Resumo: Este artigo é resultado de uma etnografia feita na Comunidade Cristã Paz e Vida, de São Mateus, na periferia da Zona Leste de São Paulo em épocas de Covid-19. O objetivo é mostrar a incidência dos meios eletrônicos, assim como o espaço virtual utilizado pela instituição religiosa, no contexto pandêmico. O estudo aborda em que medida o religioso participou da vida comunitária da igreja com o uso dessas ferramentas para a manutenção dos rituais e cultos. O material empírico coletado para esta pesquisa é formado por um pastor chamado de B, dois fiéis da igreja, denominados de membros A e C, e dois obreiros, apresentados como B e C. A pesquisa desenvolveu-se com base em observação de campo, através da verificação do comportamento dos fiéis, e sua interação em mídias sociais como o WhatsApp.
Palavras-Chave: (Neo)pentecostalis-mo, Pandemia, Espaço virtual, Mídias sociais.
Abstract: This article is the result of an ethnography carried out in the Paz e Vida de São Mateus Christian Community in the suburbs of the East Zone of São Paulo in times of COVID-19. The objective is to show the incidence of electronic media, as well as the virtual space used by the religious institution in the pandemic context. The study will address the extent to which the religious people participated in the community life of the church through these tools for the maintenance of the rituals and services. The empirical material collected for this research is made up of a pastor called B, two church faithful, called members A and C, and two workers who will be presented as Workers B and C. The research was developed based on field observation through the behavior of the church-goers, and the interactions produced through social networks and the WhatsApp application.
Keywords: (Neo)Pentecostalism, Pande-mic, Virtual Space, Social media.
Resumen: Este artículo es el resultado de una etnografía realizada en la Comunidad Cristiana Paz e Vida de São Mateus en la periferia de la Zona Este de São Paulo en tiempos de Covid-19. El objetivo es mostrar la incidencia de los medios electrónicos, así como el espacio virtual utilizado por la institución religiosa, en el contexto de la pandemia. El estudio abordará en qué medida los religiosos participaron en la vida comunitaria de la iglesia con el uso de estas herramientas para el mantenimiento de los rituales y servicios. El material empírico recolectado para esta investigación está conformado por un pastor llamado B, dos fieles de la iglesia, llamados miembros A y C, y dos obreros, quienes se presentarán como Trabajador B y C. La investigación se desarrolló a partir de la observación de campo, a través del comportamiento de los fieles, y de las interacciones producidas a través de las redes sociales y la aplicación WhatsApp.
Palabras clave: (Neo)pentecostalismo, Pandemia, Espacio virtual, Redes sociales.
Temática livre
A religião e a incidência dos meios eletrônicos na Comunidade Cristã Paz e Vida em tempos de Covid-19
Religion and the incidence of electronic media in the Paz e Vida Christian Community in times of COVID-19
La religión y el impacto de los medios electrónicos en la Comunidad Cristiana Paz e Vida en tiempos de Covid-19
Recepción: 30 Enero 2023
Aprobación: 12 Abril 2023
O presente estudo, recorte de minha pesquisa de doutorado, surgiu com o interesse na pesquisa sobre o fenômeno neopentecostal1. Este texto está circunscrito à Comunidade Cristã Paz e Vida, localizada em São Mateus, na periferia da Zona Leste de São Paulo. Em 1982, surgiu a Comunidade Cristã Paz e Vida2, fundada pelo ex-publicitário Juanribe Pagliarin, com seu discurso escatológico da volta de Cristo, poderes sobrenaturais, curas, exortações, bater de palmas, choros e prosperidade para os que obedecem a Cristo. A Paz e Vida em São Mateus, localizada na Avenida Mateo Bei, local onde encontra-se uma grande concentração de outras igrejas, como a Assembleia de Deus, Renascer em Cristo, Igreja Batista e Universal do Reino de Deus e outras instituições religiosas menos conhecidas, na periferia da Zona Leste em São Paulo, foi onde realizei a minha pesquisa. A comunidade foi fundada em 17 de setembro de 2011, de acordo com uma das obreiras da Paz e Vida.
Assim, cabe o estudo para a compreensão do discurso religioso desta igreja, bem como a ressignificação das práticas religiosas e o uso de tecnologias para que os ofícios religiosos tenham continuidade mesmo sem os encontros presenciais em época de Covid-19.
A escolha da presente pesquisa está vinculada a uma igreja neopentecostal, em São Mateus, periferia de São Paulo. Em minhas visitas e a proximidade com os membros dessa comunidade evangélica, procurei por meio de entrevistas e observações comportamentais produzidas pelos fiéis, assim como em suas redes sociais compreender o que pensam a respeito de sua religião em meio à pandemia. Na pandemia, esses grupos evangélicos desenvolveram práticas e criaram maneiras de continuar com as suas liturgias.
O artigo trata sobre o uso das tecnologias, assim como o espaço virtual utilizado pela instituição religiosa, no contexto pandêmico. A análise abordará em que medida o religioso participou da vida comunitária da igreja com o uso dessas ferramentas para a manutenção dos rituais e cultos. O espaço virtual utilizado por grupos de evangélicos no Brasil não é algo novo. Há muito tempo, as igrejas neopentecostais já se apropriam desse esquema tecnológico para as transmissões dos seus cultos. As denominações já conhecidas por serem midiáticas utilizam as redes sociais, televisões e rádio para as suas transmissões. O que se potencializou na pandemia foi o uso de várias maneiras de utilização do espaço virtual, além das ressignificações no sentido de uma aproximação dos fiéis no período do distanciamento social. Desta maneira, a internet é um espaço que produz sentido e sociabilidade, criando pertença religiosa, mesmo virtual. É possível observar o comportamento dos religiosos da igreja e de que maneira se organizam para manter relação com a sua religião em épocas de Covid-19.
Os entrevistados3 aceitaram participar das entrevistas sob a condição de anonimato. As escolhas dos entrevistados foram feitas por meio de aproximação e conversas de visitas que fiz à instituição religiosa, em 2020, quando iniciei a pesquisa de campo. Os entrevistados serão categorizados de acordo com a sua participação na igreja. Desta forma foram entrevistados:
Um pastor chamado de Pastor B com idade de 60 anos. Trabalha na instituição religiosa há dez anos, como auxiliar, e não é remunerado.
Dois fiéis da igreja, que serão chamados de Membros A e C. Todos são do sexo masculino, com idade entre 30 e 40 anos, adeptos da instituição religiosa há mais de cinco anos.
Dois obreiros, do sexo masculino, que serão apresentados como Obreiros B, C, com idade entre 30 e 40 anos, que são fiéis da igreja há mais de oito anos. Esses obreiros desenvolvem alguma atividade não remunerada na igreja, como servir a Santa Ceia, fechar a igreja ou fazer coletas de ofertas.
Esse total de sete pessoas que entrevistamos para o desenvolvimento de coleta de dados ocorreu, em alguns casos, de forma presencial e outros à distância, com o uso de WhatsApp e redes sociais. Essas coletas empíricas ocorreram por meio de entrevista, que foram gravadas e escritas. Tudo dependia do momento do entrevistado. Às vezes, ele se sentia à vontade, às vezes, não. Quando ocorria alguma insegurança, eu pedia para o entrevistado gravar um áudio via WhatsApp.
Em um primeiro momento, vamos abordar o uso das redes sociais da instituição religiosa e os canais tecnológicos, para a manutenção dos cultos on-line e, em seguida, comentaremos sobre os ritos e as orações produzidas na internet pelos fiéis. Também observaremos o uso das tecnologias e as práticas religiosas, e sua ressignificação de novas realidades. E, por fim, analisaremos o uso da religião pelos adeptos da igreja, como orientação na época da Covid-19.
O uso das redes sociais não é algo novo para grupos religiosos. Em épocas passadas, já se utilizava dos meios eletrônicos para a finalidade de transmissões de cultos. Vários trabalhos acadêmicos apontam a internet como o principal meio para a propagação, fabricação e sustentação de lideranças evangélicas nos espaços virtuais. A Paz e Vida, antes mesmo da Covid-19, já utilizava a TV on-line Paz e Vida no Seu Lar, além do YouTube, com canais de pastores da igreja. A denominação é proprietária da rádio Feliz FM, responsável pela transmissão dos cultos, ilustração religiosa, notícias da igreja e música gospel, além do canal aberto - na TV Gazeta - para transmissões religiosas.
A Comunidade Cristã Paz e Vida de São Mateus já possuía um perfil no Facebook como plataforma de comunicação com seus membros, além do pastor da igreja ter um canal no YouTube. Com a pandemia, esses canais apenas se ressignificaram e ganharam mais adesão dos seus fiéis.
Os neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, e a igreja Mundial do poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago, assim como a Internacional da Graça de Deus, do Missionário R.R. Soares, são exemplos das utilizações de emissoras de rádios, canais de TV e internet.
A pandemia trouxe novos questionamentos sobre a pertença da religião nos meios eletrônicos, o deslocamento de rituais religiosos para os ambientes virtuais durante a Covid-19 e como essas práticas coletivas se estruturaram em ambientes domésticos. Assim, novas formas de configurações intensificaram para análises sobre a relação entre rituais, presencialidade e práticas digitais. Antes de apresentar os atores religiosos e o uso que fizeram da internet em contexto pandêmico, o presente estudo analisou o espaço virtual: “Manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem, contudo, estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular” (Lévy, 1999, p. 47).
Desta maneira, o ambiente virtual manifesta-se em um estado aberto, efetivamente em todos os lugares e assume diversas formas, com várias possibilidades de interação, nunca sendo totalmente determinada. Nesse sentido, as imagens que mediam a construção do tecido social, produzidas pelas redes sociais que ocupam o tempo de lazer das pessoas, oferecendo opiniões políticas e formas de comportamento social (Cunha, 2008). Desta Maneira, Cunha (2008, p. 48) destaca:
o novo quadro das interações sociais, uma nova forma de estruturação das práticas sociais, marcada pela existência dos meios. É produto da midiatização da sociedade, ou seja, a reconfiguração do processo coletivo de produção de significados por meio do qual grupo social se compreende, se comunica, se reproduz e se transforma, a partir das novas tecnologias e meios de produção e transmissão de informação.
Partindo da conjectura de que o espaço virtual se mostra de forma dinâmica mutável e de interações sociais, ao analisar a presença de religiosos da Comunidade Cristã Paz e Vida de São Mateus apresentando-se também nesse espaço, é possível afirmar que há um novo entendimento do que é fazer religião na internet. Observa-se que o primeiro ator que comentou sobre a pandemia, o distanciamento social e as transmissões dos cultos on-line foi Juanribe Pagliarin, pastor e fundador da Paz e Vida. Em uma live pelo YouTube, ele afirma:
Se você quiser saber quais são os canais da TV RBI ou da TV Gazeta onde temos os nossos programas, na RBI é toda a noite de segunda a sábado, às 22h. Você vai assistir a testemunhos, ouvir as pregações da Palavra de Deus, ouvir as ilustrações do Reino de Deus e vai receber orações. As nossas orações agora serão assim, mas ao mesmo tempo estaremos com você. Nós não te deixaremos. As igrejas não foram fechadas não. Jamais fecharemos. Mas as reuniões, realmente, não poderemos fazê-las a não ser aqui pela TV ou pela rádio ou pela internet. Você também pode entrar no YouTube.com/Juanribe e assistir mensagens, ilustrações e testemunhos a hora que quiser. E se você quiser saber qual canal em sua Cidade da RBI cujo programa é às 22h, entra no site da Paz e Vida. Lá você vai ter a relação completa [...] são novos tempos, são novos tempos [...] Deus abençoe [...] As nossas reuniões agora serão assim pelo rádio e pela TV. Deus abençoe a sua vida (Pagliarin, 2020).
Na live, o pastor Juanribe Pagliarin convida os fiéis para o espaço virtual, chama a situação pandêmica de novos tempos, além de comentar que as igrejas não serão fechadas. O pastor afirma, também, que o tempo pelo qual o planeta atravessa é outro e, com isso, as mensagens serão transmitidas on-line. Essa mensagem surgiu a partir de março de 2020, logo após o Decreto Municipal que determinava a suspensão dos cultos presenciais. Assim, a mensagem possui orientações para que os fiéis da igreja fiquem atentos aos canais virtuais que a instituição religiosa dispõe, como o uso da televisão - especificando os canais -, a mídia radiofônica e a internet. No site da igreja observa-se a propaganda dos canais de comunicação que a igreja possui, como a TV RBI, em que os cultos são apresentados de segunda a sábado às 22h e a TV Gazeta nos horários das 18h e 23h.
Além do site, a igreja tem um canal no YouTube denominado Paz e Vida no Seu Lar, no qual os cultos são transmitidos ao vivo e depois gravados. Os pastores Juanribe Pagliarin e Neilton Rocha - que é o superintendente da igreja - são os responsáveis pelas pregações.
A instituição religiosa também possui a Rádio Feliz FM, que serve como um canal da igreja para divulgar informações, usufruir da sua programação como ouvir música gospel, ilustrações religiosas etc. Já o site é interativo, no qual se encontra a agenda do pastor Juanribe Pagliarin, além de ilustrações, pregações, artigos, notícias e projetos da Paz e Vida.
O site também serve como um roteiro para aquelas pessoas - que não conhecem a igreja - com diversas informações sobre a sua história, além de mostrar os endereços da igreja, tanto no Brasil quanto em outros países.
No canal do YouTube da igreja, o fiel pode fazer um cadastro, a fim de obter informações sobre os cultos e programações da igreja. É um meio de comunicação simples e eficiente para todas aquelas pessoas que querem interagir com a instituição religiosa.
A rádio Feliz FM é um outro meio de comunicação de expansão da igreja. O fiel tem acesso às informações, novidades, acontecimentos, como os rituais de batismo e Santa Ceia, além de ser um roteiro de informação da igreja. Os ouvintes também podem interagir com os radialistas e participar de premiações que a igreja oferece, como livros e camisetas.
A instituição religiosa de São Mateus tem, como meio próprio de comunicação, o Facebook, no qual são compartilhadas as pregações e serve, também, como um canal para as lives. Além disso, é uma ponte da igreja para manter contato com os fiéis, com uma integração on-line e eficaz, a fim de informar as programações da igreja. Os membros interagem com perguntas e o pastor procura respondê-las.
Ao analisarmos a percepção das pessoas na igreja e nas redes sociais, entende-se que o mundo real tem conexões com o mundo virtual, e o espaço em que o indivíduo se manifesta - junto com os símbolos religiosos - passa a ter um sentido privado, porém, público ao mesmo tempo. Suas ações começam a ter um entendimento particular, mas também de pertença nas redes sociais, em que os significados de sua expressão religiosa se encontram. Nesse sentido, a religião deixa de ser um espaço físico e fixo: ela manifesta-se onde o indivíduo quiser. Essa capacidade de imaginação das coisas ditas como símbolos religiosos acaba fazendo parte da vida do fiel.
Para o sociólogo Manuel Castells (2011, p. 43), é “claro que a tecnologia não determina a sociedade [...] a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas”. Nesse sentido, a religião manifesta-se de várias maneiras em grupos, sites no mundo virtual. Desta maneira, é possível o espaço virtual tornar-se heterogêneo, configurando-se em noção de público e privado. As redes sociais podem tanto estar a serviço de uma comunidade, mas também aberta a outras instituições. O virtual se lança em outras camadas num processo de desterritorialização. Um exemplo disso: uma instituição religiosa utilizando-se da internet para a comunicação com os seus fiéis. Além disso, pode também comunicar-se com outras pessoas que não fazem parte deste universo religioso ou indivíduos que estão à procura de uma orientação religiosa para as suas vidas.
Quando perguntei para o Pastor B qual a sua opinião sobre o uso da internet para as transmissões dos cultos on-line e se isso poderia tornar o fiel individualista, ele responde:
Eu, como pastor, acredito que os cultos via online, YouTube, enfim, todo tipo de transmissão que as pessoas ficam no comodismo no celular para assistir, tornam as pessoas mais acomodadas. Eu acho que essas transmissões são importantes para serem alcançadas almas. Pessoas que precisam ouvir a Palavra que não está com a disponibilidade ou à disposição, não tem ainda o chamado dentro de si para servir a Deus. Que o nosso chamado é para servir a Deus. Não é para ouvir a mensagem e não fazer uso dela, e não passar para frente. [...] Eu acho que a conversão, a prática da fé é um aprendizado. Os cultos online vão, sim, ajudar a alcançar as pessoas que não frequentam a igreja, que ainda não chegaram às igrejas. Mas, as pessoas que conhecem a Palavra tornam, sim, as pessoas mais acomodadas. Tornam as pessoas daquela forma: que tudo pode fazer em casa e ouvir a Palavra já está tudo bem. Mas, não é isso que Deus espera. Ele espera o “Eis-me aqui”. O “Eis-me aqui” de cada um tem que estar no nosso coração, porque nós não vamos servir a Deus e não fazer nada pela obra. Não ganhamos alma, não proclamamos a Palavra, não comungamos juntos, não vamos à igreja para ter comunhão. E isso não é certo. Então, a pessoa que tem o entendimento da Palavra deve praticar a fé indo aos cultos, buscando a comunhão da Palavra, como disse Deus (Pastor B, Entrevista, 23 jan. 2022).
Observa-se, na resposta do pastor, que a religião se faz necessária com o face a face. O comprometimento é possível com a comunhão dos fiéis. O uso das tecnologias para as transmissões dos cultos é importante para ganhar almas, atrair pessoas que não conhecem a Palavra, ou atrair indivíduos que não têm a disponibilidade para ir à igreja. Para o fiel, o não contato (físico) com a sua religião levará a um comodismo. Desta maneira, há um entendimento que a virtualização não suprirá as necessidades dos cultos presenciais, apenas o contato físico, a comunhão. Sobre a coletividade, Durkheim (2018, p. 75) destaca: “Os indivíduos que a compõem [à uma coletividade] se sentem ligados uns aos outros pelo simples fato de terem uma fé em comum. Uma sociedade cujos membros estão unidos pelo fato de conceber, da mesma maneira o mundo sagrado e suas relações [...] de traduzir essa concepção comum em práticas idênticas é o que se chama de igreja”.
A religião, como meio de interação coletiva, faz com que representações comuns - como práticas - estabeleça união a uma mesma cosmovisão de mundo e de aprendizado.
Além disso, possibilita que grupos religiosos ou indivíduos saibam a sua função religiosa e de que maneira devem agir para a sua manutenção simbólica. No comentário do pastor, a conversão e a prática da fé são um sentimento de comunhão coletiva.
Ao perguntar ao Pastor B se os cultos on-line suprem as necessidades existenciais, ele responde:
Na minha opinião, os cultos online não vão suprir as necessidades dos cultos presenciais de forma absoluta. A pessoas têm um compromisso com o Senhor. A Palavra de Deus não pode se acomodar. Ficar em casa, apenas assistindo o culto online pelo celular, pela televisão, mensagens, pregações, isso não supre a necessidade do crente. O crente é chamado para estar na igreja de braços abertos para contribuir com a obra, para participar com a obra. Ouvir a Palavra de manhã, à noite e à tarde. Trazer esta Palavra em seu coração. Com fé transmitir para as pessoas. Ele tem a alegria de chegar em seu trabalho e dizer que ontem a Palavra foi maravilhosa. Dizer que a palavra do pastor me impactou. O pastor falou sobre isso. Desta maneira, ele cresce. Toda vez que ensinamos, estamos crescendo, aprendendo. Eu sou assim: eu aprendo assim, quando eu ensino. Quando só estudo e escrevo para mim mesmo, eu não aprendo. Só aprendo quando eu consigo ensinar e passar para as outras pessoas aquilo que é meu sentimento, que eu ouvir do meu entendimento, porque as coisas de Deus são muito profundas. As coisas do Senhor não se resumem ficando em casa no sofá fazendo oração comum. A Palavra de Deus nos chama para algo muito maior. E cada um que abrir o seu coração e praticar, Deus vai dando muito mais entendimento e usando o crente para a obra. É isso que dá alegria a Deus. O crente não pode ficar em casa. Essa é a minha opinião (Pastor B, Entrevista, 23 jan. 2022).
O pastor esclarece que, em sua opinião, as redes sociais deixam os fiéis acomodados. Para ele, a integração física é importante para o crescimento do indivíduo religioso. Além disso, os ritos on-line não suprem as necessidades existenciais da vida. O chamado é para o contato face a face na igreja e que o lugar do fiel é na comunidade religiosa e não em casa. A ideia do não comodismo, de não cruzar os braços e ficar em casa, assemelha-se àquilo que Max Weber denominou de ascetismo4. No livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (2013, p. 93-94), o autor parte da seguinte constatação: “O crente religioso pode assegurar-se de seu estado de graça quer se sentindo como recipiente do Espírito Santo, quer se sentindo instrumento da vontade divina. No primeiro caso, sua vida religiosa tenderá para o misticismo e para a emotividade, e, no segundo, para a ação ascética”.
Weber (2013) afirma que o religioso possui uma tendência para um estado de misticismo, mais emotivo e para uma ação mais ascética. Nesse sentido, o fiel considera a sua relação com a sua religião como sendo de “possessão”, estará inclinado para a contemplação; contrariamente, se ele se considera instrumento da mensagem “divina”, estará mais ligado à ação, uma relação funcional, uma lógica do trabalho e perceber que Deus abençoa quem não se acomoda no trabalho. O neopentecostalismo parte de uma ética voltada para a conquista material e sucesso profissional ao alcance de todas as pessoas que buscam pelo milagre. Há uma ruptura com o ethos pentecostal, que olhava uma vida mais etérea.
É possível perceber, diante dos comentários do pastor, que a religião parte da alegria do fiel quando se reúne com outros membros. Por isso, Durkheim (2018, p. 79, grifo no original) ressalta que a “religião é um sistema solidário de crenças seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem na mesma comunidade moral, chamada igreja, todas os que a ela aderem [...] faz pressentir que a religião deve ser coisa eminentemente coletiva”.
Esse tipo ideal de Durkheim ressalta a religião como integração de sistema de força que une uma coletividade. Na atualidade, a tecnologia é vista como o meio que influencia as relações das pessoas lidarem com as coisas. Para André Lemos (2002, p. 222), o “computador é a porta de entrada na tribo, onde os encontros físicos não são indispensáveis. Podemos entrar em contato com o outro através das redes telemáticas [...] utilizam os computadores como instrumento de comunhão”.
Hoje em dia, a virtualização está em crescimento e é usada, também, para fins religiosos. O fiel está conectado ao mundo virtual e utiliza esse espaço para a interação com a sua religião. Assim, possui uma autonomia para a construção do seu próprio entendimento.
Nesse sentido, é possível notar, nos comentários do pastor - e de outros membros - opiniões diferentes. Para o Membro A:
Bom, eu, no meu ponto de vista, eu vi assim: devido a pandemia, acho que foi o ano passado, ou retrasado, não recordo muito bem, que falaram que iriam fechar as igrejas devido isso aí. Bom, eu não recordo os meses que iam fechar as igrejas. Foi ruim e por causa disso aí. E pior que aconteceu. Só que assim online é uma boa, sim. Não é igual ao presencial, mas é bom. Uma forma de estar em contato com Deus e com a Palavra de Deus, para a gente estar se fortalecendo e buscando a Ele, porque as coisas ficaram difíceis. Fecharam estabelecimento, mas online foi uma boa, sim. Foi uma grande tecnologia. Ela está muito avançada, mas foi uma boa para os cultos da igreja. É uma boa, sim. Eu achei bom. Para quem tem essa conexão é bom. Eu fiquei feliz para a gente não estar distanciando de Deus. Para a gente estar orando, agradecendo e pedindo a Deus que ajude a todos nós (Membro A, Entrevista, 31 jan. 2022).
Para o Membro A, a transmissão dos cultos on-line, no contexto da pandemia, foi uma forma de manter contato com a sua religião. Para ele, a conexão, mesmo à distância, foi a maneira de estar em contato com Deus. Ele comenta sobre a sua felicidade, uma vez que tal fato propiciou ajuda, a fim de não se distanciar de Deus, além de auxiliá-lo em seus rituais. É possível observar que o fiel encontra - nos meios virtuais - uma relação com a sua comunidade de fé, além da manutenção em um contexto de integração com a vida comunitária da igreja, mesmo em um ambiente tecnológico.
A tecnologia, assim, demonstra-se como parte integrante da convivência humana, além de criar formas de relações e trocas de experiências. O sociólogo Manuel Castells (2011) afirma que a tecnologia já influenciou a vida social.
No cenário virtual, a religião oferece - para o fiel - bens simbólicos, serviços e orientações para as suas crises biográficas. Para o Membro A, a virtualização permite o contato com a sua religião, além do seu próprio fortalecimento.
Ao perguntar para o fiel se os cultos on-line suprem as necessidades, assim como as celebrações presencias, ele comenta:
creio que sim, eu creio que sim. Online está quase sendo a mesma coisa como presencial. Só muda porque é online e você está ali vendo. Mas se você substituir esta substância, como eu posso dizer, o mesmo conteúdo como se fosse presencial. No presencial, você está sentado. O pastor está falando, pregando. Você está ouvindo a Palavra. Online vai ser a mesma coisa. O que muda é que você está distante. A pessoa está em outro lugar e você em outro, tendo fé e perseverança, e crer. Não vai mudar nada. O importante é estar crendo, mesmo o pastor estando falando lá de longe, sendo online, a Palavra está chegando pra nós dentro do nosso coração porque é a Palavra de Deus. A Palavra de Deus é muito forte e ela age. Então, eu acho que é boa, sim. E agora com esta pandemia toda. Então, às vezes, as igrejas estão optando online, canais online, que nem a Paz e Vida no canal 11. Na Gazeta, o Juanribe Pagliarin tem as pregações. É bom, sim, online [...] é uma boa. A tecnologia hoje está muito avançada. Não precisa nem ter tecnologia. A gente crendo em Deus, crendo Nele. Ter fé em Deus, crendo em Jesus Cristo já basta. Pode estar em qualquer lugar, em qualquer país, qualquer mundo. Crendo nele, em Jesus Cristo, já é tudo. A gente vai longe (Membro A, Entrevista, 31 jan. 2022).
Para o fiel, os cultos virtuais e presencias são a mesma circunstância. O que modifica é a relação diante destes cenários. Para o Membro A, o importante é ter fé. O discurso religioso, tanto de forma física quanto virtual, alcança o coração. Nesse sentido, os fiéis interagem, além de manter a sua integração com a sua religião. Tal fato proporciona mudanças em suas práticas religiosas, por meio da virtualização.
É possível perceber que os ritos presencias estão, cada vez mais, sendo trocados pelo cenário tecnológico. A pandemia trouxe estas mudanças, mesmo que sejam flexíveis. No trabalho de campo, nas conversas que tive com os fiéis da instituição religiosa, percebo que as opiniões não são homogêneas, como relatamos na entrevista com o Pastor B, que diz que os cultos on-line deixariam as pessoas acomodadas, indo na contramão de outros fiéis que comentavam que a virtualização dos ritos religiosos ajudaria na união do coletivo. O que mostra para esses fiéis é que a tecnologia ajudou muito nas suas necessidades religiosas no momento da pandemia, quando os templos estavam fechados por determinação das autoridades.
Desta maneira, a fé pode ser exercida no conforto do lar. A religião, no mundo virtual, oferece ao fiel possibilidades de mudanças e ressignificações de seus ritos.
As práticas religiosas - ditas tradicionais - propiciam uma base para a formação e transformação das integrações sociais no campo virtual. Com isso, oferecem oportunidades de estudos, além de serem reaproveitadas por meio dos valores simbólicos, nesses novos ritos religiosos praticados no mundo virtual: “As formas de interatividade e de interfaces vão aguçar ainda mais essa sacralização das novas tecnologias” (Lemos, 2002, p. 108). Para Aguiar (2010, p. 17):
A Sacralidade digital, portanto, é a ideia que o advento das novas tecnologias na contemporaneidade inaugura uma relação digital com o sagrado, afinal, defende-se, fundamentalmente, que há entre o homem e o sagrado uma relação comunicativa, que determinará o tipo de experiência que se terá com o sagrado. Portanto, à medida que o suporte comunicativo dessa relação se transforma, se percebe uma mudança também no modo de experimentar o sagrado.
Em épocas contemporâneas, o religioso parece encontrar refúgio no mudo virtual para as suas práticas espirituais. Essa possiblidade tecnológica permite, ao fiel, uma busca de determinadas maneiras (on-line), no sentido de uma orientação de sua religiosidade e exercício de sua fé.
As orações são práticas constantes das igrejas neopentecostais. O copo com água, nas mãos de pastores, além de pedir para quem está em casa participar do ritual da oração - trazendo o fiel para o culto que está sendo transmitido pela televisão ou internet - são ritos que as igrejas buscam para atrair ou manter uma multidão em sua religião. A pergunta é: se essas práticas pela mídia eletrônica são propostas virtuais ou se elas funcionam, como experiência de fé, no cotidiano do religioso de uma igreja? A vida on-line - e as relações concretas feitas off-line - criam tensão por parte de alguns fiéis? No contexto da pandemia, as redes sociais ganharam ressignificações nas liturgias. O que era comum para as igrejas virou estratégia para a manutenção de seus fiéis conectados com a sua religião. Para o Obreiro B, as orações on-line:
Eu tenho uma opinião contrária de muitas pessoas. A oração pela internet não é a oração que eu faço a Deus. A minha intimidade com Deus é minha oração para com Deus. A oração pela internet é a oração de alguém com intimidade com Deus. Ela e Deus e não ela, eu e Deus. Então, o que acontece se a pessoa está orando pela internet, eu estou colaborando com ela, concordando com ela pela oração dela, não minha oração. Então, a oração dela, eu concordo, eu estou acordando com ela sobre aquilo que ela está falando para com Deus. Aquilo reflete sobre a minha vida, reflete. Não vamos falar que não reflete. Mas, não é minha oração, porque a minha oração com Deus é minha intimidade. É como Jesus ensinou: entra no seu quarto, fecha atua porta e fala a seu Pai em secreto. A minha oração com Deus sou eu e Deus, em secreto. Não importa se eu oro bonito. Deus não está preocupado com isso. Se eu oro de uma forma com palavras bonitas, mas Ele quer ouvir a minha voz. Isso é intimidade. É quando você chega a seu pai e conversa com Ele e dá ao seu Pai aquilo que te incomoda, aquilo que te entristece, ou aquilo te faz sofrer ou aquilo que te dói. Então, você vai falar para seu Pai as suas expressões, o que você precisa ou até um pedido. Isso é intimidade com o Pai [...] isso é oração para com Deus. A internet vai sempre nos trazer algo que ela se expressa e não algo que eu me expresso. Essa é minha opinião sobre a internet (Obreiro B, Entrevista, 04 abr. 2022).
Para o entrevistado, as orações pela internet produzem resultado para a pessoa que pratica o ritual, mas, também, para os fiéis que participam on-line. Para o fiel, a intimidade com Deus seria uma oração, uma conversa e não simplesmente uma prática religiosa virtual. É possível perceber que o espaço virtual causa orientação com uma certa medida. Quando o adepto fala que as orações feitas on-line proporcionam reflexão para a sua vida, ao mesmo tempo, ele afirma que a oração deve ser algo individual e que a internet não supre integralmente a necessidade simbólica de sentido e, sim, parcialmente. Isso não significa que o ambiente on-line não produz oferta de serviços religiosos para quem busca, ou para a instituição religiosa que oferta esse serviço.
Para Moisés Sbardelotto, em seu livro “E o verbo se fez bit. A comunicação e a experiência religiosas na internet” (2012, p. 42), quando ele discute Religião ou internet diz: “essa concepção dual entre ambientes on e offline, marcados por ‘fronteiras’ e separações claras, precisa ser sopesada”. Aqui, pode-se levar em consideração que o mundo religioso de quem vive dentro da igreja, acostumado a coletividade com outras pessoas, é que o espaço on-line cria um desafio para quem está operando de casa, em frente ao computador ou assistindo aos cultos pela televisão.
Desta maneira, não é apenas uma questão virtual - já que não é a internet que gera a religião, como o entrevistado destaca, mas, sim, as práticas dos adeptos que geram, pela internet, ações sociais. Assim, os veículos de comunicação, como sites religiosos, são produzidos e utilizados por pessoas que não vivem suas vidas inteiras na tela (Sbardelotto, 2012).
Nota-se que a internet é marcada por uma tendência a transplantar, sem modificar ou alterar a experiência empírica do cotidiano, mas, sim, orientar com uma coesão do que acontece off-line.
Ao perguntar para outro obreiro da Paz e Vida sobre as orações on-line, ele responde:
Eu acho assim: a oração é uma coisa muita íntima. Você e Deus. Você clamando a Deus. Você buscando a Deus em oração. Se você está buscando em oração o melhor para você, aí sim é melhor do que a internet. É você buscar a Palavra. Você se prostar, dobrar seus joelhos diante de Deus em oração e buscar na Palavra. Eu acho que o resultado é infinitamente mais e melhor do que na internet. As pessoas estão orando por você, mas você não sabe como as pessoas estão espiritualmente. Às vezes uma palavra em oração pode mudar tudo. Uma palavra em oração pode colocar tudo ao contrário, porque Deus ouve todas as orações, todas as petições. Eu acho assim: orar é uma coisa íntima, você com Deus. Online, para mim, não combina praticamente com nada. Eu assisto, sim, online da minha igreja, do meu líder, porque é um líder que eu escolhi para mim. As orações dele, um homem de fé, um homem de Deus, ungido pastor presidente Juanribe Pagliarin, superintendente Neilton Rocha, os pastores da Paz e Vida, nem todos também são meus líderes. O meu pastor atual esse sim eu acompanho online (Obreiro C, Entrevista, 24 fev. 2022).
Para o Obreiro C, as relações sociais - ou a coletividade de fé de sua religião - devem apresentar uma confiança. Para o religioso, a vida em comunhão, assim como o ato de praticar orações, são manifestas nessa relação que cada fiel tem com Deus.
Quando o adepto comenta que on-line não combina nada com ele, mas afirma que confia nos seus líderes espirituais, observa-se essa relação de proximidade e de carisma que ele tem com os seus pastores. Tal fato demonstra que, estes, ele segue no ambiente virtual. A oração está diretamente alinhada aos princípios de um ungido do Senhor. Aqui, entende-se que a internet não está separada do cotidiano off-line, mas existe uma aproximação on-line no sentido de acompanhar os ministros religiosos que, para o fiel, são os “escolhidos” por Deus.
Bourdieu (2011) comenta que, em algumas situações, os profetas, atores religiosos, ganham uma eficácia simbólica de legitimação. Deste modo, os religiosos acreditam que seus líderes “espirituais” têm uma missão com a sua religião: “Assim, talvez seja preciso reservar o nome carisma para designar as propriedades simbólicas (em primeiro lugar, a eficácia simbólica) que se agregam aos agentes religiosos na medida em que aderem à ideologia do carisma, isto é, o poder simbólico que lhes confere o fato de acreditarem em seu próprio pode simbólico” (Bourdieu, 2011, p. 55, grifo no original).
No comentário do fiel da Paz e Vida, a figura do pastor perpassa um agente religioso de poder e carisma a partir da legitimação que o adepto faz de seu líder, com a afirmação de que segue somente esses religiosos e acompanha as suas orações pela internet. Berger (2018, p. 56, grifo no original) salienta: “A religião legitima as instituições infundindo-lhes um status ontológico de validade suprema, isto é, situando-as num quadro de referência sagrado e cósmico”. Assim, para o Obreiro C, o pastor de sua igreja tem relação com o sagrado e esse opera dando plausibilidade a sua religião.
Para o Membro C, os rituais de orações pela internet:
A tecnologia hoje em dia está avançada. E como está totalmente avançada, é uma boa, sim, estar conectado à internet, porque, na internet, a gente pode ver muita coisa que acontece ao redor e o que tudo acontece no mundo. E, para nós, que somos da igreja, é uma boa a gente estar sendo orientado. Podemos estar nos atualizando, ouvindo os cultos, pregações. É muito bom estar ampliando a internet, porque ela é meio de comunicação para todos nós. É uma boa, sim, para nós que somos da igreja, somos cristãos, e para todos outros cultos também, outras religiões. É um meio muito bom para estar se comunicando, mas é muito bom (Membro C, Entrevista, 12 abr. 2022).
Para o entrevistado, a internet é um meio de comunicação eficiente e que conecta as pessoas ao mundo e a outras pessoas. A diferença deste entrevistado - para com os obreiros - é que esse observa, no ambiente on-line, um espaço de integração, e não apenas parcialmente. É possível notar que o fiel da Paz e Vida mostra a sua satisfação com os cultos virtuais e com os seus rituais, com a abertura de espaço para outras religiões e igrejas diferentes da sua, enquanto o Obreiro C mostrava que não confiava nas orações feitas por pastores de instituições religiosas diferentes. O Membro C demonstrou-se mais solidário ao desconhecido e sua abertura ao mundo on-line para outros cultos.
Na interação feita pelo fiel, por meio da internet - com elementos simbólicos e produtores de sentido disponíveis on-line - percebe-se essas informações que apontam para as possibilidades de experiência espiritual-religiosa e até inter-religiosa, quando o membro da Paz e Vida comenta sobre cultos de outras religiões, por meio da rede. Nesse sentido, as pessoas passam a encontrar ofertas de experiência de fé no ambiente virtual. As integrações acontecem não apenas na igreja off-line, mas, nas redes, na tela do computador, no rádio e na televisão.
A religião produzida na internet torna-se um fator social, empírico ou antropológico que transcende o ser biológico, para um universo simbólico, em busca de significados para crises biográficas. A comunicação, apesar de ser virtual, acontece com pessoas concretas interagindo umas com as outras e com suas exterioridades, sempre em busca de sentido para as suas vidas. Cada vez mais, o ciberespaço apropria-se desse sistema religioso com os fiéis, coproduzindo-se em uma simbiose para com a sua religião. A oração feita nas redes - ou em alguma tecnologia que transmite esta convivência coletiva - apropria-se do mundo que se abre e, também, apropria-se da vida comunitária de uma igreja, tanto off-line quanto on-line.
Na atualidade, a tecnologia apropria-se e fornece condições cada vez mais úteis para as sociedades modernas. A comunicação digital, as plataformas de serviços, como sites, aplicativos, entre outas modalidades que existem na rede, já fazem parte tanto do cotidiano das pessoas quanto das instituições. Hoje, a internet é um complemento na vida dos indivíduos. O off-line é uma extensão para o on-line.
As práticas presencias foram deslocadas para o mundo virtual. Evidentemente com uma certa medida. As experiências on-line interagem com as experiências off-line. Desta maneira, é necessário o entendimento da vivência do adepto na internet, mas, também, compreender o contexto destas práticas de interação do fiel com o mundo virtual.
A religião ressignifica dentro de um modelo estruturado. A tecnologia direciona os seus fiéis e oferece os seus serviços. Ao reconhecer esses serviços, os religiosos internalizam ações que promovem sentido dentro de um contexto on-line como ponte de seus rituais na vida concreta. Desta maneira, o adepto cria sua própria autonomia para constituir seu entendimento sobre aquilo que é religioso dentro de um sistema tecnológico. Quando o entrevistado respondeu se a tecnologia está mudando alguma coisa referente aos cultos presenciais e se ela orienta:
Pela questão da pandemia... O que a pandemia trouxe no começo foi bom, porque as pessoas não ficam sem a comunhão dos irmãos. Porque o culto é uma comunhão dos irmãos em uma só fé em um só espírito [...] é bom você ouvir uma palavra pela internet. É bom. É ótimo. Claro que é bom, você aprende [...] ela tem orientado sim. Ela ensina. Agora, quando um está em sua casa, pode haver uma concordância, uma concordância pode haver. Mas a benção não é igual; a vitória não é igual; o calor não é igual. É algo como se fosse algo frio; desse um banho de água fria em nós mesmos: que você esteja lá, ore, busque. Não é a mesma coisa. Se Deus disse que temos a necessidade de congregar [...] não podemos buscar uma segunda opinião (Obreiro B, Entrevista, 04 abr. 2022).
O Obreiro B reconhece que a internet foi essencial para a comunhão e a coletividade da igreja. Tal fato ajudou em suas orientações religiosas. Mas, para ele, não é igual aos rituais presencias. Quando o adepto comenta que o calor não é algo igual, faz referências sobre o face a face entre as pessoas, assim, surge, por meio do fiel, uma questão, quando ocorre uma substituição do ato de dar as mãos entre corpos reais por palavras digitadas, ou imagens e sons proporcionado pela rede.
Desta maneira, as percepções religiosas on-line são novas modalidades. Os indivíduos buscam algo diferente ou porque a internet é apenas um lugar de espaços ou se os encontros on-line apresentam uma vivência para o fiel. Para o Obreiro C, a tecnologia:
Muito para sim e muito para não, porque hoje em dia há muitos falsos profetas, falsos pregadores. Eu acho que o melhor culto é você ir para a casa de Deus, onde o Senhor habita, o espírito Santo habita. É onde seu pastor fala diretamente com você. A Palavra não volta vazia. Você, no culto, cultuando ao Senhor na casa de Deus, no templo de Deus, em qualquer ministério. Não estamos aqui falando de placas, desde que seja alguém consagrado, pastor, profeta, de estar ali no altar sagrado, pregando a Palavra, sendo a verdadeira Palavra, o verdadeiro Evangelho, a qual Deus nos ordena levar aos quatro cantos do mundo. Pregar o Evangelho. Eu acho o melhor culto é esse em comunhão com os irmãos. Veja bem: você está aí na internet; você tem lá a igreja. Vamos supor: a igreja cheia, mas você não está no mesmo espírito. Estar no mesmo espírito é diferente. Se você está com uma outra pessoa do seu lado... Vamos dar um exemplo: os demônios se manifestam nela. Se você não está completamente em espírito [...] assim como você pode estar no culto, muitas vezes você não consegue nem expulsar o inimigo. Entendeu? Então eu acho que o culto online, para mim, não dá certo. Eu prefiro ter as minhas consagrações, nos dias que não tem culto, mas ficar na palavra em oração. Em casa eu faço isso, jejum, oração, para quando chegar o dia do culto estar preparado para o Senhor (Obreiro C, Entrevista, 24 fev. 2022).
Para o entrevistado, a vivência on-line pode ser útil para a orientação religiosa, como extensão da vida presencial ou não. Para ele, depende muito de quem fala e realiza as práticas religiosas on-line. É possível observar que, para o fiel, há uma desconfiança nos cultos transmitidos on-line dos cultos presenciais, em que você tem um contato físico com as pessoas. Para o adepto, as transmissões on-line não possuem uma sacralização na rede. As experiências religiosas virtuais abrem uma lacuna.
Quando o membro afirma que “muito para sim e muito para não”, ele não descarta por um todo a vivência na tecnologia, mas, em seu comentário, percebe-se que a interação da vida real com os cultos digitais é insuficiente.
O fato é que os cultos on-line acontecem e são um modo para a igreja, não apenas no período em que o pico da pandemia estava alto no Brasil, em que as instituições religiosas tiveram que ressignificar a sua estratégia de transmissão via tecnologia. Assim, com a apropriação da internet, como práticas e vivência da fé, o indivíduo religioso passa a ter novos predicados e depara-se diante de uma nova possibilidade em uma interação com a sua religião. Tal fato caracteriza uma transformação, em certo sentido, na experiência e na prática religiosa como eram realizadas pelas igrejas territorializadas ou no cotidiano pré-virtual dos fiéis. Desta maneira, a internet não apenas aponta o real, mas muda as formas de integração (Sbardelotto, 2012):
Eu creio que sim, ajuda bastante, ajuda muito [...] só muda o que não é presencial, mas como é online, seria a mesma coisa. Vamos ficar ouvindo a palestra, ouvindo a Palavra. Ela toca a mesma coisa. Vai tocar na gente espiritualmente como o presencial. O espiritual online é a mesma coisa. A gente crendo, tendo fé, crendo em Deus e Jesus Cristo tudo é possível [...] é bom, sim. Tudo hoje está avançado; a tecnologia [...] é uma boa, sim (Membro C, Entrevista, 12 abr. 2022).
Para o entrevistado, a relação da internet - além da divulgação de informações, como ouvir palestras religiosas, pregações, sobre a sua religião - também promove um espaço de integração e incentiva a relação e o vínculo do fiel e Deus. Desta forma, o adepto pratica a sua fé no ambiente on-line. Para o Membro C, on-line e presencial são a mesma coisa, não havendo um dualismo. Para ele, a mensagem religiosa fará efeito nos cultos virtuais. As pessoas passam a encontrar uma oferta de símbolos religiosos não apenas no templo presencial, nos rituais palpáveis, mas, sim, nos bits e pixels da rede (Sbardelotto, 2012).
Em alguns contextos sociais religiosos, o WhatsApp oferece uma oportunidade para os fiéis, com o objetivo de aprimoramento das suas crenças e identidades religiosas por meio da interação on-line. A representação desse aplicativo contribui significativamente como uma ferramenta para integração em meio à pandemia. As formas desta comunicação - por meio das crenças - podem assumir muitas maneiras, como, por exemplo, texto com a utilização de mensagens bíblicas. Observe, na imagem 1, uma dessas expressões do grupo de WhatsApp da Comunidade Cristã da Paz e Vida de São Mateus:

A imagem 1 contém a seguinte frase: “Quem inventou as três regras básicas para nos proteger? Distância, Higiene das mãos e Uso de máscara”. Prossegue a mensagem: “Essas leis foram dadas à nação de Israel, há 700 a.C., Sabia? Portanto, procure na Bíblia!”.
Percebe-se que as orientações dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) são deslocadas para as orientações do livro sagrado dos cristãos. Tal fato significa que, antes mesmo das orientações das autoridades sobre quais tipos de prevenções deveriam ser aplicadas para frear a pandemia, Deus já teria dito isso, e, portanto, a Bíblia deve ser seguida e obedecida. De outro modo, se não estiver seguindo as orientações da saúde é como se estivesse cometendo pecado diante do sagrado. Logo em seguida, observa-se as explanações dos livros da Bíblia: “Êxodo 30:18-21 - Lave as mãos; Levítico 13:4,5,46 - Se tiver sintomas mantenha distância, cubra a boca e evite o contato; Levítico 13:4,5 - Quem está infectado deve permanecer entre 7 e 14 dias em quarentena, e ainda há quem duvide que a Bíblia seja um livro de sabedoria!!!” E termina “Eu amo esta analogia”.
A motivação para colocar textos religiosos em aplicativos pode variar consideravelmente. Para algumas pessoas, é uma tentativa de motivar - de forma virtual - uma experiência religiosa e protegê-la on-line. O ritual pode aparecer ou ser representado por meios de sinalização que os fiéis venham a fazer, por meio da prática de crença, a fim de encorajar novos adeptos, para gerar um senso de comunhão entre os praticantes existentes ou para refletir e se relacionar com processos e interações sociais mesmo que seja no ciberespaço.
Para o grupo de WhatsApp da Paz e Vida, a manifestação por meio de textos religiosos pode desencadear sinais de motivação e ritos para as práticas de distanciamento social, não somente porque as autoridades da saúde decretavam para se proteger do vírus por meio do distanciamento social. Para esses fiéis é porque Deus já tinha falado nas Escrituras. Com isso, a religião e os serviços digitais tornaram-se uma inovação. A presença virtual tornou-se um requisito padrão para muitas crenças religiosas. É possível perceber que nessas práticas on-line - e por aplicativo - a religião e a saúde caminham juntas. Quando o fiel, por meio de mensagem de texto no WhatsApp cita textos bíblicos, fazendo referência aos protocolos da OMS, nota-se essa simbiose com a utilização da religião para as orientações de prevenção a saúde.
No caso da mensagem de aplicativo, é possível observar texto com a finalidade de promover as medidas de prevenção contra a Covid-19.
Assim, muitas dessas precauções salvam muitas pessoas do contágio da pandemia. A conexão com a religião, feita por meio de aplicativos pode funcionar como mecanismo capaz de manter a capacidade crítica, na realidade e na tomada de decisões da vida cotidiana que, de outra forma, estariam em suspenso. A religião oferece ao fiel uma possibilidade de aproximação e de descrição de si para além dos conceitos. Pode ser um recurso de auxílio à saúde, de construção de outras estratégias que deem sentido às vivências, por vezes sofridas, decorrentes de qualquer pandemia.
Esse Deus que foi colocado na mensagem de texto no WhatsApp da Comunidade Cristã Paz e Vida pode ser exemplificado por meio do contato com seres supra-humanos, espíritos ou livros sagrados, participação em rituais religiosos e em experiências corporais que promovam essa conexão, e princípios em contato com a vida, assim como abertura de experiências sensoriais.
Nota-se que, nas conversas de texto pelo grupo de WhatsApp da Paz e Vida, se faz uso da religião como meio de orientação para as crises causadas pela Covid-19. Na imagem 2, observamos como os textos bíblicos são usados como auxílio na precaução do vírus.

No Grupo de WhatsApp, observa-se mensagem no sentido da preocupação de membros com o aumento de mortes que ocorreram devido ao alto pico da pandemia. Aqui, novamente o adepto direciona a mensagem por meio de textos bíblicos, quando comenta que são “quase 4.000 mortes por dia, temos que nos isolar. Parem de negar fatos!!! Quem vai tirar a máscara do rosto é Deus”. E termina o texto com a afirmação de que “é hora de ficar em casa, tudo tem seu tempo”, com referência as Escrituras. Novamente, percebe-se que as orientações devem ser seguidas, porque Deus fala.
O artigo procurou investigar, por meios de entrevistas e observações nas redes sociais dos atores da instituição religiosa pesquisada, em que medida os adeptos participaram da vida da igreja com o uso da tecnologia para a manutenção dos rituais e cultos. Analisamos as entrevistas dos fiéis e as redes sociais da igreja e percebemos que a religião, mesmo sendo por meios virtuais, teve um espaço de integração e sociabilidade em tempos pandêmicos.
Ao analisarmos sobre a atuação da igreja nos meios eletrônicos, assim como os adeptos da comunidade de fé construíam uma integração e pertencimento nos espaços virtuais e de que maneira os rituais eram apresentados e praticados pelas pessoas religiosas. Verificou-se que a internet serviu como extensão dos cultos presenciais, com manutenção de um entendimento que os meios eletrônicos são um espaço que produz, nos sujeitos religiosos, particularidades, orientações, sociabilidade, criando pertença religiosa, nos cultos on-line. Observou-se o grupo de WhatsApp da Paz e Vida de São Mateus, como a religião orientava os fiéis, durante a pandemia de Covid-19, ressignificando o discurso religioso, por meio das orientações sobre o isolamento social pelos textos bíblicos. Além disso, como a religião produzida pelos adeptos da igreja não se posicionava contra a ciência, mas complementava por meio de sua legitimação.
Portanto verificamos que, na instituição religiosa, as opiniões não formam um grupo homogêneo, mas o espaço virtual proporcionou a promoção dos símbolos religiosos no contexto da pandemia, assim, esse artigo pode possibilitar futuras pesquisas no campo de estudos de religião, entendendo que novos contextos exigirão novas análises nas pesquisas de religião e ciberespaço.

