Dossiê

Formação de professores que ensinam Matemática e identidade profissional docente

Mathematics teacher training and professional identity

Formación del profesorado de Matemáticas e identidad profesional

Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Celi Espasandin Lopes
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Andréia Maria Pereira de Oliveira
Universidade Federal da Bahia, Brasil

Formação de professores que ensinam Matemática e identidade profissional docente

Revista NUPEM (Online), vol. 16, núm. 39, e2024033, 2024

Universidade Estadual do Paraná

Nas últimas décadas, investigadores e formadores que atuam em programas de formação de Professores que Ensinam Matemática (PEM) têm trabalhado na busca de compreender: a natureza e a estrutura dos conhecimentos necessários aos PEM; a organização do ensino para essa formação; as histórias de professores e de formadores; o desenvolvimento profissional, a identidade profissional docente (IPD) e a aprendizagem de PEM; fatores intervenientes nos processos de formação; a articulação entre a universidade e a escola para a formação de PEM, dentre outras temáticas.

Considerar a IPD em processos formativos é um desafio tendo em conta a sua complexidade, dinamicidade, temporalidade e experiencialidade (De Paula; Cyrino, 2021). A complexidade pode ser observada por meio de inúmeros fatores de diferentes ordens que influenciam o movimento de constituição da IPD, como os fatores pessoais, psicológicos, sociais, culturais, políticos e contextuais. A dinamicidade explicita o movimento e a inconclusão do processo, que está em constante transformação a partir dos contextos nos quais o PEM se insere como indivíduo. A temporalidade evidencia o aspecto efêmero do movimento, pois o PEM é um sujeito temporal e suas práticas se “conectam ao desenvolvimento de ações/papéis envolvendo as dimensões de observação/ação/planejamento diante das contínuas mudanças sociais, culturais e políticas que ocorrem ao seu redor” (De Paula; Cyrino, 2020, p. 7). Já a experiencialidade carrega as relações do PEM consigo mesmo e com os outros indivíduos, considerando que essas relações são experienciais, envolvendo espaço, tempo e contexto. O professor atua como um profissional disponível e aberto à experiência (De Paula; Cyrino, 2020).

Este dossiê está organizado a partir de textos que decorrem de pesquisas sobre a formação inicial e continuada de PEM que consideram esses desafios. Discutir a formação de professores articulada ao movimento de constituição da IPD envolve a interação de diferentes aspectos, quais sejam: conhecimento matemático; conhecimento sobre o ensino de Matemática; compreensão de como estudantes aprendem; conhecimentos, expectativas, concepções e interesses de formandos; características, conhecimentos e concepções de formadores e de outros participantes de programas de formação; propósitos, formas de avaliação, currículo, aproximações pedagógicas e organização de programas de formação; organização e propósitos de sistemas educacionais, de materiais pedagógicos e de pesquisas educacionais, dentre outros.

Considerando que a IPD de PEM desempenha um papel central na compreensão das práticas de ensino, na motivação para ensinar, no bem-estar pessoal e profissional e na construção de futuras gerações para que possam pensar a Matemática como uma possibilidade de transformação que visa à equidade social, para além desses aspectos que consideram concepções e a construção de conhecimentos essenciais para atuação profissional de PEM, há outros domínios a serem ponderados, de forma indissociável, no processo formativo para promoção do movimento de constituição da IPD, como autoconhecimento, autonomia (vulnerabilidade e agência), emoções e compromisso político (Cyrino, 2016, 2021).

Desse modo, o(a) leitor(a) encontrará no presente dossiê artigos em que se compartilham reflexões oriundas de investigações a respeito da constituição da IPD em programas de formação inicial e continuada de PEM que consideram alguns desses domínios.

Cellini e Brostolin apresentam uma análise sobre identidade profissional e saberes docentes na perspectiva do saber da experiência, a fim de compreender como se dá a constituição da identidade profissional docente. Em seguida, Grando e Jacomelli-Alves discutem um caso que envolve duas professoras que ensinam Matemática, que colaboram em diversas atividades profissionais e refletem acerca das dimensões de vulnerabilidade e agência profissional das professoras.

Com base no método (auto)biográfico, Oliveira e Nacarato trazem biogramas de duas professoras que ensinam Matemática, de modo a identificar, mediante incidentes críticos, as experiências de vulnerabilidade vivenciadas pelas professoras e se essas experiências contribuíram para o desenvolvimento de agência mediada, evidenciando o processo de constituição identitária.

Brito, Fiorentini e Silva discutem como um futuro professor de Matemática, participante de um programa de residência pedagógica, desenvolvido com Lesson Study, orquestra vozes provenientes da universidade e da escola básica para construir compreensões sobre si mesmo. Em uma perspectiva insubordinada de escrita a quatro mãos, Paula e Gonzaga socializam suas experiências, enquanto orientador e orientando, na discussão sobre a identidade profissional de professores de Matemática. Para tanto, expõem suas vulnerabilidades nos processos e as ações de agência profissional.

Diante do objetivo de compreender como os movimentos da identidade profissional de professores que ensinam Matemática se processaram à luz das trajetórias de aprendizagem em uma pesquisa-formação, Nogueira e Carvalho apresentam análises sobre doze encontros formativos realizados com foco na educação probabilística, trazendo, assim, contribuições para novas compreensões sobre as identidades profissionais.

Outra contribuição significativa para se analisar o movimento de constituição da identidade profissional é o texto de Oliveira e Cyrino, que buscam identificar e discutir percepções de professores experientes que ensinam Matemática, a respeito de elementos de sua trajetória profissional que explicitam o movimento de constituição de sua identidade profissional. Moreira, Lima e Fraz, considerando a psicanálise, analisam o que envolve a escolha profissional docente da/pela disciplina de Matemática, observando que os(as) docentes não se predispõem a formar um arsenal teórico-metodológico para atualizá-los(as) e que a compreensão da dinâmica que permeia a escolha profissional pode ajudar os profissionais que nela atuam a lidar com os desafios da profissão e no desenvolvimento de estratégias eficazes para motivar e engajar os(as) estudantes no aprendizado da Matemática.

Com o foco em um grupo colaborativo, Silva e Buehring apresentam um recorte de uma pesquisa de Doutorado na qual investigam os conhecimentos mobilizados e ressignificados por professoras de Educação Infantil no que se refere ao letramento matemático, com o objetivo de compreender seus processos de desenvolvimento profissional. As autoras observam que esse processo, favorecido pela maneira reflexiva como construíram as narrativas, contribuiu para a construção da identidade profissional.

Rodrigues, Silva e Ferreira apresentam e discutem características de contextos formativos associados à avaliação da aprendizagem que dialogam com o movimento de constituição da Identidade Profissional de (futuros) professores que ensinam Matemática, a partir de uma análise de artigos que investigaram contextos formativos associados à avaliação da aprendizagem na busca por discutir essas características, levantados no Portal de Periódicos da Capes. Ao relatar uma pesquisa sobre a própria prática na qual uma professora que ensina Matemática reflete e busca transformá-la em uma prática pedagógica inclusiva, Simões e Ferreira evidenciam a potência das reflexões sistemáticas como catalisadoras do desenvolvimento profissional e da constituição de uma identidade profissional associada ao ensino de surdos.

Para concluir o dossiê, Augusto e Lopes, a partir de um recorte de uma pesquisa de Doutorado, desenvolvida em uma escola pública do interior paulista, discutem as narrativas de dois professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental que participam de um espaço formativo colaborativo voltado para o desenvolvimento profissional contínuo. As autoras apresentam evidências sobre a importância do estudo teórico e metodológico para o exercício da agência docente ao implementar a educação interdisciplinar nas práticas pedagógicas.

No presente dossiê o(a) leitor(a) também tem acesso a diferentes questionamentos, perspectivas metodológicas, instrumentos de obtenção de informações, elementos contextuais do processo investigativo e formativo que apresentam descrições/caracterizações detalhadas do(s) participante(s) ao invés de apontamentos genéricos (Darragh, 2016).

Discutir o movimento de constituição da IPD de PEM em processos formativos pode auxiliar os futuros professores e os PEM a ampliarem a visão referente à(s) potencialidade(s) e à(s) abrangência(s) de suas ações, e a promoverem reflexões éticas, filosóficas e morais que explicitem a importância de assumirem um compromisso político, social e cultural, necessários para o desempenho de suas funções na busca de uma sociedade equitativa, na qual estejam garantidas a liberdade, a solidariedade e a igualdade de oportunidades.

Referências

CYRINO, Márcia Cristina de Costa Trindade. Mathematics teachers’ professional identity development in communities of practice: reifications of proportional reasoning teaching. Bolema, v. 30, n. 54, p. 165-187, 2016.

CYRINO, Márcia Cristina de Costa Trindade. Ações de formação de professores de Matemática e o movimento de construção de sua identidade profissional. Perspectivas da Educação Matemática, v. 14, n. 35, p. 1-26, 2021.

DARRAGH, Lisa. Identity research in mathematics education. Educational Studies in Mathematics, v. 93, n. 1, p. 19-33, 2016.

DE PAULA, Enio Freire; CYRINO, Márcia Cristina de Costa Trindade. Aspectos a serem considerados em investigações a respeito do movimento de constituição da identidade profissional de professores que ensinam Matemática. Educação, v. 45, p. 2-29, 2020.

DE PAULA, Enio Freire; CYRINO, Márcia Cristina de Costa Trindade. The professional identity in educators who teach Mathematics: elements and actions to build a proposal for future research. Pró-Posições, v. 32, p. 1-23, 2021.

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