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Indícios de agência docente nas narrativas de dois professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Adriana Franco de Camargo Augusto; Celi Espasandin Lopes
Adriana Franco de Camargo Augusto; Celi Espasandin Lopes
Indícios de agência docente nas narrativas de dois professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Indications of teaching agency in the narratives of two teachers who teach Mathematics in Elementary School
Indicaciones de agencia docente en las narrativas de dos profesores que enseñan matemáticas en los primeros años
Revista NUPEM (Online), vol. 16, núm. 39, e2024045, 2024
Universidade Estadual do Paraná
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Resumo: Neste estudo, apresenta-se parte de uma pesquisa de Doutorado que tem o objetivo de analisar o desenvolvimento profissional e a agência de professores que promovem a Educação Matemática de alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, a partir do desenvolvimento de projetos interdisciplinares em suas salas de aula. Discutem-se as narrativas de dois professores que participaram de um projeto de pesquisa com foco no desenvolvimento profissional contínuo. Esses profissionais elucidam seus processos de aprendizagem docente ao implementarem a educação interdisci-plinar em suas práticas docentes. Busca-se responder a seguinte questão norteadora: quais indícios de agência docente emergem das narrativas de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental inseridos em um processo de desenvolvimento profissional contínuo? Os resultados iniciais evidenciam que o estudo teórico e metodológico, ocorrido em um espaço formativo pautado na colaboração, proporcionou o exercício da agência docente, ao implementar a educação interdisciplinar em suas práticas docentes.

Palavras-chave: Narrativas de profes-sores, Agência docente, Desenvolvi-mento profissional contínuo, Anos iniciais do Ensino Fundamental.

Abstract: This study presents part of a doctoral research that aims to analyze the professional development and agency of teachers who promote Mathematics Education for Elementary School students, through the development of interdisciplinary projects in their classrooms. The narratives of two teachers who participated in a research project focused on continuous professional development are discussed. These professionals elucidate their teaching and learning processes by implementing interdisciplinary education in their teaching practices. This study seeks to answer the following guiding question: what signs of teaching agency emerge from the narratives of Elementary School teachers engaged in a process of continuous professional development? The initial results indicate that the theoretical and methodological study,conducted in a collaborative training space, provided the exercise of teaching agency when implementing interdisciplinary education in their teaching practices.

Keywords: Teacher narratives, Teaching agency, Continuous professional development, Elementary School.

Resumen: En este estudio se presenta parte de una investigación doctoral que tiene como objetivo analizar el desarrollo profesional y la agencia de docentes que promueven la educación matemática en estudiantes de los años iniciales de la Educación Primaria, a partir del desarrollo de proyectos interdisciplinarios en sus aulas. Se discuten las narrativas de dos maestros que participaron en un proyecto de investigación centrado en el desarrollo profesional continuo. Estos profesionales dilucidan sus procesos de enseñanza-aprendizaje al implementaren la educación interdisciplinaria en sus prácticas docentes. Se busca responder a la siguiente pregunta orientadora: ¿cuáles indicios de agencia docente emergen de las narrativas de profesores de la Educación Primaria insertados en un proceso de desarrollo profesional continuo? Los resultados iniciales muestran que el estudio teórico y metodológico, ocurrido en un espacio formativo basado en la colaboración, propició el ejercicio de la agencia docente al implementar la educación interdisciplinaria en sus prácticas docentes.

Palabras clave: Narrativas de profesores, Agencia docente, Desarrollo profesional continuo, Educación Primaria.

Carátula del artículo

Dossiê

Indícios de agência docente nas narrativas de dois professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental

Indications of teaching agency in the narratives of two teachers who teach Mathematics in Elementary School

Indicaciones de agencia docente en las narrativas de dos profesores que enseñan matemáticas en los primeros años

Adriana Franco de Camargo Augusto
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Celi Espasandin Lopes
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Revista NUPEM (Online), vol. 16, núm. 39, e2024045, 2024
Universidade Estadual do Paraná

Recepción: 12 Abril 2024

Aprobación: 24 Julio 2024

Introdução

Neste artigo, apresentamos parte de uma pesquisa de Doutorado que tem o objetivo de analisar o desenvolvimento profissional e a agência de professores que promovem a Educação Matemática de alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, a partir do desenvolvimento de projetos interdisciplinares em suas salas de aula. Discutiremos as narrativas de dois professores que participaram de um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o qual visa analisar o desenvolvimento profissional e a agência de professores, ao promoverem a educação interdisciplinar de alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Pretendemos responder à questão: quais indícios de agência docente emergem das narrativas de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, inseridos em um processo de desenvolvimento profissional contínuo? Discutimos os indicativos que emergem do exercício da agência na vida e no trabalho dos professores, destacando como os contextos nos quais estes estão inseridos exercem influência sobre suas agências. Para tanto, consideramos a perspectiva da pesquisa (auto)biográfica e verificamos quais evidências de agência emergem das narrativas desses profissionais. Diante de tais pressupostos, organizamos este artigo com seções nas quais apresentaremos nosso aporte teórico em relação ao desenvolvimento profissional contínuo (DPC) e à agência docente (AD). Além disso, argumentaremos sobre nossa opção de pesquisa (auto)biográfica. Em seguida, descreveremos o contexto da pesquisa, identificaremos os professores colaboradores, traremos excertos de suas narrativas, encerraremos com as considerações finais e apontaremos as referências.

Desenvolvimento profissional contínuo

O desenvolvimento profissional contínuo é uma expressão utilizada para descrever todas as atividades em que os professores se envolvem durante todo o percurso da sua carreira e que se destinam a aprimorar o seu trabalho. Ao mesmo tempo que parece ser uma definição simples, é um empreendimento complexo, pois envolve singularidades que se relacionam com aspectos intelectuais e emocionais do professor (Day; Sachs, 2004). Com isso, cabe considerar as influências em suas biografias, suas histórias sociais e contextos de trabalho, suas preferências de ensino e fases de desenvolvimento em sua profissão.

Sachs (2011) considera que o DPC é um processo que o professor pode desenvolver em função de suas potencialidades e que o conecta com outros professores e com as necessidades dos alunos. Esse tipo de desenvolvimento profissional tem seu foco principal na aprendizagem de professores, em particular na renovação profissional por meio de oportunidades de repensar e revisar as práticas e, ao fazê-lo, constituírem-se profissionais reflexivos. Dessa forma, o DPC se efetiva a partir da postura do professor que reconhece suas fragilidades, que está aberto a mudanças e reflete sobre sua prática.

O DPC é um empreendimento moral, pois está sempre direcionado para a melhoria dos alunos e, dessa forma, ressaltam-se as necessidades individuais, pois os professores precisam envolver-se em planejamento e ações para que se tornem efetivos agentes de mudança (Day; Sachs, 2004).

Cabe considerar que o trabalho docente está imerso em uma complexidade educativa que requer dos professores um investimento constante em novas aprendizagens, para que possam superar as dificuldades e os dilemas que emergem no processo de ensino e aprendizagem. Neste sentido, nas ações de formação continuada, é imprescindível que os formadores cultivem nos professores “um forte e estável sentido de identidade profissional, compromisso, resiliência, propósitos morais e éticos, e a disponibilidade e capacidade de ensinar dando o seu melhor e fazê-lo bem” (Day, 2019, p. 115).

Em um DPC, é preciso planejar o aprendizado e o desenvolvimento profissional do professor considerando a importância de apoiar-se em redes colaborativas de aprendizagem para promover um repensar sobre as práticas, a fim de renová-las (Sachs, 2015). Em um espaço formativo alicerçado na colaboração, é proporcionado ao professor socializar suas fragilidades e potencialidades em um movimento de elaboração e reelaboração de práticas, que lhes permite, por meio da investigação, perceberem-se produtores de conhecimento - um conhecimento que, qualificado pelo cotidiano escolar, constrói-se em um processo crítico, reflexivo e autoavaliativo.

De acordo com Sachs (2011), esta perspectiva de DPC rompe com uma formação tradicional e possibilita que as abordagens de aprendizagens dos professores ocorram de forma equilibrada, sendo mutuamente proveitosas. O processo narrativo e (auto)biográfico potencializa o DPC, pois

a oportunidade de narrar suas atividades ganha uma dimensão formativa por meio da reapropriação das experiências passadas, reorientando as trajetórias profissionais, entendendo que esse processo é mobilizador de novos saberes. A oportunidade de tematização do seu conhecimento, por meio da análise do seu trabalho, propõe um movimento de reflexão que se instaura durante a atividade discursiva/narrativa. Além de compreendê-la no contexto em que vai sendo tecida, bem como possibilita compreender que nicho pedagógico será “escolhido”, coloca em destaque as intenções e os sentimentos com relação ao trabalho que realiza (Bolzan, 2019, p. 26).

Ao narrar, o professor ressignifica sua prática e reconhece o aprimoramento de suas capacidades intelectuais e emocionais, mobilizando-as em prol do aprendizado de seus alunos e, também, investe na melhoria das condições em que esse aprendizado ocorre, criando e efetivando ações e procedimentos que estão alinhados com a sua identidade profissional (Lopes; D’Ambrosio, 2016).

Em um DPC, os professores necessitam de espaço e tempo para socializar suas dúvidas, dilemas, fragilidades e potencialidades. Também, para discutir questões de identidade que são importantes para eles e seus alunos. Nessa concepção, também ocorre um diálogo que vai além dos encontros no processo de desenvolvimento profissional, ou seja, eles interagem quando estão planejando estratégias em suas escolas e trocam ideias que podem ser implementadas na sala de aula.

Criar um espaço para o DPC é assumir uma visão transformadora do profissionalismo docente, que tenciona formar professores desenvolvedores criativos de currículo e educadores inovadores (Sachs, 2011). Esses professores valorizam o pensamento divergente e arriscado deles mesmos, de seus colegas e de seus alunos e, ao fazê-lo, auxiliam estes últimos a desenvolver suas próprias capacidades críticas e transformadoras. Também, colaboram em nível profundo com colegas, alunos e com todos os demais que compõem a comunidade escolar. E, para essa colaboração, é necessário estarem abertos à mudança e à transformação em si mesmos.

Sachs (2011, p. 162) ressalta que, em um DPC, o foco sobre a aprendizagem é significativo, pois “reconhece a agência do professor e a responsabilidade pessoal”. Para tanto, o DPC está diretamente condicionado às condições de trabalho adequadas, ao apoio da gestão e à valorização profissional, e é decorrente de diferentes temporalidades constituídas pelas atividades profissionais e pessoais.

O DPC dos professores também acontece por meio de diálogos que vão além dos encontros deles no processo de desenvolvimento profissional. Isso ocorre quando interagem nos planejamentos de estratégias em suas escolas e trocam ideias que podem ser incorporadas à sua sala de aula. Esse mecanismo combina processos formais e informais, sendo o professor o sujeito do processo de aprendizagem, com atenção não apenas ao conhecimento e aos aspectos cognitivos, mas, também, às questões afetivas e de relacionamento.

Porque depende fundamentalmente do professor, de sua disposição à mudança, de sua busca constante por novas aprendizagens, de sua abertura à contribuição dos colegas e a novas teorias e práticas, esse processo implica no reconhecimento de sua agência e de sua responsabilidade.

Alicerçados em tais pressupostos, delineamos um projeto de educação interdisciplinar, criando um espaço formativo que contribui para a aprendizagem docente e desencadeia a autoformação a partir de estudos teóricos e metodológicos, com discussões coletivas que provocam reflexões e subsidiam o trabalho colaborativo. Esse procedimento tem sido propulsor da efetivação de novas práticas docentes e tem aguçado a autonomia dos professores, a partir de um movimento que gera o desenvolvimento profissional em ruptura com a normalização e suscita o respeito à individualidade de cada professor, com estacas no seu reconhecimento como produtor de um conhecimento singular que emerge do exercício da profissão professor, centrado em fundamentos teóricos e metodológicos, os quais são mobilizados nas práticas docentes. Inseridos neste espaço, pesquisamos indícios de agência docente.

Agência docente

O conceito de agência surgiu com Giddens (1979), referindo-se à teoria do sujeito em ação, a qual deve estar situada no tempo e no espaço como um fluxo contínuo de conduta. Para o autor, a agência não diz respeito a uma série de atos discretos e isolados combinados, mas, sim, à capacidade do sujeito de transformar o ambiente social em que está inserido, com o poder de atuação. Agência deve ser pensada como um comportamento adquirido pelo sujeito no momento de agir. Não é algo fixo, está sempre em reconsideração. As ações dependem das experiências, do contexto, das relações que são e estão sendo estabelecidas.

Para Prawat (1996), os indivíduos praticam a agência enquanto constroem conhecimento e usam processos metacognitivos e reflexivos que operam via autocontrole e autogestão na aprendizagem e na resolução de problemas. Billett (2006) pondera que devemos prestar mais atenção ao papel da agência individual, incluindo a intencionalidade, a subjetividade e a identidade, e entender que as ações podem ter uma gênese social, mas, também, podem surgir com histórias pessoais dos sujeitos. Considera inadequadas visões que não levam em conta as experiências anteriores dos indivíduos e enfatizam demais o papel de fatores situacionais.

Eteläpelto et al. (2013) ampliam essa perspectiva e definem agência em termos de aspectos individuais e sociais do comportamento humano. Refletem que a agência pode variar ao longo do tempo e das condições que emergem em diferentes contextos e assumir uma abordagem sociocultural na qual a agência é sempre exercida e manifestada dentro de certos limites e recursos socioculturais e materiais. Afirmam que a agência profissional pode se manifestar de várias maneiras, não apenas como estabelecimento e sugestão de novas práticas profissionais, mas, também, como manutenção das práticas já existentes ou na luta contra as mudanças sugeridas.

Nesta perspectiva sociocultural, centrada no sujeito, a agência profissional no trabalho implica conceituar e compreender analiticamente a agência da seguinte forma:

  1. (i) A agência profissional é praticada (e manifestada) quando sujeitos profissionais e/ou comunidades exercem influência, fazem escolhas e tomam posições que afetem seu trabalho e/ou suas identidades profissionais.

  2. (ii) A agência profissional é sempre exercida para determinados fins e dentro de certos contextos socioculturais (historicamente formados) e circunstâncias materiais, e é restringida e dotada de recursos por essas circunstâncias.

  3. (iii) A prática da agência profissional está intimamente ligada às identidades relacionadas ao trabalho dos sujeitos profissionais, compreendendo seus compromissos profissionais e éticos, ideais, motivações, interesses e objetivos.

  4. (iv) As experiências, os conhecimentos e as competências únicas (de trabalho) dos sujeitos profissionais funcionam como possibilidades de desenvolvimento individual e recursos individuais para a prática da agência profissional no trabalho.

  5. (v) Na investigação da agência profissional, os indivíduos e as entidades sociais são analiticamente separados, mas mutuamente constitutivos um do outro.

  6. (vi) Os sujeitos profissionais têm relações discursivas, práticas e naturais (corporificadas) com o seu trabalho; eles são construídos temporalmente dentro das condições de trabalho.

  7. (vii) A agência profissional é necessária especialmente para desenvolver o trabalho e as comunidades de trabalho e para tomar iniciativas criativas. É também necessária para a aprendizagem profissional e para a renegociação de identidades relacionadas com o trabalho nas (mudanças) das práticas de trabalho (Eteläpelto et al., 2013, p. 62, tradução nossa).

Complementando tais ideias, Ninin e Magalhães (2017, p. 627) observam que “agência não pode ser entendida como qualquer ação do sujeito, mas como uma ação que está diretamente relacionada às estruturas sociais nas quais o sistema de atividade está imerso”. Ela está vinculada a ações intencionais e conscientes dos sujeitos na relação com os outros, às necessidades e aos interesses coletivos. Portanto, impulsiona a capacidade transformadora, significa o poder do sujeito sobre aquele contexto e é a reflexividade da ação.

A agência não pode ser analisada de modo isolado, uma vez que está vinculada aos valores, às vivências e ao contexto em que o professor atua. Passeggi e Cunha (2013, p. 46) consideram que a “agência é particularmente importante porque implica: autoconhecimento, autoestima e capacidade de autorregulação das próprias ações”. Assim, a busca pela pesquisa, o aprofundamento teórico dos conteúdos que o docente trabalha em sala de aula e a prática focada na aprendizagem do aluno são algumas das características decorrentes da criticidade alcançada, que delineiam um movimento de agência por parte dos professores integrantes do grupo.

Diante disso, cabe considerar que AD é a capacidade de os professores agirem de forma propositiva e construtiva, para direcionar seu crescimento profissional e contribuir para o crescimento de seus pares. Para que isso se efetive, o profissional precisa sentir-se empoderado e capaz de mudanças, pois a agência não apenas molda a descrição do processo de tomada de decisão dos profissionais da educação em relação aos caminhos de seu próprio desenvolvimento profissional, mas, também, é muito benéfica para os alunos. A profissão docente é dinâmica e, para desempenhar bem o seu papel na sala de aula, cabe ao docente estar atento às necessidades e às realidades de seus aprendizes. Dessa forma, quando os educadores se permitem portar-se como agentes, criam e colocam em movimento posturas e procedimentos alinhados com sua identidade (Lopes; D’Ambrosio, 2016).

Com isso, ressaltamos que a agência não é uma propriedade individual, mas está intimamente atrelada à identidade e às relações estabelecidas no contexto escolar e, também, ao processo reflexivo. A AD implica reflexão sobre as ações passadas e futuras, e controle sobre as escolhas pedagógicas.

Os professores, ao exercerem a agência, assumem a responsabilidade por sua experiência de aprendizagem e orientam o seu aluno de forma eficaz, proporcionando-lhe o reconhecimento de sua melhor forma de aprender. Outro aspecto a ser destacado é o controle que têm sobre seu aprendizado e desenvolvimento profissional: escolhem suas atividades e espaços de desenvolvimento, e podem gerir o ritmo, a estrutura e o ambiente de aprendizagem.

Dessa forma, a agência do professor consiste na sua capacidade de agir de forma propositada e construtiva para orientar o seu crescimento profissional e contribuir para o crescimento dos seus colegas, ao invés de responder passivamente às oportunidades de aprendizagem que lhes são proporcionadas. Diante disso, seria interessante que a escola tomasse como prioridade promover a agência dos professores, ao planejar, implementar e avaliar, concomitantemente com eles, atividades de desenvolvimento profissional.

Com base nesses estudos, passaremos a procurar indícios de AD nas narrativas orais e escritas de dois professores dos anos iniciais, que apresentaremos, posteriormente, e aqui denominaremos de Lu e Va.

Procedimentos metodológicos

Assumimos a pesquisa (auto)biográfica, compreendendo que ela tem a subjetividade como um alicerce fundamental para compreender a importância do professor e suas experiências vividas durante o seu processo de desenvolvimento profissional (Passeggi; Souza; Vicentini, 2011).

Nossa opção pela denominação de pesquisa (auto)biográfica, com o uso dos parênteses, é por considerar que se refere

ao mesmo tempo, às narrativas biográficas e autobiográficas e chamar a atenção para a subjetividade na pesquisa. [...] eles podem ainda remeter à transposição de narrativas autobiográficas para biográficas, isso acontece quando o pesquisador transforma uma narrativa autobiográfica (oral ou escrita), que lhe foi oferecida por um participante, que narra sua vida, numa narrativa biográfica, em que o pesquisador assume a autoria do texto (Passeggi, 2020, p. 65).

Com isso, assumimos uma das vertentes da pesquisa (auto)biográfica, que “toma as narrativas de si como práticas de formação e autoformação, procurando investigar a reflexividade (auto)biográfica e suas repercussões nos processos de constituição da subjetividade e da inserção social do sujeito” (Vicentini; Souza; Passeggi, 2013, p. 9). Fazemos uso das narrativas dos professores participantes como dispositivos de pesquisa-formação, instituindo a legitimidade do conhecimento (re)elaborado por eles que, ao narrarem, se formam.

Consideramos, a partir de Josso (2007), a importância da construção dos elos entre os professores participantes da formação, a qual ocorre articulada pelas narrativas (auto)biográficas. A identificação entre os participantes tem sido percebida quando compartilham práticas decorrentes de suas experiências. Essa troca de saberes promove o redimensionamento da identidade profissional entre eles, a partir da socialização de ideias e da escuta atenta aos seus pares. Cada professor participante decide o que deve ou não narrar, seleciona, a partir do vivido, o que considera relevante narrar oralmente e/ou por escrito.

Dessa forma, essa abordagem tem como pressuposto o poder transformador da ação de narrar a experiência vivida. A reflexividade narrativa propicia à pessoa que narra dar sentido ao que antes não tinha e, ao ordenar narrativamente os acontecimentos, ela (re)constrói outra versão de si e de sua formação (Passeggi, 2021). É um trajeto contrário às práticas positivistas, como possibilidade de investigação nas ciências humanas, pois viabiliza atribuir sentido às vozes que, muitas vezes, são ausentes e compreender a importância do sujeito no papel de intérprete.

O silenciamento dos professores é um reflexo de práticas positivistas, dentro de um movimento que procura claramente distinguir entre o sujeito e o objeto, ao calar a subjetividade e abrir uma trilha para construir um conhecimento objetivo (Souza, 2007). Dessa forma, fica evidente que as práticas pautadas na objetividade não dão conta de compreender a importância da subjetividade e da pluralidade do saber humano.

Esse cenário de silêncio nas histórias e nas reflexões de educadores - em que as vozes desses profissionais não eram escritas de “próprio punho”, mas, na sua grande maioria, registradas pelos pesquisadores (Prado; Soligo, 2005) - aos poucos tem sido superado na produção científica. Tal movimento de hegemonia omite o protagonismo do professor e rouba as descobertas sobre os sentidos das vivências docentes.

Passeggi (2016, p. 68) considera que um dos equívocos é não conceber o professor como “um adulto em formação, uma pessoa plena de experiências, com capacidade para refletir sobre si, e que tem muito mais para nos contar sobre a escola do que a produção científica atual dispõe sobre o tema”. Isso ressalta a importância do protagonismo do professor, pois reconhecer sua capacidade de produzir conhecimentos estimula-o a ressignificar suas práticas e traz novos elementos para os repensares sobre os processos de formação docente. As narrativas possibilitam aos professores conscientizar-se a respeito dos processos formativos e profissionais que constituem e marcam sua identidade pessoal e profissional. Com efeito, o alicerce de uma pesquisa (auto)biográfica encontra-se no ser humano que, em diferentes contextos e situações, quer narrando fatos de sua vida, quer refletindo sobre seu processo de autoformação, ressignifica experiências, vivências, aprendizagens, atribuindo-lhes novos significados.

Delory-Momberger (2008, p. 96) adverte que “é a narrativa que dá uma história a nossa vida: nós não fazemos a narrativa da nossa vida porque temos uma história; temos uma história porque fazemos a narrativa da nossa vida”. Essa afirmação da autora leva-nos a refletir sobre a importância do papel da narrativa para revelar caminhos trilhados, cercados de sentimentos, tristezas, decepções, conflitos, alegrias, desestabilidades, fraquezas, crenças e anseios que experienciamos ao longo da nossa vida.

O ato de narrar organiza e confere um certo sentido aos inúmeros momentos de experiências que vivemos, traz questionamentos sobre nossos saberes, compreende e (re)significa a formação da nossa identidade docente - enfim, faz aflorar nossa história de vida. Dessa forma, a narrativa das experiências não apenas produz sentido para quem está narrando o que foi vivido, mas inclui, também, a história de uma comunidade e de uma coletividade envolvida direta ou indiretamente nos fatos que produziram essas experiências de vida. Por conseguinte, ao escrever sua narrativa, o depoente não apenas registra algo do seu passado, mas constrói cenários com seus personagens e suas ações, num movimento de reflexão sobre a experiência que está sendo narrada. Atribui-lhe sentidos, significados e provoca mudanças identitárias (Nacarato; Passeggi, 2013).

Como nos recorda Larrosa (2002), somos frutos das experiências que vivemos, daquilo pelo que passamos, que nos acontece e que nos toca. Esse movimento propicia que a experiência seja um fator relevante para o redimensionamento identitário docente. O narrador retira de sua própria experiência o que narra, transforma-o em experiência dos que o escutam, pois suas vozes libertam o narrador do silenciamento e produzem em outras pessoas, ao terem contato com essa narrativa, seja oral, escrita ou digital, uma cinesia de autoformação.

Ao narrar sua experiência, o professor inicia um processo no qual aprende e ensina, em um movimento constante de interação com os outros. Nesse sentido, a narrativa pode ser compreendida como um

processo de reflexão pedagógica que permite ao professor, à medida que conta uma determinada situação, compreender causas e consequências de atuação, criar novas estratégias num processo de reflexão, investigação e nova reflexão. A narrativa é também um processo de interação com o outro, e nessa medida ajuda-nos a compreender qual o papel de cada um de nós na vida dos outros. A interação com o grupo de pessoas ao longo de vários anos proporciona ao investigador um maior conhecimento de si próprio, pela reflexão sobre o efeito que as atitudes provocam nos outros, ao mesmo tempo em que obriga a equacionar aprendizagens, a reconhecer limites pessoais e a redefinir modos de agir (Galvão, 2005, p. 343).

Dessa forma, o uso e o poder das narrativas proporcionam um desvelar das experiências do cotidiano do professor e do gestor, e contribui para redimensionar as práticas escolares, compreender seus dilemas, episódios marcantes e o que, de fato, ainda precisa ser (re)significado. Como aponta Passeggi (2021), é pela narração e na narração produzida pelo humano que ele se concebe, se percebe em auto(trans)formação.

Consideramos tais perspectivas metodológicas para responder: quais os indícios de agência docente emergem das narrativas de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, inseridos em um processo de desenvolvimento profissional contínuo? E, diante disso, Nacarato (2023, p. 174) apoia-nos, ao ressaltar que “a pesquisa narrativa tem se revelado potencializadora de autoformação e de desenvolvimento e agência profissionais e possibilita a tomada de consciência de quem somos, da nossa identidade”.

Com isso, trazemos as narrativas da professora Va e do professor Lu, que atuam em turmas de 5º ano e investem em seu desenvolvimento profissional contínuo, colaborando em um espaço formativo em que se pretende a efetivação da educação interdisciplinar.

A professora Va tem 41 anos, é paulista, pedagoga e atua como docente há 11 anos. Seu percurso na docência levou-a a fazer um curso de Pós-graduação Lato Sensu em Educação Especial, e seu foco tem sido o transtorno do espectro autista. Atende individualmente quatro alunos de 6º ano com autismo, na mesma escola em que é professora regente em uma turma de 5º ano.

O professor Lu é graduado em História e Pedagogia. Iniciou sua carreira na rede estadual de ensino paulista, quando ainda era graduando no curso de História. Leciona há 11 anos e efetivou-se na rede municipal, na qual se desenvolve este projeto, apenas em 2022.

A seguir, discutiremos as narrativas dos professores Va e Lu na busca de indícios de agência docente.

Narrativas da professora Va

Va é uma professora muito dedicada, com 11 anos de carreira docente e há 5 anos está na mesma escola. A seguir, trazemos alguns trechos de sua narrativa escrita:

durante um período de dez anos me dediquei somente ao acompanhamento da primeira infância e à educação dos meus filhos, por isso me afastei dos estudos, retornei e escolhi o curso de pedagogia, devido a ser recorrente a solicitação do meu apoio para ensinar meus filhos e também outros membros da família, outro fator incentivador foi ter trabalhado cerca de quatro anos como funcionária pública em uma escola do município de Jarinu, o que despertou ainda mais meu gosto por aprimorar meus conhecimentos e partilhá-los com os outros (Professora Va, Entrevista, 2023).

Na narrativa de Va, podemos observar sua agência, considerando aspectos individuais e sociais - a forma como ela busca conhecimento em sua trajetória e como essa tarefa é influenciada pelos locais de trabalho por onde ela passou. Ela comenta, por exemplo, que trabalhou em uma escola por cinco anos e revela que ensinar os filhos em casa a moveu a fazer faculdade de pedagogia. Essa busca pelo conhecimento profissional impulsiona a professora ao exercício da autonomia para seu autoconhecimento, fundamental para que tenha consciência de suas fragilidades, e a faz assumir sua agência profissional, a fim de ampliar seus conhecimentos profissionais (Cyrino; De Paula, 2020).

Formada em pedagogia e com pós-graduação em Educação Especial - Deficiência Intelectual, cursos livres de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Libras -, Va traz, em sua narrativa:

atuei na APAE [Associação de Pais e Alunos dos Excepcionais] que é uma instituição que atende alunos com múltiplas deficiências e autistas, foi um grande desafio, mas tive muito apoio das profissionais que lá trabalhavam, aprendi muito trabalhando nesse local, conhecimentos esses, tanto profissionais como de vida, pois foi preciso ter um olhar mais singular, devido a atender um público que demanda muitos cuidados e estudos específicos para o desenvolvimento de habilidades (Professora Va, Entrevista, 2023).

Foi estimulada a cursar a pós-graduação em Educação Especial por seu tempo de trabalho na APAE e por sua atuação atual também na docência compartilhada, que envolve acompanhar - no contraturno das atividades na sala regular - alunos com algum transtorno ou deficiência ajudando outra professora:

no momento, além das vivências e cumprimento curricular, estou engajada e buscando novas possibilidades e estratégias para desenvolver o “Projeto de Desenvolvimento Profissional e a Agência de Professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental para Promoverem uma Educação Interdisciplinar”, oferecido pela PUC/Fapesp e tem sido um desafio, o que contribui positivamente para minha formação, enriquecendo meus saberes e minhas práticas (Professora Va, Entrevista, 2023).

Sua busca por conhecimento e envolvimento com o trabalho docente teve continuidade ao se inserir num espaço formativo de desenvolvimento profissional contínuo, agora com sua participação nesse projeto de Educação Interdisciplinar. Assim como ela mesma afirma, esse desafio contribui para sua formação, enriquecendo seus saberes e práticas, mais um indício de sua agência docente.

A professora Va está sempre em busca de ampliar seus conhecimentos para aprimorar sua prática. Há um investimento pessoal e contínuo em seu desenvolvimento profissional, como observamos na seguinte narrativa:

É assim, eu procuro sempre buscar, talvez, não faça tantos cursos, mas eu sempre estou lendo quando vou fazer os meus planos de aula, de ensino. Quando tem que fazer eu sempre estou correndo atrás para desenvolver isso porque não tem como você ficar todo ano fazendo a mesma coisa, então, eu acho que todo ano modifica e a educação é um processo constante que você precisa sempre estar se reciclando (Professora Va, Entrevista, 2023).

Nessa segunda narrativa de Va, também podemos observar indícios de AD quando afirma estar sempre pesquisando, sempre lendo e estudando para preparar seus planos de aula e de ensino e, principalmente, quando salienta que “não tem como você ficar todo ano fazendo a mesma coisa”, demonstrando que está em constante reflexão e procurando novas formas de trabalho:

De domingo eu fico desde as duas da tarde até umas 10 horas da noite planejando aula, porque ainda mais que a sala, né? hoje tem os alunos com deficiência e você tem que adaptar essas atividades, e eu tenho que pensar na adaptação dos meus alunos da parte da tarde, mas também tem que dar um suporte para os meus alunos da parte da manhã. Eu procuro seguir o plano que vem da educação, mas também eu vejo muitas necessidades dos meus alunos na sala de aula e costumo levar para eles também debates pertinentes, assim do que acontece também. Para que eles também possam ter essa reflexão durante todo o tempo (Professora Va, Entrevista, 2023).

Assim como ela mesma afirma, são muitas horas semanais de planejamento, a fim de adequar as atividades às necessidades de seus alunos. E, ao mesmo tempo que procura contemplar o que os documentos oficiais indicam, ela também traz discussões atuais e pertinentes aos alunos dentro e fora dos muros da escola. Sua condição de trabalho atual, que incide, também, sobre a educação inclusiva, influencia sua AD, pois, assim como Eteläpelt, Vahasantanen e Paloniemi (2013) ponderam, a agência leva em consideração aspectos individuais e sociais do comportamento humano: “Eu acho que essa partilha que a gente tem de ideias, quando você se coloca em grupo, você vê também outras experiências e eu acho que isso ajuda muito na carreira, na prática do docente, ali ajuda muito” (Professora Va, Entrevista, 2023).

Va, em sua narrativa, salienta a importância das trocas com outros professores e da contribuição do grupo para isso, a forma como aprende com os colegas e como, também, na hora de colocar esses novos conhecimentos em prática, são necessárias adequações e adaptações por meio de novas estratégias. Cabe considerar que um grupo se configura por meio da identidade profissional de cada membro e de suas interações, pois o desenvolvimento da identidade profissional do professor pode ser compreendido como um movimento que “se dá tendo vista um conjunto de crenças e concepções interconectadas ao autoconhecimento e aos conhecimentos a respeito de sua profissão, associado à autonomia (vulnerabilidade e sentido de agência) e ao compromisso político” (Cyrino, 2017, p. 168).

Esse movimento de troca e busca individual e coletiva é uma das características do exercício de AD e traz contribuições tanto para o desenvolvimento profissional como para o aprimoramento da escola, por meio de benefícios ao ensino e à aprendizagem dos alunos: “Eu procuro trazer estratégias diversas, tipo na divisão, desde aquela decomposição, para que eles possam se fazer valer daquilo, da forma que eles se permitirem né?” (Professora Va, Entrevista, 2023).

Em relação ao ensino de Matemática, comenta sobre a maneira como trabalha o conceito de divisão, em que utiliza diversas estratégias, entre elas a decomposição, pois, dessa forma, os alunos têm a possibilidade de escolher a maneira como querem resolver e têm respeitadas suas individualidades. Assim, a professora Va deixa claras evidências de seu investimento em sua AD. O mesmo ocorre com o Professor Lu, cujas narrativas exemplificamos e analisamos a seguir.

Narrativas do professor Lu

O professor Lu é bastante comprometido com seu trabalho e defende entusiasticamente o trabalho lúdico em sala de aula. A seguir, trazemos alguns trechos de sua narrativa escrita inicial:

enquanto desempregado, notei que nos certames havia mais vagas para quem era formado em Pedagogia. Fiz a graduação com um empréstimo da Igreja. Então, notei que essa faculdade me abriu novos horizontes e muitas oportunidades, mais do que com o diploma de História. Desse momento em diante apenas prestei provas para o cargo de pedagogo (Professor Lu, Entrevista, 2023).

Na narrativa de Lu, observamos sua enorme trajetória profissional, cheia de idas e vindas, e notamos como a busca pelo conhecimento e pelo trabalho permeou e impulsionou todas as fases de sua vida. A determinação de passar em um concurso público o levou a fazer outra faculdade e, consequentemente, a ter novas experiências de trabalho, agora com crianças pequenas:

foi muito difícil lecionar para crianças tão pequenas, pro segundo ano. Tentei desistir várias vezes. Minhas colegas de escola me deram um suporte fenomenal. Também fiz duas pós-graduações, uma em Ensino Lúdico e outra em Alfabetização e Letramento, que me deram o embasamento teórico para saber como ensinar melhor um dia de cada vez (Professor Lu, Entrevista, 2023).

Como relata, ao se deparar com o ensino de alunos dos anos iniciais, sentiu a necessidade de fazer duas pós-graduações: uma em Ensino Lúdico e outra em Alfabetização e Letramento. Buscar o conhecimento, aperfeiçoar-se e proporcionar um ensino mais adequado para seus alunos são indícios de seu DPC e de sua AD, que são instigados pelas suas condições contextuais.

escolhi lecionar em Valinhos, porém descobri que teria que trabalhar no CEMEI, espécie de creche. Mais um desafio. Novamente, pedi ajuda às colegas da escola e fiz uma pós-graduação em Educação Infantil, para saber o que ensinar e como ensinar os alunos. Tentei fazer o meu melhor em meio a choros, fraldas, refeições, brincadeiras, plantações, tanque de areia etc. (Professor Lu, Entrevista, 2023).

Portanto, ao assumir aulas em Valinhos, encontrou um novo desafio: lecionar para crianças bem pequenas na creche. E, mais uma vez, Lu procurou qualificar-se, fazendo uma nova pós-graduação, agora, em Educação Infantil. Ele comenta da fundamental importância dos colegas de trabalho que lhe deram apoio em suas dificuldades e angústias em sua nova tarefa:

Atualmente, leciono para uma turma de quarto ano. Ela é muito heterogênea e exige muitas estratégias didáticas para atingir todos os alunos em suas particularidades. Não sou professor de escrever na lousa e meus alunos copiarem a lição. Uso a lousa, o caderno, a lousa digital, a sala de vídeo, o palco, plantação, tinta, passeios, argila etc. Acho que os alunos aprendem através de uma diversidade de vivências (Professor Lu, Entrevista, 2023).

É visível em sua narrativa a preocupação em diversificar suas aulas, utilizando estratégias variadas, como menciona: “lousa digital, a sala de vídeo, o palco, plantação, tinta, passeios, argila”, para atingir os alunos em suas particularidades, para oportunizar a aprendizagem de todos. Essa maneira como Lu dá suas aulas transparece uma nova forma de conceituar e desenvolver a atividade docente, decorrente de seu DPC e de sua AD, de sua capacidade de agir, criar e desenvolver novos métodos, visando à melhor maneira de ensinar seus alunos: “atualmente, para melhorar meu ensino-aprendizagem, me matriculei em mais uma pós-graduação - Ensino de Matemática, ofertada pela prefeitura de Valinhos em parceria com o SESI. Acredito que sempre é tempo para estudar, seja qual for a idade” (Professor Lu, Entrevista, 2023).

Isso revela a AD de Lu, pois ele toma iniciativas criativas para desenvolver seu trabalho e insere-se em comunidades de estudo para redimensionar suas práticas (Eteläpelto et al., 2013).

Ao aceitar participar do projeto de Educação Interdisciplinar, com um viés em educação estatística, assumiu um novo desafio, diferente daqueles de que já havia participado e, mais uma vez, foi instigado a voltar a estudar: matriculou-se num curso de pós-graduação em ensino de Matemática, defendendo que sempre é tempo de estudar, sem importar a idade:

como trabalhei em várias atividades, desenvolvi o senso do valor do trabalho. Quando vou ao trabalho não vou “para a luta ou para a batalha”, pelo contrário, “eu vou para a festa”, como dizia o palestrante Daniel Godri. Meu trabalho como professor é aquele com que mais me sinto realizado como ser humano. Portanto, amo o que faço. E é por isso que o considero uma festa (Professor Lu, Entrevista, 2023).

Podemos observar que Lu exerce sua agência na vida e no trabalho, com o objetivo de melhorar a cada novo desafio, a cada novo contexto e que seu trabalho se encontra com suas realizações pessoais. Podemos perceber indícios disso quando afirma: “meu trabalho como professor é aquele com que mais me sinto realizado como ser humano, portanto, amo o que faço”. Como trazem Eteläpelto et al. (2013), a competência e a experiência adquirida estão associadas às concepções dos trabalhadores e às manifestações de si mesmos, incluindo seus valores e compromissos éticos.

Análise e discussão dos resultados

Apesar de as narrativas decorrerem do primeiro ano de pesquisa, quando os professores vivenciaram um semestre de participação no DPC, podemos destacar das narrativas dos professores Va e Lu alguns indícios convergentes da AD deles.

Os dois professores investem continuamente em processos de desenvolvimento profissional, a fim de ampliar seus conhecimentos profissionais e redimensionarem suas práticas. Eles se pautam no trabalho colaborativo, ao revelarem que a troca de experiências com os pares não ocorre somente nos encontros do DPC, mas se estendem para outros momentos de encontro - por exemplo, na hora do intervalo. Esse compartilhamento impulsiona os professores a se assumirem como desenvolvedores críticos e criativos de currículo, conforme apontado por Sachs (2011).

Va e Lu consideram que o desenvolvimento de projetos interdisciplinares os aproxima mais de seus alunos, e a colaboração em nível mais profundo com colegas passa a ser praticada também com os alunos, colocando-os mais disponíveis à mudança e à transformação em si mesmos. Dessa forma, exercem a agência, pois, além de assumirem a responsabilidade por sua própria aprendizagem profissional, proporcionam ao aluno uma forma de aprender que se pauta na problematização e na investigação. Ao escolherem a temática dos projetos interdisciplinares, elaborarem suas atividades, gerirem o ritmo de trabalho docente, bem como a estrutura e o ambiente de aprendizagem, assumem o total controle sobre seu aprendizado e desenvolvimento profissional.

Assim como ocorre com as narrativas de Va e Lu, a produção de narrativas tem auxiliado os professores no redimensionamento de suas práticas. Esse fato converge para o que Passeggi (2016, p. 306) pondera, ao afirmar que as narrativas (auto)biográficas possibilitam à pessoa que narra apropriar-se

da linguagem no ato de enunciação. Assim fazendo, ela simultaneamente desenvolve um trabalho hermenêutico, interpretativo para dar sentido às experiências narradas, e um trabalho de textualização, pelo qual produz uma narrativa, organizando os acontecimentos sob a forma de um enredo, de uma história com começo, meio e fim.

Diante disso, observamos a pertinência e a adequação do uso das narrativas (auto)biográficas para investigar a potencialidade do DPC e os indícios de agência dos professores participantes desse DPC. Essa relevância da potencialidade das narrativas para o desenvolvimento profissional e a agência docente também é destacada por Nacarato (2023).

Ademais, como enfatizado por Suárez e Dávila (2019), o convite aos professores para a reconstrução da sua própria experiência proporciona legitimá-los como sujeitos que produzem conhecimento e um discurso pedagógico com poder de intervenção pública.

Considerações finais

Ao considerar a busca de indícios de AD provocada pela inserção em um espaço de desenvolvimento profissional contínuo, destacamos que as ações efetivas nele instituíram novas práticas, particularmente, no que se refere à educação interdisciplinar.

O desenvolvimento do projeto interdisciplinar, em um espaço de DPC, provocou os professores a repensar suas práticas e a redimensionar suas identidades profissionais: pesquisaram outras formas de trabalho, metodologias diversificadas e, principalmente, romperam com a visão de disciplinas compartimentadas, efetivando uma abordagem integrada de conceitos e procedimentos. Consideraram o protagonismo de seus alunos, propiciando uma aprendizagem investigativa e colaborativa.

Os professores revelam reconhecer-se como produtores de um conhecimento especializado e responsáveis pela sua própria formação, investindo em estudos teóricos e metodológicos. Esse reconhecimento lhes permite o exercício da agência, ao agirem de forma crítica, propositiva e construtiva. A produção de narrativas pelos professores é um importante catalizador de suas memórias, um relevante momento de reflexão e de reelaboração de suas experiências.

A busca constante da ampliação do conhecimento profissional por esses professores, a partir das experiências que vivenciaram, dos contextos em que estão inseridos e, também, de suas preferências, criatividade, preocupação com o coletivo, evidenciam indícios de sua agência docente.

Material suplementario
Fontes
PROFESSORA VA. Entrevista concedida a Adriana Franco de Camargo Augusto e Celi Espasandin Lopes. Valinhos, 2023.
PROFESSOR LU. Entrevista concedida a Adriana Franco de Camargo Augusto e Celi Espasandin Lopes. Valinhos, 2023.
Referências
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