios impostos pelas classes dominantes ao acesso de suas memórias e aos arquivos de suas entidades patronais. A autora indica outros caminhos, sobretudo a partir da documentação do Núcleo, para a investigação dessas classes. Refletindo a partir de seu relato, o poder simbólico dessas classes também se expressa no controle que elas exercem sobre os discursos públicos de si, o que incide também sobre as concepções de suas ações na história nacional, selecionando e construindo sua imagem e identificando-a com seus projetos de desenvolvimento nacional.

Parece ser nesse sentido que diferentes autores identificaram o NMSPP como um lugar de memória (Luiz; Teixeira, 2013; Souza Gomes, 2023; Ebecken, 2023), expressando, mais do que o próprio Nora (1993), a potencialidade de construção de um suporte material, funcional e simbólico capaz de incidir no trabalho de socialização e constituição de uma memória habitada. O mesmo também é reforçado por Saraiva (2022), em reflexão provocada pela destruição do Fundo Lygia Sigaud (FLS), integrado à Seção Memória e Arquivo (Semear) do Museu Nacional, ligado à UFRJ e atingido por um incêndio que assolou a instituição no ano de 2018. A autora problematiza a importância de esforços de salvaguarda de acervos como o FLS, o Núcleo e o CID/Contag, e propõe pensá-los como “lugares de memória camponesa”, uma vez que “são dedicados aos sujeitos do campo, trabalhadores rurais, nas suas diferentes categorias assalariados, assentados, posseiros, acampados, arrendatários, quilombolas, comunidades tradicionais, povos das águas, indígenas. São lugares que se dedicam à salvaguarda de memórias de sujeitos historicamente excluídos ou invisibilizados” (Saraiva, 2022, p. 167).

Assmann (2011) fala de uma aura dos locais de memória que permitem o contato e a religação com o passado. Nesse sentido, o trabalho de memória é também o de preservar as experiências de organização dos atores sociais, as memórias de conflitos e formas de resistência e reivindicação que podem esclarecer gramáticas de luta e reivindicação, estruturas de sentimento e de experiência coletiva, concepções de mundo, propostas e horizontes políticos. Foi nesse sentido que Vicente Rodrigues, figura fundamental dos anos iniciais do projeto Memórias Reveladas/Arquivo Nacional, sinalizou durante sua fala na Mesa 1 do Seminário 25 Anos do NMSPP a importância dos acervos do mundo do trabalho e da história da ditadura empresarial-militar, permitindo apreender os projetos políticos, os sofrimentos e as repressões vividas por esses atores.

A vinculação do Núcleo à linha de pesquisa “Conflitos, movimentos sociais e representação política” do CPDA/UFRRJ, bem como seu acesso por diferentes pesquisadores/as, amplifica o caráter vivo desse acervo e de sua documentação. As lacunas identificadas por pesquisadores/as que vão realizar suas investigações no Núcleo levam a novos caminhos de pesquisa que posteriormente permitem ampliar o conjunto de materiais documentais. Como sinalizado pelo professor de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ José Sérgio Leite Lopes em sua reflexão sobre o Memov/UFRJ na Mesa 1 do Seminário 25 anos do NMSPP, essa articulação com novas pesquisas gera novas demandas aos acervos. É possível pensar de forma ampla essa vinculação com a própria pesquisa documental. Como apontado por Thompson (1981), são as perguntas feitas e o diálogo estabelecido com a documentação que geram novas pesquisas e perspectivas, compreendendo também o contexto histórico e situacional dos/as pesquisadores/as. Das novas perguntas e documentações é que se reconstrói a memória e os contextos historicamente situados de seus atores.

Ao longo do seminário de comemoração dos 25 anos do NMSPP, diferentes participantes sinalizaram para leituras da história à contrapelo (Benjamin, 1985) que revelam a dimensão da memória institucional da dominação (Assmann, 2011). Foram os casos de Marcelo Zelic4, organizador do Armazém Memória, Antônio Eduardo, do CIMI, e Ivo Makuxi, do CIR, que apontaram nas Mesas 2 e 3 do Seminário 25 anos do NMSPP para os aprendizados em lidar, colher e utilizar a documentação do próprio Estado para comprovar violações de direitos deflagradas com participação direta ou indireta de agentes estatais.

Como mostra a experiência do NMSPP, essas várias formas de mobilizar a documentação possibilitam o acesso às interpretações e práticas de organizações e movimentos que assumiram o diálogo e disputaram o acompanhamento e a representação das lutas sindicais, pela terra e por melhores condições de vida e trabalho. Por meio de diferentes métodos de organização e de mobilização, o conjunto do campesinato e suas organizações se expressa e reivindica a escuta de suas percepções e compreensões, exigindo o reconhecimento de suas identidades, ações e reivindicações através de diferentes linguagens e ações coletivas. É o que demonstram os casos do método dialógico construído por agentes pastorais nas Comunidades Eclesiais de Base, registrado nas experiências do Movimento da Boa Nova (Oliveira; Teixeira, 2023) e da Comissão Pastoral da Terra (Souza Gomes, 2023). É possível identificar também nas articulações e usos do Direito na reencenação dos julgamentos de latifundiários acusados de assassinatos e de grilagens de terra a partir dos Tribunais da Terra e Tribunal Nacional de Crimes do Latifúndio, sessões públicas de julgamentos não vinculados à jurisdição estatal realizadas por diferentes organizações em diversas cidades do país ao longo dos anos 1980 e que buscaram confrontar as autoridades do judiciário e do sistema de justiça diante da impunidade daqueles acusados por assassinatos de camponeses/as e seus apoiadores nas lutas pela terra, reforçando a importância dos testemunhos de trabalhadores e trabalhadoras (Oliveira, 2023).

Antônio José Marques, ao falar sobre a experiência do Centro de Documentação da CUT na Mesa 3 do Seminário 25 Anos do NMSPP, chamou a atenção para as dificuldades enfrentadas pelas próprias organizações representativas de trabalhadores/as para preservarem seus documentos, destacando aspectos que antecedem a sua chegada a um acervo - onde ingressam como “arquivos permanentes” (Bellotto, 2006). Como relata Saraiva (2022), e que também foi destacado por Medeiros na Mesa 1 do Seminário 25 anos do NMSPP, a partir de experiência vivenciada por pesquisadores do Núcleo, não é raro que durante uma pesquisa os documentos provenientes de organizações sejam encontrados em condições adversas de preservação, sendo armazenados em ambientes sujeitos à umidade, chuvas, inundações e altas variações de temperatura, bem como a agentes biológicos, como insetos, roedores, traças, fungos etc. Assim, em grande medida, os próprios documentos que hoje integram acervos, como os do Núcleo, são remanescentes de práticas inadequadas de preservação, quando existentes, por parte das organizações relacionadas aos usos primários daqueles documentos. Desafios que infelizmente não cessam com a sua incorporação aos “lugares de memória” (Nora, 1993), que embora constituídos com o objetivo de salvaguardar as possibilidades de interpretação e pesquisa de diferentes conjuntos documentais, são também inscritos em relações de descaso e desvalorização de iniciativas de memória.

Contribuições do NMSPP para iniciativas de justiça de transição no Brasil

Em linhas gerais, entende-se por justiça de transição o conjunto de ações de diversas naturezas (judiciais, administrativas, culturais, educativas etc.) voltadas para “o (re)estabelecimento do Estado de direito, o reconhecimento das violações aos direitos humanos - suas vítimas e autores, e a promoção das possibilidades de reconciliação e consolidação democrática” (Abrão; Genro, 2013, p. 579) após períodos históricos de regimes totalitários, marcados por violações generalizadas e institucionalizadas aos direitos humanos. Quinalha (2012) destaca que o termo é originado da expressão “justiça em períodos de transição”, referindo-se a um processo histórico e, portanto, contingente, que contempla uma série de respostas institucionais tanto de caráter promocional e retrospectivo - como ações de reparação econômica e simbólica da sociedade e, em particular, das vítimas e seus familiares, e ações de responsabilização civil, administrativa e/ou penal dos agentes das violações de direitos humanos -, como aquelas de caráter prospectivo, visando fortalecer as instituições e práticas democráticas, buscando impedir a repetição da violência do passado, que passa a ser reconhecida pública e oficialmente.

No Brasil, um marco da transição política relativa à ditadura empresarial-militar é comumente associado à lei de anistia (Lei n. 6.683/1979), sendo essa a referência fundante das medidas de justiça de transição no país (Abrão; Genro, 2013). A lei foi promulgada ainda no contexto autoritário e, portanto, contemplava também objetivos de autoanistia dos militares, uma vez que eximiu agentes do Estado de serem responsabilizados penalmente pelos crimes cometidos no regime de exceção, indicando um aspecto do caráter negociado da transição política no país. Assim, a lei de anistia figura-se como a face institucional da memória hegemônica que se consolidou a respeito da ditadura de 1964, cujo principal efeito memorialístico - por conseguinte, político -, é o reforço da impunidade dos crimes praticados pelo regime ditatorial (Napolitano, 2014; 2015).

Ainda assim, a lei foi uma conquista importante das organizações de oposição à ditadura naquele contexto histórico, conferindo respaldo jurídico para o início do que viria a se tornar um processo de implantação gradativa, ainda que descontínuo, de ações mais ou menos dispersas voltadas para esclarecimento e reconhecimento de crimes cometidos pelo Estado, reparação material e simbólica das vítimas e da sociedade como um todo pelas violações de direitos, reconstrução da memória acerca da ditadura, responsabilização de agentes da violência5 e outras políticas públicas voltadas à promover os direitos à memória e à verdade. Cabe destacar, portanto, que a perspectiva predominante tanto na literatura, como nas normativas de organismos multilaterais de direitos humanos e nas políticas públicas associadas à justiça transicional no Brasil, adota a formulação de cinco eixos centrais para as medidas de justiça de transição: verdade, memória, justiça, reparação e reforma das instituições (Quinalha, 2012).

De toda maneira, essa transição negociada, marcada pela autoanistia dos quadros políticos, militares e de membros dos aparelhos repressivos do regime ditatorial, assume diversas consequências no próprio exercício de hegemonia (Gramsci, 2014a) na Nova República, engendrando uma memória hegemônica que condena a ditadura, por um lado, mas que conserva seus valores, por outro (Napolitano, 2014; 2015). A título de exemplo, isso se faz evidente se observarmos a própria periodização oficial, que traz indícios de continuidade ou negação de um regime ilegal, o que fica expresso na abrangência da lei que criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (Lei n. 9.140/1995), que se refere ao período entre 02 de novembro de 1961 e 05 de outubro de 1988, e a lei da Comissão de Anistia (Lei n. 10.559/2002), orientada pelo período entre 18 de novembro de 1946 e 05 de outubro de 1988. Estaria, então, implícito, na letra da lei, a partir dessa periodização, que a ditadura empresarial-militar, “a rigor, não existe a não ser de maneira enviesada, através dos seus atos discricionários paraconstitucionais [...] e pelas práticas reprováveis dos seus agentes repressivos devidamente anistiadas em 1979” (Napolitano, 2010, p. 29).

Apesar da criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2012, a mais relevante e tardia iniciativa de justiça de transição no Brasil, o reconhecimento de processos repressivos contra populações camponesas ainda é subestimado. Isso ocorre principalmente porque a narrativa predominante sobre a história da ditadura dá mais destaque às vítimas ligadas à esquerda organizada do que àquelas que não integravam organizações políticas. Além disso, a definição da CNV de “graves violações de direitos humanos”, limitada a prisões arbitrárias, tortura, execução e desaparecimento forçado, exclui outras formas de violência, como por exemplo a expulsão forçada de terras, não contemplando as formas específicas que a repressão política assumia no cotidiano de populações camponesas e povos indígenas (Teló et al., 2021).

Ora, se entre a experiência passada - seja vivida ou “herdada” (Pollak, 1992) - e a expectativa do futuro, jaz o espaço onde a memória está inserida e onde a ação é gerada, o ato de rememorar, portanto, não apenas produz, mas também transforma o mundo social (Jelin, 2003), sendo parte fundamental do processo da disputa política em determinada sociedade (Olick, 2007). A partir dessas compreensões, as experiências relatadas a seguir se inserem dentro desse processo, contribuindo para a promoção da verdade, memória, justiça e reparação de populações camponesas no Brasil.

A Comissão Camponesa da Verdade (CCV)

Uma das principais contribuições do Núcleo para a justiça de transição no Brasil tem sido a participação ativa de seus membros na Comissão Camponesa da Verdade (CCV), uma organização da sociedade civil criada em 2012 pelos movimentos sociais do campo no Encontro Unitário dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas, realizado em Brasília em 2012, ano em que a CNV iniciou seus trabalhos. O objetivo dos movimentos, ao criar a CCV, foi subsidiar os trabalhos da CNV em relação à repressão no campo durante a ditadura.

Dada a relevância do acervo do Núcleo para as investigações sobre repressão no campo e a larga experiência da coordenadora do Núcleo, professora Leonilde Medeiros, a CCV a convidou para contribuir com os trabalhos de investigação dos casos emblemáticos de violações de direitos humanos no campo. O convite não só foi aceito, como estendido para diversos estudantes do CPDA, membros do Núcleo e externos a ele para contribuírem de forma voluntária com os trabalhos da CCV. Um grupo de cerca de dez estudantes iniciaram os trabalhos de pesquisa em meados de 2013.

Além de contribuírem com o planejamento das atividades da CCV, as discussões teórico-metodológicas e a escrita dos capítulos introdutórios do relatório final da CCV (Sauer et al., 2015), pesquisadores/as do Núcleo escreveram subcapítulos do relatório, analisando casos de conflitos fundiários, assassinatos de trabalhadores rurais e seus advogados em diferentes estados do país, incluindo Acre, Bahia, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro. Dentre as principais fontes consultadas estão os boletins da CPT e documentos internos e públicos da Contag, incluindo suas federações estaduais e sindicatos locais.

Após a finalização dos trabalhos da CNV, em 2014, a CCV continuou ativa. Com um projeto financiado pelo Edital Memórias Brasileiras, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a CCV, com a participação de membros do Núcleo, investigou a repressão contra o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Rio Grande do Sul (Master) e as Ligas Camponesas, nos estados de Pernambuco e Paraíba. Dentre os resultados desse projeto estão Sauer (2020) e um livro paradidático organizado por Gasparotto e Teló (2021).

Mais recentemente, a CCV iniciou uma nova fase de atuação, desta vez focada na investigação do papel do setor empresarial na repressão no campo. Em 2022, a CCV foi contemplada com um recurso do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), para analisar as violações cometidas pela empresa Josapar (dona da marca de arroz Tio João e do feijão Meu Biju) no contexto dos conflitos fundiários da região do Guamá, Nordeste do Pará, no início dos anos 19806. Em 2023, a CCV teve outro projeto aprovado, desta vez pelo Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para ampliar as investigações sobre o setor empresarial, abarcando, além da Josapar, outras duas empresas: a brasileira Cosan e a canadense Brascan (atual Brookfield). Ambos os projetos contam com a contribuição ativa de membros do Núcleo.

A Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio)

Diferentemente da CCV, uma organização da sociedade civil, a CEV-Rio foi criada por uma lei estadual (Lei n. 6.335/2012). Portanto, teve um mandato oficial, iniciando seus trabalhos em 2013 e divulgando seu relatório final em 2015. Uma das principais inovações da CEV-Rio foi o estabelecimento de uma parceria com a Faperj para o financiamento de projetos de pesquisa desenvolvidos por grupos de pesquisa de universidades fluminenses.

Já envolvido com as investigações da CCV, o Núcleo foi contemplado, por meio de sua coordenadora, com um significativo apoio financeiro da Faperj para realizar um estudo de fôlego sobre a repressão no campo fluminense. O estudo identificou 219 conflitos ocorridos no meio rural fluminense durante o período de abrangência da CEV-Rio (1946-1988). O Núcleo, junto a pesquisadores/as de outras instituições, identificou, como resultado desses conflitos, 53 assassinatos, três desaparecimentos, três sequestros (entre estes, um menor de idade), 19 casos de tortura, mais de sessenta agressões físicas, mais de dez casos de contratos de parceria e arrendamento assinados à força, mais de 220 pessoas com benfeitorias destruídas, mais de trezentos casos de despejos e mais de duzentas prisões7. Cabe sublinhar que a lista de prisões inclui desde indivíduos detidos por apenas um dia para intimidação ou interrogatório, até prisões com condenação formal. Ademais, há algumas prisões “coletivas”, listadas, por exemplo, como “trabalhadores posseiros da fazenda Alpina” (Teresópolis), em número não identificado. Alguns casos de vítimas de agressões físicas, despejos, pessoas com benfeitorias destruídas e situações de contratos forçados de parceria e arrendamento são listados de maneira semelhante. Isso indica que, apesar do número alto de ocorrências de diferentes formas de violência, certamente, os dados apresentados estão muito aquém de expressar a totalidade das vítimas de violência no campo no estado do Rio de Janeiro, ao longo desse período (Medeiros, 2015). Um resumo dos principais achados dessa pesquisa compõe o “Capítulo 5” do “Relatório final da CEV-Rio” (2015). Descrições mais densas sobre alguns dos casos investigados podem ser encontradas em Medeiros (2018).

Outro resultado prático desse projeto foi a digitalização de parte dos arquivos da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Rio de Janeiro (Fetag-RJ), que tornou acessíveis para outras pesquisas um conjunto de documentos que até então não estavam organizados e, quando encontrados pela equipe do Núcleo na sede da Fetag-RJ, tampouco eram objeto de alguma medida de conservação. Os documentos em formato digital estão disponíveis para consulta pública no site do Núcleo (Fetag, 2013). Essa documentação contém indícios da atuação do sindicalismo rural em um contexto de intensa repressão e perseguição aos trabalhadores/as. Os documentos variam desde materiais sobre a vida cotidiana dos sindicatos e federação até relatórios de conflitos, ofícios, memorandos e telegramas que indicam o grau de capilarização que o sindicalismo foi constituindo no estado do Rio de Janeiro e se manteve atuante, articulando reivindicações e formas de ação.

O projeto de extensão Memórias das Lutas pela Terra no Rio de Janeiro

Como resultado do projeto acima referido, o Núcleo desenvolveu o projeto de extensão “Memórias das Lutas pela Terra no Rio de Janeiro” (Cf. UFRRJ et al., [s./I.]). Em uma atividade de devolução dos resultados da pesquisa na comunidade de Serra Queimada, em Cachoeiras de Macacu, o camponês Silas Borges compartilhou sua percepção acerca da necessidade de trabalhar a história da repressão no campo fluminense com os professores do ensino básico, a fim de encorajá-los a incluir esse tema em suas aulas. Em sua provocação, Silas questionou por que as escolas locais não ensinavam as histórias feitas e atravessadas por seus familiares, vizinhos, conhecidos e outras pessoas locais. Inspirados por essa provocação, os membros do Núcleo construíram uma parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a prefeitura municipal e outras universidades do estado do Rio de Janeiro, para iniciar um curso com os professores das escolas municipais de Cachoeiras de Macacu.

Cachoeiras de Macacu é o município fluminense com o maior número de camponeses presos e mortos durante a ditadura empresarial-militar, segundo os dados obtidos pela pesquisa realizada por ocasião da CEV-Rio, anteriormente mencionada. No desenvolvimento do projeto, a equipe identificou caminhos para ligar memórias individuais com as coletivas através dos documentos da pesquisa de forma a estimular os professores a recuperar aspectos históricos das regiões em que trabalham, qualificando os conteúdos trabalhados em sala de aula. Ainda, diversos/as professores/as que participaram do curso eram eles/as mesmos/as oriundos da região de Macacu, ou de outras regiões do campo fluminense, de modo que o curso também lhes deu oportunidade de melhor compreender a história de suas próprias famílias.

Em 2019, a partir das duas primeiras edições do curso, em que participaram ao todo cerca de 50 professores, o projeto produziu um livro de literatura infantil intitulado “Contando Histórias da Terra e das Águas” (Ribeiro et al., 2020) e um jogo didático intitulado “Cidadania, Questão Agrária e Direitos Humanos” (Andrade et al., 2019), a fim de facilitar o estudo das memórias dos conflitos agrários junto aos estudantes do ensino básico. Em 2020 e 2021, o curso foi realizado em Campos dos Goytacazes, região norte do estado - igualmente uma região com histórico de conflitos fundiários e trabalhistas no campo, e repressão contra camponeses e suas organizações - em parceria com a Coordenação de Educação do Campo da Secretaria Municipal de Educação, contando com duas turmas de 50 participantes.

No final de 2022 e início de 2023, uma nova edição do projeto de extensão foi realizada com alunos/as do curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ, dando foco às memórias das lutas pela terra e conflitos na Baixada Fluminense, região de origem da maioria dos discentes. O intuito desse projeto foi munir alunos/as oriundos de regiões rurais com a compreensão de conceitos e conhecimentos sobre os processos de expulsão e violência que configuraram os territórios fluminenses e as formas de organização e resistência que se prolongam no tempo.

Ao tornar os arquivos do movimento camponês conhecidos entre educadores/as, os cursos conduzidos pelo projeto têm potencializado a função pedagógica dos arquivos, tornando conhecido fatos históricos e processos de resistência comumente postos em esquecimento, estimulando o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o tema, bem como a reflexão sobre as próprias trajetórias familiares. O projeto tem contribuído também para a resistência contra o processo de fechamento de escolas do campo, em curso nos últimos anos no Brasil e em diversos países da América Latina, de forma geral e, mais intensamente, no campo fluminense.

Petições de reparação

Outra contribuição do NMSPP para a justiça de transição no Brasil tem sido o auxílio na elaboração de petições de reparação a indivíduos e/ou populações atingidas pela repressão no campo. É o caso de dois pedidos de reparação individual e um pedido de reparação coletiva endereçados à Comissão de Anistia, nos anos de 2015 e 2023, respectivamente.

Os pedidos de 2015 foram inicialmente protocolados pelo pesquisador Alberto Santos, que colaborou com o projeto Conflitos e Repressão no Campo, em parceria com a CEV-Rio. Trata-se de duas camponesas de Cachoeiras de Macacu, atingidas pela repressão do Exército por conta da tentativa de formação de um grupo de guerrilha rural por parte do Comando de Libertação Nacional (Colina), que veio posteriormente a se unificar com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), formando a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), entre 1968 e 1971. Durante o governo Bolsonaro, com as mudanças realizadas no conselho da Comissão (Benetti et al., 2020), o pedido foi julgado improcedente. Em 2023, com novas evidências comprobatórias identificadas em Teló (2019) e as novas mudanças decorrentes da inauguração do terceiro governo Lula, estando a Comissão de Anistia sob o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, um recurso foi apresentado e as camponesas aguardam novo julgamento.

Por sua vez, o pedido de reparação coletiva foi formulado a partir da tese de Bastos (2022), membro do Núcleo, e que utiliza amplamente fontes documentais e entrevistas que compõem o acervo do NMSPP8. A petição busca reparar a comunidade de Pedra Lisa, área rural atualmente situada no município de Japeri, na Baixada Fluminense, cuja população foi alvo de um intenso processo de repressão durante a ditadura empresarial-militar. O pedido, elaborado pelo autor da tese em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU), foi realizado em nome da Associação da Comunidade Tradicional dos Camponeses da Pedra Lisa e Adjacências (ACTPL), que hoje funciona na mesma edificação da antiga Sociedade de Lavradores e Posseiros de Pedra Lisa, associação fundada em 1948, cujos membros foram alvos de perseguição política no regime ditatorial.

Após reuniões iniciais do autor com o defensor regional de direitos humanos no Rio de Janeiro (DRDH/RJ) da DPU e sua equipe, foi realizado contato com a ACTPL, vítimas locais e agentes públicos, com a finalidade de organizar um encontro na sede da entidade. Na ocasião, foram relatadas diversas violações de direitos humanos, bem como apresentados documentos e jornais ao autor e à DPU. Em seguida, a associação gravou diversos testemunhos em vídeo para angariar ainda mais materiais para a petição. Esses materiais, combinados com a tese (Bastos, 2022), embasaram o pedido enviado à Comissão de Anistia9.

Trata-se do terceiro pedido de reparação coletiva encaminhado à Comissão de Anistia e o primeiro direcionado a populações camponesas, desde a implementação de seu novo Regimento Interno (Portaria n. 177, de 22 de março de 2023), que passou a permitir requerimentos de anistia coletiva10.

Considerações finais

Como procuramos identificar e refletir ao longo do artigo, o Núcleo como acervo é marcado pelo compromisso político e intelectual de preservar a memória de grupos sociais subalternos (Gramsci, 2002), sendo um espaço privilegiado de acúmulo de conhecimentos e disponibilização de fontes que podem servir a pesquisas e reflexões que partem de diferentes perguntas e objetivos. O esforço de construir esse espaço é também o de realizar uma leitura da história à contrapelo (Benjamin, 1985), que se contrapõe à dispersão e fragmentação das lembranças, à destruição e descaso com a memória e a documentação, às perseguições e desqualificações desses atores e seus modos de vida, produção e reprodução sociais. Tal esforço tem sido liderado pela fundadora e coordenadora do Núcleo, professora Leonilde Medeiros, uma referência nacional e internacional por suas contribuições no campo da memória camponesa, luta por reforma agrária e justiça social.

O trabalho de guarda e disponibilização de documentos sobre as lutas camponesas e indígenas é essencial na construção de memórias habitadas, incidindo sobre os contextos e formas de ação dessas populações, em especial, contribuindo para avançar na disputa pela universalização do acesso aos direitos da justiça de transição. O compromisso de manter viva a memória não só dos conflitos, mas também das conquistas, ações e reivindicações também tem se traduzido em iniciativas de justiça de transição, elaboradas a partir do contato estreito entre pesquisa acadêmica e interação junto às pessoas cujas histórias se analisam. Tal compromisso se evidencia nos esforços de constituição e atuação de membros do Núcleo junto à CCV, CEV-RJ, projetos de extensão sobre memórias das lutas pela terra e elaboração de pedidos de reparação.

O conjunto dos trabalhos apresentados no Seminário 25 Anos do NMSPP e das pesquisas relacionadas às iniciativas de Justiça de Transição, ambos realizados a partir de documentação do acervo do Núcleo em conjunto com outras fontes, são ilustrativos da “memória potencial” (Assmann, 2011) que o acervo constitui, preservando as múltiplas possibilidades de pesquisa e interpretação de fontes reunidas nos seus arranjos documentais. Entende-se que o trabalho de memória também precisa se tornar público e constituir um público, de tal modo que as experiências relatadas se somem ao esforço de comunicação, isto é, procurar fazer dessas lembranças, às vezes privadas, afastadas e localizadas, elementos comuns, compartilhados e capazes de construir espaços e ações de democratização.

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Notas

1 Mais informações sobre a criação do NMSPP/CPDA/UFRRJ podem ser encontradas na seção “Sobre o Núcleo”, encontrada no tópico “Para Leitura”, no sítio do acervo. Recursos para contratação de pessoal e aquisição de equipamentos e materiais necessários para as atividades do acervo foram obtidos tanto através do Programa Cientistas do Nosso Estado, concedido à professora Leonilde Medeiros pela Faperj durante vários anos, como também por meio de editais de apoio à atualização e manutenção de acervos em Instituições de Ensino Superior do Rio de Janeiro.
2 Alguns desses trabalhos foram publicados em um dossiê temático da revista IDeAS, em comemoração aos 25 anos do Núcleo. Esses trabalhos sinalizam aspectos que interessam à reflexão tecida ao longo da primeira parte deste artigo (Cf. Brito, 2023).
3 As mesas de discussão podem ser assistidas no canal de YouTube do NMSPP. O canal conta, ainda, com gravações de seminários e palestras organizadas pelos membros do Núcleo, servindo como outro meio de registro e divulgação de suas atividades.
4 Marcelo Zelic foi um destacado pesquisador e ativista por memória, verdade, justiça e reparação, principalmente para os povos indígenas e camponeses. Ele se destacou nacionalmente por ter localizado em 2012 uma cópia do Relatório Figueiredo, documento considerado até então desaparecido, e que contém detalhada descrição das atrocidades cometidas contra os povos indígenas desde meados do século XX até os anos iniciais da ditadura. Zelic dá detalhes da localização desse documento em entrevista a Lima e Atenas Azola (2017). Antes de falecer, em maio de 2023, Zelic havia generosamente oferecido ao Núcleo a possibilidade de digitalizar parte da documentação do acervo com recursos que conseguira com a Embaixada da Noruega.
5 A responsabilização dos agentes da repressão é um dos aspectos mais controversos da transição. Bloqueada a princípio pela Lei de Anistia, de 1979, em 2010 foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como compatível com a Constituição Federal de 1988 e, portanto, com o regime democrático. No entanto, o tema permanece em disputa, tendo em vista condenações do Estado brasileiro pela Corte interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por crimes ocorridos na ditadura, e para a qual a Lei de Anistia é incompatível com os tratados e convenções de direitos humanos dos quais o país é signatário. Também, neste sentido, as iniciativas do Ministério Público Federal visando a responsabilização penal e civil dos agentes da repressão, bem como de grandes empresas e agentes privados aliados do regime também sinalizam para essa disputa (Quinalha, 2012; Gomes; Mazuoli, 2010; Brasil, 2017).
6 Os recursos do CAAF foram obtidos por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Volkswagen, assinado a partir de inquérito do Ministério Público Federal (MPF) que investiga a colaboração da empresa com a repressão política e violações de direitos humanos durante a ditadura. Através deste recurso se financiou um conjunto de pesquisas sobre a relação de diferentes empresas com a ditadura, ampliando os esforços e contribuições para evidenciar o caráter também empresarial do regime autoritário.
7 Essa lista “não é composta apenas por trabalhadores rurais, mas por todos que, ao se envolverem de algum modo nos conflitos, acabaram sendo também vítimas de violências. É o caso de advogados, padres, militantes urbanos e até mesmo agentes geralmente enquadrados no grupo dos praticantes dos atos de violência, como os jagunços, grileiros e agentes das Forças Armadas” (Medeiros, 2015, p. 850).
8 Além do acervo disponível no NMSPP, a tese conta com fontes documentais e jornalísticas de outros acervos, bem como trabalho de campo e entrevistas realizadas pelo autor e fornecidas por outros pesquisadores, utilizadas em pesquisas nas décadas anteriores.
9 Para mais reflexões sobre o pedido de reparação coletiva de Pedra Lisa, ver Bastos et al. (2023).
10 De acordo com resposta de solicitação de acesso à informação na Plataforma “Fala.BR”, em 09 de novembro de 2023.


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