Resumo: As intensas relações entre as cidades da aglomeração urbana transfronteiriça do Iguaçu (AUTI) são estabelecidas, principalmente, a partir do comércio de produtos importados, do turismo e, mais recentemente, da ampliação das atividades das Instituições de Ensino Superior (IES). Este artigo tem o objetivo de analisar a mobilidade transfronteira e as ligações internacionais estabelecidas entre as cidades dessa região, principalmente entre Foz do Iguaçu (PR) e Ciudad del Este (PY), buscando entender como o aumento da oferta de serviços nesse nível de ensino tem reconfigurado tais ligações. Para tanto, foram consideradas informações sobre os cursos de Medicina em IES particulares, presentes nas duas cidades e seus estudantes, assim como dados acerca da mobilidade transfronteiriça. A partir dos resultados alcançados neste texto, pode-se inferir que a oferta de cursos superiores, principalmente os de Medicina, é um elemento cada vez mais importante nesse contexto.
Palavras-chave: Ligações Internacio-nais, AUTI, Mobilidade urbana, Ensino Superior, Mobilidade transfronteiriça.
Abstract: The intense relationships between the cities of Iguaçu cross-border urban agglomeration (ICUA) are established mainly from the trade of imported products, tourism, and, more recently, the increased Higher Education Institutes (HEI) activities. This paper aims to investigate the cross-border mobility and the international connections established between the cities of this region, primarily between Foz do Iguaçu (PR) and Ciudad del Este (PY), seeking to understand how increased offers to higher education services have reconfigured such connections. To this end, we analyzed information about medicine courses of private HEI and their students located in both cities, as well as cross-border mobility. From the results found in this paper, it is possible to infer that higher education courses offering, especially medicine courses, are an increasingly important element in this context.
Keywords: International connections, ICUA, Urban mobility, Higher Education, Cross-border Mobility.
Resumen: Las intensas relaciones entre las ciudades de la aglomeración urbana transfronteriza de Iguazú (AUTI) se establecen principalmente a partir del comercio de productos importados, el turismo y, más recientemente, las actividades de enseñanza superior. Este trabajo tiene como objetivo analizar los vínculos internacionales establecidos entre las ciudades pertenecientes a la AUTI, principalmente entre Foz do Iguaçu (PR) y Ciudad del Este (PY), buscando comprender cómo el aumento de la oferta de servicios de educación superior ha reconfigurado dichos vínculos. Para ello, se consideraron informaciones sobre los cursos de medicina privada presentes en AUTI y sobre sus alumnos, así como datos sobre movilidad transfronteriza. A partir de los resultados alcanzados en este texto, se infiere que la oferta de cursos de enseñanza superior, especialmente de medicina, es un elemento cada vez más importante en el contexto de las conexiones internacionales y la movilidad urbana en esta aglomeración.
Palabras clave: Conexiones internaciona-les, AUTI, Movilidad urbana, Enseñanza Superior, Movilidad transfronteriza.
Temática livre
As ligações internacionais na aglomeração urbana transfronteiriça do Iguaçu
International connections in the Iguaçu cross-border urban agglomeration
Vínculos internacionales en la aglomeración urbana transfronteriza de Iguazú
Recepción: 12 Febrero 2023
Aprobación: 20 Mayo 2023
A aglomeração urbana transfronteiriça do Iguaçu (AUTI) é formada pelas cidades de Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu e São Miguel do Iguaçu, no estado do Paraná (Brasil), Ciudad del Este, Minga Guazú, Hernandarias e Presidente Franco, no departamento paraguaio de Alto Paraná (Paraguai), e Puerto Iguazú, no departamento Iguazú, província de Misiones (Argentina), conforme pode ser visto na imagem 1.
É conhecida pelas atividades turísticas e pelo intenso comércio praticado na zona-franca de Ciudad del Este, além de se destacar também na produção de energia por uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo, a Itaipu Binacional. A adoção da denominação “aglomeração transfronteiriça do Iguaçu” se justifica pela compreensão de que não há uma cidade principal que daria nome à aglomeração. Além disso, apresenta interações transfronteiriças intensas que a definem, ou seja, a dinâmica transfronteiriça é aspecto definidor dessa aglomeração e, por isso, merece compor sua denominação.

As cidades mencionadas foram se desenvolvendo economicamente e se qualificando como centralidades na rede urbana a partir de algumas obras e fatos específicos, como, por exemplo, a construção da BR-277, da Ponte da Amizade, da Usina Hidrelétrica de Itaipu, da criação de uma zona de livre comércio no Paraguai, além do constante crescimento das atividades relacionadas ao turismo, principalmente pela presença da grande atração das Cataratas do Iguaçu, localizada na linha de fronteira entre o Brasil e a Argentina.
O dinamismo regional alcançado acabou sendo expresso espacialmente com a formação de uma aglomeração urbana de elevado porte - as oito cidades que a integram contam, atualmente, com uma população de, aproximadamente, um milhão de habitantes (IBGE, 2020; DGEEC, 2020; INDEC, 2020). Assim, o peso que a tomada de decisões estratégicas, de âmbito nacional e internacional, possui na explicação da conformação da aglomeração urbana transfronteiriça do Iguaçu é muito relevante.
A AUTI apresenta fortes ligações internacionais e intensa mobilidade urbana transfronteiriça, sendo estas relacionadas ao trabalho e estudo, ao turismo, às compras, entre outras atividades. Essa aglomeração pode ser caracterizada e ter sua centralidade expressa, há muito tempo e em grande parte, pelas atividades turísticas, pela geração de energia e pelo comércio praticado na zona franca do Paraguai. No entanto, no final da década de 2010, começa a haver uma nova qualificação funcional como polo universitário - com destaque para o curso de medicina -, apresentando crescente oferta de cursos superiores, tanto públicos quanto privados, que promovem seu reposicionamento na rede urbana. Ou seja, a última década pode ser considerada um marco no desenvolvimento da região em tela, pois é um período de grande expansão da oferta de serviços educacionais.
Diante disso, este artigo tem como objetivo analisar as ligações internacionais estabelecidas entre as cidades pertencentes à AUTI, principalmente entre Foz do Iguaçu (PR) e Ciudad del Este (PY), buscando entender como o aumento da oferta de serviços de ensino superior tem reconfigurado tais ligações.
Para tanto, foram consideradas informações sobre os cursos de medicina privados, presentes na AUTI, e sobre seus estudantes, obtidos a partir de visitas técnicas nas Instituições de Ensino Superior (IES) e aplicação de questionário - utilizando-se do Google Forms, assim como dados acerca da mobilidade transfronteiriça que foram levantados, principalmente, a partir das pesquisas do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas (UDC). O referencial teórico apresenta tanto elementos sobre as ligações internacionais, fundamentando-se nas publicações do IBGE, quanto sobre mobilidade urbana, deslocamentos pendulares e (trans)fronteiriços.
Por fim, os principais resultados demonstram que a AUTI apresenta, cada vez mais, maior centralidade com relação aos serviços educacionais de nível superior, requalificando tal aglomeração na rede urbana da qual faz parte e intensificando a mobilidade transfronteiriça, principalmente entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este através da Ponte Internacional da Amizade.
O REGIC 2018 (Regiões de Influência das Cidades) trata, essencialmente, da rede urbana brasileira. Nesse estudo, afirma-se que “A noção de Território Nacional [...] cria um certo grau de fechamento das Cidades brasileiras em relação às dos outros países, com suas fronteiras reduzindo as interações com os lugares que pertencem a outros territórios” (IBGE, 2020, p. 71).
O estudo considera que, “dado o caráter fluido e não negligenciável dos fluxos transfronteiriços, a capacidade de as Cidades brasileiras atraírem população dos núcleos urbanos dos países vizinhos também é investigada”, assim como “as ligações de longa distância que as empresas de serviços avançados geram para além dos limites do território” (IBGE, 2020, p. 72). Ou seja, tais informações referem-se à atratividade e à conectividade internacionais das cidades brasileiras, respectivamente.
É necessário mencionar que, para efeitos da pesquisa sobre as ligações internacionais na realização do REGIC 2018, não foram aplicados os mesmos questionários em cidades do lado não brasileiro da fronteira, possibilitando ter apenas os dados coletados nas cidades brasileiras. Em tal estudo, mede-se a atratividade internacional dos municípios da Faixa de Fronteira1 brasileira em relação a municípios dos países vizinhos, em um movimento de “entrada”. Difere da informação do Censo Demográfico sobre movimentos pendulares da população, que inquire sobre a saída de residentes em municípios brasileiros em busca de educação e/ou trabalho em cidades estrangeiras.
Pode-se dizer que os resultados do Censo Demográfico de 2010 e do REGIC 2018, no que se refere à “dimensão transfronteiriça” entre as cidades, são complementares entre si.
Enquanto “fornecedoras de bens e serviços”, ou seja, no que diz respeito às “economias dinamizadas pelo town-ness”, as Cidades brasileiras apresentam atratividade que ultrapassa as fronteiras nacionais, “atraindo residentes dos países vizinhos”, fazendo com que as áreas de influência das cidades fronteiriças ultrapassem o território nacional, gerando um constante fluxo de pessoas que se deslocam dos países vizinhos para o Brasil para acessar esses bens e serviços (IBGE, 2020, p. 149).
Os deslocamentos no sentido oposto também acontecem, ou seja, residentes nas cidades brasileiras também buscam bens e serviços nas cidades fronteiriças dos países vizinhos, porém não se tem formas diretas de captá-los (IBGE, 2020).
Cabe mencionar as noções de “town-ness” e “city-ness”, essenciais ao entendimento da rede urbana brasileira a partir do REGIC. Tais nomenclaturas referem-se às conexões estabelecidas entre os centros urbanos de forma que, geralmente, quanto maior o centro urbano, menos ele terá influência do town-ness e maior será a importância do city-ness para sua economia (IBGE, 2020).
Ainda sobre as ligações internacionais das Cidades do REGIC 2018, com base em Moura, Ferreira e Nagamine (2020), é possível tecer algumas considerações, como, por exemplo, inferir que a urbanização nas regiões de fronteira tende a conformar arranjos espaciais; admitir que se ativa a dimensão transfronteiriça, no que diz respeito às oportunidades criadas a partir das oscilações econômicas e cambiais entre os países; observar o alto grau de urbanização nos arranjos internacionais; reafirmar a existência de intensos fluxos pendulares entre as cidades fronteiriças; mostrar a predominância do caráter poroso da linha de fronteira; salientar o importante papel de intermediação que esses arranjos têm nas redes urbanas dos países das cidades pertencentes a eles. Ademais, defendem maior atenção governamental com vistas à efetivação de políticas públicas adequadas.
Em relação à mobilidade transfronteiriça, a mobilidade urbana intra-aglomeração e/ou deslocamentos pendulares, considerando as diferenças pontuais entre elas e independente da denominação utilizada, entende-se que são elementos imprescindíveis em qualquer análise sobre aglomerações urbanas, pois eles possibilitam a realização de uma dinâmica conjunta, que é característica essencial dessas aglomerações, sustentando sua unicidade. Tal mobilidade confirma a relação e a interação entre as partes distribuídas entre os municípios e países.
Considera-se que, para entender as dinâmicas de determinada aglomeração urbana, é importante analisar os deslocamentos pendulares existentes entre os centros urbanos a ela pertencentes. Esses deslocamentos expressam, entre outros aspectos, o nível de integração e/ou das relações mantidas entre as cidades.
Conforme Jardim (2011, p. 58-59), a mobilidade pendular “ganha especificidade e novas formas provenientes das mudanças na organização da economia e da sociedade”, e a análise dos “deslocamentos cotidianos funciona como uma proxy dos movimentos da economia e da sociedade contemporâneas, responsáveis pela criação de novos espaços e dinâmicas social e territorial”.
Logo, é possível inferir que a mobilidade pendular é um exemplo das interações espaciais, amplamente discutidas nos trabalhos que abordam as aglomerações urbanas, regiões metropolitanas e, de forma geral, a rede urbana.
Corrêa (1997, p. 279) explica que as interações espaciais
constituem um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o espaço geográfico. Podem apresentar maior ou menor intensidade, variar segundo a frequência de ocorrência e, conforme a distância e direção, caracterizar-se por diversos propósitos e se realizar através de diversos meios e velocidades.
Assim, é possível deduzir que, quanto mais avançada a inserção de determinado território na divisão social do trabalho, mais complexas serão as interações espaciais. Infere-se também que alguns elementos fundamentais do processo de metropolização estão intimamente ligados à dinâmica produtiva em sua dimensão urbano-regional: a concentração, o conhecimento, a mobilidade e a conectividade (Moura, 2009).
Já para o caso dos deslocamentos pendulares transfronteiriços, há um desafio maior na busca de analisá-los, devido à dificuldade de obtenção de dados “compatíveis” entre si, provenientes de cada um dos países envolvidos nesses deslocamentos. Alguns estudos realizados, muito relevantes como fonte de dados, não abarcam as cidades dos outros países da mesma forma que as cidades brasileiras. É o caso, por exemplo, do Censo Demográfico do IBGE, que apresenta dados importantes sobre os deslocamentos pendulares (especificamente referente às saídas para trabalho e estudo em outro país), e, também, o REGIC (Região de Influência das Cidades), que mede a atratividade de cidades da faixa de fronteira brasileira em relação a cidades dos outros países, na busca por serviços, atividades e consumo (IBGE, 2020).
Os deslocamentos pendulares que acontecem entre cidades de países diferentes podem receber denominações específicas, como explica, por exemplo, Lozano (2019). Para essa autora, nesse caso, “o tipo migração pendular se mistura com aquilo que foi denominado de migração limítrofe ou fronteiriça”. De acordo com ela, isso se assemelha com o que acontece na relação “entre as cidades metropolitanas e os seus municípios satélites, visualiza-se nos municípios fronteiriços da região de confluência das fronteiras do Brasil, Paraguai e Argentina” (Lozano, 2019, p. 19).
A autora define como mobilidade pendular transfronteiriça o processo de “ir e vir diário daquele sujeito que mantém a sua residência original em um país e se desloca cotidianamente ao país vizinho para desenvolver alguma atividade laboral, retornando ao final do expediente à sua residência original” (Lozano, 2019, p. 21).
É importante considerar as motivações que fazem com que um grupo de pessoas de determinado município/cidade se desloque para outra localidade, pois isso permite melhor entendimento de como se dá a integração entre esses centros. Estudo e trabalho são os dois principais motivos considerados nas pesquisas sobre os deslocamentos pendulares, estando presentes, por exemplo, no questionário aplicado pelo IBGE nos Censos Demográficos.
No entanto, os deslocamentos para lazer e para consumo também são significativos, especialmente na AUTI. A presença da zona de livre comércio em Ciudad del Este e o grande número de atividades turísticas em Foz do Iguaçu reforçam o peso que o comércio e o lazer possuem como motivadores dos deslocamentos pendulares entre as cidades da aglomeração urbana transfronteiriça do Iguaçu, mesmo que o lazer não leve efetivamente a uma pendularidade, pois não é um movimento sistemático, sua presença, juntamente com a do comércio, incrementa a pendularidade para o trabalho e ativa a comutação para o consumo.
Jardim (2011, p. 63) afirma que os fluxos de pessoas, principalmente nas grandes cidades, estão vinculados com o “movimento e a circulação de pessoas voltadas para a produção, e circulação de bens e serviços”, e que, como mencionado anteriormente, os deslocamentos da população não acontecem somente “em função do mercado de trabalho e do educacional”.
Cabe dizer, ainda, que os deslocamentos pendulares, “ao mesmo tempo em que sustentam a atividade produtiva”, de forma geral, para o caso particular dos arranjos transfronteiriços, também “refletem as oscilações das dinâmicas econômicas entre os países, que muitas vezes provocam a inversão das direções dos fluxos em função das oportunidades, que se alternam”. Tais mudanças podem, inclusive, acarretar o “acirramento do exercício do controle e na ruptura da garantia dos direitos dos cidadãos transfronteiriços” (Deschamps, Delgado, Moura, 2018, p. 296).
Está claro que há muitos desafios e problemas a serem enfrentados nas aglomerações transfronteiriças, como, por exemplo, a sobrecarga ao sistema de saúde, muitas vezes observada nas cidades de fronteira brasileiras, devido à grande quantidade de pessoas dos países vizinhos que buscam acesso a serviços de saúde gratuitos, como é o caso dos ofertados pelo SUS (Sistema Único de Saúde do Brasil). No entanto, a criação de barreiras arbitrárias não soluciona, definitivamente, esses problemas ou desafios.
Fundamentando-se no que foi discutido até aqui, os itens subsequentes trazem elementos específicos acerca das ligações internacionais e da mobilidade urbana para o recorte espacial aqui utilizado, qual seja a aglomeração urbana transfronteiriça do Iguaçu.
As ligações internacionais entre centros são informações inéditas nos estudos de rede urbana do IBGE. Assim, o presente item trata especificamente dessas informações sobre o Arranjo Populacional Internacional (API) de Foz do Iguaçu/Ciudad del Este, contidas no REGIC 2018 (IBGE, 2020) e que, neste artigo, é denominado como AUTI.
Primeiramente, cabe a explicação de que, à primeira vista, principalmente ao ler o REGIC 2018 sem a atenção devida às tabelas, mapas e, especialmente, sem acessar as planilhas disponibilizadas pelo IBGE que estão separadas da publicação principal, não se têm todos os subsídios para entender a centralidade que o API de Foz do Iguaçu/Ciudad del Este possui, de fato, na rede de cidades.
No texto, há a identificação desse API como um polo de Ensino Superior, por exemplo, mas se afirma que a influência dessa Cidade, com relação a esse serviço, “se limita a sua região imediata, assim como o Arranjo Populacional Internacional de Ponta Porã (MS) e Dourados (MS)” (IBGE, 2020, p. 148).
Sobre as ligações internacionais relacionadas ao Ensino Superior, “as Cidades que se destacam por atrair fluxos de longa distância são os Municípios de Capão do Leão (RS) e Pelotas (RS) - componentes do Arranjo Populacional de Pelotas (RS) - e Rio Grande (RS)” (IBGE, 2020, p. 148).
A explicação dada na pesquisa é de que tais deslocamentos acontecem devido à presença dos campi da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), que realizam “convênios com bolsas de graduação e pós-graduação destinados a alunos de países sul-americanos. No caso específico da Venezuela, há bolsas voltadas para refugiados, tendo a universidade um setor específico para tratar desses intercâmbios” (IBGE, 2020, p. 148).
Questiona-se a inexistência de informações, no REGIC 2018, sobre a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), já que essa universidade, além de acolher estudantes portadores de visto humanitário e refugiados, inclusive muitos vindos da Venezuela, realiza processo seletivo específico para não brasileiros, como também possui não apenas um setor, mas uma pró-reitoria específica para tratar desses assuntos (Pró-Reitoria de Relações Institucionais e Internacionais - PROINT). Assim, a quantidade de estudantes vindos de outros países, principalmente da América Latina e, portanto, conformando ligações de longa distância, não deveria ser ignorada pelo estudo, principalmente considerando que essas ligações correspondem ao city-ness, conforme consta em IBGE (2020, p. 148): “O deslocamento internacional para Ensino Superior mostra, de acordo com os resultados obtidos e pelo menos nos casos específicos de algumas Cidades, ser um tipo de conexão mais próxima do city-ness do que do town-ness, sendo uma das formas de efetivar trocas de conhecimento, saber e informações dentro da América do Sul”.
Ao analisar as planilhas que fazem parte da publicação do REGIC 2018, disponibilizadas pelo IBGE, é possível avançar no entendimento, conforme mencionado no início deste item. As informações contidas em tais planilhas evidenciam as intensas relações transfronteiriças mantidas na AUTI e acabam por reforçar outra afirmação do próprio REGIC 2018: “os fluxos entre Cidades gêmeas ocorrem de maneira mais orgânica, refletindo que as duas (ou, em certos lugares, três) municipalidades formam uma unidade urbana, sendo análogos à movimentação entre bairros e centros de Cidade” (IBGE, 2020, p. 147).
Sobre isso, Moura, Ferreira e Nagamine (2020, p. 87) afirmam que em “termos de padrão, observa-se uma complexidade decorrente de múltiplas ligações entre cidades na porção fronteiriça do Paraná com Paraguai e Argentina”, e isso indica, conforme IBGE (2020, p. 147), “uma interpenetração econômica da área para além do conhecido polo comercial Foz do Iguaçu (PR) - Ciudad del Este (Paraguai)”.
No mesmo sentido, ao comentar os resultados referentes às ligações internacionais do REGIC 2018, Moura, Ferreira e Nagamine (2020, p. 84) afirmam que os “destinos com o maior número de cidades de origem das ligações internacionais e o maior elenco de motivos para deslocamentos vindos do estrangeiro correspondem a AP internacionais e respeitam a seguinte ordem de grandeza: (i) maior número de municípios de origem e de motivos: Foz do Iguaçu (PR) e Ponta Porã (MS)”.
Outra diferença do API de Foz do Iguaçu/Ciudad del Este em relação aos demais AP da faixa de fronteira, que deve ser destacada, é a grande atratividade do turismo. Dessa forma, segundo Moura, Ferreira e Nagamine (2020, p. 88-89), a “indústria do turismo emprega, nas atividades do secundário e terciário, formal e informalmente, moradores dos dois ou três lados da fronteira, que circulam cotidianamente no interior dos arranjos, e trabalham como lojistas, atendentes, ambulantes, trabalhadores da construção civil, serviços domésticos, entre outros”.
Diante disso, esse API apresentou a maior elevação hierárquica entre os AP da faixa de fronteira brasileira, passando de centro sub-regional para capital regional, conforme destacado por Moura, Ferreira e Nagamine (2020).
Isso se confirma no entendimento do IBGE (2020, p. 147) de que a “hinterlândia das Cidades brasileiras avança sobre o território dos demais países, sendo referência tanto de cidadãos estrangeiros quanto de brasileiros residentes no exterior para a aquisição de produtos e o usufruto de serviços”.
A partir do exposto, reafirma-se a condição alcançada pelo conjunto de cidades que conformam o recorte espacial da pesquisa, qual seja a de uma aglomeração urbana transfronteiriça.
A mobilidade urbana transfronteiriça, no caso da AUTI, é intensa e muito diversificada. Acontece por motivos de trabalho, estudo, turismo, compras, entre outros. Alguns desses deslocamentos são do tipo pendulares - “movimento das pessoas para trabalho e/ou estudo em outro município que não o de residência” (Deschamps, Delgado, Moura, 2018, p. 295), ou seja, ocorrem com periodicidade e/ou sistematicidade e não implica em mudança de residência, como é o caso dos deslocamentos de pessoas que moram em Ciudad del Este e trabalham em Foz do Iguaçu e/ou que moram em Foz do Iguaçu e trabalham em Ciudad del Este.
No entanto, boa parte da mobilidade transfronteiriça existente na AUTI não se configura, exatamente, como “pendular”, pois corresponde, por exemplo, à mobilidade de turistas que, em grande parte, se hospedam em Foz do Iguaçu e buscam Ciudad del Este para o turismo de compras no microcentro de comércio de produtos importados. Além destes, há, também, um grande número de motoristas de ônibus, vans, táxis e mototáxis que trabalham justamente no transporte de pessoas entre as cidades brasileiras e as paraguaias, em um ir e vir constante que também não corresponde à pendularidade.
Pode-se inferir que a mobilidade transfronteiriça, em geral, é reveladora das intensas interações e da dinâmica urbana na AUTI. No caso dos deslocamentos realizados em função do turismo de compras em Ciudad del Este, por exemplo, evidencia, além da dimensão do polo comercial nessa cidade, a função de Foz do Iguaçu como principal cidade na oferta dos serviços diretamente relacionados às atividades turísticas, com destaque para o setor hoteleiro; como também a dinâmica urbana e a forma que as interações espaciais são estabelecidas.
Sobre a mobilidade transfronteiriça entre Foz do Iguaçu e as cidades não brasileiras, talvez, os principais estudos sejam os do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas2 (UDC, 2021a; 2021b), realizados, anualmente, desde 2013.
Nessa pesquisa, é feito um levantamento do número de veículos e de pedestres que atravessam, tanto a Ponte da Amizade, em ambos os sentidos, quanto a Ponte da Fraternidade, também nos dois sentidos, incluindo as pessoas que se encontram nos veículos.
Em 2021, a pesquisa na Ponte Internacional da Amizade (PIA) foi realizada no período de 24 a 27 de novembro, sendo que, nos primeiros dois dias “a pesquisa foi realizada no horário das 6h às 18h. No dia 26 de novembro no horário das 6h às 23h59min. No dia 27 de novembro no horário das 00h às 18h” (UDC, 2021a, p. 7).
Assim, nos quatro dias de pesquisa, nos horários mencionados, 337.296 pessoas atravessaram a PIA, conforme mostra o gráfico 1, sendo 167.070 no sentido Brasil-Paraguai, e 170.226 no sentido Paraguai-Brasil.

Explica-se que todos que passaram a pé, ou em automóveis, em motos, vans, taxis ou ônibus, foram contados e, em seu conjunto, formam o fluxo total de pessoas (UDC, 2021a). Esses dados se fazem relevantes, tendo em vista que são frutos de uma pesquisa de origem e destino. Além disso, são importantes pelo fato da não realização do censo demográfico do IBGE no ano de 2020, pois os dados apresentados são os mais reais e atuais disponíveis. Assim, a média de pessoas que atravessaram a PIA, em 2021, é de 84.234, conforme mostra o gráfico 2, sendo muito próxima da média do fluxo de pessoas entre 2013 e 2021 (85.390 pessoas).

Deve-se ter em conta que, ao longo dos dias pesquisados, em cada um dos anos, a pesquisa faz o levantamento total de pessoas que atravessam, ou seja, não se trata de amostra. Obviamente, ao longo do ano a quantidade de pessoas que atravessam a PIA tem alteração, mas, como pode ser observado, após oito edições do estudo, houve poucas variações de quantidade de pessoas que transitam na região.
Os próprios deslocamentos, para acontecerem, envolvem uma grande quantidade de trabalhadores: motoristas de vans, ônibus, táxis e mototaxistas. O ir e vir desses motoristas, assim como o de outros tantos trabalhadores, como as empregadas domésticas que moram no Paraguai e trabalham em residências no Brasil, de estudantes, como os que estudam medicina no Paraguai e moram em Foz do Iguaçu, por exemplo, se conformam como deslocamentos pendulares propriamente ditos, e ocorre nos dois sentidos, pela Ponte da Amizade.
Os deslocamentos realizados pelos turistas não correspondem ao tipo pendular, pois não há qualquer sistematicidade, é esporádico. O conjunto dos deslocamentos realizados na AUTI, pendulares ou não, correspondem ao que se entende, nesta pesquisa, por mobilidade transfronteiriça (Moura; Cardoso, 2017).
Ao longo dos quatro dias de pesquisa, passaram por essa ponte 574 ônibus, sendo 319 no sentido Brasil-Paraguai e 255 no sentido Paraguai-Brasil; 9.296 táxis, sendo 4.638 no sentido Brasil-Paraguai e 4.658 no sentido Paraguai-Brasil; 17.075 vans, sendo 9.005 no sentido Brasil-Paraguai e 8.070 no sentido Paraguai-Brasil (UDC, 2021a), conforme pode ser observado na Tabela 1.

Os dados não permitem saber exatamente o número de trabalhadores envolvidos no transporte de pessoas, já que a mesma van, táxi ou ônibus pode realizar mais de um deslocamento diário e, assim, ser contabilizado mais de uma vez.
Ao longo dos quatro dias, passaram pela PIA um total de 79.338 motos, sendo 37.675 no sentido Brasil-Paraguai e 41.663 no sentido Paraguai-Brasil (UDC, 2021a), sendo que a maior parte delas corresponde a mototaxistas (42.991). Dessa forma, o número total de motos é o maior entre as categorias de veículos, ficando os carros em segundo lugar (57.575 ao longo dos quatro dias de pesquisa).
Além do grande número de trabalhadores que fazem o transporte de pessoas, há também os caminhoneiros. Estes, por sua vez, estabelecem relações de curta, média e longa distância, transportando mercadorias importadas, principalmente, do Paraguai e da Argentina (vindo de diversas regiões de cada um desses países) e, também, mercadorias exportadas pelo Brasil para esses países. Assim, o total de caminhões, nos quatro dias de pesquisa, é de 4.831, sendo 3.042 no sentido Brasil-Paraguai e 1.789 caminhões no sentido Paraguai-Brasil (UDC, 2021a).
As quantidades de motos, carros, pedestres, vans, táxis, caminhões e ônibus, em cada um dos quatro dias de pesquisa, podem também ser observadas no gráfico 3.

A UDC (2021b) também realizou entrevistas com algumas pessoas que estavam atravessando a PIA. Foram 57 entrevistados, não havendo explicação do porquê desse número.
Para os objetivos da presente pesquisa, as principais perguntas das entrevistas realizadas em UDC (2021b) se referem aos motivos da viagem para a região e aos motivos da viagem para o Paraguai. Nota-se, assim, que os entrevistados, provavelmente, estavam atravessando no sentido Brasil-Paraguai, não sendo realizada, portanto, a pergunta sobre os motivos da viagem para o Brasil, o que contribuiria, por exemplo, para se medir a centralidade que Foz do Iguaçu possui em relação às cidades paraguaias.
Outro ponto que se acredita poder ser aprimorado refere-se às opções de resposta às perguntas sobre os motivos da viagem ao Paraguai. As opções disponíveis foram: “compras”; “trabalho/negócio”; e “lazer”. Entende-se que o motivo “estudo” deveria ter sido adicionado, principalmente considerando a enorme expansão de vagas em cursos de medicina, que são majoritariamente ocupados por brasileiros.
Nota-se que muitos não responderam às perguntas sobre os motivos da viagem para a região e sobre os motivos da viagem para o Paraguai (24,6% e 42,1% respectivamente). É possível que uma parte desses 42,1% que não responderam à pergunta sobre o motivo da viagem ao Paraguai seja de estudantes que moram no Brasil e atravessam diariamente para fins de estudo, mas, conforme mencionado, a falta dessa opção de resposta acabou limitando os resultados da pesquisa.
As porcentagens referentes às respostas da pergunta sobre o motivo da viagem para a região podem ser visualizadas no gráfico 4 e as porcentagens referentes às respostas da pergunta sobre o motivo da viagem para o Paraguai podem ser observadas no gráfico 5.


Não foram realizadas entrevistas com pessoas no sentido Paraguai-Brasil, não havendo qualquer menção ou justificativa sobre isso. Os dados apresentados evidenciam, em números, as intensas relações estabelecidas e mantidas na aglomeração urbana transfronteiriça do Iguaçu, sendo elas multidimensionais.
O próximo tópico apresenta e contextualiza parte do Ensino Superior presente na AUTI e que repercute em sua dinâmica urbana, principalmente no que diz respeito à sua centralidade na rede urbana e, também, no processo de transfronteirização.
Até por volta de 2010, a aglomeração transfronteiriça do Iguaçu se estabeleceu economicamente e se inseriu na rede de cidades, principalmente, mediante a construção de Itaipu e os efeitos diretos da presença dessa usina; como centro comercial de produtos importados, beneficiando-se da instauração da zona de livre comércio na cidade Ciudad del Este; a partir da dinamização das atividades turísticas e do setor de serviços que dão suporte a elas. Essas mesmas atividades também são responsáveis pelo processo de transfronteirização e pela própria formação do que se afirma ser uma aglomeração urbana transfronteiriça, alcançando níveis de transformação socioespaciais que são próprios do processo de metropolização, entendido como estágio mais avançado da urbanização, conforme discussão realizada em Leitzke (2022).
A última década pode ser considerada um marco no desenvolvimento da região em tela, sendo o início da expansão da oferta dos serviços educacionais. A partir do ano de 2010, com a criação da UNILA4 e, posteriormente, o grande crescimento do número de cursos de graduação e do número de vagas em cada um deles em instituições privadas no Paraguai, a aglomeração transfronteiriça do Iguaçu passa a ter nova inserção na rede urbana como um polo educacional, além do processo de transfronteirização ser reforçado. Assim, a cidade de Foz do Iguaçu tem sido o destino, tanto de estudantes provenientes de diversos países do mundo, para estudar na UNILA, quanto de um número crescente de brasileiros que buscam, principalmente, pelos cursos de medicina ofertados no lado paraguaio da aglomeração.
Trata-se de um crescimento relevante do número de estudantes de graduação em um período pequeno de tempo, tanto na referida universidade pública brasileira quanto em sete cursos de graduação de medicina privados, de seis IES diferentes, além do curso de medicina da Universidad Nacional del Este (UNE), pública e com um número de estudantes consideravelmente menor do que na maioria das outras instituições paraguaias que possuem tal curso.
As instituições de ensino presentes nas cidades da AUTI, tanto no Brasil quanto no Paraguai, são, possivelmente, as responsáveis pela expansão da oferta de Ensino Superior, principalmente a partir de 2010, mesmo que algumas delas tenham sido criadas há muito mais tempo. Essas são as IES que oferecem curso de medicina, além da UNILA, não só por oferecer esse curso, mas pela relevância enquanto instituição pública de Ensino Superior.
A imagem 2 mostra a localização dessas IES em cinco das oito cidades que formam a AUTI.
As informações relativas às IES paraguaias foram levantadas a partir do acesso às resoluções do Consejo Superior de Ensino (CONES), disponibilizadas on-line por este órgão, que é vinculado ao Ministerio de Educación y Ciencias do Paraguay (MECPY).
Diante dos dados apresentados, sobre a localização das instituições e da oferta dos cursos de medicina, foi evidenciado, em um extenso levantamento bibliográfico, que poucos são os estudos que abordam o crescimento do número de brasileiros que buscam por cursos de medicina nas cidades paraguaias da AUTI.
A partir disso, ficou claro que a dimensão da oferta de vagas em graduação de medicina, assim como o fluxo de brasileiros em busca dessas vagas, é grande e extremamente relevante de ser estudado e pesquisado para poder ser entendido e, assim, possibilitar ações e políticas públicas pertinentes.
Uma das primeiras questões que se coloca ao notar o tamanho do fenômeno citado é: por que essa grande quantidade de pessoas busca estudar medicina no país vizinho, em vez de no próprio território brasileiro?
Essa questão também foi apresentada por Webber (2017, p. 5) e, a partir de seu estudo etnográfico, entendeu que entre “as principais vantagens das IES paraguaias citadas pelos estudantes encontra-se a inexistência de vestibular e o valor de mensalidade acessível oferecido pelas Universidades”, sendo esse também o entendimento da pesquisa de Leitzke (2022).
A tabela 2 apresenta informações a respeito da oferta dos cursos de medicina nas cidades paraguaias da AUTI. Nela pode-se notar que a maior parte dos alunos dessas instituições são brasileiros. Destes, muitos residem no Brasil, em Foz do Iguaçu, e cruzam a fronteira todos os dias para estudar.

Durante a fase final da pesquisa de Leitzke (2022), foram obtidas informações da Dirección General de Migraciones (DGM) sobre o número de estudantes brasileiros “radicados” em Ciudad del Este, em Presidente Franco, em Hernandarias e em Minga Guazú. Tais informações foram organizadas e estão apresentadas na tabela 3.

Diante da dúvida sobre a distinção entre os registros “precários”, “temporários” e “permanentes”, recorreu-se ao website da DGM (2022a), no qual consta o seguinte:
La Radicación Precaria tiene como fin documentar a los ciudadanos extranjeros que desean radicarse por un periodo no mayor a seis meses, generalmente por motivos laborales, o bien, para contar con un permiso de residencia provisorio mientras reúne los requisitos para aplicar a una Radicación Temporaria o Permanente.
A temporária (DGM, 2022b), por sua vez,
es la autorización otorgada a los ciudadanos extranjeros de cualquier nacionalidad, con ánimo de residir temporalmente en el país mientras duren las actividades que dieron origen a su intención de radicarse por un periodo determinado. El plazo máximo de duración en esta categoría de residencia es de 1 (un) año, pudiendo ser renovable hasta cinco veces, por periodos iguales al autorizado, según la profesión, actividad y/o motivo de la radicación.
Enquanto a “radicación permanente” (DGM, 2022c)
es la autorización de residencia otorgada a ciudadanos extranjeros de cualquier nacionalidad que deseen establecerse en el territorio paraguayo en forma definitiva y con el propósito de realizar cualquier clase de actividad que las autoridades consideren útiles al desarrollo del país, de conformidad con lo establecido en la Ley de Migraciones y su reglamentación.
Os dados em tela, obtidos junto à DGM (2022a), foram extraídos dos sistemas de informação da instituição e referem-se, exclusivamente, à “oficina regional de documentación del departamiento de Alto Paraná” e, portanto, “no incluye los extranjeros que realizaron sus documentaciones en la oficina central y fijan residencia en el Departamento de Alto Paraná”. Há ainda a indicação de que “Todos los extranjeros no residentes que ingresen en la República del Paraguay con fines educativos deberán realizar indefectiblemente algún tipo de radicación para desarrollar tal actividad (Ley 978/96)”.
Deve-se salientar que os 13.400 brasileiros que estudam nas quatro cidades paraguaias da AUTI, conforme mostrado na tabela 3, podem não corresponder, integralmente, aos estudantes de medicina. No entanto, comparando este dado com a soma do número de estudantes de medicina em cada uma das IES, conforme mostrado na tabela 2, acredita-se que a grande maioria dos estudantes registrados na DGM são do referido curso.
É possível inferir que a diferença entre os 10.498 estudantes de medicina das IES que forneceram dados, conforme tabela 2, e os 13.400 estudantes brasileiros, conforme Tabela 3, corresponde, em grande parte, aos estudantes de medicina da UMS e da UNINTER, que não disponibilizaram qualquer informação. Ou seja, se em cada uma dessas duas instituições houver, aproximadamente, 1.500 estudantes brasileiros de medicina, o total de estudantes desse curso, nas quatro cidades da AUTI, se aproxima do número de estudantes brasileiros radicados, conforme informado pela DGM.
Diante disso, assume-se, neste estudo, a partir dos dados obtidos e de estimativa do número de estudantes de medicina na UMS e na UNINTER, nas quais não houve divulgação dessa informação e, também, tendo em perspectiva a quantidade total de brasileiros que estudam nas cidades paraguaias da AUTI (conforme dados da DGM), que o total de estudantes de medicina, nessas cidades, é de, aproximadamente, 13 mil, sendo a maioria absoluta de brasileiros.
Deste total, Leitzke (2022) demonstra, na pesquisa realizada com estudantes de medicina nas instituições de ensino das cidades da AUTI no Paraguai, que, aproximadamente, metade dos estudantes brasileiros que cursam medicina moram no Paraguai, dividindo-se, principalmente, entre as cidades de Ciudad del Este e Presidente Franco, e a outra metade mora no Brasil, em Foz do Iguaçu, como pode ser observado no gráfico 6.
Sendo assim, tomando-se como base o número de estudantes de medicina nas IES das cidades paraguaias da AUTI, pode-se inferir que mais de 5 mil estudantes cruzam a Ponte Internacional da Amizade, diariamente, para fins de cursar tal graduação.
Alguns percentuais podem servir de indicador da realidade do universo pesquisado, como, por exemplo, o meio de transporte utilizado para se locomover do local de moradia para o local de estudo, e a cidade onde moram esses estudantes. Sobre isso, nota-se predominância do uso de automóvel particular para locomoção do lugar de moradia até a instituição de ensino onde estudam (Gráfico 7). Em segundo lugar está o não uso de qualquer meio de transporte, mas a mobilidade realizada a pé.
Ao separar os estudantes que vivem no Brasil dos que moram no Paraguai, observa-se quadro bastante distinto, ou seja, entre os que vivem em Foz do Iguaçu, há maioria absoluta do uso do automóvel (72%) e não há quem realize o caminho do Brasil ao Paraguai a pé, nem quem use ônibus de linha (Gráfico 8).

Entre os estudantes respondentes que fazem medicina no Paraguai e moram no Brasil, o uso de motocicleta particular está em segundo lugar (14%), seguido de perto pelo uso de van ou transporte coletivo privado (13%). Por último está aquele 1% que usa a bicicleta, ou seja, refere-se a somente um estudante que mora em Foz e atravessa a Ponte da Amizade utilizando-se desse meio.
Assim, tal informação pode complementar o que foi deduzido anteriormente, pois permite inferir que, se aproximadamente 5 mil estudantes cruzam a fronteira entre Brasil e Paraguai para cursar medicina todos os dias, então, 3 mil e 600 estariam utilizando-se de carro particular, 700 de moto particular e 650 de van ou transporte coletivo para tal finalidade.
O fato de poder morar no Brasil, ou “morar perto”, “estar perto da família” ou, ainda, a “proximidade com município de residência”, só é possível para os estudantes de medicina brasileiros, no Paraguai, pela localização dos cursos em cidades de fronteira.
Entende-se que esses dados reforçam a dinâmica urbana transfronteiriça na AUTI, conformando interações e deslocamentos de diferentes sentidos entre as cidades, inclusive porque parte considerável dos estudantes, conforme visto, mora em uma cidade e estuda em outra.
Diante do que foi apresentado, considera-se importante enfatizar que, além dos quase 6 mil estudantes da UNILA, vindos de todo território nacional e, também, de dezenas de países da América Latina, e que cursam um dos 29 cursos de graduação em tal instituição, há, aproximadamente, 13 mil estudantes de medicina, majoritariamente brasileiros, em nove cursos de medicina, sendo oito em instituições privadas distintas e um em universidade pública, presentes nas quatro cidades paraguaias da AUTI. Tal realidade, portanto, faz a AUTI apresentar cada vez maior centralidade com relação aos serviços educacionais de nível superior, requalificando tal aglomeração na rede urbana da qual faz parte.
Conforme discutido, os deslocamentos realizados intra-aglomeração são de grande importância para o entendimento destas aglomerações e, no caso da AUTI, o crescimento do número de cursos de graduação e do número de matriculados nesses cursos tem contribuído para o aumento dos deslocamentos de milhares de estudantes. Os resultados desta pesquisa permitem inferir que, diariamente, aproximadamente 6 mil estudantes brasileiros que moram em Foz do Iguaçu (vindos de todas as partes do território nacional) atravessam a Ponte Internacional da Amizade para estudar em uma das quatro cidades paraguaias que formam a aglomeração aqui estudada. Tais deslocamentos são realizados, majoritariamente, com automóveis particulares, mas também com motocicletas e com vans de transporte estudantil.
Já com relação ao crescimento do número de cursos e de vagas de medicina nas IES paraguaias da AUTI, infere-se que não resultou do papel central de nenhuma ação ou política pública específica. Esse crescimento ocorreu a partir de determinados fatores, tendo relevância, entre eles, a “condição fronteiriça”, que permitiu a dinamização desses serviços educacionais, em grande medida, a partir de oportunidades próprias de áreas de fronteira, neste caso ainda mais vigorosas por se tratar de uma aglomeração do porte da AUTI.
Ou seja, a conformação da aglomeração em tela, com as intensas relações estabelecidas entre suas cidades, é fator essencial para a dinamização do Ensino Superior no Paraguai, tendo como público-alvo, majoritariamente, os brasileiros de todo o território nacional. Isso, por sua vez, reforça as ligações entre tais cidades, que são internacionais e que resultam, conforme já mencionado, em milhares de deslocamentos pendulares diários entre o lado brasileiro e o lado paraguaio da AUTI, pela Ponte Internacional da Amizade.
Portanto, as IES que ofertam o curso de medicina formam um setor de serviços de educação de nível superior responsável por reposicionar a AUTI na rede urbana, como polo universitário, e isso tem modificado, também, sua dinâmica urbano-regional, sendo reforço para o já existente processo de transfronteirização.
Assim, como visto, a criação de oito cursos de medicina em IES privadas em três diferentes cidades paraguaias da AUTI, tendo a maior parte deles iniciado suas atividades a partir da década de 2010, são responsáveis pelo reposicionamento de tal aglomeração em sua rede urbana, configurando um novo polo educacional de nível superior, na medida em que têm ampliado e intensificado a atração de estudantes de todas as partes do território brasileiro e de países latino-americanos para cursar o Ensino Superior.
Isso responde ao objetivo proposto por esse artigo, pois evidencia a conformação de novas e intensas ligações internacionais entre as cidades da AUTI, assim como reforça a já intensa mobilidade transfronteiriça a partir da dinamização do setor de serviços educacionais de Nível Superior - com destaque para o curso de medicina. Ou seja, demonstra que um novo elemento passa a ter papel importante na configuração da aglomeração transfronteiriça, imprimindo nova qualidade aos processos de polarização e de renovação da funcionalidade urbana já existentes.
Portanto, a grande expansão apresentada pelo setor de serviços educacionais de Nível Superior tem contribuído para o aumento da já intensa mobilidade transfronteiriça na aglomeração em tela, confirmando que os serviços educacionais, por sua abrangência e dimensão, foram e são capazes de alterar a conformação interna da aglomeração, tanto na efetivação de ligações internacionais quanto a partir da intensificação da mobilidade urbana.









